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Clonidina como medicação pré-anestésica em facectomias: comparação entre as doses de 100 µg e 200 µg

La clonidina como medicación preanestésica en facectomías: comparación entre las dosis de 100 µg y 200 µg

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Avaliar a sedação, a pressão intraocular e as alterações hemodinâmicas com o uso de doses baixas de clonidina, 100 µg e 200 µg por via oral, como medicação pré-anestésica para operações de catarata em regime ambulatorial. MÉTODO: O trabalho foi realizado pela Universidade Federal de São Paulo, sendo um estudo clínico aleatório e duplamente encoberto em 60 pacientes, de ambos os sexos, estado físico ASA 1 e 2, com idade mínima de 18 anos e máxima de 80 anos. Os pacientes foram divididos em três grupos: placebo, clonidina 100 µg e 200 µg. As medidas de pressão intraocular, frequência cardíaca e pressão arterial, além da avaliação de sedação, foram feitas antes e após 90 minutos da administração da clonidina. Os níveis de sedação foram classificados de acordo com a escala de sedação de Ramsay. RESULTADOS: Pacientes que receberam placebo e 100 µg de clonidina não apresentaram redução da frequência cardíaca com diferença estatística significativa, enquanto os que receberam 200 µg de clonidina, sim. Os que receberam clonidina na dose de 200 µg apresentaram redução na pressão arterial sistólica e diastólica (p < 0,05). Um paciente que utilizou 200 µg de clonidina desenvolveu hipotensão arterial grave com pressão sistólica < 80 mmHg. Os pacientes tratados com clonidina apresentaram redução da pressão intraocular (p < 0,05). Quanto à sedação, 90 minutos após a administração de placebo e clonidina 100 µg e 200 µg por via oral, 25%, 60% e 80% dos pacientes encontravam-se, respectivamente, em Ramsay 3 ou 4. CONCLUSÕES: A dose de 100 µg de clonidina pode ser indicada como medicação pré-anestésica para facectomia, possuindo efeito na sedação, diminuição da pressão intraocular e ausência de efeitos adversos na pressão arterial sistêmica e frequência cardíaca.

CIRURGIA, oftálmica; COMPLICAÇÕES; MEDICAÇÃO PRÉ-ANÉSTÉSICA


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Evaluar la sedación, la presión intraocular y las alteraciones hemodinámicas con el uso de bajas dosis de clonidina, 100 µg y 200 µg por vía oral, como medicación preanestésica para operaciones de catarata en el ambulatorio. MÉTODO: El trabajo fue realizado por la Universidad Federal de São Paulo, siendo un estudio clínico aleatorio y doble ciego en 60 pacientes de los dos sexos, estado físico ASA 1 y 2, con edad mínima de 18 años y máxima de 80 años. Los pacientes fueron divididos en tres grupos: placebo, clonidina 100 µg y 200 µg. Las medidas de presión intraocular, frecuencia cardiaca y presión arterial, además de la evaluación de sedación, fueron hechas antes y después de los 90 minutos iniciales en que se administró la clonidina. Los niveles de sedación se clasificaron de acuerdo con la escala de sedación de Ramsay. RESULTADOS: Los pacientes que recibieron placebo y 100 µg de clonidina, no presentaron una reducción de la frecuencia cardiaca con diferencia estadística significativa, mientras que los que recibieron 200 µg de clonidina, sí la presentaron. Los que recibieron clonidina en dosis de 200 µg presentaron una reducción en la presión arterial sistólica y diastólica (p < 0,05). Un paciente que utilizó 200 µg de clonidina, debutó con hipotensión arterial grave y presión sistólica < 80 mm Hg. Los pacientes tratados con clonidina, presentaron una reducción de la presión intraocular (p < 0,05). En cuanto a la sedación, 90 minutos después de la administración del placebo y la clonidina 100 µg y 200 µg por vía oral, 25%, 60% y 80% de los pacientes estaba respectivamente en Ramsay 3 ó 4. CONCLUSIONES: La dosis de 100 µg de clonidina puede ser indicada como una medicación preanestésica para facectomía, con efecto en la sedación, reducción de la presión intraocular y ausencia de efectos adversos en la presión arterial sistémica y en la frecuencia cardiaca.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The objective of the present study was to evaluate the degree of sedation, intraocular pressure, and hemodynamic changes with premedication with low doses of oral clonidine, 100 µg and 200 µg, in outpatient cataract surgeries. METHODS: This is a randomized, double-blind, clinical study undertaken at the Universidade Federal de São Paulo with 60 patients of both genders, physical status ASA 1 and 2, ages 18 to 80 years. Patients were separated into three groups: placebo, clonidine 100 µg, and clonidine 200 µg. Intraocular pressure, heart rate, and blood pressure besides assessment of sedation were measured before and 90 minutes after the administration of clonidine. Sedation levels were classified according to the Ramsay sedation scale. RESULTS: Patients who received placebo and 100 µg of clonidine did not show reduction in heart rate, while a reduction in heart rate was observed in patients who received 200 µg of clonidine, and this difference was statistically significant. Patients who received 200 µg of clonidine also had a reduction in systolic and diastolic blood pressure (p < 0.05). One patient who received 200 µg of clonidine developed severe hypotension, with systolic pressure < 80 mmHg. Patients treated with clonidine had a reduction in intraocular pressure (p < 0.05). Ninety minutes after the oral administration of placebo and 100 µg and 200 µg of clonidine, 25%, 60%, and 80% of the patients respectively were classified as Ramsay 3 or 4. CONCLUSIONS: Clonidine 100 µg can be indicated as premedication for fasciectomies, being effective in sedation and reduction of intraocular pressure, without adverse effects on blood pressure and heart rate.

COMPLICATIONS; PREMEDICATION; SURGERY, ophthalmologic


ARTIGO CIENTÍFICO

Clonidina como medicação pré-anestésica em facectomias: comparação entre as doses de 100 µg e 200 µg* * Recebido da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), SP

La clonidina como medicación preanestésica en facectomías: comparación entre las dosis de 100 µg y 200 µg

José Roquennedy Souza Cruz, TSAI; Denise Ferreira Barroso de Melo CruzII; Bruno Castelo BrancoIII; Ana Ellen de Queiroz Santiago, TSAIV; José Luiz Gomes do Amaral, TSAV

IMédico Anestesiologista da Universidade Federal de Sergipe; Médico Intensivista pela Associação Brasileira de Medicina Intensiva

IIOftalmologista do Instituto de Olhos de Sergipe - Ocular Day Hospital; Mestrado MBA em Oftalmologia pela UNIFESP; Título de Especialista em Oftalmologia pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia

IIIProfessor Substituto de Oftalmologia da Universidade Federal da Bahia; Doutor em Medicina pela UNIFESP; Mestrado MBA em Oftalmologia pela UNIFESP; Título de Especialista em Oftalmologia pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia

IVProfessora Assistente de Anestesiologia da Universidade Federal de Rondônia

VProfessor Titular de Anestesiologia da UNIFESP; Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB; Doutor e Mestre em Medicina pela Escola Paulista de Medicina; Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. José Roquennedy Souza Cruz Av. Sílvio Teixeira, 10 CC Brava, Barcelona 303 49025-100 Aracaju, SE E-mail: roquennedy@uol.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Avaliar a sedação, a pressão intraocular e as alterações hemodinâmicas com o uso de doses baixas de clonidina, 100 µg e 200 µg por via oral, como medicação pré-anestésica para operações de catarata em regime ambulatorial.

MÉTODO: O trabalho foi realizado pela Universidade Federal de São Paulo, sendo um estudo clínico aleatório e duplamente encoberto em 60 pacientes, de ambos os sexos, estado físico ASA 1 e 2, com idade mínima de 18 anos e máxima de 80 anos. Os pacientes foram divididos em três grupos: placebo, clonidina 100 µg e 200 µg. As medidas de pressão intraocular, frequência cardíaca e pressão arterial, além da avaliação de sedação, foram feitas antes e após 90 minutos da administração da clonidina. Os níveis de sedação foram classificados de acordo com a escala de sedação de Ramsay.

RESULTADOS: Pacientes que receberam placebo e 100 µg de clonidina não apresentaram redução da frequência cardíaca com diferença estatística significativa, enquanto os que receberam 200 µg de clonidina, sim. Os que receberam clonidina na dose de 200 µg apresentaram redução na pressão arterial sistólica e diastólica (p < 0,05). Um paciente que utilizou 200 µg de clonidina desenvolveu hipotensão arterial grave com pressão sistólica < 80 mmHg. Os pacientes tratados com clonidina apresentaram redução da pressão intraocular (p < 0,05). Quanto à sedação, 90 minutos após a administração de placebo e clonidina 100 µg e 200 µg por via oral, 25%, 60% e 80% dos pacientes encontravam-se, respectivamente, em Ramsay 3 ou 4.

CONCLUSÕES: A dose de 100 µg de clonidina pode ser indicada como medicação pré-anestésica para facectomia, possuindo efeito na sedação, diminuição da pressão intraocular e ausência de efeitos adversos na pressão arterial sistêmica e frequência cardíaca.

Unitermos: CIRURGIA, oftálmica: facectomia; COMPLICAÇÕES: pressão intraocular; MEDICAÇÃO PRÉ-ANÉSTÉSICA: clonidina

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Evaluar la sedación, la presión intraocular y las alteraciones hemodinámicas con el uso de bajas dosis de clonidina, 100 µg y 200 µg por vía oral, como medicación preanestésica para operaciones de catarata en el ambulatorio.

MÉTODO: El trabajo fue realizado por la Universidad Federal de São Paulo, siendo un estudio clínico aleatorio y doble ciego en 60 pacientes de los dos sexos, estado físico ASA 1 y 2, con edad mínima de 18 años y máxima de 80 años. Los pacientes fueron divididos en tres grupos: placebo, clonidina 100 µg y 200 µg. Las medidas de presión intraocular, frecuencia cardiaca y presión arterial, además de la evaluación de sedación, fueron hechas antes y después de los 90 minutos iniciales en que se administró la clonidina. Los niveles de sedación se clasificaron de acuerdo con la escala de sedación de Ramsay.

RESULTADOS: Los pacientes que recibieron placebo y 100 µg de clonidina, no presentaron una reducción de la frecuencia cardiaca con diferencia estadística significativa, mientras que los que recibieron 200 µg de clonidina, sí la presentaron. Los que recibieron clonidina en dosis de 200 µg presentaron una reducción en la presión arterial sistólica y diastólica (p < 0,05). Un paciente que utilizó 200 µg de clonidina, debutó con hipotensión arterial grave y presión sistólica < 80 mm Hg. Los pacientes tratados con clonidina, presentaron una reducción de la presión intraocular (p < 0,05). En cuanto a la sedación, 90 minutos después de la administración del placebo y la clonidina 100 µg y 200 µg por vía oral, 25%, 60% y 80% de los pacientes estaba respectivamente en Ramsay 3 ó 4.

CONCLUSIONES: La dosis de 100 µg de clonidina puede ser indicada como una medicación preanestésica para facectomía, con efecto en la sedación, reducción de la presión intraocular y ausencia de efectos adversos en la presión arterial sistémica y en la frecuencia cardiaca.

INTRODUÇÃO

A medicação pré-anestésica tem como objetivos: redução da ansiedade, sedação, amnésia, analgesia, redução de secreção das vias aéreas, prevenção de respostas a reflexos autonômicos, redução do volume do conteúdo gástrico e/ou aumento do pH, efeito antiemético, facilitação da indução anestésica, redução das necessidades de anestésicos, profilaxia de reações alérgicas e prevenção de eventos isquêmicos miocárdicos 1-5. Alguns desses objetivos, como alívio da ansiedade e sedação, aplicam-se a quase todos os pacientes, enquanto outros apenas ocasionalmente 6.

A clonidina é o protótipo dos α2-agonistas adrenérgicos. Tem efeito anti-hipertensivo, sedativo, inibidor de hiperatividade adrenérgica, bem como potente propriedade analgésica, antissialogoga e de diminuição da pressão intraocular 7,8. A clonidina como medicação pré-anestésica reduz a incidência de isquemia miocárdica intraoperatória 1,9,10, melhora o controle metabólico em pacientes diabéticos 11,12, reduz a incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório 13,14 e reduz ou abole os tremores no pós-operatório 9,15. O efeito da clonidina nas variáveis hemodinâmicas é controverso. Em operações de catarata, a clonidina em dose de 150 µg pode apresentar efeitos hemodinâmicos indesejáveis 7,8,16. Mas há também estabilidade hemodinâmica com essa dose, mesmo em população geriátrica 17. Em doses mais altas, acrescenta-se ainda diminuição excessiva da pressão intraocular 17. Os resultados dos trabalhos publicados até o momento não são suficientes para definir a melhor estratégia na condução da anestesia para tratamento cirúrgico de catarata 18,19. A maioria dos trabalhos com clonidina como medicação pré-anestésica em oftalmologia comparam doses de 150 a 300 µg. Com a hipótese de se obterem os efeitos desejáveis de sedação e diminuição da pressão intraocular, com estabilidade hemodinâmica, utilizando doses menores de clonidina, este estudo avaliou a sedação, a pressão intraocular e as alterações hemodinâmicas associadas ao uso da clonidina nas doses de 100 µg e 200 µg por via oral como medicação pré-anestésica para operações de catarata em regime ambulatorial, em comparação ao placebo.

MÉTODO

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Foi realizado estudo clínico aleatório e duplamente encoberto em 60 (sessenta) pacientes, de ambos os sexos, estado físico ASA I e II, com idade mínima de 18 anos e máxima de 80 anos, submetidos à facectomia extracapsular, utilizando ou não o facoemulsificador. Todos os pacientes que participaram do estudo assinaram termo de consentimento esclarecido após receberem informações sobre os objetivos e riscos do uso da clonidina por via oral. Os dados foram colhidos pelo mesmo médico anestesiologista e oftalmologista.

Foram excluídos do estudo, pacientes com infarto agudo do miocárdio nos 12 meses anteriores à operação, dor precordial tipo angina, hipertensão arterial descontrolada, uveíte, glaucoma, intervenção cirúrgica ocular prévia ou uso crônico de medicações tópicas. Foram anotados: peso, altura, estado físico ASA, doenças associadas e procedimento cirúrgico a ser realizado.

A distribuição aleatória foi feita utilizando-se 60 envelopes em branco, fechados previamente, identificando a medicação pré-anestésica. Existiam nesses envelopes 20 cartões para cada um dos grupos: placebo, clonidina 100 µg e clonidina 200 µg. A pessoa que abria o envelope e administrava não comunicava ao paciente ou aos médicos o conteúdo administrado: grupo 1 - placebo; grupo 2 - clonidina 100 µg; grupo 3 - clonidina 200 µg.

A dilatação pupilar foi realizada com fenilefrina 10%, 2 gotas e tropicamida 1%, 2 gotas em todos os pacientes após a verificação da pressão arterial e da frequência cardíaca. A pressão intraocular foi medida nos dois olhos com o tonômetro de aplanação de Perkins.

Após 90 minutos da administração da clonidina por via oral, eram feitas novas medidas da pressão intraocular, frequência cardíaca e pressão arterial. Em seguida, procedia-se ao bloqueio peribulbar. Após instilação de proximetacaína e antissepsia com iodopovidona tópica, a anestesia peribulbar foi realizada pela técnica de duas punções (superior e inferior) com agulha 30 × 7 mm. Após 15 minutos da realização do bloqueio e cerca de 105 minutos após a administração da clonidina, era feita nova avaliação da sedação.

Os níveis de sedação foram estudados antes e após a administração de clonidina por via oral e durante o procedimento cirúrgico, de acordo com a escala de sedação de Ramsay 20: 1 - paciente ansioso; 2 - calmo, acordado; 3 - sonolento, mas abre os olhos quando chamado; 4 - dormindo e responde somente a estímulos verbais vigorosos; 5 - dormindo e responde a estímulo doloroso de compressão da glabela; 6 - não responde a estímulo doloroso.

Os resultados foram analisados como média ± desvio-padrão (DP). A comparação entre os grupos quanto à pressão intraocular, frequência cardíaca e pressão arterial foi realizada pelo teste paramétrico t de Student. Dados ordinais, como sedação, foram analisados pelo teste de Kruskall-Wallis. Os dados obtidos foram considerados significativos quando o valor do p foi inferior a 0,05.

RESULTADOS

Os grupos não apresentaram diferença estatística significativa quanto ao sexo, idade, altura e peso (Tabela I). Foram avaliados 23 pacientes do sexo feminino (38%) e 37 do sexo masculino (62%). A média de peso dos pacientes dos grupos 1, 2 e 3 foi de 63,7 ± 9,5; 69,5 ± 9,3; 67,9 ± 12, respectivamente.

Desses pacientes, 36 (60%) eram hígidos e 24 (40%) tinham doenças sistêmicas associadas sendo classificados como ASA I e II, respectivamente. A técnica cirúrgica mais realizada foi a de facoemulsificação (73%).

Hipertensão arterial sistêmica (11) e diabetes mellitus (5) foram as doenças mais comumente encontradas. Foi relatado ainda um caso de artrite reumatoide, um caso de epilepsia e outro de rinite alérgica.

Os pacientes que receberam placebo e 100 µg de clonidina não apresentaram redução significativa da frequência cardíaca, enquanto os pacientes que receberam 200 µg apresentaram redução significativa na frequência cardíaca (Tabela II).

A Tabela II apresenta as médias de pressões sistólicas nos grupos. Os pacientes que receberam clonidina na dose de 200 µg (grupo 3) mostraram redução na pressão arterial sistólica com diferença estatística significativa.

Também nos pacientes deste grupo houve redução significativa na pressão arterial diastólica (Tabela II). Um paciente nesse grupo desenvolveu hipotensão arterial grave com pressão sistólica menor que 80 mm Hg, tratada com infusão rápida de Ringer com lactato.

Os pacientes que receberam clonidina e dilatação pupilar apresentaram redução significativa da pressão intraocular (Tabela II). No grupo placebo, houve tendência à redução da pressão intraocular, mas sem diferença estatística significativa.

Os pacientes que receberam clonidina e não foram submetidos à dilatação pupilar apresentaram redução significativa da pressão intraocular. No grupo placebo, houve tendência à redução da pressão intraocular, mas que não alcançou diferença estatística significativa (Tabela II).

Quanto ao nível de sedação obtido, após 90 minutos da administração da clonidina por via oral 60% dos pacientes do grupo 2 e 80% do grupo 3 estavam em Ramsay de 3 ou 4 contra 25% do grupo 1. Após a realização do bloqueio peribulbar com bupivacaína, 55%, 70% e 95% dos grupos 1, 2 e 3 encontravam-se em Ramsay de 3 ou 4 (Tabela III).

DISCUSSÃO

As doses de clonidina utilizadas neste estudo clínico controlado encoberto acrescentam resultados ainda não testados com a dose de 100 µg de clonidina por via oral como medicação pré-anestésica, em comparação à de 200 µg. O presente estudo demonstrou que é possível realizar sedação e obter diminuição da pressão intraocular sem ter alterações hemodinâmicas significativas com 100 µg.

No estudo, 60% dos pacientes apresentavam estado físico ASA I e 40% ASA II. Hamilton e col., em 12.000 procedimentos consecutivos de facectomia com implantação de lente intraocular, detectaram predominância de pacientes ASA 2 e 3. Schein e col. avaliando cerca de 20.000 pacientes com catarata também observaram que a maioria do grupo estava no estado físico ASA 2, porém neste estudo houve número menor de pacientes com comorbidades 21-23.

Como medicação pré-anestésica em pacientes com dilatação pupilar com tropicamida e fenilefrina a dose de 100 µg e 200 µg de clonidina por via oral causou redução de 13 e 24% da pressão intraocular, respectivamente. Utilizando clonidina de 100 e 200 µg por via oral, a redução da pressão intraocular nos pacientes sem dilatação pupilar foi de 17 e 25%, respectivamente. A avaliação do olho contralateral demonstrou que a redução da pressão intraocular não foi secundária ao uso dos colírios de tropicamida e fenilefrina. Na literatura consultada, não foi encontrada comparação entre as doses baixas usadas neste estudo. Ghignone e col. relataram redução de 35% na pressão intraocular (PIO) entre 90 e 120 min após dose oral de 5 µg.kg-1 de pré-medicação com clonidina, sendo sustentada por pelo menos seis horas 17.

Filos e col. encontraram uma diminuição ainda maior na PIO (47,8%) com uma dose oral semelhante, enquanto obtiveram uma redução de 32,1% com a dose de 150 µg (2 a 2,5 µg.kg-1), com diferença estatística significativa em relação com controle 8. Embora a redução na PIO seja um efeito desejado na extração de catarata, a redução muito grande pode resultar em dificuldade técnica para os cirurgiões. Filos e col., com a dose de 4 a 4,5 µg.kg-1 de clonidina (300 µg) por via oral como medicação pré-anestésica, encontraram dificuldade cirúrgica em 9 de 20 pacientes (redução de 47,8 ± 17,2%.), enquanto não houve qualquer reclamação dos cirurgiões nos outros dois grupos: dose baixa de 150 µg e placebo (p < 0,01), questionando-se aquela dose para medicação pré-anestésica 8. No presente estudo, não houve relato por parte dos cirurgiões de dificuldade técnica.

A avaliação de medicação pré-anestésica deve considerar, obviamente, efeitos desejados e incidência de complicações 21,24,25. A dose de 150 µg por via oral, por exemplo, foi considerada dose baixa, com alguns autores relatando alterações hemodinâmicas associadas 7,8,16 e outros não 17. O efeito da clonidina nas variáveis hemodinâmicas é controverso, com alguns autores sugerindo que não há alterações hemodinâmicas importantes em pacientes jovens e hígidos, enquanto outros relatam diminuição da pressão arterial sistêmica e bradicardia, mesmo nesse grupo. Outros, ainda, relatam maior estabilidade hemodinâmica em comparação a pacientes sem uso de clonidina pré-operatória. No presente estudo, não houve casos de bradicardia ou hipotensão arterial nos pacientes tratados com 100 µg de clonidina. Em contrapartida, houve um caso de hipotensão arterial grave (PAS menor que 80 mm Hg) no grupo de pacientes que recebeu a dose de 200 µg. Filos e col., utilizando dose de 300 µg de clonidina por via oral como medicação pré-anestésica, relataram 50% de bradicardia e 40% de hipotensão arterial em pacientes idosos submetidos a tratamento cirúrgico de catarata. Com a dose de 150 µg, encontrou 10% de bradicardia, havendo diferença estatística significativa entre os valores de bradicardia no grupo de dose alta e no de placebo. Em relação à pressão arterial, houve diferença significativa entre os dois grupos de clonidina e placebo, com diminuição das pressões arteriais sistólica, diastólica e média. Foi encontrada diferença estatística significativa também entre os dois grupos de clonidina (p < 0,001) 8. Ghignone e col. registraram 35% de casos de bradicardia com a dose de 300 µg e não encontraram complicações com a dose de 150 µg em pacientes geriátricos submetidos a operações oftálmicas 17. Stocche e col., estudando 60 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico de catarata com bloqueio peribulbar e dose de 150 µg de clonidina como medicação pré-anestésica em pacientes idosos, encontraram um caso de bradicardia (FC = 39 bpm) e nenhum no grupo controle 16. Outro estudo, com a clonidina por via oral como pré-medicação na dose de 300 µg, encontrou vários casos de hipotensão arterial no período intra e pós-operatório 26. Já outro com a clonidina por via oral na dose de 300 µg como medicação pré-anestésica não encontrou alteração hemodinâmica significante em relação ao grupo placebo 27.

Ferreira e col., utilizando clonidina 100 µg via oral como prémedicação em operações oftálmicas em 30 pacientes, encontraram 33% de bradicardia e 30% de hipotensão arterial em pacientes submetidos à anestesia geral, sendo que nos pacientes submetidos à anestesia locorregional não houve bradicardia nem hipotensão arterial 28. Stocche e col. obtiveram 60% de pacientes "calmos ou dormindo" quando tratados com clonidina 150 µg via oral após 30 minutos como medicação pré-anestésica 16. Esses resultados são semelhantes aos do presente estudo, porém neste com a dose de 100 µg de clonidina.

As operações intraoculares com anestesia regional demandam um paciente calmo, quieto e cooperativo 19,21,24,25,29. Noventa minutos após utilizar-se a clonidina nas doses de 100 e 200 µg, 60% e 80% dos pacientes estavam sedados em Ramsay 3 e 4, respectivamente, enquanto 25% dos que utilizaram placebo apresentavam-se naqueles níveis de sedação. Nenhum paciente necessitou de complementação na sedação, teve agitação ou mesmo sedação excessiva.

Concluindo, a clonidina na dose de 100 µg pode ser indicada como medicação pré-anestésica para facectomia por seu efeito na sedação, na diminuição da pressão intraocular e pela ausência de efeitos adversos na pressão arterial sistêmica e na frequência cardíaca.

Apresentado em 11 de fevereiro de 2009

Aceito para publicação em 21 de julho de 2009

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. José Roquennedy Souza Cruz
    Av. Sílvio Teixeira, 10 CC Brava, Barcelona 303
    49025-100 Aracaju, SE
    E-mail:
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    Recebido da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Jul 2009
    • Recebido
      11 Fev 2009
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