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Osteogenesis Imperfecta em obstetrícia: Relato de caso

Osteogénesis Imperfecta en obstetricia: Relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Osteogenesis Imperfecta é uma condição rara, principalmente em pacientes obstétricas. A prevalência estimada é de 1/10.000 na população geral e 1/25.000 a 30.000 em pacientes obstétricas. O objetivo deste artigo foi relatar caso raro de gestante a termo, portadora de Osteogenesis Imperfecta, submetida à operação cesariana. RELATO DO CASO: Gestante de 23 anos, idade gestacional 38 semanas, admitida na maternidade com quadro de perda de líquido amniótico e contrações há 4 horas da admissão associado à ausência de movimentos fetais há 4 dias. Portadora de Osteogenesis Imperfecta forma leve, sem outras comorbidades associadas, não fazia uso de medicações nem acompanhamento pré-natal. Submetida à raquianestesia no interespaço L3-L4, mediana, punção única com agulha de Quincke 27G e injeção de bupivacaína 0,5% hiperbárica (10 mg) e morfina (60 µg). Alta no segundo dia pós-operatório sem queixas. CONCLUSÕES: A fertilidade está preservada, principalmente naquelas pacientes com o tipo I da doença, e a gestação pode ser conduzida até o termo. O parto geralmente é cirúrgico devido a deformidades pélvicas da gestante, desproporção cefalopélvica e incidência aumentada de anormalidades na apresentação fetal. A importância do anestesiologista na equipe está no manejo perioperatório e na escolha da técnica anestésica mais apropriada a cada paciente.

CIRURGIA; CIRURGIA; DOENÇAS; DOENÇAS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La Osteogénesis imperfecta es una condición rara, principalmente en pacientes obstétricas. La prevalencia estimada es de 1/10.000 en la población general y 1/25.000 a 30.000 en pacientes obstétricas. El objetivo de este artículo, fue relatar un caso raro de gestante a término portadora de osteogénesis imperfecta sometida a operación por cesárea. RELATO DEL CASO: Gestante de 23 años, edad gestacional 38 semanas, admitida en maternidad con un cuadro de pérdida de líquido amniótico y contracciones hacía ya 4 horas desde que llegó a admisión, asociado a la ausencia de movimientos fetales hacía 4 días. Paciente portadora de osteogénesis imperfecta forma leve, sin otras comorbidades asociadas, no usaba medicaciones ni poseía seguimiento prenatal. Fue sometida a la raquianestesia en el interespacio L3-L4, mediana, punción única con aguja de Quincke 27G e inyección de bupivacaína 0,5% hiperbárica (10 mg) y morfina (60 µg). Recibió alta en el 2º día del postoperatorio sin quejidos de dolor. CONCLUSIONES: La fertilidad está preservada, principalmente en las pacientes con el tipo I de la enfermedad, y la gestación puede ser conducida hasta el final. El parto generalmente es quirúrgico y debido a deformidades pélvicas de la embarazada, desproporción céfalopélvica, e incidencia aumentada de anormalidades en la presentación fetal. La importancia del anestesista en el equipo está en el manejo perioperatorio y en la elección de la técnica anestésica más apropiada para cada paciente.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Osteogenesis Imperfecta is a rare condition, especially in obstetric patients. It has an estimated prevalence of 1/10,000 in the general population, and 1/25,000 to 30,000 in obstetric patients. The objective of this report was to present a rare case of a pregnant woman with Osteogenesis Imperfecta undergoing cesarean section. CASE REPORT: This is a 23 years old gravida on the 38th week, admitted to the maternity ward with loss of amniotic fluid and contractions for four hours, associated with the absence of fetal movements for four days. The patient had a mild form of Osteogenesis Imperfecta without other comorbidities. She was not taking any medication, and she did not have prenatal follow-up. The patient underwent spinal anesthesia in the L3-L4 space, median approach, with a single puncture with a 27G Quincke needle and the administration of hyperbaric 0.5% bupivacaine (10 mg) and morphine (60 µg). She was discharged in the second postoperative day without complaints. CONCLUSIONS: Fertility is preserved, especially in those patients with type I of the disease, and pregnancy can be carried to term. Delivery is usually surgical due to pelvic deformities in the gravida, cephalopelvic disproportion, and increased incidence of abnormal fetal presentation. The importance of the anesthesiologist in the surgical team relies on the perioperative management and the choice of the most appropriate anesthetic technique for each patient.

ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETIC TECHNIQUES; DISEASES; DISEASES; SURGERY; SURGERY


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Osteogenesis Imperfecta em obstetrícia. Relato de caso

Ticiana Goyanna LyraI; Vanessa Alves Fernandes PintoII; Fábio André Barbosa IvoIII; Jedson dos Santos Nascimento, TSAIV

IME2 do CET/SBA da Santa Casa de Misericórdia da Bahia

IIAnestesiologista da Maternidade de Referência Professor José Maria de Magalhães Netto

IIIME3 do CET/SBA Obras Sociais Irmã Dulce

IVProfessor Doutor em Anestesiologia; Responsável pelo CET/SBA Santa Casa de Misericórdia da Bahia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Ticiana Goyanna Lyra Serviço de Anestesia - Hospital Santa Izabel Praça Almeida Couto, s/nº Nazaré 40050-405 - Salvador, BA E-mail: ticig@yahoo.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Osteogenesis Imperfecta é uma condição rara, principalmente em pacientes obstétricas. A prevalência estimada é de 1/10.000 na população geral e 1/25.000 a 30.000 em pacientes obstétricas. O objetivo deste artigo foi relatar caso raro de gestante a termo, portadora de Osteogenesis Imperfecta, submetida à operação cesariana.

RELATO DO CASO: Gestante de 23 anos, idade gestacional 38 semanas, admitida na maternidade com quadro de perda de líquido amniótico e contrações há 4 horas da admissão associado à ausência de movimentos fetais há 4 dias. Portadora de Osteogenesis Imperfecta forma leve, sem outras comorbidades associadas, não fazia uso de medicações nem acompanhamento pré-natal. Submetida à raquianestesia no interespaço L3-L4, mediana, punção única com agulha de Quincke 27G e injeção de bupivacaína 0,5% hiperbárica (10 mg) e morfina (60 µg). Alta no segundo dia pós-operatório sem queixas.

CONCLUSÕES: A fertilidade está preservada, principalmente naquelas pacientes com o tipo I da doença, e a gestação pode ser conduzida até o termo. O parto geralmente é cirúrgico devido a deformidades pélvicas da gestante, desproporção cefalopélvica e incidência aumentada de anormalidades na apresentação fetal. A importância do anestesiologista na equipe está no manejo perioperatório e na escolha da técnica anestésica mais apropriada a cada paciente.

Unitermos: CIRURGIA, Obstétrica: cesariana; DOENÇAS, Genética: osteogênese imperfeita; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: subaracnoidea.

INTRODUÇÃO

A Osteogenesis Imperfecta (OI) é uma condição rara, principalmente em pacientes obstétricas. A prevalência estimada é de 1/10.000 na população geral e 1/25.000 a 30.000 em pacientes obstétricas 1,2. Resulta de mutações nos genes que produzem o colágeno envolvidos na ossificação endocondral, com consequente fragilidade óssea e múltiplas fraturas espontâneas ou após leves traumas 3. Apresenta-se em uma variedade de formas clínicas de acordo com a gravidade do acometimento. O tipo I é o mais comum, com acometimento leve, sem grandes deformidades e estatura normal. O tipo II é o mais grave, acometendo neonatos, geralmente incompatível com a vida. No tipo III, os pacientes apresentam baixa estatura, fácies triangular e deformidades ósseas. O tipo IV é heterogêneo, com variação clínica e de gravidade. Existe ainda o tipo V, recentemente descrito na literatura, que é a OI com hipercalosidade e ossificação da membrana interóssea do antebraço 3.

A importância deste assunto na literatura está na raridade do caso e na escassez de artigos publicados em revistas de Anestesiologia. O objetivo deste artigo foi relatar caso raro de gestante a termo portadora de Osteogenesis Imperfecta submetida à operação cesariana sob anestesia subaracnoidea.

RELATO DO CASO

Gestante de 23 anos, gesta 2 para 1, idade gestacional 38 semanas, parto cesáreo há um ano, com quadro de perda de líquido amniótico e contrações há 4 horas da admissão associado à ausência de movimentos fetais há 4 dias. Ao exame, feto inaudível e início de trabalho de parto. Portadora de OI forma leve, sem outras comorbidades associadas, não fazia uso de medicações nem acompanhamento pré-natal. Apresentava leves deformidades em membros superiores e inferiores, além de escoliose lombar. História de cirurgias prévias para correção de fraturas de fêmur e bacia. Admitida para parto cesáreo, hemodinamicamente estável. Exames laboratoriais (hemograma, função renal, glicemia, coagulograma) sem alterações e sorologias (HIV, VDRL e AgHBs) negativas.

Monitorada com eletrocardiógrafo contínuo, oxímetro de pulso e pressão arterial não invasiva. Punção venosa periférica com cateter 18G e oxigênio via cateter nasal 3 L.min-1. Submetida à raquianestesia no interespaço L3-L4, mediana, punção única com agulha de Quincke 27G e injeção de bupivacaína 0,5% hiperbárica (10 mg) e morfina (60 µg). Antes do procedimento cirúrgico, foram administradas dexametasona (4 mg) e cefalotina (2 g), no intraoperatório, ocitocina (5 UI) e, ao final do procedimento, dipirona (2 g), cetoprofeno (100 mg) e ondansetrona (4 mg). Hidratação com 1000 mL de Ringer com lactato e 500 mL de solução fisiológica. Manteve-se hemodinamicamente estável durante todo o intra e pós-operatório, recebendo alta no segundo dia pós-operatório sem queixas.

DISCUSSÃO

A OI pode vir associada a outras características clínicas, como escleras azuladas, hiper-hidrose, surdez de condução, hipertermia, deformidades odontológicas, disfunção plaquetária, cardiopatia congênita, cardiopatia valvar, cor pulmonale, doenças articulares e dermatológicas 4.

A fertilidade está preservada, principalmente naquelas pacientes com o tipo I da doença, e a gestação pode ser conduzida até o termo. A incidência de fraturas não está aumentada durante a gravidez. O parto geralmente é cirúrgico, devido a deformidades pélvicas da gestante, desproporção cefalopélvica e incidência aumentada de anormalidades na apresentação fetal 4,5. O tratamento com bifosfonados antes da gestação é controverso devido à interferência no metabolismo materno do cálcio e a alterações na modelação óssea fetal. Relatos de caso de tratamento prolongado com bifosfonados antes da concepção não evidenciaram reações adversas maternas ou fetais 6.

O diagnóstico fetal pode ser feito por meio de biópsia de vilo corial e exames de imagem do feto. Se houver confirmação pré-natal de OI no feto, especialmente da forma letal, o parto cesáreo não está indicado, pois, além de aumentar a morbidade materna, não melhora o prognóstico neonatal. A cesariana também não diminui o número de fraturas em neonatos com formas não letais 5.

Medidas devem ser tomadas pelo anestesiologista para evitar maiores danos às pacientes, tais como acolchoar a mesa cirúrgica, evitar hiperinsuflação do manguito de pressão arterial e a laringoscopia deve ser feita com movimentos suaves. A utilização de pressão arterial invasiva deve ser considerada em pacientes com OI grave. Anormalidades da coluna vertebral e compressões neurais secundárias a múltiplas fraturas podem impossibilitar o bloqueio de neuroeixo 1. Na gravidez, a diminuição fisiológica da capacidade residual funcional pode-se somar à diminuição da capacidade vital decorrente de pneumopatia restritiva secundária a fraturas múltiplas de vértebras e costelas.

Na anestesia geral, proceder à anestesia tópica de orofaringe antes da laringoscopia com a paciente acordada para avaliação de dificuldade de intubação. Intubação por broncofibroscopia e uso de máscara laríngea devem ser consideradas 4. Alterações anatômicas como pescoço curto, projeções temporal e occipital e mandíbula proeminente podem levar à dificuldade de intubação. Fraturas dentárias, de mandíbula, coluna cervical e hemorragia mucosa são complicações de múltiplas tentativas de intubação nessas pacientes 7. Agentes inalatórios e succinilcolina podem desencadear hipertermia maligna, mesmo naqueles pacientes não geneticamente susceptíveis 8.

Na anestesia espinhal, além das dificuldades técnicas, as deformidades de coluna tornam o nível do bloqueio imprevisível. Anestesia espinhal contínua com cateter peridural ou subaracnoideo é uma opção mais segura.

Sangramento excessivo até coagulação intravascular disseminada é uma complicação em pacientes com OI submetidos a procedimentos cirúrgicos. Há fragilidade capilar, diminuição de fator VIII e da atividade plaquetária secundária à deficiência de ligação ao colágeno. Essa deficiência do colágeno leva a tecidos friáveis e inadequada vasoconstrição em resposta ao sangramento 7. As gestantes estão mais predispostas à atonia uterina no período pós-parto.

Este relato descreveu um caso raro de OI em gestante submetida a parto cesáreo de urgência. A importância do anestesiologista na equipe está no manejo perioperatório e na escolha da técnica anestésica mais apropriada a cada paciente.

Submetido em 24 de junho de 2009

Aprovado para publicação em 3 de fevereiro de 2010

Recebido da Maternidade de Referência Professor José Maria de Magalhães Netto, CET/ SBA da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, Salvador, BA

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  • Endereço para correspondência:

    Dra. Ticiana Goyanna Lyra
    Serviço de Anestesia - Hospital Santa Izabel
    Praça Almeida Couto, s/nº Nazaré
    40050-405 - Salvador, BA
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      24 Jun 2009
    • Aceito
      03 Fev 2010
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