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Perfil epidemiológico e ocupacional dos anestesiologistas inseridos no mercado de trabalho de Belo Horizonte, Minas Gerais, em 2010

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Exposto aos diversos fatores de riscos ocupacionais, o anestesiologista deve saber como vivenciar as situações relacionadas ao trabalho e à vida cotidiana para que o adoecimento não faça parte da sua realidade. O conhecimento do trabalho através do trabalhador é uma forma de buscar a fundo o universo que cerca o profissional para que soluções eficientes aumentem a satisfação e minimizem os danos. O objetivo desta investigação é traçar um perfil epidemiológico e ocupacional do anestesiologista de Belo Horizonte, Minas Gerais. MÉTODOS: Estudo quantitativo, transversal, aleatório entre os membros da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais. Dados coletados através de questionário específico, incluindo o CAGE, para avaliação do alcoolismo, e o Self-Report Questionnaire (SRQ-20), para avaliação da prevalência dos transtornos mentais comuns (TMC). RESULTADOS: Houve um predomínio de homens (62,4%) trabalhando em esquema de plantão (91,1%), tanto diurno quanto noturno. A média de plantões noturnos foi de 5,4% nos últimos 30 dias. A maior parte deles (88,3%) em serviços de urgência. A maioria dos profissionais considerase muito cansada e sobrecarregada ou muito sobrecarregada, porém se diz realizada com o trabalho. Houve associação estatística entre CAGE positivo e sobrecarga de trabalho e entre esse e o SRQ-20. CONCLUSÕES: O universo estudado mostra o médico anestesiologista como um profissional bastante sobrecarregado, o que vai de encontro às tendências da profissão médica. Atenção importante deve ser dada a esse profissional, que vive cercado de danosos riscos ocupacionais.

ANESTESIOLOGISTA; ANESTESIOLOGIA, Qualidade, Segurança; Exposição Ocupacional; Pessoal de Saúde


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Exposed to many occupational risk factors, the anesthesiologist should know how to experience situations related to work and everyday life, so that illness is not part of his reality. Knowledge of work through the worker himself is one way to look deeper into the universe surrounding health professionals in order to seek effective solutions that increase satisfaction and minimize damage. The objective of this paper was to outline an epidemiological and occupational profile of the anesthesiologist in Belo Horizonte, Minas Gerais. METHODS: Quantitative, cross-sectional randomized study conducted among members of the Society of Anesthesiology of Minas Gerais. Data collected through a questionnaire, including the CAGE, for evaluation of alcoholism and Self-Report Questionnaire (SRQ-20) to evaluate the prevalence of common mental disorders (CMD). RESULTS: There was predominance of male (62.4%) working on-call schedule (91.1%), both day and at night. The average number of night shifts was 5.4% in the last 30 days. Most of them (88.3%) working in emergency departments. Most professionals reported being very tired and overloaded or very overloaded, but satisfied with the work. There was statistical association between CAGE positive and work overload and between CAGE and SRQ-20. CONCLUSIONS: The population studied indicates that the anesthesiologist is a professional rather overloaded, which corroborates trends seen in the medical field. Major attention should be given to these professionals who live surrounded by harmful occupational hazards.

Anesthesiology; Quality of Health Care; Safety; Occupational exposure; Health Personnel


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Estando expuesto a los diversos factores de riesgos ocupacionales, el anestesiólogo debe saber cómo vivir las situaciones relacionadas con el trabajo y con la vida cotidiana para que la enfermedad no forme parte de su realidad. El conocimiento del trabajo por medio del trabajado es una forma de buscar en profundidad el universo que cerca al profesional para que soluciones eficientes aumenten la satisfacción y disminuyan los daños. El objetivo de nuestra investigación es trazar un perfil epidemiológico y ocupacional del anestesiólogo de Belo Horizonte, Minas Gerais. MÉTODOS: Estudio cuantitativo, transversal y randomizado entre los miembros de la Sociedad de Anestesiología de Minas Gerais. Datos recolectados por medio de un cuestionario específico, incluyendo el CAGE, para la evaluación del alcoholismo y el Self-Report Questionnaire (SRQ-20), para la evaluación de la prevalencia de los trastornos mentales comunes (TMC). RESULTADOS: Se registró un predominio de hombres (62,4%) trabajando en un sistema de guardias (91,1%) tanto diurno como nocturno. El promedio de guardias nocturnas fue del 5,4% en los últimos 30 días. La mayor parte de ellas (88,3%) fue en servicios de urgencia. La mayoría de los profesionales se considera muy cansado y con mucha sobrecarga, pero dicen estar realizados con el trabajo. Hubo una asociación estadística entre CAGE positivo y la sobrecarga de trabajo y entre ése y el SRQ-20. CONCLUSIONES: El universo estudiado nos trae una panorámica del médico anestesiólogo como siendo un profesional bastante sobrecargado, lo que se choca con las tendencias de la profesión médica. Una atención importante se le debe dar a ese profesional, que vive rodeado de altos y perjudiciales riesgos ocupacionales.

ANESTESIÓLOGO; ANESTESIOLOGÍA, Calidad, Seguridad; Exposición Ocupacional; Personal de Salud


ARTIGO CIENTÍFICO

Perfil epidemiológico e ocupacional dos anestesiologistas inseridos no mercado de trabalho de Belo Horizonte, Minas Gerais, em 2010

Bárbara Silva NevesI; Tarcísio Márcio Magalhães PinheiroII

IAnestesiologista, Santa Casa de Belo Horizonte; Mestrado, Saúde Pública/Saúde do Trabalhador, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

IIProfessor, Departamento de Medicina Preventiva e Social, UFMG; Doutorado, Saúde Pública, Universidade de Campinas (Unicamp)

Correspondência para Correspondência para: Dra. Bárbara Silva Neves Rua Herval, 423/401 - Serra 30240-010 - Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: nevesbs@bol.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Exposto aos diversos fatores de riscos ocupacionais, o anestesiologista deve saber como vivenciar as situações relacionadas ao trabalho e à vida cotidiana para que o adoecimento não faça parte da sua realidade. O conhecimento do trabalho através do trabalhador é uma forma de buscar a fundo o universo que cerca o profissional para que soluções eficientes aumentem a satisfação e minimizem os danos. O objetivo desta investigação é traçar um perfil epidemiológico e ocupacional do anestesiologista de Belo Horizonte, Minas Gerais.

MÉTODOS: Estudo quantitativo, transversal, aleatório entre os membros da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais. Dados coletados através de questionário específico, incluindo o CAGE, para avaliação do alcoolismo, e o Self-Report Questionnaire (SRQ-20), para avaliação da prevalência dos transtornos mentais comuns (TMC).

RESULTADOS: Houve um predomínio de homens (62,4%) trabalhando em esquema de plantão (91,1%), tanto diurno quanto noturno. A média de plantões noturnos foi de 5,4% nos últimos 30 dias. A maior parte deles (88,3%) em serviços de urgência. A maioria dos profissionais considerase muito cansada e sobrecarregada ou muito sobrecarregada, porém se diz realizada com o trabalho. Houve associação estatística entre CAGE positivo e sobrecarga de trabalho e entre esse e o SRQ-20.

CONCLUSÕES: O universo estudado mostra o médico anestesiologista como um profissional bastante sobrecarregado, o que vai de encontro às tendências da profissão médica. Atenção importante deve ser dada a esse profissional, que vive cercado de danosos riscos ocupacionais.

Palavras-chave: ANESTESIOLOGISTA; ANESTESIOLOGIA, Qualidade, Segurança; Exposição Ocupacional; Pessoal de Saúde.

INTRODUÇÃO

A relação do ser humano com o trabalho é muito mais estreita, é cercada de muito mais do que perdas e danos1,2.

A busca pelo entendimento do trabalhador e de seu trabalho, um dando significado ao outro, deve ser feita de maneira profunda, uma vez que a compreensão da relação entre eles leva à elucidação do processo saúde/doença de forma articulada com o conjunto de valores, crenças, ideias e representações sociais dos trabalhadores. Nesse contexto, os conceitos preconizados pela saúde do trabalhador se fazem marcantes ao oferecer uma visão ampla, que reconhece os vários âmbitos que permeiam a vida do profissional e rompe com a concepção de agravo e agente ou grupo de agentes específicos como vínculo causal único no processo de adoecimento. Insere-se aqui a subjetividade, pois a participação do trabalhador passa a fazer parte da compreensão e do desenho do processo de trabalho3. Sendo assim, a representação de um universo é a primeira parte da busca por sua compreensão. Segue-se a isto, o entendimento do sentido dado pelo trabalhador ao seu trabalho, o que rompe com a suposição para elucidar o real pensamento do trabalhador no processo saúde-trabalho-doença. Tais características serão buscadas no presente estudo, que tem como grupo alvo os médicos anestesiologistas inseridos no mercado de trabalho no ano de 2010 na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais.

METODOLOGIA

Na elaboração do presente estudo, o uso de técnicas quantitativas de coleta de dados se mostrou conveniente à caracterização do universo amostral e à possibilidade de empreender de forma ampla uma análise descritiva de uma categoria de trabalhadores4. Essa metodologia buscou promover o envolvimento do sujeito e a partir desse, representar o universo daqueles que vivenciam diariamente a Anestesiologia. Para coleta de dados foi elaborado um questionário com perguntas sobre a identificação do profissional, que incluíram sua formação, descrição do processo de trabalho e suas condições, relação com o trabalho e percepção do universo laboral, o que dá sentido à relação trabalho-risco-saúde-adoecimento. Foram também usados questionários já validados, como o Cut down/Annoyed/Guilty/Eye-opener (CAGE) 5 e o Self-Report Questionnaire-20 (SRQ-20) 6,7. Nesse caso, sete respostas positivas foram consideradas como indicativo da presença de transtornos mentais comuns (TMC) 8,9,10.

Teste prévio à pesquisa foi feito para caracterizar a viabilidade do questionário em grupo aleatoriamente escolhido.

A coleta de dados foi conduzida na cidade de Belo Horizonte com o apoio da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais (SAMG) e teve como base o endereço de cadastro como sendo a cidade de Belo Horizonte. Foram incluídos para randomização 367 membros, entre ativos (326) e adjuntos (41). Considerando o estudo como exploratório com erro de 5% e nível de significância de 10%, calculou-se que o tamanho representativo da amostra para a população seria de 157 anestesiologistas 11. O processo de pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP-ETIC 0344.0.203.000-10). Os dados obtidos foram tabulados em um banco de dados e submetidos a análise estatística, com o uso do software estatístico SPSS 17.0 (Statistical Package for the Social Science). Para verificar a existência de associação entre CAGE e SRQ-20 e sobrecarga de trabalho foi usado o teste qui-quadrado de Pearson 11.

RESULTADOS

Foram aplicados 157 questionários, entre os dias 1º de outubro de 2010 e 28 de dezembro de 2010. Por motivos diversos, 36 anestesiologistas foram substituídos no estudo, conforme os critérios de exclusão e inclusão propostos.

Os resultados encontrados quanto a sexo, idade e estado civil dos participantes encontra-se na Tabela I.

A distribuição relacionada ao maior nível de formação mostrou o Título de Especialista em Anestesiologia (TEA) como maior titulação para 44,6% (70 dos respondentes), seguido pelo Título Superior em Anestesiologia (TSA), com 21,7% (34); 19,7% (31) citaram a residência em anestesiologia; 7,6% (12) têm mestrado completo ou em andamento e 5,7 (9), doutorado ou pós-doutorado completo ou em andamento. O tempo de exercício da anestesiologia foi de no mínimo um ano e no máximo 44 anos e teve como média 16,1 anos.

A Tabela II representa o percentual de tempo semanal dedicado à Anestesiologia e às atividades relacionadas, mas dois participantes não responderam a essa questão. Em relação à atividade como anestesiologista, o esquema de trabalho na forma de plantão é exercido por 91,1% dos participantes e apenas 7,6% não trabalham nesse esquema. Considerando somente os que responderam a questão, o percentual sobe para 92,26% (143) que trabalham em esquema de plantão e 7,74% que não trabalham nesse esquema.

Quanto aos horários dos plantões, dos 143 plantonistas, 79,7% dão plantões diurnos e noturnos, 10,5% diurnos e 9,8% noturnos. Considerando a distribuição por quartis, 25% dos respondentes fizeram entre nenhum e dois plantões noturnos nos últimos 30 dias, 50% entre dois e quatro plantões e 25% mais de quatro plantões noturnos nos últimos 30 dias. De 139 respondentes, 7,91% não fazem plantões em setores de urgência e emergência.

Quanto ao local de trabalho, 67 anestesiologistas dedicam 100% do seu tempo de trabalho aos hospitais. Considerando todos os respondentes, a média de tempo semanal dedicado ao hospital é de 88,6%, às clínicas, 12,5%, ao consultório, 9,9%, e a outros locais, 9,8%.

Com relação ao tipo de convênio de saúde usado pelos pacientes atendidos (três não responderam), a média é de 57,1% convênio, 44,3% SUS, 9,5% particulares e 6% de outros tipos.

As anestesias feitas em pacientes, distribuídos por estado físico, foram em média 33,7% ASA I, 43,3% ASA II, 17,8% ASA III, 7,1% ASA IV, 3,1% ASA V e 2,6% ASA VI. Quanto à complexidade cirúrgica (dois não responderam), a média foi de 36,9% de baixa complexidade, 40,6% de média e 24,9% de alta.

Os vínculos trabalhistas se sobrepuseram, de forma que um mesmo profissional tem um ou mais vínculos. Sendo assim, 65,6% se dizem autônomos, 63,1%, sócios em empresa de anestesiologistas, 47,1%, assalariados, 16,6%, contratados por algum serviço e 0,6% disse ter outro vínculo.

Com relação às condições do ambiente de trabalho e considerando 155 respondentes, o consultório recebeu a melhor classificação, seguido pelo hospital. O tempo de intervalo para refeições foi também pesquisado e mostrou uma média de 31 minutos, sendo o mínimo de zero (sem intervalo para refeições) e máximo de 90 minutos. Considerando a divisão por quartis, 25% dos entrevistados têm entre zero e 20 minutos de intervalo para refeições e apenas 25% têm tempo superior a 40 minutos. Consideram os intervalos para refeições como insuficientes 64,3% (101) dos anestesiologistas, suficientes 28,75 (45) e 5,75 (nove) não têm intervalo para refeições.

O tempo médio de descanso no trabalho foi relatado como 15 minutos, sendo o máximo de 360 e o mínimo de zero. Desconsiderando dois valores citados de 360 minutos, a média cai para 10 minutos. Os horários de descanso, entre os 151 respondentes, não existem para 68,2% dos pesquisados e 14,1% têm 20 minutos ou menos.

Quanto perguntados sobre a relação com o trabalho, 94,9% dos anestesiologistas relataram algum nível de sobrecarga e 96,8% algum nível de cansaço. Porém, quanto à satisfação no trabalho, 95,5% relataram algum nível de satisfação, sendo que 77,1% não gostariam de ter escolhido outra profissão ou especialidade médica.

Com relação às tarefas feitas, 52,2% afirmaram que essas variam de acordo com o dia da semana e 37,6% afirmaram que são sempre as mesmas atividades laborais ou essas variam pouco.

O estado de saúde atual foi considerado bom por 45,9% e muito bom por 24,2%. Apenas 1,3% considera-no ruim, sendo que nenhum deles classifica seu estado de saúde como muito ruim. Mais da metade dos participantes (52,9%) apresenta algum problema de saúde atualmente. Foram listados 35 problemas de saúde diferentes, presentes em 95 indivíduos, sendo que 22 deles fizeram duas ou mais queixas. O problema mais citado, por 14 indivíduos, foi Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), seguido de estresse e hérnias discais, citados sete vezes cada. Foi relatado por 48,4% (79) dos participantes o uso de algum medicamento de forma regular, sendo 39 medicamentos diferentes; os mais usados (16 indivíduos) pertencem à classe dos ansiolíticos, seguidos dos antidepressivos (sete indivíduos) e de omeprazol e estatina (cinco indivíduos cada). A relação saúde e trabalho pode ser vista na Tabela III.

Considerando os problemas de saúde relacionados ao trabalho que levaram ao afastamento, citados por 31 participantes, 16,6% mencionaram a estafa, 9,7%, burnout e 9,7%, labirintite. Para os que já se afastaram por problemas de saúde relacionados ao trabalho, o mínimo foi de um dia de afastamento e o máximo, de 60. A média ficou em 19 dias. A relação entre acidentes de trabalho e a busca pelo médico do trabalho também foi questionada (Tabela IV).

Os riscos aos quais os anestesiologistas estão expostos são vários e dentre eles foram citados alguns para que esse profissional os qualificasse quanto ao dano (Tabela V). Podendo o trabalho ser uma causa de prejuízo em relacionamentos, os anestesiologistas foram questionados quanto a esse possível dano. Para 38% dos participantes da pesquisa, o trabalho como anestesiologista prejudica medianamente os seus relacionamentos fora do ambiente profissional e 37,6% afirmaram que prejudica pouco. Para 12,7% o trabalho como anestesiologista causa muito prejuizo nestas realções.

O relacionamento com os colegas de trabalho também foi questionado. Dos participantes 58% consideram o relacionamento com os colegas "bom", 21,7% consideram "muito bom", 12,1%, mediano e apenas 5,7% consideram-no "muito ruim". Quatro pessoas (2,5%) não responderam e ninguém classificou o relacionamento de ruim.

O consumo de bebidas alcoólicas junto a essa população teve um percentual de positividade para 67% dos respondentes (104); desses, 16 tiveram o CAGE considerado positivo (duas ou mais respostas positivas). Pelas sensações que as medicações anestésicas e outras drogas podem desencadear no organismo, o uso para fins recreacionais ou relaxantes foi aventado e 12,7%, 20 dentre os respondentes, afirmaram já ter usado alguma dessas drogas para tal fim (Tabela VI).

A associação entre CAGE e sobrecarga de trabalho pôde ser evidenciada com o uso do teste qui-quadrado de Pearson. Aqueles que se sentem sobrecarregados ou muito sobrecarregados tendem a ter CAGE positivo (Tabela VII).

Quando analisada a prevalência de TMC através do SRQ-20 e considerando o critério para ambos os sexos de positividade como sete questões afirmativas, 23 mulheres e 21 homens foram classificados como SRQ-20 positivo. Para verificar a existência de associação entre as duas variáveis (sobrecarga no trabalho e SRQ-20), foi usado também aqui o teste qui-quadrado de Pearson, que evidenciou associação entre como o indivíduo se sente em relação ao trabalho e o SRQ-20, sendo a maior frequência de SRQ-20 positivo entre aqueles que se sentem muito sobrecarregados (Tabela VII).

DISCUSSÃO

A busca pela população randomizada para participar do estudo foi feita de forma ativa, o que não serve de comparação com os dados na literatura sobre adesão às pesquisas feitas através de envio de questionários.

Tivemos neste estudo um maior número de participantes do sexo masculino, ao contrário de estudo feito em outro estado brasileiro12. Porém, houve similaridade quanto ao predomínio de anestesiologistas casados e com o TEA como a maior titulação, seguido pelo TSA12. Não podemos inferir sobre a prevalência de especializações como Terapia Intensiva e Clínica de Dor, pois essas podem não ter sido consideradas pelo profissional como seu maior nível de formação e não foram, consequentemente, citadas. Além disso, há profissionais sem as especializações consideradas que exercem essas atividades, o que poderia se mostrar contraditório quando retratada a porcentagem de tempo semanal dedicada a cada atividade laboral. Apesar disso, foi evidenciado o fato de que grande parte dos anestesiologistas avaliados dedica a maioria do seu tempo à Anestesiologia.

Considerando o trabalho médico em geral13 e o do anestesiologista em particular14,15, as condições de trabalho atuais associadas à remuneração têm levado esses profissionais a esquemas de plantão exaustivos que ultrapassam as 24 horas ininterruptas, ou seja, não há folga, preconizado pelo Conselho Federal de Medicina após os plantões. Nesse sentido, sem ser motivo algum de orgulho, esse estudo vai de encontro à atual situação da medicina brasileira.

São 91,1% de 155 anestesiologistas que responderam trabalhar em esquema de plantão, representando 145 desses. A maioria apresenta escala diurna e noturna, sendo que um dos participantes respondeu ter dado no último mês 22 plantões noturnos de 12 horas. Se considerarmos um mês de trabalho, esse profissional passou 73,3% das noites trabalhando. O mesmo participante relatou não ter intervalo de folga de pósplantão. Privação de sono seria uma característica importante e de extrema relevância a ser considerada, sem se esquecer do burnout e de suas desastrosas consequências, tanto para o profissional quanto para os pacientes14,16. A maioria desses plantonistas relatou que pelo menos um de seus plantões se dá em serviços de urgência e emergência, o que pode ser considerado como mais um fator de risco ao adoecimento, visto que o controle sobre o trabalho, fator de grande peso na satisfação profissional, principalmente nesses casos, não existe, já que qualquer tipo de paciente pode necessitar de atendimento a qualquer momento17,18.

O trabalho nos hospitais é uma realidade na anestesiologia, apesar de as anestesias ambulatorias e os atendimentos em consultórios apresentarem fortes tendências ao crescimento. Quanto aos vínculos trabalhistas, como caracterização epidemiológica importante, visto que essa relação está diretamente relacionada à remuneração. Os anestesiologistas têm seguido uma tendência do mercado atual no meio médico: a de trabalharem de forma autônoma ou se associarem a empresas19. Seguindo também essa tendência, o setor privado, através dos convênios de saúde, foi o mais citado como o universo atendido8.

A complexidade cirúrgica e o tipo de pacientes anestesiados podem ser considerados como um fator de estresse para esse profissional, visto que intercorrências são mais esperadas em procedimentos mais complexos e pacientes mais graves, apesar de tal correlação não ter sido aqui questionada. Além disso, a restrição de tempo e a interferência do trabalho na vida cotidiana são fatores já estudados nesse sentido e vistos com associação forte ao dano20. Neste estudo, porém, as relações com colegas de trabalho e o relacionamento fora desse ambiente parecem não sofrer ou sofrer pouca interferência devida ao trabalho, o que vai contra estudos anteriores20.

Analisando as condições de trabalho e a percepção do risco, os anestesiologistas entrevistados veem os hospitais, seu principal local de trabalho, como um fornecedor de condições adequadas. Se considerarmos que fatores organizacionais se enquadram como condições de trabalho, teríamos um importante agente considerado como causador de estresse aqui evidenciado como controlado e, portanto, possível gerador de satisfação20.

O anestesiologista classifica-se, aqui, como um profissional sobrecarregado e cansado. A rotina no trabalho não lhe proporciona pausas para descanso durante sua jornada. O intervalo para refeição é relatado como insuficiente, sendo que ele é até mesmo inexistente para alguns. Apesar disso, a grande maioria classificou-se como satisfeita com sua especialidade médica e não gostaria de ter escolhido outra profissão ou especialidade médica. Tal fato poderia ser justificado pela satisfação relatada com fatores organizacionais20, ao fato de as tarefas diárias serem consideradas como variadas ao longo dos dias da semana, além de observarem as péssimas condições de trabalho e de remuneração da grande maioria dos médicos brasileiros das mais diferentes especialidades8,19,21.

Apesar da satisfação, a sobrecarga de trabalho é reconhecida e esta, juntamente ao fator "sangue e secreções", foram classificados pela maioria dos profissionais como os fatores de risco ocupacionais mais importantes, além de receber a pior gradação em termos de danos22,23.

Importante ressaltar que a metade dos profissionais percebe o trabalho como desencadeador do adoecimento em alguma fase de sua vida laboral e a mesma quantidade considera-o como causa para o adoecimento de colegas.

No caso de acidentes de trabalho, muito frequentes entre profissionais da área de saúde, principalmente os perfurocortantes, somente 60% dos anestesiologistas entrevistados relatou ter sofrido algum tipo de acidente no trabalho, sendo que 30% procuraram pelo médico responsável, conforme manda a legislação24.

O alcoolismo, frequente no meio médico, foi pesquisado neste estudo através do CAGE, sendo que 15% dos participantes que responderam foram considerados CAGE positivos. Essa porcentagem foi pouco menor do que mostrou estudo feito entre médicos de Salvador8. Na população em geral, estudo feito em São Paulo mostrou prevalência de CAGE positivo em 7,8% dos entrevistados25. Foi observado que todos os participantes que têm CAGE positivo se sentem sobrecarregados em relação ao trabalho. O que pode mostrar uma relação entre o uso do álcool como forma de reação ao estresse no trabalho20. A relação entre álcool e sobrecarga de trabalho foi observada para 30% dos anestesiologistas pesquisados.

Uso de álcool e drogas como maconha pode servir como desencadeador do abuso de outras substâncias, como opioides e anestésicos inalatórios. Dentre as medicações usadas no trabalho e pelo profissional para consumo próprio, as mais empregadas foram os ansiolíticos. De grande preocupação para o meio, drogas com grande poder aditivo, como os opioides, foram citadas, assim como os anestésicos inalatórios26,27.

A prevalência foi de 28,4% de SQR-20 positivos, o que mostra valor muito maior do que aqueles valores obtidos em estudos feito com médicos e outros profissionais8,9,10. Quando foi relacionado o SRQ-20 com a sobrecarga de trabalho, essa associação se mostrou estatisticamente positiva, o que evidência um resultado esperado, já que a sobrecarga no trabalho se mostra como grande geradora de adoecimento20.

O universo estudado mostra o médico anestesiologista da cidade de Belo Horizonte como um profissional bastante sobrecarregado. A Anestesiologia segue uma tendência mundial do mercado de trabalho, na qual a precarização do trabalho gera uma competitividade crescente e uma busca desenfreada por reconhecimento e remuneração. A essa tendência se juntam os riscos intrínsecos do exercício da especialidade. A relação do profissional com o trabalho e os sentimentos resultantes dessa são subjetivos. Portanto, torna-se bastante complicado para o anestesiologista saber em que momento pedir ajuda. Atenção importante deve ser dada a esse profissional, para que soluções sejam buscadas e a minimização dos agravos evite os danos.

Submetido em 24 de outubro de 2011.

Aprovado para publicação em 4 de dezembro de 2011.

Recebido do Departamento de Saúde Pública; área de concentração em Saúde do Trabalhador; Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

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  • Correspondência para:

    Dra. Bárbara Silva Neves
    Rua Herval, 423/401 - Serra
    30240-010 - Belo Horizonte, MG, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      24 Out 2011
    • Aceito
      04 Dez 2011
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