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Anestesia para lavagem pulmonar em paciente pediátrico portador de proteinose alveolar pulmonar

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A proteinose alveolar pulmonar (PAP) é um transtorno raro, descrito inicialmente em 1958. A lavagem pulmonar total (LPT), proposta na década de 1960 ainda é o tratamento de escolha. Diversas técnicas foram descritas para realizar a lavagem pulmonar em pediatria, no entanto, todas apresentam limitações e riscos. RELATO DO CASO: Paciente de 6 anos e 8 meses, sexo feminino, 25 kg com o diagnóstico de proteinoise alveolar pulmonar submetida a lavagem pulmonar total por fibrobroncoscopia lobar sequencial sob anestesia geral em ventilação espontânea.

ANESTESIA; CIRURGIA; DOENÇAS RESPIRATÓRIAS; EQUIPAMENTOS; VENTILAÇÃO


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La proteinosis alveolar pulmonar (PAP) es un transtorno raro, descrito inicialmente en 1958. El lavado pulmonar total (LPT), propuesto en la década de 1960, es actualmente el tratamiento de elección. Diversas técnicas fueron descritas para realizar el lavado pulmonar en pediatría pero sin embargo, todas tienen limitaciones y riesgos. RELATO DEL CASO: Paciente de seis años y ocho meses, del sexo femenino, 25 kg con el diagnóstico de proteinosis alveolar pulmonar, que fue sometida al lavado pulmonar total por fibrobroncoscopia lobar secuencial bajo anestesia general en ventilación espontánea.

ANESTESIA; CIRUGÍA; ENFERMIDAD; EQUIPO; VENTILACIÓN


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pulmonary Alveolar Proteinosis (PAP) is a rare disorder first described in 1958. The Whole-Lung Lavage (WLL) proposed in the 1960s, remains the treatment of choice. Several techniques have been described to perform lung lavage in pediatric patients; however, all have limitation and risks. CASE REPORT: Female patient, aged 6 years and 8 months, 25 kg, diagnosed with pulmonary alveolar proteinoisis, who underwent whole-lung lavage by sequential lobar fiberoptic bronchoscopy under general anesthesia and spontaneous ventilation.

Anesthesia; Bronchoscopy; Pediatrics; Pulmonary Alveolar Proteinosis; Ventilation


INFORMAÇÕES CLÍNICAS

Anestesia para lavagem pulmonar em paciente pediátrico portador de proteinose alveolar pulmonar

Breno Monteiro Gonçalves, TEAI; Vera Coelho Teixeira, TSAII; Paulo Fernando Souto BittencourtIII

IAnestesiologista do Hospital Felício Rocho

IITítulo de Especialista em Terapia Intensiva; Título de Especialista em Clínica Médica; Anestesiologista do Hospital Felício Rocho

IIIMestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Titulo de Especialista em Endoscopia; Médico Endoscopista; Hospital Felício Rocho; Instituto Alfa do Hospital das Clínicas da UFMG; Hospital Infantil João Paulo II; Hospital de Pronto-Socorro João XXIII

Correspondência para Correspondência para: Dr. Breno Monteiro Gonçalves Rua Lauro Ferreira, 101, Bloco 2, APT 801 Buritis 30575080 - Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: breno83@hotmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A proteinose alveolar pulmonar (PAP) é um transtorno raro, descrito inicialmente em 1958. A lavagem pulmonar total (LPT), proposta na década de 1960 ainda é o tratamento de escolha. Diversas técnicas foram descritas para realizar a lavagem pulmonar em pediatria, no entanto, todas apresentam limitações e riscos.

RELATO DO CASO: Paciente de 6 anos e 8 meses, sexo feminino, 25 kg com o diagnóstico de proteinoise alveolar pulmonar submetida a lavagem pulmonar total por fibrobroncoscopia lobar sequencial sob anestesia geral em ventilação espontânea.

Unitermos: ANESTESIA, Inalatória; CIRURGIA, Pediátrica; DOENÇAS RESPIRATÓRIAS; EQUIPAMENTOS, Bronco; VENTILAÇÃO, Espontânea.

INTRODUÇÃO

A proteinose alveolar pulmonar (PAP) é um transtorno raro, descrito inicialmente em 1958 e caracterizado por preenchimento alveolar com um material acelular lipoproteináceo positivo para o ácido periódico de Schiff1. A prevalência da PAP é de 3,7 casos por milhão de pessoas2. A maioria dos pacientes é composta por homens (relação homem:mulher de 2,65:1) e tabagista (72%)3.

A PAP engloba três classes distintas de doença com um espectro similar de achados histopatológicos: adquirida, congênita e secundária. A PAP adquirida, que é responsável por mais de 90% dos casos, apresenta-se com dispneia progressiva de início gradual associada à tosse e menos comumente febre, dor torácica e hemoptise4.

Proposta na década de 1960 por Ramirez e col.5-6, a lavagem pulmonar total (LPT) ainda é o tratamento de escolha, proporcionando aumento da PaO2 , melhora das provas de função pulmonar (VEF1, CV e capacidade de difusão do monóxido de carbono) e aumento da sobrevida em cinco anos3.

Em pacientes pediátricos, a lavagem pulmonar total com cânula traqueal de duplo lúmen (CDL) não é possível devido ao calibre reduzido das vias aéreas desses pacientes. Diversas técnicas foram descritas para realizar a lavagem pulmonar em pediatria, no entanto, todas apresentam limitações e riscos7-12.

Descrevemos nesse relato a lavagem pulmonar total pediátrica por fibrobroncoscopia lobar sequencial com o paciente sob anestesia geral em ventilação espontânea.

RELATO DE CASO

Paciente de 6 anos e 8 meses, sexo feminino, 25 kg, com quadro de dispneia ao esforço e taquidispneia há 2 meses evoluindo com febre, dor torácica e piora da ausculta pulmonar há 3 dias. Encaminhada ao Hospital Felício Rocho para propedêutica devido à piora clínica.

Na admissão, apresentava-se em bom estado geral, corada, hidratada, taquidispneia moderada, murmúrio vesicular diminuído difusamente com crepitações e broncofonia em hemitórax esquerdo. Em uso de oxigênio por cateter nasal (CN) a 2 L.min-1 e Cefuroxima (D1).

Raio-X de tórax com infiltrado interstício-alveolar bilateral difuso e tomografia de tórax com espessamento de septos interlobulares, consolidações e padrão em vidro fosco. A gasometria arterial, em uso de oxigênio por CN a 2 L.min-1, com pH de 7,36, pCO2 de 30 mmHg, pO2 de 82 mmHg, HCO-3 de 16,8 mmol.L-1, hemoglobina de 16,4 g.dL-1, hematócrito de 48%, 7.000 leucócitos.mm3 e 177.000 plaquetas.mm-3. PCR de 48 mg.L-1 e LDH de 527 U.L-1.

A antibioticoterapia foi modificada para Cefotaxima, completando 10 dias de tratamento. A paciente evoluiu sem intercorrências, com melhora da taquidispneia e normalização da ausculta pulmonar, no entanto, manteve dependência de oxigenioterapia por cateter nasal.

Realizada nova tomografia de tórax com padrão semelhante ao exame prévio (espessamento de septos interlobulares e padrão em vidro fosco). A broncoscopia com lavado bronco-alveolar (LBA) mostrou laringe, traqueia e brônquios endoscopicamente normais. O anatomopatológico do LBA mostrou presença de grande quantidade de material amorfo corado com PAS, compatível com diagnóstico de proteinose alveolar pulmonar. Pesquisas de fungos, gram, cultura, BAAR, Pneumocystis carinii, e PCR para Micobacterium tuberculosis foram negativa no LBA.

Foi, então, indicada lavagem pulmonar total por fibrobroncoscopia lobar sequencial com a paciente sob anestesia geral e realizada indução inalatória com sevoflurano, venóclise em membro superior esquerdo com jelco calibre 22G e intubação orotraqueal com cânula com balonete número 3,5 mm. Durante o procedimento, a monitorização foi feita com monitores de eletrocardiografia, pressão arterial não invasiva, oximetria de pulso, capnografia, fração inspirada de oxigênio e analisador de gases. A paciente foi mantida em ventilação espontânea com O2 a 100% e a fração expirada de sevoflurano variando entre 1 e 1,5 CAM. Introduzido fibrobroncoscópio Olympus BF-3C10 com diâmetro de 4,9 mm adjacente a cânula orotraqueal até impactação no brônquio lobar superior esquerdo.

Após a impactação, foi realizada a lavagem do lobo superior esquerdo com solução salina aquecida. Em seguida, o fibrobroncoscópio foi impactado no brônquio inferior esquerdo e o procedimento repetido. Foram utilizados aproximadamente 800 mL de SF 0,9% para a lavagem pulmonar total esquerda com saída de líquido de aspecto leitoso. A paciente manteve estabilidade hemodinâmica durante todo o procedimento sem hipoxemia grave com oximetria de pulso sempre maior que 90%. Foi transferida para o CTI após o procedimento e extubada poucos minutos após a admissão. Manteve oxigenoterapia por CN por menos de 24 horas e recebeu alta para o apartamento no dia seguinte em ar ambiente. O raio-x de tórax realizado no CTI mostrou melhora do infiltrado interstício-alveolar no pulmão esquerdo.

Recebeu alta hospitalar 48 horas após o procedimento. O lavado pulmonar direito foi realizado, sem intercorrências, oito dias após o primeiro procedimento sob a mesma técnica anestésica e utilizou 1.100 mL de SF 0,9%. No entanto, a paciente foi extubada na sala cirúrgica e não necessitou de oxigenoterapia durante a internação no CTI. A criança recebeu alta hospitalar 24 horas após o lavado com remissão completa dos sintomas associados à proteinose alveolar pulmonar para continuidade do tratamento na cidade de origem.

DISCUSSÃO

A lavagem pulmonar total ainda é o tratamento de escolha para a PAP, sendo um procedimento seguro que apresenta benefícios duradouros com mais de 70% dos pacientes livres de recorrência por sete anos13-18.

Atualmente, em pacientes adultos, a técnica de LPT com cânula de duplo lúmen e isolamento pulmonar está bem estabelecida3,4,13-19. No entanto, os pacientes pediátricos apresentam um desafio técnico para a LPT devido à inexistência de CDL compatíveis com o calibre da via aérea destes pacientes20-23. Por sua vez, na literatura médica foram descritas algumas alternativas para a realização do LPT em pacientes pediátricos7-12.

A utilização da circulação extracorpórea total e parcial para oxigenação sanguínea durante o lavado foi relatada com sucesso apesar de agregar custo, complexidade e morbidade ao procedimento7, 21, 24.

A intubação seletiva dos brônquios principais, assim como a introdução de um fibrobroncoscópio por dentro de uma cânula traqueal, também foi descrita para a realização do LPT em pacientes pediátricos9,22,23. No entanto, as duas técnicas possuem como maior limitação o calibre das vias aéreas em relação ao diâmetro do broncoscópio e da cânula traqueal, além do risco de trauma e estenose.

Moazam e cols.9 descreveram a realização de um LPT com sucesso em um lactente de 15 semanas e 2 kg utilizando o balonete de um cateter de Swan-Ganz para isolamento e lavagem pulmonar, enquanto o outro pulmão era ventilado através de um broncoscópio.

A ventilação líquida também foi utilizada, mas sem êxito em pacientes pediátricos que não toleraram o procedimento de LPT12.

No presente relato, optamos pela lavagem pulmonar total por fibrobroncoscopia lobar sequencial com a paciente sob anestesia geral em ventilação espontânea. O fibrobroncoscópio foi introduzido adjacente a uma cânula traqueal com balonete e funcionava como um obturador lobar, o que permitiu a lavagem isolada de cada lobo pulmonar minimizando as repercussões sobre a relação ventilação/perfusão inerentes ao procedimento e permitindo adequada troca gasosa no restante do parênquima pulmonar.

A paciente foi mantido em ventilação espontânea, pois a introdução do broncoscópio adjacente à cânula orotraqueal em vigência de ventilação com pressão positiva causava grande vazamento, limitando o uso da ventilação mecânica controlada.

CONCLUSÃO

A técnica relatada demonstrou-se muito segura e simplificada em relação às outras descritas na literatura, sem aumento significativo de custo em relação a uma broncoscopia diagnóstica. Proporcionou ainda boa estabilidade hemodinâmica e respiratória durante todo o procedimento, sendo considerada segura e eficaz para a população pediátrica.

Submetido em 26 de abril de 2011.

Aprovado para publicação em 19 de junho 2011.

Recebido do Hospital Felício Rocho, Brasil.

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  • Correspondência para:

    Dr. Breno Monteiro Gonçalves
    Rua Lauro Ferreira, 101, Bloco 2, APT 801 Buritis
    30575080 - Belo Horizonte, MG, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Abr 2011
    • Aceito
      19 Jun 2011
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