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Incidência de tremores após cesarianas sob raquianestesia com ou sem sufentanil intratecal: estudo aleatório

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVO: Tremores são causa de desconforto e insatisfação das pacientes submetidas à cesariana. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto do uso de sufentanil intratecal na incidência de tremores após cesarianas. PACIENTES E MÉTODOS: Em um ensaio clínico prospectivo aleatório encoberto, foram incluídas no estudo gestantes submetidas à cesariana sob raquianestesia. Foram excluídas as gestantes em trabalho de parto, febris, obesas, com doença hipertensiva da gravidez, com falha do bloqueio anestésico ou complicação cirúrgica. As pacientes foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos. No Grupo I foram administrados 10 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica associados a 80 mcg de morfina e 2,5 mcg de sufentanil. No Grupo II foram administrados 10 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica associados a 80 mcg de morfina. Na Sala de Recuperação Pós-Anestésica as pacientes foram avaliadas quanto à presença de sinais de tremores por observador que desconhecia o grupo ao qual a paciente havia sido alocada. RESULTADOS: A amostra constou de 80 pacientes. Em ambos os grupos houve diminuição na temperatura axilar das pacientes após a cesariana (p < 0,001). Essa diminuição não se mostrou diferente entre os grupos (p < 0,21). No Grupo I a incidência de tremores foi de 13/40 (32,5%) pacientes e no Grupo II foi de 25/40 (62,5%) (p < 0,007) - Risco Relativo 0,53 (IC 95% 0,32-0,87). CONCLUSÕES: Sugere-se que a adição de sufentanil à bupivacaína hiperbárica e morfina durante raquianestesia para cesariana proporciona diminuição na incidência de tremores no período pós-operatório imediato.

ANALGÉSICOS, Opióides, sufentanil; CIRURGIA, cesárea; COMPLICAÇÕES, Tremores; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional, subaracnoidea


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Los temblores son provenientes de la incomodidad y de la insatisfacción de las pacientes sometidas a la cesárea. El objetivo de este estudio, fue analizar el impacto del uso de sufentanilo intratecal en la incidencia de temblores posteriores a las cesáreas. PACIENTES Y MÉTODOS: En un ensayo clínico prospectivo randomizado encubierto, se incluyeron en el estudio embarazadas sometidas a la cesárea bajo raquianestesia. Se excluyeron las embarazadas en trabajo de parto, febriles, obesas, con enfermedad hipertensiva del embarazo, con fallo en el bloqueo anestésico o complicación quirúrgica. Las pacientes se distribuyeron aleatoriamente en dos grupos. En el Grupo I, fueron administrados 10 mg de bupivacaína al 0,5% hiperbárica asociados a 80 mcg de morfina y 2,5 mcg de sufentanilo. En el Grupo II, fueron administrados 10 mg de bupivacaína al 0,5% hiperbárica asociados a 80 mcg de morfina. En la Sala de Recuperación Postanestésica, las pacientes se evaluaron en cuanto a la presencia de signos de temblores por un observador que no conocía el grupo en el cual la paciente había sido ubicada. RESULTADOS: La muestra constó de 80 pacientes. En los dos grupos se produjo una reducción en la temperatura axilar de las pacientes después de la cesárea (p < 0,001). Esa disminución no fue diferente entre los grupos (p < 0,21). En el Grupo I la incidencia de temblores fue de 13/40 (32,5%) pacientes y en el Grupo II de 25/40 (62,5%) (p < 0,007) - Riesgo Relativo 0,53 (IC 95% 0,32-0,87). CONCLUSIONES: Sugerimos que la adición de sufentanilo a la bupivacaína hiperbárica y morfina durante la raquianestesia para la cesárea, proporciona la disminución en la incidencia de temblores en el período postoperatorio inmediato.

CIRUGÍA, cesárea; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional, subaracnoidea; COMPLICACIONES, Temblores; ANALGÉSICOS, Opioides, sufentanilo


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Shivering is a cause of discomfort and dissatisfaction in patients undergoing cesarean section. The objective of this study paper was to assess the impact of intrathecal administration of sufentanil on the incidence of shivering after cesarean section. METHOD: In a prospective blinded, randomized clinical trial, pregnant women undergoing cesarean section under spinal anesthesia were enrolled. Pregnant women in labor, febrile, obese, with pregnancy-induced hypertension, anesthetic block failure or surgical complications were excluded. Patients were randomly assigned to two groups. In Group I, 10 mg of 0.5% hyperbaric bupivacaine combined with 80 mcg of morphine and 2.5 mcg of sufentanil were administered. In Group II, 10 mg of 0.5% hyperbaric bupivacaine combined with 80 mcg of morphine were administered. In the post-anesthesia care unit, patients were evaluated for signs of shivering by an investigator blinded to the patient's group allocation. RESULTS: The sample consisted of 80 patients. In both groups there was a decrease in axillary temperature of patients after cesarean section (p < 0.001). This decrease was not different between groups (p < 0.21). In Group I, the incidence of tremor was 32.5% (13/40) and in Group II it was 62.5% (25/40) (p < 0.007); RR 0.53 (CI 95% 0.32-0.87). CONCLUSIONS: It has been suggested that the addition of sufentanil to hyperbaric bupivacaine and morphine during spinal anesthesia for cesarean section provides a decrease in the incidence of shivering in the immediate postoperative period.

Cesarean Section; Anesthesia, Spinal; Shivering; Sufentanil


ARTIGO CIENTÍFICO

Incidência de tremores após cesarianas sob raquianestesia com ou sem sufentanil intratecal: estudo aleatório

Giovani de Figueiredo Locks

Anestesiologista; Maternidade Carmela Dutra, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Dr. Giovani de Figueiredo Locks Maternidade Carmela Dutra Serviço de Anestesiologia Rua Irmã Benwarda s/n Centro 88015-270 - Florianópolis, SC, Brasil E-mail: giovanilocks@gmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVO: Tremores são causa de desconforto e insatisfação das pacientes submetidas à cesariana. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto do uso de sufentanil intratecal na incidência de tremores após cesarianas.

PACIENTES E MÉTODOS: Em um ensaio clínico prospectivo aleatório encoberto, foram incluídas no estudo gestantes submetidas à cesariana sob raquianestesia. Foram excluídas as gestantes em trabalho de parto, febris, obesas, com doença hipertensiva da gravidez, com falha do bloqueio anestésico ou complicação cirúrgica. As pacientes foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos. No Grupo I foram administrados 10 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica associados a 80 mcg de morfina e 2,5 mcg de sufentanil. No Grupo II foram administrados 10 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica associados a 80 mcg de morfina. Na Sala de Recuperação Pós-Anestésica as pacientes foram avaliadas quanto à presença de sinais de tremores por observador que desconhecia o grupo ao qual a paciente havia sido alocada.

RESULTADOS: A amostra constou de 80 pacientes. Em ambos os grupos houve diminuição na temperatura axilar das pacientes após a cesariana (p < 0,001). Essa diminuição não se mostrou diferente entre os grupos (p < 0,21). No Grupo I a incidência de tremores foi de 13/40 (32,5%) pacientes e no Grupo II foi de 25/40 (62,5%) (p < 0,007) - Risco Relativo 0,53 (IC 95% 0,32-0,87).

CONCLUSÕES: Sugere-se que a adição de sufentanil à bupivacaína hiperbárica e morfina durante raquianestesia para cesariana proporciona diminuição na incidência de tremores no período pós-operatório imediato.

Unitermos: ANALGÉSICOS, Opióides, sufentanil; CIRURGIA, cesárea; COMPLICAÇÕES, Tremores; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional, subaracnoidea.

INTRODUÇÃO

Hipotermia não intencional, definida como temperatura central menor do que 36ºC, ocorre frequentemente durante a anestesia e a cirurgia por causa de vários fatores. Os principais são a inibição direta da termorregulação pelos anestésicos, a diminuição do metabolismo, a exposição do paciente ao ambiente frio das salas cirúrgicas e a exposição de cavidades corporais1. Há evidências de que a hipotermia perioperatória está associada a desfechos graves. Foram atribuídos à hipotermia: aumento na incidência de infecção de ferida cirúrgica; maior perda sanguínea intraoperatória; maior necessidade de hemotransfusão; aumento na incidência de eventos cardíacos; maior duração de ação de drogas; tremores pós-operatórios; aumento do tempo de recuperação pós-anestésica; maior ativação adrenérgica e maior incidência de desconforto térmico2.

O desenvolvimento de tremores é um reflexo protetor que aumenta a produção de calor corporal através da contração muscular. Os efeitos colaterais dos tremores são aumento do consumo de oxigênio, aumento dos níveis de dor e interferência na monitorização3. Os tremores, juntamente com dor, náusea e vômitos, são causas de desconforto e insatisfação das pacientes submetidas à cesariana4.

As técnicas de anestesia neuroaxiais são as mais frequentemente indicadas para cesarianas por apresentar menor morbimortalidade materna e menor depressão neonatal em relação à anestesia geral5. A adição de opioides lipofílicos à bupivacaína hiperbárica durante raquianestesia para cesariana proporciona redução da latência, maior duração e melhor qualidade de anestesia sem aumento na incidência de depressão neonatal6. Outro efeito reconhecido dos opioides são a prevenção e o tratamento dos tremores pós-operatórios7.

O objetivo deste estudo foi analisar o impacto do uso de sufentanil intratecal na incidência de tremores após cesarianas.

MÉTODOS

Tratou-se de um ensaio clínico prospectivo aleatório encoberto. As pacientes foram convidadas a participar do estudo imediatamente antes da anestesia para cesariana. Foram incluídas no estudo gestantes a termo submetidas à cesariana de baixo risco, sob raquianestesia, ASA I ou II, que aceitaram participar do estudo após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídas do estudo as gestantes em trabalho de parto, febris, obesas (Índice de Massa Corporal > 35 kg.m-2), com doença hipertensiva da gravidez, que estavam na terceira cesariana ou mais, nas quais houve falha do bloqueio anestésico ou complicação cirúrgica necessitando transfusão.

As pacientes foram monitoradas com oximetria de pulso, cardioscopia na derivação DII e pressão arterial não invasiva a cada três minutos e foi instalado acesso venoso em membro superior com cateter 20G. As pacientes receberam 500 mL endovenoso de Ringer Lactato na temperatura ambiente durante o bloqueio. As pacientes tiveram a temperatura axilar aferida por termômetro digital com o braço mantido ao longo do corpo.

Com a paciente na posição sentada, foi feita punção lombar no espaço vertebral L3-L4 com agulha 27G tipo Quincke. Nesse momento, as pacientes foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos por sorteio (usando uma sequência de números aleatórios, ímpares foram alocadas no Grupo I, pares no Grupo II).

No Grupo I foram administrados 10 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica associados a 80 mcg de morfina e 2,5 mcg de sufentanil. No Grupo II foram administrados 10 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica associados a 80 mcg de morfina. A velocidade de injeção foi de 1 mL a cada 5 segundos.

Em seguida, as pacientes foram colocadas em decúbito dorsal com desvio lateral do útero para a esquerda pelo uso de coxim sob o quadril direito. Conforme rotina da instituição, em todas as pacientes foram feitas sondagem vesical e cesariana segmentar com incisão de Pfannenstiel. Não foram efetuadas mudanças no controle da temperatura da sala de cirurgia ou da Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA).

Após o bloqueio, foi mantida hidratação com 10 mL.kg-1.h-1 de Ringer Lactato. Após o nascimento, foram administrados 1g de cefazolina e 10 unidades de ocitocina diluídos em 500 mL de Ringer Lactato em infusão. Para tratamento de hipotensão, sintomática ou não, foi usada dose bolus de efedrina 5 a 10 mg. Caso a gestante referisse dor durante a cirurgia, seria administrada dose bolus de 500 mcg de alfentanil e a paciente seria excluída do estudo. Após a cirurgia, as pacientes foram levadas para a SRPA, onde foi aferida a temperatura através do mesmo método e avaliada a presença de sinais de tremores por observador que desconhecia o grupo ao qual a paciente havia sido alocada.

Para determinação da incidência de tremores na SRPA foi usada a escala proposta por Crossley e Mahajan8.

0 = Sem tremores; 1 = Um ou mais dos seguintes aspectos: piloereção, vasoconstricção periférica, cianose periférica sem outra causa, porém sem atividade muscular; 2 = Atividade muscular visível restrita a um grupo muscular; 3 = Atividade muscular visível em mais de um grupo muscular; 4 = Atividade muscular grosseira envolvendo todo o corpo.

Para arquivo e análise dos dados foi usado o programa SPSS v 17.0 (IBM). Um estudo reportou que a incidência de tremores após cesarianas é de 47%9. Para detectar uma redução na incidência de tremores, no grupo que recebeu sufentanil, da ordem de 30%, foi calculado em 40 o número mínimo de pacientes em cada grupo, aceitando-se um erro alfa de 5% e um erro beta de 20%.

Os dados estão apresentados como média ± desvio padrão ou frequência absoluta (porcentagem). Para análise das diferenças entre variáveis quantitativas segundo grupos foi usado o teste t de student. Foi calculado o Risco Relativo (Intervalo de Confiança 95%) entre os grupos quanto à incidência de tremores (definido como índice na escala de Crossley > 1). O nível de significância estatística foi de 95%.

RESULTADOS

No período de março de 2010 a junho de 2011, foram incluídas 94 pacientes no estudo. Dessas, 14 foram excluídas (nove do Grupo I e cinco do Grupo II) por falta de adesão ao protocolo. As características demográficas, a duração da cirurgia e a variação de temperatura não foram diferentes das pacientes com protocolo completo. A amostra final constou de 80 pacientes distribuídas igualmente entre os grupos.

As características demográficas e obstétricas das pacientes estão descritas na Tabela I. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos.

Em ambos os grupos houve diminuição na temperatura axilar das pacientes após a cesariana (p < 0,001). Essa diminuição, no entanto, não se mostrou diferente entre os grupos. Os dados estão apresentados na Tabela II.

O grupo de pacientes que recebeu sufentanil intratecal apresentou uma incidência de tremores na SRPA menor em relação ao grupo no qual não foi administrado sufentanil. No Grupo II essa incidência foi de 25/40 pacientes (62,5%) e no Grupo I, de 13/40 (32,5%) (p < 0,007) - Risco Relativo 0,53 (IC 95% 0,32-0,87).

DISCUSSÃO

O achado mais importante deste estudo foi que a administração de 2,5 mcg de sufentanil intratecal reduziu em 30% a incidência de tremores após cesarianas.

O sistema regulador de temperatura de mamíferos é dividido em três componentes: termossensores e vias neurais aferentes, sistema de integração dos sinais térmicos e vias efetoras (autonômicas e comportamentais). O trato espinotalâmico lateral é a principal via aferente e projeta-se ao centro regulador hipotalâmico e aos núcleos na ponte e mesencéfalo. Há uma modulação da transmissão neural pelo núcleo magno da rafe (inibidor) e locus subcoeruleus (facilitador). A via eferente inicia-se no hipotálamo, faz múltiplas conexões na formação reticular, no mesencéfalo, na ponte e na medula e termina em um motoneurônio alfa. As principais respostas que são ativadas pelas vias eferentes em resposta à hipotermia são vasoconstrição, termogênese sem tremores (descrita em neonatos) e tremores7. Tremores são contrações musculares involuntárias, oscilatórias, que aumentam a produção metabólica de calor. Além da produção de calor, há aumento intenso no consumo de oxigênio e na produção de gás carbônico10, com risco potencial de complicações em paciente com comprometimento cardiovascular ou pulmonar.

Bloqueio neuroaxial causa perda da termorregulação abaixo do nível de bloqueio. A vasodilatação que ocorre abaixo do nível de bloqueio é presumidamente responsável pela redistribuição do calor corporal do compartimento central para o compartimento periférico11. Existe uma resposta normal à queda na temperatura central na forma de tremores12.

A temperatura corporal, no entanto, é raramente aferida durante anestesia de condução13, apesar de existirem evidências de que a anestesia regional está tão associada à hipotermia quanto a anestesia geral. Os pacientes tampouco percebem que estão hipotérmicos12. Um estudo de revisão mostrou que em uma análise de 21 artigos foi notada uma incidência mediana de tremores após anestesia neuroaxial de 55%11. Foi descrito que idade avançada e nível alto de bloqueio espinhal são fatores de risco para hipotermia após raquianestesia14. Essa observação é importante no contexto obstétrico, pois altos níveis de bloqueio são necessários durante a cesariana para evitar dor transoperatória. Essa variável não foi controlada neste estudo, mas foi demonstrado que usando 3 ou 4 mL de solução anestésica não há diferença no nível máximo de bloqueio atingido em raquianestesia para cesariana com 10 mg de bupivacaína hiperbárica e 5 mcg de sufentanil15. Essa diferença de 1 mL é maior do que a diferença no volume das soluções anestésicas deste estudo (0,5 mL). Outros fatores, como temperatura da sala de cirurgia, duração da cirurgia e Índice de Massa Corporal, não foram descritos como fatores de risco para hipotermia durante anestesia regional14.

Muitas drogas já foram testadas para tratamento ou prevenção de tremores pós-operatórios: meperidina16,17, alfentanil18, tramadol19, pentazocina20, clonidina21, midazolam22, amitriptilina23, sulfato de magnésio24, ondansetron16, ketanserin21 e quetamina25. A maioria dos estudos refere que a meperidina tem um efeito mais proeminente na prevenção e no tratamento de tremores pós-operatórios do que os outros opioides, presumidamente por ser um agonista de receptores µ- e -, diferentemente de agonistas de receptores µ- (morfina, fentanil, sufentanil). Além disso, efeitos não opioides da meperidina podem estar associados à sua ação antitremores, como inibição da recaptação de monoaminas, antagonismo de receptores NMDA e estimulação de receptores α-27.

Opioides no neuroeixo são amplamente usados para tratamento de dor aguda e de dor crônica. Quando o opioide é administrado no espaço subaracnoide, ele pode agir em locais não específicos da substância branca ou receptores específicos no corno dorsal da medula. Também há redistribuição rostral no líquido cefalorraquidiano, fator que é responsável pela incidência de depressão respiratória tardia, felizmente rara. Uma parte da droga difunde-se para o espaço peridural, de onde é transportada para o sistema venoso sistêmico. Da interação dessas três vias de distribuição resultam os efeitos clínicos observados nas pacientes. O caráter hidrofílico da morfina proporciona início de ação tardio (1-2 horas), maior duração (18-24 horas) e maior amplitude de analgesia. Os opioides lipofílicos (sufentanil e fentanil) proporcionam início de ação mais rápido (5-10 minutos), porém com menor duração de ação (4-6 horas) e área corporal mais restrita de analgesia26.

Opioides no espaço subaracnoideo já foram usados especificamente para prevenção de tremores após cesarianas. Meperidina intratecal na dose de 0,2 mg.kg-1, associada a bupivacaína hiperbárica 0,75%, foi eficaz em reduzir a incidência e a intensidade de tremores após cesarianas27. Duas vantagens foram apontadas em usar a meperidina por essa via: prevenção dos tremores, ao invés do tratamento após o surgimento deles, e a não administração de opioides, com possível chance de induzir náusea e vômitos, a uma paciente sem dor. Outro estudo confirmou esses resultados usando uma dose fixa de meperidina de 10 mg intratecal28. Esses autores não encontraram aumento na incidência de náusea ou vômitos nas pacientes tratadas com meperidina intratecal. Outros autores, entretanto, encontraram, além do efeito analgésico pós-operatório da meperidina intratecal em pacientes obstétricas, aumento de 40% na incidência de náusea e vômitos transoperatórios29.

O efeito de 20 mcg de fentanil intratecal também foi avaliado quanto ao resultado protetor de tremores após cesarianas e foi demonstrada uma redução de 30% na incidência de temores após cesariana30. Nossos dados estão em acordo com os encontrados por esses estudos e já existem autores que sugerem o uso de meperidina ou fentanil intratecal para prevenção de temores pós-operatórios11.

O uso de sufentanil em baixas doses tem sido reportado como seguro ao binômio materno-fetal. Foram demonstradas preservação do estado hemodinâmico e ácido-básico e ausência de efeitos colaterais31. Outros autores reportaram incidência alta de prurido6.

A coadminstração de um opioide lipofílico e de um opioide hidrofílico tem sido usada em obstetrícia. Essa estratégia permite obter o benefício máximo de ambas as drogas. O sufentanil melhora a qualidade da anestesia espinhal durante o período transoperatório e pós-operatório imediato e a morfina tem a capacidade de reduzir os níveis de dor por até 24 horas32.

No serviço no qual o estudo foi feito, o aquecimento das soluções parenterais não é usado rotineiramente para cesarianas (cirurgia de médio porte). Recomendações recentes indicam o uso de sistemas de aquecimento de fluidos em situações de emergência obstétrica hemorrágica5. No entanto, foram reportados benefícios decorrentes do aquecimento de fluidos no período perioperatório no contexto obstétrico habitual. Recentemente, menor variação da temperatura materna após cesarianas foi relatada, sem haver, contudo, redução na incidência de tremores33,34. Resultados conflitantes foram encontrados nesses dois estudos quanto a melhor equilíbrio ácido-básico fetal e escores de Apgar mais altos como resultado do aquecimento das soluções. O aquecimento das soluções é uma medida de baixo custo que deve ser habitualmente usada, em virtude da evidência de efeitos deletérios comprovados da hipotermia na população cirúrgica em geral.

Uma limitação deste estudo foi o uso da temperatura axilar para avaliação da perda de calor, e não a temperatura central. A temperatura axilar, contudo, pode ser usada para estimar a temperatura central, exceto em casos de perturbação extrema de temperatura12.

O presente estudo sugere que a adição de sufentanil à bupivacaína hiperbárica e à morfina durante raquianestesia para cesariana proporciona diminuição na incidência de tremores no período pós-operatório imediato.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece aos colegas e funcionários da SRPA pela colaboração na coleta dos dados.

Submetido em 23 de fevereiro de 2012.

Aprovado para publicação em 4 de junho de 2012.

Recebido da Maternidade Carmela Dutra, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

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  • Correspondência para:

    Dr. Giovani de Figueiredo Locks
    Maternidade Carmela Dutra Serviço de Anestesiologia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      23 Fev 2012
    • Aceito
      04 Jun 2012
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