Acessibilidade / Reportar erro

Jonnesco: um século de história da anestesia raquídea torácica

EDITORIAL

Jonnesco: um século de história da anestesia raquídea torácica

Em novembro de 2009, fez 100 anos que Thomas Jonnesco publicou seu trabalho intitulado "Analgesia espinal geral" através da punção subaracnóidea na região torácica 1.

Por meio de estudo com imagem de ressonância magnética (IRM), ficou demonstrado que existe grande distância entre as meníngeas e a medula espinal 2. Este estudo foi realizado com 16 pacientes mostrando que existe um espaço onde se pode colocar uma agulha com segurança e realizar anestesia raquídea torácicas, sendo que a maior distância encontrada foi na altura da 5ª vértebra torácica (± 5 mm). No passado, a mielografia subaracnóidea, realizada por neurologistas e neurorradiologistas, foi bastante utilizada através da punção torácica e cervical 3 e imediatamente aceita como uma alternativa em relação à punção lombar 4. Este procedimento é geralmente considerado seguro, mas, ocasionalmente, foi notada "sensação elétrica" causada pela penetração da agulha na medula espinal, porém sem relatarem complicações resultantes 5. Interessante é que, com o advento da IRM a mielografia subaracnóidea continua sendo realizada com algumas indicações 6. Contudo, entre os anestesiologistas, ainda persiste o receio do risco de lesão direta da medula espinal com a punção do espaço subaracnóideo acima da 1ª vértebra lombar.

Em 1909, Thomas Jonnesco 1 propôs a realização de anestesia raquídea geral para cirurgias de crânio, cabeça, pescoço e tórax. Ele realizava punção entre a 1ª e a 2ª vértebras torácicas, a qual produzia uma perfeita e profunda analgesia para o segmento do corpo compreendendo cabeça, pescoço e membros superiores. Como a punção torácica média entre a 7ª e a 8ª vértebras era mais difícil de realizar e desnecessária para cirurgias do segmento torácico baixo, ele realizava a punção entre a 12ª vértebra torácica e a 1ª vértebra lombar, a qual era facilmente realizada e produzia anestesia para a parte inferior do corpo.

Em 1954, Frumin e col. 7 propõem a realização de anestesia raquídea segmentar por punção torácica baixa. O grupo estudou a anestesia raquídea segmentar em 10 pacientes, por punção lombar e colocação de cateter radiopaco no espaço subaracnóideo até atingir a 12ª vértebra torácica. Com o paciente em decúbito dorsal injetava-se procaína a 5% através do cateter em 3 segundos, obtendo bloqueio torácico baixo e lombar superior em nove de 10 pacientes.

Em 2006, começa a nova era de estudos da anestesia raquídea na região torácica buscando a segurança total. Van Zundert e col. 8 propuseram a realização de anestesia raquídea segmentar para colecistectomia videolaparoscópica em paciente com grave doença pulmonar obstrutiva, por punção torácica baixa (T10) através do bloqueio combinado raqui-peridural. No ano seguinte 9, o mesmo grupo demonstra que a anestesia raquídea segmentar por punção, da mesma forma descrita no trabalho anterior 8, pode ser usada com segurança em pacientes saudáveis submetidos à colecistectomia videolaparoscópica. Diferentemente de van Zundert e col. 8,9 que utilizaram a agulha ponta de lápis para realização de anestesia raquídea torácica, aqui no Brasil foi utilizada agulha cortante do tipo Quincke, por apresentar orifício terminal 10. O orifício da agulha ponta de lápis está a 0,8 mm da sua ponta, sendo dessa forma necessária introdução de mais de 2 mm no espaço subaracnóideo para se ter certeza que todo o orifício esteja dentro do canal vertebral e se obtenha o líquido cefalorraquidiano (LCR) 11. Em relação à segurança das agulhas ponta de lápis, Turner e Shaw 12 foram os primeiros a chamar atenção, pois descreveram uma alta incidência de parestesia. Isso é verdade com as agulhas ponta de lápis, também chamadas atraumáticas, pois há necessidade de se introduzir até 1 mm da sua ponta cega para o aparecimento de LCR, o que não é necessário com a agulha tipo Quincke. Com agulhas com bisel cortante, imediatamente após sua penetração na dura-máter aparece líquido cefalorraquidiano.

A agulha ponta de lápis, usualmente a 25G e 27G Whitacre, foi utilizada em todos os sete casos descritos com dano neurológico após anestesia raquídea ou bloqueio combinado raqui-peridural 13. Estudo in vitro com microscopia eletrônica de varredura mostrou que a agulha ponta de lápis causa maior lesão nas membranas do que a ponta cortante 14. O orifício deixado pela agulha ponta de lápis provavelmente causa menor perda de LCR, porém o dano pode ser maior quando em contato com tecido espinal.

No Brasil, não existem dados para afirmar qual a agulha mais utilizada. Sem um bom estudo comparativo, é impossível dizer qual a agulha está mais associada a lesões da medula espinal, porém alguns dados indicam ser a agulha ponta de lápis. Alta incidência de parestesia (12%) foi notada com agulha ponta de lápis comparada com a cortante 15, e 26,6% com o bloqueio combinado raqui-peridural 16, números maiores do que os relatados com agulhas cortantes.

Em 1909, Jonnesco escreveu 1: "A agulha que prefiro tem uma ponta meio quadrada, pois uma vez que o espaço aracnoide é relativamente pequeno, se a ponta da agulha é oblíqua, é possível que parte do orifício entre na dura-máter enquanto o resto fica do lado de fora". Visão fantástica, ele não apenas usava a anestesia raquídea torácica como preferia a agulha com ponta cortante. As histórias descritas em todos os pacientes em que foram usadas agulhas ponta de lápis, com lesão de mais de uma raiz, sugerem fortemente que a ponta da agulha sozinha pode causar lesão ao cone medular. Dessa forma, estudos comparando as agulhas do mercado são importantes nesse momento em que a anestesia raquídea torácica começa a ser cientificamente bem desenvolvida.

Dr. Luiz Eduardo Imbelloni

MD,TSA

  • 01. Jonnesco T. General spinal analgesia. Br Med J 1909;2:1396-1401.
  • 02. Imbelloni LE, Ferraz-Filho JR, Quirici MB et al - Magnetic resonance imaging of the spinal column. Br J Anaesth. 2008;101:433-434.
  • 03. Robertson HJ, Smith RD - Cervical myelography: Survey of modes of practice and major complications. Neuroradiology, 1990;174:79-83.
  • 04. Orrison WW, Eldervik OP, Sacket JF - Lateral C1-2 puncture for cervical myelography, III. Historical, anatomic, and technical considerations. Radiology 1983;146:401-408.
  • 05. Heinz ER, Goldman RL - The role of gas myelography in neuroradiologic dianosis. Radiology 1972;102:629-634.
  • 06. Sandow BA, Donnal JF - Myelography complications and current practice patterns. AJR 2005;185:768-771.
  • 07. Frumin MJ, Schwartz H, Burns J et al. - Dorsal root ganglion blockade during threshold segmental spinal anesthesia in man. J Pharm Exp Ther, 1954;112:387-392.
  • 08. van Zundert AAJ, Stultiens G, Jakimowicz JJ et al. - Segmental spinal anaesthesia for cholecystectomy in a patient with severe lung disease. Br J Anaesth, 2006;96:464-466.
  • 09. van Zundert AAJ, Stultiens G, Jakimowicz JJ et al. - Laparoscopic cholecystectomy under segmental thoracic spinal anaesthesia: a feasibility study. Br J Anaesth, 2007;98:682-686.
  • 10. Imbelloni LE, Fornasari M, Fialho JC. - Uso do bloqueio combinado raqui-peridural durante cirurgia de cólon em paciente de alto risco. Relato de Caso. Rev Bras Anestesiol, 2009;59:741-745.
  • 11. Krommendijk EJ, Verheinjen R, van Dijk B et al. - The pencan 25-gauge needle: A new pencil-point for spinal anesthesia tested in 1,193 patients. Reg Anesth Pain Med, 1999:24:43-50.
  • 12. Turner MA, Shaw M. - Atraumatic spinal needles. Anaesthesia, 1993;48:452.
  • 13. Reynolds, F. - Damage to the conus medullaris following spinal anaesthesia. Anaesthesia, 2001;56:238-47.
  • 14. Reina MA, de Leon-Casasola OA, Lopez A et al. - An in vitro study of dural lesions produced by 25-gauge Quincke and Whitacre needles evaluated by scanning electron microscopy. Reg Anesth Pain Med, 2000;25:393-402.
  • 15. Hopkinson JM, Samaan AK, Russell IF et al. - A comparative multicentre trial of spinal needles for caesarean section. Anaesthesia, 1997;52:998-1014.
  • 16. Turner MA, Reifenberg NA - Combined spinal epidural anaesthesia. The single space double-barrel technique. Int J Obstet Anesth, 1995;4:158-160.
  • 17. Revista Brasileira de Anestesiologia Vol. 60, Nº 4, Julho-Agosto, 2010

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org