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Pesquisa e medicina baseada em evidências

EDITORIAL

Pesquisa e medicina baseada em evidências

A medicina baseada em evidências é uma prática que cresce de forma acentuada nos últimos tempos. Inicialmente idealizada para a tomada de decisões no tratamento, diagnóstico e terapêutica na prática da clínica médica, vem encontrando defensores em quase todas as áreas da ciência médica e na anestesiologia, aí incluída a prática clínica. Ainda que muitos sejam seus críticos, ela veio para permanecer e, no mínimo, não podemos ignorá-la.

Um fato define a medicina baseada em evidências: o uso de dados estatísticos derivados da pesquisa sobre populações para informar decisões a respeito de indivíduos. Ou seja, dados baseados em investigações, focadas e sistemáticas, com o objetivo de produzir novos conhecimentos. Em uma única palavra: pesquisa. Existem pesquisas genuínas e outras empreitadas ruins, ainda que bem-intencionadas, de amadores; distingui-las, a partir desse ponto, é o desafio que, para ser vencido, requer aprendizado, treinamento e discernimento.

Milhares são os periódicos médicos publicados anualmente no mundo, além de outros dedicados a publicar resumos. Quantos de todos esses textos apresentam real valor científico e duradouro? Talvez entre 10% e 15%, em uma estimativa considerada otimista. Jornais leigos são lidos hoje e descartados amanhã. Jornalistas são remunerados pelo número de páginas que escrevem, sem qualquer zelo pela quantidade do que leem ou pelo nível de crítica com que processam essas informações. Este é o método da revisão jornalística: visão geral, ao contrário de revisão de estudos primários, analisados de forma sistemática, padronizada e objetiva. A revisão sistemática contém a descrição de objetivos, materiais e métodos, realizados segundo uma metodologia explícita e reprodutível. Muitos dos artigos de revisão - e existem centenas na maioria dos periódicos editados no Brasil - ainda são produzidos e escritos na forma "jornalística".

Os especialistas nesse assunto definem três níveis de leitura: o superficial, no qual folheamos (ou consultamos por via eletrônica) periódicos na busca por algo que nos possa interessar; o de busca de informações, por meio do qual abordamos a literatura tentando descobrir respostas para questões específicas, para problemas com os quais deparamos; e pesquisa, em que buscamos alcançar uma visão abrangente em áreas definidas. Na prática, a leitura do tipo superficial é a constante. Essa é, por exemplo, a tônica nos artigos de revisão enviados aos editores. Se a leitura for superficial, poderá ser de qualquer tipo e em qualquer ordem; o que importa apenas é a satisfação de ler. Porém, se a leitura for por busca de informações (pesquisa focada) ou com fins de investigação (revisão sistemática), perderemos tempo e muitos bons artigos se simplesmente pesquisarmos de modo aleatório. Para isso, foram criadas bases de dados e índices, a fim de organizar as informações espalhadas e reunir artigos sobre assuntos específicos que podem ter sido publicados em perió dicos muito diferentes.

Editores de periódicos médicos, não raro, deparam com a frustrante tarefa de rejeitar artigos que partem de uma boa ideia, porém com defeitos e erros incontornáveis nos métodos utilizados.Todavia, entre muitos que são publicados, essas falhas em pequeno grau surgem aqui ou acolá, o que leva os puristas a afirmarem que 99% dos artigos publicados deveriam ser encaminhados para latas de lixo e não deveriam ser usados como base para a tomada de decisões na prática. Em tese, não há motivo para testar hipótese científica que já foi comprovada por outros. Pequena parcela das pesquisas médicas se envolve com terrenos realmente novos. Entretanto, é válido desenvolver estudos que, em comparação, não sejam originais. Os textos de metanálises vivem da existência de mais de um estudo abordando a mesma questão de forma semelhante.

A medicina baseada em evidências determina a leitura de artigos, porém de artigos "certos", que possam modificar o comportamento clínico. Muitas abordagens clínicas, ou mesmo palestras de especialistas, são justificadas pela citação dos resultados de um único trabalho publicado, mesmo que o médico, ou o palestrante, desconheçam completamente os métodos utilizados para produzir tais resultados. O estudo foi controlado e aleatório? Duplamente encoberto? Tamanho da amostra adequado para as conclusões? Critérios de inclusão e exclusão? Essa lista pode ser mais extensa, mas médicos que publicam e, portanto, produzem resultados e aqueles que replicam esses conhecimentos precisam, de forma obrigatória, responder a essas e outras perguntas antes de suas ações.

O movimento da medicina baseada em evidências vem progredindo com amparo em uma metodologia mais prática para incorporar a perspectiva do paciente quando da tomada da decisão clínica, da implementação de políticas de saúde (com grande ênfase no custo) e da condução dos ensaios de pesquisa. Os periódicos médicos começam a implementar regras para a aceitação de ensaios clínicos sempre mais rigorosas dentro dessa perspectiva, às quais pesquisadores e clínicos deverão gradualmente ir se adaptando.

Prof. Dr. Mário J Conceição

Prof. Técnicas Cirúrgicas e Anestésicas

Fundação Universidade Regional de Blumenau - SC

Editor-Chefe Revista Brasileira de Anestesiologia

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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