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Manejo anestésico de paciente com síndrome de Cri Du Chat (miado do gato): relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A síndrome de Cri Du Chat é uma desordem cromossômica com características clínicas peculiares, incluindo anormalidades de vias aéreas, que exigem do anestesiologista cuidados especiais no manuseio desses pacientes. OBJETIVO: Apresentar um caso de anestesia ambulatorial em paciente com síndrome de Cri Du Chat e abordar os aspectos anestésicos relacionados com essa doença. RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 14 anos, 25 kg, portador de síndrome de Cri Du Chat, estado físico ASA P2, admitido para realização de endoscopia digestiva alta e dilatação esofagiana. Quadro neurológico com retardo mental, alguns episódios de convulsões e hipertonia acentuada de membros. Exame das vias aéreas demonstrando mobilidade cervical limitada e distância tireomentoniana inferior a 6 cm. Paciente não atendia ao comando verbal, sendo difícil a avaliação completa das vias aéreas. Outros achados ao exame físico incluíram microcefalia, micrognatia, discreto estrabismo, hipertonia de membros em flexão e protrusão de língua. Administrados, por via venosa, 50 µg de citrato de fentanila, 1 mg de midazolam e 60 mg de propofol. Mantido em ventilação espontânea. Procedimento com duração de 5 minutos, realizado sem intercorrências. CONCLUSÕES: Pacientes com síndrome de Cri Du Chat apresentam características clínicas de grande relevância no manejo anestésico, cabendo ao anestesiologista considerar com cautela as particularidades estruturais de cada paciente.

ANESTESIA; DOENÇAS, Genética; SEDAÇÃO


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Cri Du Chat syndrome is a chromosomal disorder with peculiar clinical characteristics including airways abnormalities that require special care by anesthesiologists when handling those patients. OBJECTIVE: To present a case of outpatient anesthesia in a patient with Cri Du Chat syndrome and discuss the anesthetic aspects related to this disorder. CASE REPORT: Male patient, 14 years old, 25 kg, with Cri Du Chat syndrome, physical status ASA P2, was admitted for upper gastrointestinal endoscopy and esophageal dilation. The patient had mental retardation, a few episodes of seizures, and marked hypertonia of the limbs. Airways exam showed limited cervical mobility and thyromental distance less than six centimeters. The patient was unable to comprehend verbal commands, making it difficult to undertake a complete assessment of the airways. Other findings on physical exam included microcephaly, micrognathism, subtle strabismus, limb hypertonia with flexion, and protrusion of the tip of the tongue. Intravenous fentanyl 50 µg, midazolam 1 mg, and propofol 60 mg were administered. The patient was maintained on spontaneous ventilation. The procedure lasted 5 minutes, without intercurrences. CONCLUSIONS: Patients with Cri Du Chat syndrome have clinical characteristics that are very important for their anesthetic management, being the responsibility of the anesthesiologist to consider carefully the structural particularities of each patient.

ANESTHESIA; DISEASES, Genetic; SEDATION


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El síndrome de Cri Du Chat es un desorden cromosómico con características clínicas peculiares, que incluye anormalidades en las vías aéreas, exigiendo de los anestesiólogos cuidados especiales en el manejo de esos pacientes. OBJETIVO: Presentar un caso de anestesia ambulatorial en paciente con síndrome de Cri Du Chat y abordar los aspectos anestésicos relacionados con esa enfermedad. RELATO DEL CASO: Paciente del sexo masculino, 14 años, 25 kg, portador de síndrome de Cri Du Chat, estado físico ASA P2, admitido para la realización de endoscopia digestiva alta y dilatación esofágica. Cuadro neurológico con retraso mental, algunos episodios de convulsiones e hipertonía acentuada de los miembros. El examen de las vías aéreas reveló movilidad cervical limitada y distancia tireomentoniana inferior a 6 cm. El paciente no respondía al comando verbal, siendo difícil la evaluación completa de las vías aéreas. Otros hallazgos en el examen físico incluyeron microcefalia, micrognatia, discreto estrabismo, hipertonía de los miembros en flexión y protrusión de la lengua. Fueron administrados por vía venosa, 50 µg de citrato de fentanila, 1 mg de midazolam y 60 mg de propofol. Se le mantuvo en ventilación espontánea. El procedimiento demoró 5 minutos y fue realizado sin intercurrencias. CONCLUSIONES: Los pacientes con el síndrome de Cri Du Chat, presentan características clínicas de gran relevancia para el manejo anestésico, y el anestesiólogo tiene que considerar con cautela las particularidades estructurales de cada paciente.

ANESTESIA; ENFERMEDADES, Genética; SEDACIÓN


INFORMAÇÕES CLÍNICAS

Manejo anestésico de paciente com síndrome de Cri Du Chat (miado do gato). Relato de caso

Klaus Morales dos SantosI; Daniel Câmara de Rezende, TSAII; Ziltomar Donizetti de Oliveira Borges, TSAIII

IM3 em Anestesiologia Hospital Felício Rocho, Belo Horizontal, MG, Brasil

IITítulo de Especialista em Clínica Médica e Terapia Intensiva, Anestesiologista do Hospital Felício Rocho, Anestesiologista do Hospital da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, Corresponsável pelo CET/SBA do Hospital Felício Rocho

IIIAnestesiologista do Hospital Felício Rocho, Aneste siologista do Hospital Julia Kubitschek, FHEMIG, Corresponsável pelo CET/SBA do Hospital Felício Rocho

Correspondência para Correspondência para: Dr. Klauss Morales dos Santos Avenida do Contorno, 9530 Barro Preto 30110908 - Belo Horizonte, MG E-mail: klausmorales@yahoo.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A síndrome de Cri Du Chat é uma desordem cromossômica com características clínicas peculiares, incluindo anormalidades de vias aéreas, que exigem do anestesiologista cuidados especiais no manuseio desses pacientes.

OBJETIVO: Apresentar um caso de anestesia ambulatorial em paciente com síndrome de Cri Du Chat e abordar os aspectos anestésicos relacionados com essa doença.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 14 anos, 25 kg, portador de síndrome de Cri Du Chat, estado físico ASA P2, admitido para realização de endoscopia digestiva alta e dilatação esofagiana. Quadro neurológico com retardo mental, alguns episódios de convulsões e hipertonia acentuada de membros. Exame das vias aéreas demonstrando mobilidade cervical limitada e distância tireomentoniana inferior a 6 cm. Paciente não atendia ao comando verbal, sendo difícil a avaliação completa das vias aéreas. Outros achados ao exame físico incluíram microcefalia, micrognatia, discreto estrabismo, hipertonia de membros em flexão e protrusão de língua. Administrados, por via venosa, 50 µg de citrato de fentanila, 1 mg de midazolam e 60 mg de propofol. Mantido em ventilação espontânea. Procedimento com duração de 5 minutos, realizado sem intercorrências.

CONCLUSÕES: Pacientes com síndrome de Cri Du Chat apresentam características clínicas de grande relevância no manejo anestésico, cabendo ao anestesiologista considerar com cautela as particularidades estruturais de cada paciente.

Unitermos: ANESTESIA: ambulatorial; DOENÇAS, Genética: síndrome de Cri Du Chat; SEDAÇÃO.

INTRODUÇÃO

A síndrome de Cri Du Chat, ou síndrome do miado do gato, foi descrita pela primeira vez em 1967 pelo geneticista francês Lejeune e col. 1. O choro do recém-nascido portador da doença assemelha-se ao miado de um gato, característica peculiar que deu nome a essa síndrome.

Trata-se de uma desordem cromossômica que afeta cerca de 1:50.000 nascidos vivos, porém a incidência na literatura é bastante variável. Para pacientes com retardo mental, a incidência é de 1,5:1.000 2. Tem origem na deleção terminal do braço curto do cromossomo 5p; entretanto, translocações e inversões cromossômicas podem contribuir para a etiologia da síndrome.

Retardo mental é um achado clínico frequente e perceptível no primeiro ano de vida. Outros comemorativos variam de acordo com a fase do desenvolvimento do indivíduo, incluindo: microcefalia, hipertelorismo, orelhas de implantação baixa, hipertonicidade, escoliose, pé plano, assimetria e lassidão facial (manutenção da boca aberta, com protrusão de língua), proeminência do arco orbital, má oclusão dentária, face alongada (nos recém-nascidos, costuma ser arredondada), fissuras palpebrais, estrabismo divergente, alargamento de base nasal e infecções respiratórias de repetição 3. Convulsões raras. Criptorquidia pode estar presente em alguns pacientes. Malformações são menos comuns e podem incluir manifestações cardíacas (persistência do ducto arterioso e defeitos septais) 4, neurológicas e renais.

A anestesia para pacientes portadores de síndrome de Cri Du Chat envolve algumas peculiaridades, principalmente no manuseio das vias aéreas. O presente artigo relata o caso de um adolescente portador da síndrome de Cri Du Chat, submetido à sedação venosa para a realização de endoscopia digestiva alta e dilatação esofagiana, além de revisar algumas questões próprias do manejo anestésico destes pacientes.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 14 anos, 25 kg, portador de síndrome de Cri Du Chat, estado físico ASA P2, admitido em regime ambulatorial para a realização de endoscopia digestiva alta e dilatação esofagiana. Exames pré-operatórios normais. A história pregressa revelava internações por pneumonia de repetição. Submetido previamente a orquipexia e dilatações esofagianas. Quadro neurológico com retardo mental, alguns episódios de convulsões e hipertonia acentuada de membros. Em uso domiciliar de topiramato, nitrazepam e pantoprazol. Exame das vias aéreas demonstrava mobilidade cervical limitada, distância tireomentoniana inferior a 6 cm, pressão arterial não invasiva de 90/60 mmHg, frequência cardíaca de 112 bpm e sons respiratórios normais. Paciente não atendia ao comando verbal, sendo difícil a avaliação completa das vias aéreas; entretanto, familiares referiam boa abertura da boca e ausência de dificuldade de intubação em cirurgias anteriores. Outros achados ao exame físico incluíram microcefalia, micrognatia, discreto estrabismo, hipertonia de membros em flexão e protrusão de língua.

Monitorado com eletrocardiógrafo (derivações DII e V5), pressão não invasiva e oximetria de pulso. Puncionado acesso venoso periférico com cateter de teflon 22G. Administrados, por via venosa, 50 µg de citrato de fentanila, 1 mg de midazolam e 60 mg de propofol. Mantido em ventilação espontânea, com saturação periférica de oxigênio variando entre 93%-100%. O procedimento teve duração de 5 minutos e foi realizado sem intercorrências. O paciente encontrava-se bastante sonolento nos primeiros 45 minutos de permanência na sala de recuperação pós-anestésica, despertando apenas ao chamado. Após período de 90 minutos, recebeu alta acompanhado por seu responsável legal, com escore máximo na escala de Aldrete-Kroulik modificada.

DISCUSSÃO

Pacientes com síndrome de Cri Du Chat e proposta de intervenção cirúrgica ou realização de propedêutica complementar sob anestesia geralmente comparecem ao consultório de Anestesiologia para avaliação pré-anestésica com diagnóstico realizado e acompanhamento criterioso de uma equipe multidisciplinar, incluindo neurologistas, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. A avaliação criteriosa de vias aéreas e de todos os sistemas orgânicos é importante para detectar pontos específicos que possam influenciar o plano anestésico para aquele paciente.

Preferivelmente, os portadores da síndrome de Cri Du Chat devem ter avaliação cardiológica minuciosa do especialista, devido à possibilidade de haver anormalidades do sistema cardiovascular, que incluem defeitos septais e estenose de artéria pulmonar. Ingurgitamento jugular, sintomas de insuficiência cardíaca congestiva e sopros durante a ausculta devem chamar a atenção do anestesiologista para a presença de doença cardíaca subjacente e, caso não tenha sido avaliado por um cardiologista, solicitar tal interconsulta.

A via aérea no paciente com síndrome de Cri Du Chat exige do anestesiologista atenção especial. Anormalidades de laringe (hipoplasia, estreitamentos, cordas vocais assimétricas) e da epiglote (pequena, hipotônica, flácida), além de comprometimento neurológico, são características peculiares presentes nesses pacientes e que parecem contribuir para o choro típico 2. Essas anormalidades, combinadas com micrognatia, alterações nos palatos duro e mole podem contribuir para a dificuldade na intubação traqueal. No caso clínico em questão, por se tratar de exame relativamente rápido nas mãos de endoscopistas habilidosos, não foi necessário proceder à intubação traqueal, mas sugere-se que mecanismos de manuseio de via aérea supraglóticos, como por exemplo máscara laríngea, estejam à disposição caso falhe a tentativa de intubação. O bougie pode ser, teoricamente, outro instrumento de auxílio nesses casos. Segundo Brislin e col 5, hipotonia nos músculos da faringe também pode contribuir para a obstrução de vias aéreas e, por isso, deve-se evitar medicação pré-anestésica. Bloqueadores neuromusculares de rápida ação são preferíveis aos de longa ação, devido ao componente de hipotonia. Entretanto, não se encontrou relato de associação dessa síndrome com hipertermia maligna ou hipercalemia induzida por succinilcolina 5.

Além disso, também conforme Brislin e col. 5, é recomendável que pacientes ambulatoriais portadores da síndrome sejam observados por um intervalo de tempo maior na recuperação pós-anestésica, até que estejam bem despertos e livres de efeitos residuais de anestésicos. No caso em questão, o paciente foi observado durante 90 minutos e liberado com escore máximo na escala de Aldrete-Kroulik modificada.

Vê-se, portanto, que pacientes com a síndrome de Cri Du Chat apresentam características clínicas de grande relevância no manejo anestésico, seja ambulatorial ou em regime de internação. Com o diagnóstico em mãos, firmado por uma equipe multidisciplinar, cabe ao anestesiologista proceder ao manejo anestésico de forma cautelosa e observando as particularidades estruturais de cada paciente.

Submetido em 25 de abril de 2010.

Aprovado para publicação em 4 de junho de 2010.

Recebido do Serviço de Anestesiologia do Hospital Felício Rocho.

  • 01. Lejeune J, Lafourcade J, Berger R et al. - Trois cas de délétion partielle du bras court d'un chromosome 5. CR Hebd Sceances Acad Sci, 1963;257:3098-3102.
  • 02. Niebuhr E - The Cri du Chat syndrome: epidemiology, cytogenetics and clinical features. Hum Genet, 1978;44:227-275.
  • 03. Mainardi PC - Cri Du Chat Syndrome. Orphanet J Rare Dis, 2006;1:33.
  • 04. Hills C, Moller JH, Finkelstein M et al. - Cri du Chat syndrome and congenital heart disease: a review of previously reported cases and presentation of an additional 21 cases from the Pediatric Cardiac Care Consortium. Pediatrics, 2006; 117:e924-927.
  • 05. Brislin RP, Stayer SA, Schwartz RE - Anaesthetic considerations for the patient with Cri du Chat syndrome. Paediatr Anaesth, 1995;5:139-141.
  • Correspondência para:

    Dr. Klauss Morales dos Santos
    Avenida do Contorno, 9530 Barro Preto
    30110908 - Belo Horizonte, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      04 Jun 2010
    • Recebido
      25 Abr 2010
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