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Hematoma retrofaríngeo secundário a pequeno trauma contuso no pescoço: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O desenvolvimento de hematoma retrofaríngeo após trauma contuso é uma ocorrência rara. Porém, uma lesão ocupando espaço nessa área pode ser fatal, o que exige rápida avaliação e tratamento. Esse tipo de hematoma é clinicamente importante devido à proximidade entre o espaço retrofaríngeo e a via aérea superior. Qualquer edema nesse espaço pode causar uma protuberância da parede posterior da faringe de encontro às vias aéreas e obstruí-las. RELATO DE CASO: Paciente do sexo feminino, 86 anos, que caiu de uma altura de 1,5 m e bateu o pescoço na escada, foi admitida em nosso Departamento de Traumatologia. Tomografia computadorizada e radiografia dos tecidos moles do pescoço foram feitas e mostraram uma grande massa retrofaríngea que se estendia da base do crânio até o nível dos pulmões. A paciente ficou em observação e o tamanho do hematoma diminuiu espontaneamente nos sete dias subsequentes; contudo, devido a uma infecção pulmonar, a paciente foi a óbito no décimo dia. Este relato enfatiza que a drenagem precoce do hematoma retrofaríngeo poderia ter sido considerada neste caso. Embora seja de ocorrência rara, o hematoma retrofaríngeo é um problema que pode ser encontrado em serviços de emergência.

COMPLICAÇÕES, Hematoma; Dispneia; Ferimentos e lesões; Obstrução das Vias Respiratórias; INTUBAÇÃO TRAQUEAL


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El desarrollo del hematoma retrofaríngeo posterior al trauma contundente es un hecho raro. Sin embargo, una lesión que ocupa un espacio en esa área puede ser fatal, lo que exige una rápida evaluación y el tratamiento adecuado. Ese tipo de hematoma es clínicamente importante debido a la cercanía entre el espacio retrofaríngeo y la vía aérea superior. Cualquier hinchazón en ese espacio puede causar una protuberancia de la pared posterior de la faringe contra las vías aéreas y obstruirlas. RELATO DE CASO: Paciente del sexo femenino, de 86 años, que se cayó de una altura de 1,5 m y se dio con la escalera en el cuello. Fue admitida en nuestro Departamento de Traumatología. Se realizaron la tomografía computadorizada y la radiografía de los tejidos suaves del cuello, lo que arrojó una gran masa retrofaríngea que se extendía desde la base del cráneo hasta el nivel de los pulmones. La paciente permaneció en observación y el tamaño del hematoma se redujo espontáneamente en los siete días posteriores; sin embargo, y debido a una infección pulmonar, la paciente falleció al décimo día. Ese relato nos muestra que el drenaje rápido del hematoma retrofaríngeo podría haber sido considerado en ese caso. Y aunque sea de una baja incidencia, el hematoma retrofaríngeo es un problema que puede ser encontrado en los servicios de emergencia.

COMPLICACIONES, Hematoma; Disneia; Heridas y lesiones; Obstrucción de las vías aéreas; INTUBACIÓN INTRATRAQUEAL


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The development of a retropharyngeal hematoma following a blunt trauma is a rare occurrence. However, a spaceoccupying lesion in this area can be life-threatening and requires rapid assessment and treatment. This is clinically important because of the close proximity of the retropharyngeal space to the upper airway. Any swelling in the the posterior pharyngeal space may prompt it to bulge anteriorly into the airway and cause its obstruction. CASE REPORT: A 86-year-old woman fell from a height of 1.5 m and hit her neck on stairs and was admitted to our trauma department. A computerized tomography scan and a lateral neck x-ray to observe the soft tissue revealed a large retropharyngeal mass extending from the base of the skull down to the level of the lung. The patient was kept under observation and the hematoma reduced spontaneously in the following seven days although the patient died on the tenth day from pulmonary infection. The report emphasizes that early drainage of a retropharyngeal hematoma should be considered in similar cases. Although rarely encountered, retropharyngeal hematoma is a problem that can be faced in an emergency department.

Pharyngeal Diseases; Hematoma; Airway obstruction; Dyspnea; Intubation, Intratracheal


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Hematoma retrofaríngeo secundário a pequeno trauma contuso no pescoço: relato de caso

Ahmet Can SenelI; Abdul Kadir GunduzII

IMédico; Professor Adjunto, Departamento de Anestesiologia e Cuidados Intensivos, Karadeniz Technical University, Faculty of Medicine, Trabzon, Turquia

IIMédico; Professor Adjunto, Unidade de Emergência, Karadeniz Technical University, Faculty of Medicine, Trabzon, Turquia

Correspondência para Correspondência para: Dr. Ahmet Can Senel Karadeniz Technical University, Faculty of Medicine Department of Anesthesiology and Critical Care 61080 Trabzon, Turquia E-mail: acsenel@gmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O desenvolvimento de hematoma retrofaríngeo após trauma contuso é uma ocorrência rara. Porém, uma lesão ocupando espaço nessa área pode ser fatal, o que exige rápida avaliação e tratamento. Esse tipo de hematoma é clinicamente importante devido à proximidade entre o espaço retrofaríngeo e a via aérea superior. Qualquer edema nesse espaço pode causar uma protuberância da parede posterior da faringe de encontro às vias aéreas e obstruí-las.

RELATO DE CASO: Paciente do sexo feminino, 86 anos, que caiu de uma altura de 1,5 m e bateu o pescoço na escada, foi admitida em nosso Departamento de Traumatologia. Tomografia computadorizada e radiografia dos tecidos moles do pescoço foram feitas e mostraram uma grande massa retrofaríngea que se estendia da base do crânio até o nível dos pulmões. A paciente ficou em observação e o tamanho do hematoma diminuiu espontaneamente nos sete dias subsequentes; contudo, devido a uma infecção pulmonar, a paciente foi a óbito no décimo dia. Este relato enfatiza que a drenagem precoce do hematoma retrofaríngeo poderia ter sido considerada neste caso. Embora seja de ocorrência rara, o hematoma retrofaríngeo é um problema que pode ser encontrado em serviços de emergência.

Unitermos: COMPLICAÇÕES, Hematoma; Dispneia; Ferimentos e lesões; Obstrução das Vias Respiratórias; INTUBAÇÃO TRAQUEAL.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de hematoma retrofaríngeo após trauma contuso é uma ocorrência rara. Porém, uma lesão ocupando espaço nessa área pode ser fatal, o que exige rápida avaliação e tratamento. Existem 63 casos de hematoma retrofaríngeo relatados na literatura inglesa desde 1966 1. A importância clínica desses hematomas se deve à proximidade entre o espaço retrofaríngeo e as vias aéreas superiores. Qualquer edema nesse espaço pode causar uma protuberância da parede posterior da faringe de encontro às vias aéreas e obstruí-las. A conduta deve priorizar a obtenção e manutenção da permeabilidade das vias aéreas do paciente. O diagnóstico tem como base o exame clínico e exames radiográficos. O tratamento depende do tamanho do hematoma, bem como do curso clínico do paciente. Relatamos um caso de hematoma retrofaríngeo após pequeno trauma contuso no pescoço. Revisamos a literatura e discutimos os princípios no manejo e tratamento para essa condição.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino de 86 anos que caiu de uma altura de 1,5 m e bateu o pescoço na escada. Ela foi admitida em nosso Departamento de Traumatologia depois de transferida de um hospital secundário, no qual deu entrada primeiramente com insuficiência respiratória, cianose e agitação. Intubação orotraqueal foi feita, o que se mostrou difícil por causa do desvio e da compressão da faringe, bem como da compressão traqueal. Depois de estabilizada, a paciente foi então transferida para o nosso Departamento de Traumatologia. Na admissão, o exame físico revelou sinais vitais com pressão arterial (PA) de 90/40 mm Hg; pulso de 95 bpm e frequência respiratória de 24 respirações por minuto.

O pescoço estava inchado e edematoso, principalmente na região esquerda. A paciente foi mantida intubada (orotraqueal) e continuava agitada. Não houve outros achados patológicos ao exame físico. O resultado da avaliação neurológica estava normal e a Escala de Coma de Glasgow revelou a seguinte pontuação: abertura dos olhos (4); atividade motora (6) e resposta verbal (1- entubada). A gasometria arterial mostrou valores de pH: 7,447; PO2: 140,9 mm Hg; pCO2: 31,2 mm Hg; HCO3: 21,1 mEq.L-1. Os resultados do hemograma foram contagem de hemoglobina: 9,7; leucócitos: 25.000; plaquetas: 80.000 e hematócrito: 27,5. Na análise bioquímica, o tempo de protrombina (TP), o tempo de tromboplastina parcial (TTP) e o tempo de sangramento estavam normais. Radiografia cervical mostrou C4-C5 com uma baixa densidade. Tomografia computadorizada (TC) do pescoço revelou que no nível de C2 e da borda anterior esquerda da traqueia havia uma área hipodensa de 3 x 1,5 cm, desvio da traqueia para a direita e uma cânula em seu interior (Figura 1).


Exames otorrinolaringológicos e de cuidados intensivos foram feitos. Com base na gasometria e na avaliação clínica da paciente, os cirurgiões otorrinolaringologistas e da unidade de emergência decidiram mantê-la sob observação na unidade de cuidados intensivos. Imobilização da coluna cervical com um colar rígido (colar Philadelphia), administração de antibióticos (ceftriaxona 100 mg.kg-1), fluidos intravenosos adequados (total: 2.500, 1.000 mL de solução fisiológica [SF], 500 mL de Ringer Lactato, 1.000 mL de Glicose 5%) e sedação com infusão intravenosa de midazolam 0,1 mg.kg-1 foram iniciadas.

Não houve nenhuma saída de material pela região da faringe. O hematoma e o edema regrediram durante a evolução clínica. No quarto dia de observação, a paciente foi submetida a uma traqueostomia na unidade de emergência (UE) para evitar as complicações da intubação traqueal. No décimo dia de observação, a despeito da administração intravenosa de antibióticos apropriados, a paciente foi a óbito devido a infecção pulmonar e falência múltipla dos órgãos.

DISCUSSÃO

O hematoma retrofaríngeo, embora extremamente raro, é uma complicação bem conhecida que pode ocorrer como consequência de trauma cervical, cirurgia de pescoço, infecções cervicais profundas, corpos estranhos, traumatismos de grandes vasos ou aneurisma da carótida e adenoma hemorrágico da paratireoide. Além disso, movimentos bruscos do pescoço e do corpo causados por tosse, vômito ou exercícios musculares também foram relatados como causas 2. O hematoma retrofaríngeo pode ocorrer espontaneamente em pacientes com distúrbios hemorrágicos 3. Três casos foram relatados em pacientes medicados com anticoagulantes 4.

A formação de hematoma no espaço retrofaríngeo é clinicamente importante por causa do risco em potencial de obstrução das vias aéreas. Anatomicamente, o espaço entre os corpos vertebrais e os músculos da faringe é dividido em três espaços potenciais (o retrofaríngeo, o perigoso e o prévertebral) por três camadas de fáscia (a visceral, a alar e a pré-vertebral).

Nossa paciente desenvolveu hematoma retrofaríngeo após cair de uma altura de 1,5 m e bater o pescoço na escada. Não houve achados traumáticos adicionais, como traumatismo craniano, torácico, abdominal e das extremidades. Radiografia e tomografia cervicais não mostraram luxação e compressão.

O tratamento de hematoma retrofaríngeo, semelhante ao de muitas afecções da cabeça e do pescoço, começa com a proteção e a manutenção das vias aéreas livres de obstrução. Muitos autores defendem a traqueostomia como o procedimento de escolha para a manutenção das vias aéreas. Alguns consideram o hematoma retrofaríngeo como uma contraindicação para intubação endotraqueal devido à possibilidade de perfurar a massa retrofaríngea pelo procedimento 5.

Quando a via aérea estiver garantida, duas opções estão disponíveis: drenagem ou observação. Exploração cirúrgica e aspiração transoral foram experimentadas, mas sem mostrar nenhuma vantagem sobre o tratamento conservador, aumentando o risco de infecção 1. Alguns autores defendem a observação e prescrevem drenagem para os hematomas que não reabsorvem. Esses autores mencionam relatos de muitos hematomas que diminuíram durante um período de 2-3 semanas. Os pacientes com hematomas pequenos e sem expansão podem ser tratados de modo conservador com imobilização da coluna cervical 3. Para hematomas maiores, bem como para aqueles que não regridem, a drenagem é indicada. Há duas vias de drenagem descritas: aspiração transoral e drenagem externa. A drenagem cirúrgica é essencial para os hematomas grandes, especialmente para aqueles com rápida expansão. Em nosso caso, não houve problemas para assegurar a permeabilidade das vias aéreas da paciente. Seu quadro geral era bom e o hematoma não apresentou expansão. Não havia material excretado dessa área e o hematoma e o edema regrediram durante o acompanhamento; portanto, uma cirurgia não foi planejada. O hematoma reduziu espontaneamente nos sete dias seguintes. Porém, a paciente foi a óbito no décimo dia devido à infecção pulmonar, apesar da administração intravenosa de antibióticos apropriados.

Uma análise sistemática dos artigos indexados desde 1977 foi feita com o intuito de oferecer um melhor embasamento para o nosso estudo. A busca foi feita com o uso dos seguintes termos: "hematoma" e "retrofaríngeo" nos bancos de dados Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Pubmed (U.S. National Library of Medicine National Institutes of Health) e Embase (ExcerptaMedica). Das 129 referências encontradas somente em Pubmed, apenas 11 relatos de casos eram referentes ao hematoma retrofaríngeo devido a traumatismo secundário (Tabela I).

O hematoma retrofaríngeo, embora raramente encontrado, é um problema grave que pode ocorrer em uma unidade de emergência.

Submetido em 12 de abril, 2012.

Aprovado para publicação em 12 de junho, 2012.

Recebido do Departamento de Anestesiologia e Cuidados Intensivos, Karadeniz Technical University, Faculty of Medicine, Trabzon, Turquia.

  • 1. Van Velde R, Sars PR, Olsman JG, Van De Hoeven H - Traumatic retropharyngeal haematoma treated by embolization of the thyrocervical trunk. Eur J Emerg Med, 2002;9:159-161.
  • 2. Daniello NJ, Goldstein SI - Retropharyngeal hematoma secondary to minor blunts head and neck trauma. Ear Nose Throat J, 1994;73:41-43.
  • 3. Mackenzie JW, Jellicoe JA - Acute upper airway obstruction. Spontaneous retropharyngeal haematoma in a patient with polycythaemia rubra vera. Anaesthesia, 1986;41:57-60.
  • 4. Owens DE, Calcatessa TC, Aarstad RA - Retropharyngeal hematoma. A complication of therapy with anticoagulants. Arch Otolaryngol, 1975;101:565-568.
  • 5. Senthuran S, Lim S, Gunning KE - Life-threatening airway obstruction caused by a retropharyngeal haematoma. Anaesthesia, 1999;54:674- 678.
  • Correspondência para:

    Dr. Ahmet Can Senel
    Karadeniz Technical University, Faculty of Medicine Department of Anesthesiology and Critical Care
    61080 Trabzon, Turquia
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2012
    • Aceito
      12 Jun 2012
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