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Existe uma recomendação para segurança na prática da anestesia regional?

CARTA AO EDITOR

Existe uma recomendação para segurança na prática da anestesia regional?

Fabiano Timbó Barbosa

MD Universidade Federal de Alagoas

Caro Editor-chefe,

Foi com grande interesse que li o artigo publicado na RBA orientando os profissionais quanto à segurança da prática dos bloqueios regionais1. Parabenizo os autores pelo esforço e pela seriedade com que trataram desse assunto. Gostaria de fazer algumas considerações sobre três tópicos:

1. As referências

A anestesia é um procedimento médico que se modificou ao longo dos anos devido às inovações tecnológicas e farmacológicas, sendo cabível o pensamento de que as técnicas usadas hoje não são as mesmas usadas no passado. Observando as referências percebe-se que os autores usaram publicações que analisaram pacientes que se submeteram a pesquisas envolvendo anestesia em décadas passadas. O texto não esclarece como os autores agiram perante tal limitação ou se ela foi considerada em algum momento da análise dos artigos incluídos nas recomendações. Seria possível esclarecer isso?

A estratégia usada para identificar os artigos incluídos não deixa claro qual o passo ou momento que tornou possível o uso de capítulos de livro. O capítulo de um livro foi usado, porém, observando o conteúdo, parece que ele aborda a farmacopeia norte-americana, e não especificamente a prática da anestesiologia mundial2.

2. A fundamentação teórica inicial

Foi preocupação dos autores dar um enfoque às complicações infecciosas relacionadas ao bloqueio regional, porém é relevante ressaltar que tais complicações são raras. "Não há evidências claras na literatura a respeito da frequência de tais complicações (D)" e "Também é rara a administração errônea de fármacos em bloqueios regionais (?)", por isso a criação de recomendações sem sabermos previamente se a frequência real ou estimada dos eventos pode ser vista com ressalvas. Seria possível que os autores fizessem pesquisa no Brasil em conjunto com a Sociedade Brasileira de Anestesiologia para identificar a frequência atual de tais eventos e, assim, tornar mais viável a consulta às recomendações?

Os autores usam séries epidemiológicas para justificar que, mesmo na ausência da informação publicada em artigos, a frequência das complicações infecciosas e dos acidentes está em ascensão. Entretanto, os estudos usados como referência são das décadas de 1980 e 1990, permanecendo a dúvida sobre o estado atual dos eventos3,4,5,6.

3. Graus de recomendação e força das evidências

Há recomendações que são baseadas apenas em publicações com nível de evidência D, fazendo os autores tomarem uma posição menos afirmativa no texto. Assim, algumas recomendações ficaram um pouco dúbias, necessitando que os autores tivessem explicado melhor o tópico. Alguns exemplos: "(...), exceto na mais extraordinária circunstância, o bloqueio do neuroeixo não deve ser realizado em pacientes com infecção sistêmica não tratada."; "(...), interconsulta com infectologista é recomendada para facilitar o início precoce e efetivo da terapia antibiótica" e "A Agência Nacional de Vigilância Sanitária não recomenda o reprocessamento de materiais para uso da anestesia regional". Não ficou claro no texto qual o conceito de "extraordinária circunstância", se a interconsulta com infectologista pode influenciar na tomada de decisão quanto à escolha da técnica anestésica e se ainda existem no Brasil hospitais que usam material reprocessado.

Os autores não fizeram referência ao uso de revisões sistemáticas e metanálises, sendo necessário entender se houve algum critério de exclusão para desconsiderar esse tipo de pesquisa ou se não existem pesquisas desse tipo analisando esse tópico.

Em suma, as recomendações existem e devem ser usadas perante os pacientes na prática clínica diária. Entretanto, alguns pontos devem ser vistos com ressalvas, por causa da força das evidências que geraram determinadas recomendações, mormente aquelas baseadas exclusivamente no nível de evidência D. Precisamos saber qual a frequência de complicações infecciosas anestésicas no Brasil.

  • 1. Fernandes CR, Fonseca NM, Rosa DM et al. - Recomendações da Sociedade Brasileira de Anestesiologia para segurança em anestesia regional. Rev Bras Anestesiol, 2011;61:668-694.
  • 2. USP Chapter 797 with proposed revisions 2006 - Disponível em: [http://www.usp.org/pdf/EN/USPNF/PF797redline.pdf
  • 3. Moen V, Dahlgren N, Irestedt L - Severe neurological complications after central neuraxial blockades in Sweden 1990-1999. Anesthesiology, 2004;101:950-959.
  • 4. Horlocker TT, McGregor DG, Matsushige DK et al. - A retrospective review of 4,767 consecutive spinal anesthetics: central nervous system complications. Perioperative Outcomes Group. Anesth Analg, 1997;84(3):578-584.
  • 5. Wang LP, Hauerberg J, Schmidt JF - Incidence of spinal epidural abscess after epidural analgesia: a national 1-year survey. Anesthesiology, 1999;91(6):1928-1936.
  • 6. Aromaam U, Lahdensuu DA, Cozanitis S - Severe complications associated with epidural and spinal anaesthesias in Finland 1987-1993. A study based on patient insurance claims. Acta Anaesthesiol Scand, 1997;41:445-452.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012
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