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Fadiga ocupacional: impacto na saúde do anestesiologista e a segurança dos pacientes cirúrgicos: nós, como anestesiologistas estamos frequentemente trabalhando em um ambiente estressante. Você discorda disso?

EDITORIAL

Fadiga ocupacional: impacto na saúde do anestesiologista e a segurança dos pacientes cirúrgicos: nós, como anestesiologistas estamos frequentemente trabalhando em um ambiente estressante. Você discorda disso?

A anestesiologia é uma especialidade médica apontada como realizadora de grandes avanços na segurança do atendimento ao paciente durante as últimas décadas. As taxas tanto de morbidade quanto de mortalidade sofreram melhorias significativas por causa das inovações nas abordagens de monitoramento, farmacologia e clínica. Contudo, os danos ao paciente, secundários a erros causados pelos praticantes de anestesia, continuam existindo, apesar dos muitos avanços. Uma das principais causas de erro médico, bem documentadas na literatura médica, é o nível de fadiga desses profissionais1,2.

Demandas crescentes por causa da pressão no trabalho, juntamente com os compromissos pessoais e sociais, podem ser uma carga muito pesada, muitas vezes resultando em síndrome de fadiga em anestesiologistas clínicos. Curiosamente, a "fadiga" (também chamada de exaustão, cansaço, letargia, estafa, apatia, prostração, esgotamento e lassidão) pode ser diferenciada nas categorias física e mental.

A fadiga física pode ser definida como a incapacidade de manter o funcionamento de suas habilidades normais e, geralmente, torna-se claramente visível durante o exercício intenso, podendo variar de um estado geral de letargia para uma sensação específica de queimação nos músculos induzida pelo trabalho3. Embora os anestesiologistas possam experimentar fadiga física durante um dia de trabalho intenso, a fadiga mental é vista como o principal agente causador de erro médico entre os praticantes de anestesia. A fadiga mental se manifesta como sonolência, com incapacidade de concentração ou de fazer avaliações e tomar decisões rápidas. É esse estado mental que está causando impacto no desempenho dos anestesiologistas e colocando a segurança dos pacientes cirúrgicos em risco! Por décadas, o trabalho do anestesiologista tem sido descrito como horas de tédio intercaladas por momentos de terror. A questão-chave está em quais medidas podem ser tomadas para evitar que as horas de tédio interfiram no bom julgamento médico quando os momentos de terror ocorrerem.

Foi demonstrado em um estudo que o risco de um acidente (erro médico) aumenta exponencialmente a cada hora após nove horas consecutivas de trabalho. Em 24 horas de vigília sustentada, o comprometimento da função psicomotora nos médicos pode ser equivalente a uma concentração de 0,1% de álcool no sangue, o que é igual ou superior ao limite legal para dirigir na maioria dos estados dos EUA4.

Christopher P. Landrigan destaca a importância desse assunto quando menciona na American Joint Commission Sentinel Event Alert (Comissão Mista Americana de Sentinela para Evento de Alerta): "Nós, anestesiologistas, temos uma cultura de longas horas de trabalho e o impacto da fadiga não tem feito parte da nossa consciência". Por outro lado, o relatório do Instituto de Medicina To err is human: building a safer health system (Errar é humano: construindo um sistema de saúde seguro) revela que os erros médicos contribuem para muitas mortes hospitalares e graves eventos adversos5,6.

O estudo da fadiga, em ambiente laboratorial ou clínico, é altamente complexo e difícil por causa da natureza multifatorial da fadiga, da variação ao longo do tempo em pessoas diferentes e da sobreposição de outras condições associadas, tais como síndrome de Burnout, dependência química, suicídio e estresse. Contudo, a necessidade de estudar a fadiga e as melhores formas de controlá-la em nossas práticas médicas é fundamental. Os médicos são treinados para exercer sua prática voltados para o paciente. Isso significa que muitas vezes ignoram a própria saúde e o bem-estar. Porém, quando a saúde do médico tem impacto direto no bem-estar do paciente, devemos voltar nossa atenção para nós mesmos. Em relação à fadiga, isso significa que devemos aprender a reconhecê-la e encontrar formas de atenuar seus efeitos, para que essa ameaça latente não evolua para danos ao paciente7.

Quanto à fadiga e às longas horas de trabalho, já existem alguns países que estão tomando medidas para corrigir esse problema. A Associação de Anestesiologistas da Irlanda e Grã-Bretanha produziu um documento com 25 páginas especificamente para lidar com o problema da fadiga em seus membros e fez recomendações sobre as questões de segurança da equipe e dos pacientes 8. Da mesma forma, o Colegiado Australiano e Neozelandeso de Anestesiologistas também produziu uma declaração sobre a fadiga em que os princípios e as responsabilidades específicos são individualmente definidos para anestesiologistas, departamentos de anestesia e hospitais, com o objetivo de reduzir a fadiga e também os erros médicos resultantes dela9.

De fato, as recomendações específicas dos Estados Unidos em relação a limitações mais rigorosas das horas de trabalho de médicos residentes em treinamento surgiram diretamente do reconhecimento de que a fadiga do residente não é prejudicial apenas para ele, mas também pode comprometer seriamente a segurança do paciente10,11. Embora as horas de trabalho de médicos em treinamento tenham sido reduzidas, o mesmo não pode ser dito para o anestesiologista de plantão 12. A preocupação com os erros que um médico acometido pela fadiga pode cometer está sendo reconhecida em nível nacional. Em dezembro de 2011, a Comissão Mista Americana emitiu um alerta delineando as preocupações sobre a fadiga em profissionais de saúde e as medidas que devem ser tomadas para reduzir esse problema13.

A Comissão Mista Americana de Sentinela para Evento de Alerta demanda que se tenha uma maior atenção para evitar a fadiga e suas consequências (síndrome de Burnout, dependência química, comportamento suicida, etc.) entre os profissionais de saúde e sugere ações específicas para as instituições de assistência à saúde, com o objetivo de mitigar esses riscos13.

O propósito da Sentinela para Evento de Alerta é discutir os efeitos e riscos de um longo dia de trabalho, bem como o efeito cumulativo de muitos dias de longas jornadas de trabalho. A Comissão Mista de Alerta faz uma série de recomendações para as instituições de assistência à saúde, tais como escolas de medicina, centros de formação médica, hospitais públicos e privados, sociedades nacionais e regionais, instituições de seguro e outros. As recomendações específicas incluem:

1. Avaliar os riscos relacionados à fadiga, tais como horas além do plantão, turnos consecutivos de trabalho e níveis na equipe;

2. Examinar os registros quando os pacientes são transferidos ou encaminhados de um cuidador para outro, momento de risco que é agravado pela fadiga;

3. Solicitar a contribuição da equipe para planejar uma escala de trabalho que minimize o potencial para a fadiga e proporcionar oportunidades para que a equipe expresse suas preocupações sobre a fadiga;

4. Criar e implementar um plano de controle da fadiga que inclua estratégias científicas para combatê-la, como conversações, atividades físicas, consumo estratégico de cafeína e cochilos;

5. Educar sobre bons hábitos de sono e os efeitos da fadiga na segurança dos pacientes cirúrgicos;

6. Determinar os riscos relacionados à fadiga, tais como turnos consecutivos de trabalho e níveis da equipe;

7. Examinar os processos quando os pacientes são transferidos ou encaminhados de um cuidador para outro, um momento de risco que é agravado pela fadiga;

8. Solicitar a contribuição da equipe para projetar uma escala de trabalho que minimize o potencial para a fadiga e proporcionar oportunidades para que a equipe expresse suas preocupações sobre a fadiga;

9. Criar e implementar um plano de controle da fadiga que inclua estratégias científicas para combatê-la, como entabular conversações, praticar atividades físicas, consumo estratégico de cafeína e cochilos curtos;

10. Educar os funcionários sobre bons hábitos de sono e os efeitos da fadiga na segurança dos pacientes cirúrgicos;

O Professional Wellbeing Committee of World Federation of Societies of Anesthesiologists (Comitê para o Bem-estar Profissional da Federação Mundial das Sociedades de Anestesiologistas) está planejando projetos para avaliar que medidas de segurança estão atualmente em vigor em todas as nações para melhorar o problema da fadiga em anestesiologistas, com o objetivo de desenvolver recomendações consistentes de como as Sociedades Nacionais de Anestesiologia podem implementar políticas de controle da fadiga. Com o trabalho em conjunto do Comitê para o Bem-estar Profissional e da Comissão Mista, espera-se que o resultado final seja a melhora mundial da segurança do paciente e do bem-estar do anestesiologista.

Será que a abordagem planejada nos poupará da atração de assumirmos longas horas de trabalho, como forma de aumentar a receita e cobrir a carga clínica cada vez maior? Talvez não, mas ela deve chamar a atenção para um problema existente e fornecer aos profissionais de saúde recomendações internacionais que apoiem uma mudança dentro de seu próprio ambiente.

Estar ciente do problema é o primeiro passo para resolvê-lo!

Membros do Comitê para o Bem-Estar Profissional da Federação Mundial das Sociedades de Anestesiologistas

Roger Moore, EUA

Pratyush Gupta, Índia

Gastão F. Duval Neto, Presidente

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR RECOMENDADA

  • 1. Howard SK, Rosekind MR, Katz JD, Berry AJ - Fatigue in anesthesia. Anesthesiology. 2002;97(5):1281-1294.
  • 2. Howard SK, Gaba DM, Smith BE et al. - Simulation study of rested verses sleep-deprived anesthesiologists. Anesthesiology. 2003;98(6):1345-1355.
  • 3. Wikipedia. Fatigue (medical). Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Fatigue_(medical) Acessado em 22/11/2012.
  • 4. Howard SK, Rosekind MR, Katz JD et al. - Fatigue in anesthesia. Implications and strategies for patient and provider safety. Anesthesiology. 2002;97:1281-1294
  • 5. Czeisler CA - The Gordon Wilson lecture: work hours, sleep, and patient safety in residency training. Trans Am Clin Climatol Assoc. 2006;117.
  • 6. Czeisler, CA - Medical and genetic differences in the adverse impact of sleep loss on performance: ethical considerations for the medical profession. Trans Am Clin Climatol Assoc. 2006;117:159-188.
  • 7. Park CS - Fatigue: not just a problem for residents. Newsletter. 2012;76(10):22-24.
  • 8. Ward ME, Bullen KE, Charlton JE - Fatigue and anesthetists. Oxford, The Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland, 2004.
  • 9. Statement of fatigue and the anaesthetist, published by Australian and New Zealand College of Anaesthetists, July 2004.
  • 10. Arnedt JT, Owens J, Crouch M, Stahl J, Carskadon MA - Neurobehavioral performance of residents after heavy night call vs after alcohol ingestion. JAMA. 20058;294(9):1025-1032.
  • 11. West C - Association of resident fatigue and distress with perceived medical errors. JAMA.2009;302(12):1294-1300.
  • 12. Kahn LT, Corrigan JM, Donaldson MS - To err is human: building a safer health system. Washington, DC, National Academy Press, 1999;1-223.
  • 13
    Joint Commission - Sentinel Event Alert - Health care worker fatigue and patient safety, 2011;48.
  • 1. Institute of Medicine - Sleep disorders and sleep deprivation: an unmet public health problem. March 21, 2006. Disponível em: http://www.iom.edu/Reports/2006/Sleep-Disorders-andSleep-Deprivation-An-Unmet-Public-Health-Problem.aspx
  • 2. Institute of Medicine - Resident duty hours: enhancing sleep, supervision, and safety. December 15, 2008. Disponível em: http://www.iom.edu/Reports/2008/Resident-Duty-HoursEnhancing-Sleep-Supervision-and-Safety.aspx
  • 3. Institute of Medicine - Keeping patients safe: transforming the work environment of nurses. Washington, DC: National Academy Press, November 3, 2003. Disponível em: http://iom.edu/Reports/2003/Keeping-Patients-Safe-Transforming-the-WorkEnvironment-of-Nurses.aspx
  • 4. Agency for Healthcare Research and Quality - Patient safety and quality: an evidence-based handbook for nurses. AHRQ Publication Nş. 08-0043, April 2008. Disponível em: http://www.ahrq.gov/qual/nurseshdbk/
  • 5. Lockley SW, Barger LK, Ayas NT et al. Effects of health care provider work hours and sleep deprivation on safety and performance. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2007;33(11)7-18.
  • 6. Blum AB, Shea S, Czeisler CA et al. - Implementing the 2009 Institute of Medicine recommendations on resident physician work hours, supervision, and safety. Nat Sci Sleep. 2011;3:1-39.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013
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