Acessibilidade / Reportar erro

Mudança de conduta cirúrgica motivada pela ecocardiografia transesofágica intraoperatória

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A utilização da ecocardiografia transesofágica (ETE) é de valor indiscutível em procedimentos cirúrgicos como valvoplastias, cirurgias da aorta torácica e correções de cardiopatias congênitas. Entre as grandes vantagens da utilização da ETE destacam-se a pouca invasividade do método e a capacidade de agregar informações que podem alterar o curso da cirurgia. O objetivo deste relato foi apresentar um caso onde a condução cirúrgica da paciente foi alterada em decorrência de novos diagnósticos feitos pela ecocardiografia transesofágica no intraoperatório e ressaltar a importância da utilização do eco transesofágico em cirurgias para correção de cardiopatia congênita. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 28 anos, ASA II, com história de dispneia progressiva aos médios e depois pequenos esforços, veio encaminhada de outro serviço para correção cirúrgica eletiva de estenose da valva pulmonar diagnosticada pela ecocardiografia transtorácica. A ecocardiografia transesofágica intraoperatória evidenciou presença do forâmen oval patente, estenose infundibular da via de saída do ventrículo direito e comunicação interventricular (CIV) perimembranosa subaórtica medindo 0,4 cm com fluxo da esquerda para direita. Após a entrada da paciente em circulação extracorpórea foram confirmados os diagnósticos mencionados acima, e a cirurgia realizada incluiu o fechamento do forâmen oval e da CIV e a ressecção da estenose do infundíbulo. Não houve intercorrências cirúrgicas, e a paciente foi encaminhada intubada para a unidade de terapia intensiva. CONCLUSÕES: A ecocardiografia transesofágica em pacientes submetidos à correção de cardiopatia congênita é de extrema utilidade, pois, além de ajudar no manejo hemodinâmico do paciente, pode trazer novas informações, capazes de melhorar o resultado final da cirurgia.

CIRURGIA, Cardíaca; DOENÇAS, Congênita; MONITORIZAÇÃO


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Transesophageal echocardiography (TEE) is extremely useful in surgeries like valvuloplasty, of the thoracic aorta, and correction of congenital cardiopathies. The low degree of invasiveness and the capacity to aggregate information that can change the course of the surgery are among the advantages of TEE. The objective of this report was to present a case in which the surgical conduct was changed due to a new diagnosis provided by intraoperative transesophageal echocardiography, and to emphasize the importance of using the transesophageal echo in surgeries to correct congenital cardiopathies. CASE REPORT: A 28-year old female, ASA II, with a history of dyspnea progressing from medium to small efforts was referred by another department for elective surgical correction of stenosis of the pulmonary valve diagnosed by transthoracic echocardiography. Intraoperative transesophageal echocardiography showed patent foramen ovale, infundibular stenosis of the right ventricular outlet, and perimembranous subaortic interventricular communication (IVC) of 0.4 cm with left to right shunt. After beginning ECC, the above mentioned diagnoses were confirmed and the surgery included closure of the foramen ovale and IVC, and resection of the infundibular stenosis. Intraoperative intercurrences were not observed and the patient was intubated when she was transferred to the intensive care unit. CONCLUSIONS: Transesophageal echocardiography is extremely useful in patients undergoing surgical correction of congenital cardiopathies because, besides helping the hemodynamic management, it can provide new information capable of improving the final result of the surgery.

DISEASES, Congenital; MONITORING; SURGERIES, Cardiac


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La utilización de la ecocardiografía transesofágica (ETE) es de un valor indiscutible en los procedimientos quirúrgicos como valvuloplastias, cirugías de la aorta torácica y correcciones de cardiopatías congénitas. Entre las grandes ventajas de la utilización de la ETE se destacan la poca invasión del método y la capacidad de agregar informaciones que pueden alterar el curso de la cirugía. El objetivo de este relato fue presentar un caso donde la conducción quirúrgica de la paciente fue alterada como consecuencia de nuevos diagnósticos detectados por la ecocardiografía transesofágica en el intraoperatorio y resaltar la importancia de la utilización del eco transesofágico en las cirugías para la corrección de la cardiopatía congénita. RELATO DEL CASO: Paciente del sexo femenino, 28 años, ASA II, con historial de disnea progresiva a los medios y después de pequeños esfuerzos. Llegó remitida de otro servicio para la corrección quirúrgica electiva de estenosis de la valva pulmonar diagnosticada por la ecocardiografía transtorácica. La ecocardiografía transesofágica intraoperatoria arrojó la presencia del foramen oval patente, estenosis infundibular de la vía de salida del ventrículo derecho y comunicación interventricular (CIV) perimembranosa subaórtica, midiendo 0,4 cm con flujo de la izquierda hacia la derecha. Después que la paciente entró en circulación extracorpórea, fueron confirmados los diagnósticos mencionados anteriormente y la cirugía realizada incluye el cierre del foramen oval y de la CIV, y la resección de la estenosis del infundíbulo. No se registraron intercurrencias quirúrgicas, y la paciente fue derivada, ya intubada, a la unidad de cuidados intensivos. CONCLUSIONES: La ecocardiografía transesofágica en pacientes sometidos a la corrección de cardiopatía congénita es de extrema utilidad, porque además de ayudar en el manejo hemodinámico del paciente, puede traer nuevas informaciones, capaces de mejorar el resultado final de la operación.

CIRUGÍA, Cardíaca; ENFERMEDADES, Congénita; MONITORIZACIÓN


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Mudança de conduta cirúrgica motivada pela ecocardiografia transesofágica intraoperatória* * Recebido do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP 1.

Alexander Alves da Silva, TSA; Enis Donizete Silva, TSA; Arthur Vitor Rosenti Segurado, TSA; Pedro Paulo Kimachi, TSA; Claudia Marques Simões, TSA

Anestesiologista da São Paulo Serviços Médicos de Anestesia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Alexander Alves da Silva Rua Leôncio de Carvalho, 303/62 Paraíso 04003-010 São Paulo, SP

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A utilização da ecocardiografia transesofágica (ETE) é de valor indiscutível em procedimentos cirúrgicos como valvoplastias, cirurgias da aorta torácica e correções de cardiopatias congênitas. Entre as grandes vantagens da utilização da ETE destacam-se a pouca invasividade do método e a capacidade de agregar informações que podem alterar o curso da cirurgia. O objetivo deste relato foi apresentar um caso onde a condução cirúrgica da paciente foi alterada em decorrência de novos diagnósticos feitos pela ecocardiografia transesofágica no intraoperatório e ressaltar a importância da utilização do eco transesofágico em cirurgias para correção de cardiopatia congênita.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 28 anos, ASA II, com história de dispneia progressiva aos médios e depois pequenos esforços, veio encaminhada de outro serviço para correção cirúrgica eletiva de estenose da valva pulmonar diagnosticada pela ecocardiografia transtorácica. A ecocardiografia transesofágica intraoperatória evidenciou presença do forâmen oval patente, estenose infundibular da via de saída do ventrículo direito e comunicação interventricular (CIV) perimembranosa subaórtica medindo 0,4 cm com fluxo da esquerda para direita. Após a entrada da paciente em circulação extracorpórea foram confirmados os diagnósticos mencionados acima, e a cirurgia realizada incluiu o fechamento do forâmen oval e da CIV e a ressecção da estenose do infundíbulo. Não houve intercorrências cirúrgicas, e a paciente foi encaminhada intubada para a unidade de terapia intensiva.

CONCLUSÕES: A ecocardiografia transesofágica em pacientes submetidos à correção de cardiopatia congênita é de extrema utilidade, pois, além de ajudar no manejo hemodinâmico do paciente, pode trazer novas informações, capazes de melhorar o resultado final da cirurgia.

Unitermos: CIRURGIA, Cardíaca: cardiopatia congênita, comunicação Interventricular; DOENÇAS, Congênita: cardiopatias; MONITORIZAÇÃO: ecocardiografia transesofágica

INTRODUÇÃO

Desde a introdução da ecocardiografia transesofágica intraoperatória na prática clínica dos anestesiologistas nos anos 1980, sua popularidade experimentou aumento significativo. Hoje, mais de 90% dos programas de formação e treinamento em anestesiologia cardiovascular nos Estados Unidos utilizam a ecocardiografia transesofágica intraoperatória como ferramenta diagnóstica ou para monitorização.

Para que essa utilização pudesse ser feita dentro de padrões acadêmicos aceitáveis, a Sociedade Americana de Anestesiologistas, em conjunto com a Sociedade Americana de Ecocardiografia e a Sociedade de Anestesiologistas Cardiovasculares, criou diretrizes para o uso intraoperatório do eco transesofágico.

Apesar de inúmeros, e bem conduzidos, trabalhos sobre o assunto, ainda há controvérsias na literatura quanto ao benefício da utilização de rotina em todos os tipos de procedimento cirúrgicos cardíacos 1, embora, na atualidade, fortes evidências dee suporte à utilização rotineira da ecocardiografia transesofágica em cirurgias para cardiopatia congênita.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 28 anos, 1,65 m e 69 kg, natural e procedente de São Paulo, estado físico ASA II, com diagnóstico ecocardiográfico prévio de estenose valvar pulmonar em programação eletiva para cirurgia.

Na visita pré-anestésica a paciente foi esclarecida e tomou ciência dos procedimentos anestésico-cirúrgicos a serem realizados, bem como dos potenciais riscos e benefícios associados aos mesmos.

Ao chegar à sala cirúrgica, a paciente foi monitorizada com: cardioscópio, oxímetro de pulso, BIS® e manguito de pressão arterial não invasiva. A indução anestésica foi realizada com fentanil 10 µg.kg-1, seguida de propofol em injeção lenta até a obtenção do índice bispectral abaixo de 60, cisatracúrio 0,15 µg.kg-1 e manutenção com isoflurano, inclusive durante a circulação extracorpórea. Após a intubação traqueal, ela foi acoplada ao aparelho de anestesia Zeus®; foi passada sonda vesical de demora, locado o termômetro nasofaríngeo, puncionado acesso venoso central por via jugular anterior direita e artéria radial esquerda para monitorização invasiva da pressão arterial.

O estômago foi cuidadosamente esvaziado por aspiração e, após isto, foi colocado um bocal de proteção através do qual a sonda multiplanar do eco transesofágico (ETE), previamente lubrificada com lidocaína geleia 2%, foi introduzida até o esôfago. O exame inicial com o ETE foi realizado de acordo com a nossa rotina, onde todos os cortes e filmes necessários para o exame básico são obtidos e registrados digitalmente no próprio aparelho de ecocardiografia (Sonosite Micromaxx®) para posterior análise e revisão; somente após isso os achados que mais chamaram a atenção são revistos com maior detalhe.

No eco intraoperatório evidenciou-se hipertrofia ventricular direita importante (Figura 1) e a função contrátil preservada globalmente, com fração de ejeção estimada em 56%. Além disso, encontrou-se o forâmen oval patente diagnosticado com o auxílio da injeção de solução salina agitada (que serve como contraste no exame ecocardiográfico) injetada pelo cateter central, e foram visualizados no corte quatro câmaras padrão com o eixo do multiplano a 0º, passando para o lado esquerdo do coração; estenose infundibular da via de saída do ventrículo direito evidenciada no plano da aorta eixo curto com o multiplano em 58º (Figura 2 e 3); além de, refluxo tricúspide, que permitiu estimar a pressão sistólica da artéria pulmonar em aproximadamente 80 mmHg. A estimativa é feita através da equação de Bernoulli, que transforma a velocidade do fluxo medido pelo Doppler posicionado sobre o refluxo da valva em pressão. A esse valor adicionamos o valor da pressão do átrio direito usando a pressão venosa central, e por último encontrouse a comunicação interventricular (CIV) perimembranosa subaórtica medindo 0,4 cm, com fluxo da esquerda para direita ao exame com o Doppler colorido (Figura 4).





Após a instalação da circulação extracorpórea, todos os achados ecocardiográficos foram confirmados pelo cirurgião. A CIV foi corrigida com patch de pericárdio autólogo previamente preparado, o forâmen oval foi fechado com pontos de fio de prolene, e a estenose infundibular foi ressecada.

Ao final da correção cirúrgica, o ETE foi novamente ligado para monitorar a presença de ar nas câmaras cardíacas durante a saída da circulação extracorpórea, que ocorreu sem problemas, bem como para a realização do exame de controle, que confirmou a ausência de fluxo através da CIV e do forâmen oval, além do aumento do diâmetro do infundíbulo do VD. A pressão sistólica da artéria pulmonar não pôde ser estimada, pois o refluxo tricúspide mínimo não permitiu o cálculo.

Como havia risco de edema agudo de pulmão pela ressecção da estenose da via de saída do VD, a paciente seguiu intubada para a terapia intensiva. Sete horas após a admissão naquela unidade, a paciente foi extubada, recebendo alta no terceiro dia pós-operatório. A alta hospitalar ocorreu no sexto dia após a cirurgia sem nenhuma intercorrência.

DISCUSSÃO

O impacto da utilização do eco transesofágico em pacientes com cardiopatia congênita vem sendo estudado por diversos grupos. Nos trabalhos publicados, chega até 19% a ocorrência de um novo diagnóstico pelo ETE no intraoperatório e, quando considerado esse dado adicional levando a uma mudança na estratégia cirúrgica previamente estabelecida, a média nos relatos é de alteração de conduta em 2,1% dos casos 2.

Esse último número pode até parecer pequeno, porém devese lembrar que muitos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos cardíacos não irão suportar uma segunda intervenção em curto prazo; portanto, nesses casos, a utilização do eco é de suma importância.

Entre os principais motivos para as variações encontradas pelos autores entre os diversos estudos estão a qualidade do eco transtorácico realizado no pré-operatório, o tempo decorrente entre esse exame e a operação e os casos de pacientes que vão para a sala cirúrgica com achados baseados somente no cateterismo cardíaco. Além disso, foram citadas também as características individuais de cada paciente que podem levar a uma condição técnica desfavorável (janela acústica ruim) para a realização do exame transtorácico, como, por exemplo, deformidades da caixa torácica, obesidade e cirurgias prévias.

Por outro lado, análises multivariadas não permitiram que se estabelecessem um ou mais desses fatores mencionados como sendo determinantes maiores de propensão para o risco de uma correção cirúrgica incompleta 3.

Ainda de acordo com a literatura, o maior impacto da utilização do eco transesofágico no intraoperatório é percebido em pacientes submetidos à cirurgia de Ross (autotransplante da valva pulmonar na posição aórtica), ressecção de estenose subaórtica e defeitos do septo atrioventricular, seguidos pela correção da tetralogia de Fallot, comunicações interventriculares e, por último, comunicações interatriais 4,5.

No presente caso, o diagnóstico de CIV feito pelo eco transesofágico foi fundamental para se evitar nova cirurgia no futuro, pois a característica e a gravidade do defeito iriam impor essa necessidade. Certamente sem esse dado adicional o cirurgião não teria procurado pelo defeito, por não haver a necessidade da inspeção cirúrgica da região subaórtica, e, portanto, não teria feito a correção. Quanto à estenose do infundíbulo e ao forâmen oval patente, ambos seriam achados cirúrgicos no intraoperatório. A valva pulmonar não apresentava alterações e não foi manipulada.

Outro dado interessante é que neste caso não houve necessidade de retorno para a circulação extracorpórea para a correção dos novos diagnósticos. Esse é outro ponto que gera grande discussão por não ser tão simples, principalmente nos casos onde a primeira circulação foi prolongada.

O exame detalhado no período intraoperatório permite ao cirurgião cardíaco e ao anestesiologista validar os achados pré-operatórios e consequentemente evitar uma intervenção desnecessária com sua morbidade associada. Além disso, os achados intraoperatórios podem fornecer a oportunidade de mudar o procedimento planejado, melhorando o resultado final para o paciente e possivelmente evitando um procedimento cirúrgico adicional no futuro.

Apresentado em 10 de junho de 2009

Aceito para publicação em 14 de outubro de 2009

  • 01. Eltzschig HK, Rosenberger P, Löffler M et al. - Impact of Intraoperative transesophageal echocardiography on surgical decisions in 12,566 patients undergoing cardiac surgery. Ann Thorac Surg, 2008;85:845-852.
  • 02. Bettex DA, Schmidlin D, Bernath MA et al. - Intraoperative transesophageal echocardiography in pediatric congenital cardiac surgery: a two-center observational study. Anesth Analg, 2003;97:1275-1282
  • 03. Ungerleider RM, Kisslo JA, Greeley WJ et al. - Intraoperative echocardiography during congenital heart operations: experience from 1000 cases. Ann Thorac Surg, 1995;60:S539-542.
  • 04. Stevenson JG, Sorensen GK, Gartman DM et al. - Transesophageal echocardiography during repair of congenital cardiac defects: identification or residual problems necessitating reoperation. J Am Soc Echocardiogr, 1993;6:356-365.
  • 05. Ramamoorthy C, Lynn AM, Stevenson JG - Pro: transesophageal echocardiography should be routinely used during pediatric open cardiac surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth, 1999;13:629-631.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Alexander Alves da Silva
    Rua Leôncio de Carvalho, 303/62 Paraíso
    04003-010 São Paulo, SP
  • *
    Recebido do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP 1.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      10 Jun 2009
    • Aceito
      14 Out 2009
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org