Acessibilidade / Reportar erro

Riscos e doenças ocupacionais relacionados ao exercício da anestesiologia

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O exercício da anestesiologia não é isento de riscos para o anestesiologista. Considerada um local de trabalho insalubre em razão dos riscos potenciais que oferece, a sala de operações (SO) é o local no qual o anestesiologista passa a maior parte do tempo. Nesta revisão, propomos uma análise dos riscos ocupacionais aos quais estão expostos os anestesiologistas em sua prática diária. CONTEÚDO: Apresentamos a classificação dos riscos e suas relações com as doenças ocupacionais. CONCLUSÃO: O controle dos riscos ocupacionais, aos quais os anestesiologistas são expostos diariamente, se faz necessário para o desenvolvimento de um local de trabalho adequado e com riscos reduzidos para a boa prática da anestesiologia. Isso contribui para a diminuição do absenteísmo, a melhora da assistência prestada ao paciente e da qualidade de vida do anestesiologista.

ANESTESIOLOGIA, Segurança; Riscos Ocupacionais; Saúde do Trabalhador; ANESTESIOLOGISTA; COMPLICAÇÕES, Risco


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The practice of anesthesiology is not without risks to the anesthesiologist. The operating room (OR), in which anesthesiologists spend most of their time, is regarded as an unhealthy workplace due to the potential risks it offers. In this review, we propose an analysis of the occupational hazards that anesthesiologists are exposed in their daily practice. CONTENT: We present a classification of risk and its relationship to occupational diseases. CONCLUSION: Control of occupational hazards to which anesthesiologists are exposed daily is necessary in order to develop an appropriate workplace and minimize risks to the good practice of anesthesiology. This contributes to decrease absenteeism, improve patients' care and quality of life of anesthesiologists.

Anesthesiology; Occupational Diseases; Occupational Health; Risk


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El ejercicio de la anestesiología no está exento de riesgos para el anestesiólogo. Considerado como un local de trabajo insalubre a causa de los riesgos potenciales a que conlleva, el quirófano es el local en donde el anestesiólogo pasa la mayor parte del tiempo. En esta revisión, proponemos un análisis de los riesgos ocupacionales a los que están expuestos los anestesiólogos en su práctica diaria. CONTENIDO: Presentamos una clasificación de los riesgos y sus relaciones con las enfermedades ocupacionales. CONCLUSIONES: El control de los riesgos ocupacionales a los que están expuestos los anestesiólogos diariamente es necesario para lograr un local de trabajo adecuado y con riesgos reducidos para la buena práctica de la anestesiología, lo que contribuye para la disminución del absentismo, la mejoría de la asistencia prestada al paciente y de la calidad de vida del anestesiólogo.

ANESTESIOLOGÍA, Seguridad; Riesgos Ocupacionales; Salud Ocupacional; ANESTESIÓLOGO; COMPLICACIONES, Riesgos


ARTIGO DE REVISÃO

Riscos e doenças ocupacionais relacionados ao exercício da anestesiologia

Daniel VolquindI; Airton BagatiniII; Gabriela Massaro Carneiro MonteiroIII; Juliana Rech LonderoIII; Giovani Dani BenvenuttiIII

ITSA (Título Superior em Anestesiologia); Professor, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil

IIGestor do Centro Cirúrgico do Hospital Ernesto Dornelles, Porto Alegre, RS, Brasil

IIIAcadêmicos do 8º semestre de medicina da Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Daniel Volquind Rua Doutor José Aloysio Brugger, 992/402 Caxias do Sul, RS. Brasil. CEP: 95050-150 E-mail: danielvolquind@gmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O exercício da anestesiologia não é isento de riscos para o anestesiologista. Considerada um local de trabalho insalubre em razão dos riscos potenciais que oferece, a sala de operações (SO) é o local no qual o anestesiologista passa a maior parte do tempo. Nesta revisão, propomos uma análise dos riscos ocupacionais aos quais estão expostos os anestesiologistas em sua prática diária.

CONTEÚDO: Apresentamos a classificação dos riscos e suas relações com as doenças ocupacionais.

CONCLUSÃO: O controle dos riscos ocupacionais, aos quais os anestesiologistas são expostos diariamente, se faz necessário para o desenvolvimento de um local de trabalho adequado e com riscos reduzidos para a boa prática da anestesiologia. Isso contribui para a diminuição do absenteísmo, a melhora da assistência prestada ao paciente e da qualidade de vida do anestesiologista.

Unitermos: ANESTESIOLOGIA, Segurança; Riscos Ocupacionais; Saúde do Trabalhador; ANESTESIOLOGISTA; COMPLICAÇÕES, Risco.

Introdução

O exercício da anestesiologia não é isento de riscos para o anestesiologista. Considerada um local de trabalho insalubre em razão dos riscos potenciais que oferece, a sala de operações (SO) é o local no qual o anestesiologista passa a maior parte do tempo durante seu exercício profissional.

A atividade médica de atendimento hospitalar é classificada conforme a Norma Regulamentadora nº 4 (NR-4) - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho - Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, como sendo de grau de risco 3 para acidentes do trabalho e doenças ocupacionais 1.

Nesta revisão, propomos uma análise dos riscos e das doenças ocupacionais aos quais estão expostos os anestesiologistas em sua prática diária.

Classificação dos riscos ocupacionais

Os riscos ocupacionais são divididos em cinco grupos, conforme sua natureza: os riscos físicos relacionam-se a exposição a ruído, radiação ionizante e temperatura. Gases, vapores, fumaças e produtos químicos são classificados como riscos químicos. Os riscos biológicos englobam exposição a vírus, bactérias, sangue e derivados. E os riscos ergonômicos referem-se à exigência de postura inadequada, monotonia, repetitividade, trabalho em turnos e situações geradoras de estresse. O arranjo inadequado do ambiente de trabalho, a iluminação insuficiente, o potencial de acidentes com eletricidade e a probabilidade de incêndio compreendem o grupo dos riscos de acidente 1,2.

Riscos físicos

Esse grupo de riscos representa uma constante no trabalho na SO, responsável por um elevado número de doenças ocupacionais, como hipertensão arterial sistêmica, estresse e neoplasias 3,4.

A legislação federal não permite ruídos com intensidade maior de 85 decibéis (dB) no ambiente de trabalho, em jornada que alcance oito horas, de forma contínua e sem o uso de protetor auditivo 5. O ruído nas SO pode chegar a mais de 100 dB quando estão associados conversa em tom normal e ruídos do ar-condicionado, de aparelhos como o eletrocautério e aparelhos de ventilação controlada. Uma vez que o ruído é intermitente, não há necessidade de uso de protetor auditivo, mas sim da conscientização da necessidade de diminuir os ruídos em SO 4. As paredes da SO contribuem para elevar o nível de ruído ao refletir e amplificar o som. O ruído excessivo é causa de distração e dificuldade de concentração dos profissionais, que pode levar ao risco de erros relacionados com a prática anestésica 5.

A exposição ao ruído associa-se a patologias relacionadas ao estresse, transtornos respiratórios, comportamentais, resultando em distúrbios do sono e também repercutindo nos sistemas endocrinológico e neurológico, dessa forma passando a ser um agente causador de doenças 4,5.

O surgimento de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, procedimentos endoscópicos, da radiologia intervencionista e da necessidade de atendimento anestésico durante a feitura de exames radiológicos foi acompanhado do aumento na exposição à radiação ionizante e suas consequências. A radiação ionizante é emitida pelos raios X e por isótopos radioativos que liberam raios gama ou partículas α e β 2. Difere da radiação não ionizante, representada pelo raio laser, a qual pode causar alterações advindas do calor produzido.

A radiação ionizante promove nos tecidos irradiados a formação de radicais livres, moléculas ionizadas e destruição celular, bem como a possibilidade de alterações cromossômicas e desenvolvimento de tumores malignos. Ocorrem alterações na dupla-hélice do DNA celular, que podem ser pontos de mutação, translocações cromossômicas, fusões de genes, e todas essas alterações estão ligadas à indução do surgimento de neoplasias 6.

A exposição à radiação ionizante é cumulativa e necessita de medição constante por meio de dosímetros, sendo que não é conhecida uma dose segura abaixo da qual a indução de neoplasias não ocorre 6. Dessa forma, atitudes preventivas quanto à exposição à radiação devem ser estabelecidas.

A proteção radiológica se faz obrigatória por meio de condutas como: a educação em relação aos riscos relacionados à radiação, o uso de barreiras como aventais de chumbo até a altura dos joelhos que conferem proteção gonadal, óculos com lentes protetoras para proteção da retina e colares cervicais para proteção da tireoide. A manutenção de uma distância mínima de 90 cm da fonte principal de emissão da radiação ionizante promove uma diminuição completa da exposição à radiação primária 6.

A temperatura do ambiente de trabalho é outro risco físico que potencializa a ocorrência de acidentes pelo fato de a exposição, tanto a baixas como a altas temperaturas, conduzir ao desconforto térmico, com repercussão na capacidade de concentração e atenção do anestesiologista, o que prejudica a vigilância ao paciente.

Riscos químicos

A presença de resíduos de gases e vapores anestésicos na SO foi associada a patologias diversas e desconforto ocupacional 7. Diversos fatores são relacionados à contaminação da SO por resíduos de anestésicos inalatórios (Quadro 1) 8.


Os anestésicos inalatórios halogenados presentes na atmosfera da SO contribuem para a poluição e são relacionados com doenças ocupacionais, embora as investigações de seus efeitos ainda não apresentem conclusões 9. A exposição crônica tem o potencial de sensibilizar para a hepatite, desenvolver cefaleia, náusea, sonolência, fadiga e irritabilidade 3.

Estudos relacionados, em recente revisão sistemática, não evidenciaram riscos ocupacionais relacionados à exposição de resíduos de anestésicos inalatórios quando avaliaram efeitos genotóxicos, neurocomportamentais e imunológicos. Estudos que indicaram um risco potencial à saúde dos anestesiologistas ignoraram os modernos sistemas de exaustão e de regulação ambiental de resíduos de anestésicos inalatórios 10.

A exposição ocupacional aos anestésicos inalatórios pode estar relacionada ao estresse oxidativo na população que trabalha em SO. Atividade antioxidante plasmática e eritrocitária foi encontrada em amostras sanguíneas de profissionais expostos cronicamente aos anestésicos inalatórios comparados ao grupo controle 11.

Os limites ambientais para concentrações de anestésicos inalatórios são relacionados em partes por milhão (ppm). O limite superior de óxido nitroso (N2O) é 25 ppm, de halogenados é 2 ppm e quando em associação com o N2O é reduzido para 0,5 ppm 3.

O uso de eletrocautério e radiação não ionizante emanam na atmosfera da SO fumaça composta de resíduos biológicos em suspensão, como partículas infecciosas de DNA virais que têm potencial patogênico 4.

O manuseio de fármacos como os antibióticos pode induzir resistência bacteriana por meio do contato crônico com microdoses pela pele e pelas mucosas. Dessa forma, a recomendação é que esses fármacos sejam manipulados com luvas.

Riscos biológicos

O anestesiologista está exposto ao risco de transmissão de infecções durante o contato com o paciente e suas secreções 12.

As principais doenças com risco de transmissão no ambiente da SO são as hepatites B e C, o herpes vírus e o vírus HIV. A contaminação das luvas durante os procedimentos de punção venosa periférica ocorre em 18% dos casos, o que traduz um risco elevado de exposição a agentes infectantes caso elas não sejam usadas 13.

AAgência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) orienta a adoção de precauções universais para evitar a contaminação com agentes infectantes (Quadro 2) 14 .


No caso de acidentes com risco de contaminação pelo HIV, as medidas recomendadas, como o teste rápido para HIV e o uso de quimioprofilaxia, devem ser tomadas. Esse último com zidovudina associado à lamivudina e, possivelmente, nelfinavir ou indinavir 15.

O uso de precauções universais, programas educacionais de prevenção de acidentes e treinamento deve ser atividade constante das comissões de controle de infecções hospitalares.

Em 2007, o Hospital Infection Control Practices Advisory Committee publicou suas recomendações a respeito da prevenção de exposição ocupacional de trabalhadores da saúde e contaminação com materiais biológicos 16. Nelas recomenda como boas práticas a aplicação das precauções universais em procedimentos, nos quais o potencial contato com material biológico está presente.

No Brasil, foi publicada a NR-32 (Norma Regulamentadora 32) que busca a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, promover todas as formas preventivas capazes de buscar condições seguras e saudáveis no ambiente de trabalho e proteger e preservar os profissionais 17.

Riscos ergonômicos

A adequação do local de trabalho ao anestesiologista consiste no ajustamento da ergonomia da SO. O aparelho de anestesia, a mesa cirúrgica, as mesas auxiliares e a altura dos monitores devem ser estabelecidos em relação à altura do anestesiologista.

Alterações posturais durante a jornada de trabalho são responsáveis pelo desenvolvimento de doenças da coluna vertebral, como hérnias de disco lombares, e contraturas musculares que podem levar o anestesiologista ao afastamento do trabalho 18.

Atitudes como a adequação da altura da mesa cirúrgica para a feitura de punções vasculares, anestesia no neuroeixo e intubação traqueal, entre outras, minimizam o risco de desenvolvimento das doenças em questão 18.

Assim, o planejamento ergonômico do local de trabalho é de relevante importância para a diminuição de riscos de acidentes e de doenças ocupacionais.

Riscos de acidentes

O uso de um número maior de aparelhos elétricos na SO aumentou o risco de acidentes com eletricidade 2.

O arranjo inadequado das instalações elétricas possibilita a ocorrência de choques elétricos que podem chegar a magnitudes fatais. O correto planejamento do número e da distribuição de tomadas elétricas, evitando extensões e benjamins, minimiza a ocorrência de tais acidentes.

Na prevenção de acidentes elétricos o aterramento da SO deve ser adequado para o número de aparelhos em uso simultâneos.

O uso desses aparelhos promove a geração de um campo de baixa frequência eletromagnética na SO. Embora não se tenham evidências suficientes entre essa exposição e a origem de doenças ocupacionais, medições indicaram que os anestesiologistas estão expostos a um campo magnético superior ao recomendado pela Swedish Board for Technical Accreditation, que deve ser inferior a 2 mG 19.

O risco de incêndio, apesar de diminuído pelo não uso de anestésicos inflamáveis, ainda existe nos dias atuais pelo uso de material comburente com elementos desencadeadores de faísca. Relatos de incêndio com a associação de laser com oxigênio, eletrocautério com gases intestinais ou com gazes e compressas estão presentes na literatura 20.

Doenças ocupacionais

A Revolução Industrial teve início na Inglaterra no século XVIII e inaugurou uma era ligada à patologia do trabalho. A primeira publicação que associou trabalho e doença data de 1700 e não só listou doenças que ocorreram em mais de 50 ocupações como introduziu, na anamnese, a pergunta: "Qual a sua ocupação?" 21

A anestesiologia é uma especialidade médica que apresenta potencial para o desenvolvimento de doenças ocupacionais relacionadas aos riscos discutidos anteriormente.

A exigência de jornadas de trabalho extensas e pequeno intervalo entre os plantões está associada a estresse, hipertensão arterial sistêmica, depressão e abuso de drogas ilícitas 3,4.

A exposição a determinados produtos aumenta o risco de doenças, como a alergia ao látex, uma vez que vários materiais de uso corrente do anestesiologista possuem esse componente 22. A reação pode ocorrer por meio de três tipos clinicamente distintos: dermatite de contato irritativa, hipersensibilidade tardia tipo IV e hipersensibilidade imediata tipo I mediada por IgE 23. A sensibilidade ao látex em anestesiologistas varia de 12,5-20%, tornando-os vulneráveis a reações alérgicas quer como pacientes ou durante a atividade profissional. Tal sensibilização pode acarretar incapacidade física para a prática da profissão e troca de especialidade 23,24.

O estresse gerado por situações encontradas na atividade em SO, intenso grau de responsabilidade e trabalho em horários irregulares representam fatores de risco importantes para o desenvolvimento ou agravamento de várias doenças cardiovasculares 25.

A hipertensão arterial sistêmica está associada a um efeito extra-auditivo causado pelo ruído 4. A exposição a níveis elevados de ruído desencadeia respostas cardiovasculares semelhantes ao estresse agudo, com aumento da pressão arterial, dos níveis plasmáticos de catecolaminas, de colesterol, de triglicerídeos e ácidos graxos livres 26.

Aos fatores de risco citados para as doenças ocupacionais associam-se às doenças psiquiátricas relacionadas ao trabalho, como as síndromes de fadiga crônica, depressão e o abuso de drogas e álcool, que são frequentes na atividade em anestesiologia 27.

O termo em inglês burnout é traduzido como esgotamento, sentimento de depressão, fadiga e falta de energia causados por estresse ou excesso de trabalho. A síndrome de burnout foi identificada em 1974 e descreve um sentimento de fracasso e exaustão causado pelo excessivo desgaste de energia 28. Constituída por um quadro bem definido, essa síndrome se caracteriza por exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal. Sintomas físicos incluem cefaleia, alterações gastrointestinais e insônia. As consequências são desmotivação, frustração, depressão e dependência de drogas. O desgaste se reflete também nas relações familiares e profissionais, determinando separações, diminuição importante do rendimento e aumento do absenteísmo 29.

Essa síndrome pode ser observada em todas as profissões, principalmente aquelas que envolvem altos níveis de estresse, como as da área da saúde. Globalmente, afeta um em cada dois médicos, sendo um terço deles atingido de forma moderada e um décimo de forma severa, com características irreversíveis. Cerca de 40% a 50% dos médicos que trabalham com medicina de emergência e infectologia e 56% dos cancerologistas são acometidos pela síndrome 28.

A Joint Commission identifica a fadiga como um fator ligado a ocorrência de eventos adversos, redução da produtividade, aumento do risco de acidentes e diminuição da qualidade de vida para os profissionais de saúde 30.

Entre as especialidades que sofrem com esse problema está a anestesiologia 31. A responsabilidade ligada que essa especialidade médica acarreta pode ser considerada fator de estresse para o profissional que a exerce, gerando malestar, distúrbios do sono, cansaço excessivo, irritabilidade, inquietude, baixa tolerância à frustração, impaciência, sentimentos depressivos e despersonalização, levando-o ao distanciamento afetivo e à apatia 32, 33.

Na área da anestesiologia, outros fatores também causam alto nível de estresse: restrição de tempo, interferência na vida pessoal e familiar, aspectos médico-legais, problemas de comunicação com os colegas, possibilidade de intercorrências clínicas no perioperatório, pouco reconhecimento profissional, jornadas de trabalho prolongadas, responsabilidade por eventuais complicações e existência de expectativas profissionais não realistas 34.

O reconhecimento e o diagnóstico do problema nos levam à reflexão de que algo precisa ser feito para continuarmos exercendo nossa profissão com dignidade, com atenção a nossos pacientes e em busca de uma rotina saudável para o exercício profissional, com qualidade de vida. A implementação de políticas que visem à qualidade do exercício da profissão nas instituições de trabalho, bem como reavaliação pessoal em busca de inovação, reciclagem profissional, alternativas de lazer e motivação, é fator que poderá contribuir para a melhoria da atividade e da vida do anestesiologista 34.

A questão relacionada ao abuso de substâncias psicoativas entre os anestesiologistas é preocupação atual da Sociedade Brasileira de Anestesiologia. A anestesiologia encontra-se no grupo de maior risco entre as especialidades médicas para desenvolver dependência química 35. Enquanto nos Estados Unidos apenas 3% dos médicos pertencem à especialidade, eles somam entre 13% a 35% do total de médicos tratados por abuso de substâncias psicoativas 36,37. Números atuais constataram que médicos em formação nessa especialidade têm duas vezes mais risco de morrer por dependência química do que os de outras especialidades 38. Embora nenhuma razão estabelecida tenha sido identificada para tal fenômeno, pesquisas sugerem o abuso de substâncias um sintoma inicial da depressão 38, 39.

As causas para o abuso de substâncias entre anestesiologistas incluem estresse ocupacional, acesso fácil às mesmas, situação de dor física ou emocional, baixa autoestima e predisposição genética 39.

Em relação ao abuso de álcool, a prevalência em valores é semelhante às demais profissões. Um estudo analisou o perfil de 83 anestesiologistas dentre 697 médicos de outras especialidades admitidos em programas de reabilitação e concluiu que o abuso de álcool é maior nas outras especialidades médicas (52%) do que na anestesiologia (28%) (p < 0,01). O estudo sugeriu que os anestesiologistas tiveram menor chance de ser encaminhados para o serviço de reabilitação por causa de abuso de álcool (OR 0,4 [IC 95%: 0,2-06] p < 0,001) do que os médicos das demais especialidades 39.

Esses profissionais também são mais vulneráveis a desenvolver adição por substâncias farmacológicas, sendo os opioides as principais. Em 2005, um estudo mostrou que fentanil e sufentanil são os mais usados 40. Outros agentes, como propofol, cetamina, tiopental, lidocaína, óxido nitroso e anestésicos inalatórios, são menos frequentes, mas têm potencial de dependência descrita na literatura 41-43.

Verifica-se afastamento da família, dos amigos e de atividades de lazer, alterações do humor, episódios de raiva, irritabilidade e hostilidade, permanência maior no hospital mesmo quando de folga, mais atendimentos a chamadas extras, recusa a intervalos de descanso, frequentes idas ao banheiro, perda de peso, palidez e requisições aumentadas de fármacos opioides ou quantidades inapropriadas para casos específicos 39,44,45.

A adição e o abuso de álcool tipicamente demoram anos para se tornar aparentes 31,35,36. Por tal razão, recomendase que profissionais com alto grau de suspeita sejam manejados, em termos diagnósticos e de tratamento, por psiquiatras especializados em abuso de substâncias 45.

A maioria dos estudos concorda que a internação em clínica de reabilitação, na qual seja seguido um protocolo composto por processo de desintoxicação, monitoração da abstinência, educação intensiva sobre o tema, inserção em grupos de ajuda e psicoterapia, é fundamental. A alta associada ao contato periódico com a equipe assistente e a monitoração frequente da abstinência por meio de testes de urina é fundamental, além do apoio de grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos 39,45. Está demonstrado que 25% dos anestesiologistas em tratamento vão apresentar, ao menos, um episódio de reincidência 38,37,46.

O prognóstico desses profissionais foi estudado em 1990, com 180 casos de dependência química em anestesiologistas. Desses casos, 13 (7%) morreram por injúrias cerebrais. Dos 167 restantes, 113 (67%) conseguiram retornar para a anestesiologia. Os dependentes de opioides tiveram apenas 34% de sucesso em retomar a profissão; dos 66% restantes, 25% foram a óbito. Os usuários de álcool e outras drogas tiveram taxas de recuperação de 70%; dos 30% restantes, 13% morreram 47. Dessa forma, existe a necessidade de diagnóstico, apoio e tratamento para o anestesiologista em risco ou que já apresenta dependência química 48.

Conclusão

O controle dos riscos ocupacionais aos quais os anestesiologistas são expostos diariamente se faz necessário para evitar acidentes e/ou desenvolvimento de doenças muitas vezes incapacitantes.

O esforço conjunto dos anestesiologistas e dos gestores hospitalares é de vital importância para o desenvolvimento de um local de trabalho adequado e com riscos reduzidos para a boa prática da anestesiologia, o que contribui para a diminuição do absenteísmo, a melhora da assistência prestada ao paciente e da qualidade vida do anestesiologista.

Submetido em 13 de maio de 2012.

Aprovado para publicação em 4 de junho de 2012.

Recebido da Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil.

  • 1
    Segurança e Medicina do Trabalho - Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977. 34ª ed., São Paulo, Atlas, 1996.
  • 2. Gestal JJ - Occupational hazards in hospitals: accidents, radiation, exposure to noxious chemicals, drug addiction and psychic problems, and assault. Br J Ind Med. 1987;44:510- 520.
  • 3. Nicholau D, Arnold III WP - Environmental safety including chemical dependency. Em: Miller RD et al. Miller's Anesthesia. 7Ş ed., United States, Chuchil Livingstone Elsevier, 2010;3053- 073.
  • 4. Cohen A - Extra-auditory effects of occupational noise. I. Disturbances to physical and mental health. Nat Saf News. 1973;108:93-99.
  • 5. Oliveira CRD, Arenas GWN - Exposição ocupacional a poluição sonora em anestesiologia. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:253-261.
  • 6. Dagal A - Radiation safety for anesthesiologists. Current Opinion in Anesthesiology. 2011;24:445-450.
  • 7. Almeida FV, Alberici RM, Braga FS, Jardim WF - Contaminação atmosférica num centro cirúrgico por compostos orgânicos voláteis e dióxido de carbono. Rev Bras Anestesiol. 1999;49:190-195.
  • 8. Oliveira CRD - Exposição ocupacional a resíduos de gases anestésicos. Rev Bras Anestesiol. 2009;59:110-124.
  • 9. Blokker-Veldhuis MJ, Rutten PMMJ, De Hert SG - Occupational exposure to sevoflurane during cardiopulmonary bypass. Perfusion. 2011;26:383-389.
  • 10. Nilsson R, Björdal C, Andersson M et al. - Health risks and occupational exposure to volatile anaesthetics - A review with a systematic approach. J Clin Nurs. 2005;14:173-186.
  • 11. Türkan H, Aydin A, Sayal A - Effect of volatile anesthetics on oxidative stress due to occupational exposure. World J Surg. 2005;29:540-542.
  • 12. Filho GRO, Garcia JHS et al. - Contaminação das mãos com sangue durante cateterismo venoso periférico: prevalência e fatores predisponentes. Rev Bras Anestesiol. 2001;51:112- 118.
  • 13. Davanzo E, Frasson C, Morandin M et al. - Occupational blood and body fluid exposure of university health care workers. Am J Infect Control. 2008;36:753-756.
  • 14. Destra AS, Angelieri DB, Bakowski E et al. - Risco ocupacional e medidas de precauções e isolamento. Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/portal/controleinfeccoes/documento/doc/mod_5_risco_ocup.e_med_de_precaucao_e_isolamento.pdf
  • 15. Hughes SC - Human immunodeficiency virus and other occupational exposures: risk management. In Schwartz AJ - ASA Courses in Anesthesiology, 28ş vol., Philadelphia, Library of Congress, 2000;146-157.
  • 16. Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L - Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee - 2007 Guideline for Isolation Precautions: Preventing Transmission of Infectious Agents in Healthcare Settings. Disponível em: http://www.cdc.gov/ncidod/dhqp/pdf/isolation2007.pdf
  • 17
    Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil) - Norma Regulamentadora 32 - Segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde. Brasília: Port. MTE 485, 2005. Disponível em: http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_32.pdf
  • 18. Adams MA, Hutton WC - The effect of posture on the lumbar spine. J. Bone Joint. 1985;67:626-629.
  • 19. Roh JH, Kim DW, Lee SJ, Kim SY, Na SW, Choi SH, Kim KJ - Intensity of extremely low-frequency electromagnetic fields produced in operating rooms during surgery at the standing position of anesthesiologists. Anesthesiology. 2009;111:275-278.
  • 20. Jr Pak - Fires, floods and hospital system failures: hazards and disasters preparedness. In Schwartz AJ - Asa refresher courses in anesthesiology, 28ş vol, Philadelphia, Library of Congress, 2000;80-97.
  • 21. Mendes R - Aspectos históricos da patologia do trabalho. Em: Mendes R - Patologia do trabalho. 1Ş ed, Rio de Janeiro, Atheneu, 1996;2-31.
  • 22. Zaglaniczny K - Latex allergy: are you at risk? AANA J. 2001;61:413-424.
  • 23. Allarcon JB, Malito M, Linde H et al. - Alergia ao látex. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:89-96.
  • 24. Batti MACSB - Alergia ao látex, editorial. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:555-560.
  • 25. Backé EM, Seidler A, Latza U et al. - The role of psychosocial stress at work for the development of cardiovascular diseases: a systematic review. Int Arch Occup Environ Health. 2012;85:67-79.
  • 26. Chang TY, Liu CS, Huang KH et al. - High-frequency hearing loss, occupational noise exposure and hypertension: a cross-sectional study in male workers. Environ Health. 2011;10:35-43.
  • 27. Rusli BN, Edimansyah BA, Naing L - Working conditions, selfperceived stress, anxiety, depression and quality of life: a structural equation modelling approach. BMC Public Health. 2008;8:48-60.
  • 28. Tucunduva LTM, Garcia AP, Prudente FVB et al. - A síndrome da estafa profissional em médicos cancerologistas brasileiros. Rev Assoc Med Bras. 2006;52:108-112.
  • 29. Calumbi RA, Amorim J, Maciel CMC, Damázio O, Teles AJF - Avaliação da qualidade de vida dos anestesiologistas da cidade do Recife. Rev. Bras. Anestesiol. 2010;60:42-51.
  • 30. The Joint Commission - Sentinel Event Alert Issue 48: health care worker fatigue and patient safety. Disponível em: http://www.jointcommission.org/assets/1/18/SEA_48.pdf
  • 31. Lederer W, Kinzl JF, Trefalt E et al. - Significance of working conditions on burnout in anesthetists. Acta Anaesthesiol Scand. 2006;50:58-63.
  • 32. Mathias LAST, Coelho CMF, Vilela EP, Vieira JE, Pagnocca ML - O plantão noturno em anestesia reduz a latência ao sono. Rev Bras Anestesiol. 2004;54:694-699.
  • 33. Andrade ANM, Albuquerque MAC, Andrade ANM - Avaliação do nível de estresse do anestesiologista da Cooperativa de Anestesiologia de Sergipe. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:490- 494.
  • 34. Kinzl JF, Traweger C, Biebl W, Lederer W - Burnout and stress disorders in intensive care doctors. Dtsch Med Wochenschr. 2006;131:461-64.
  • 35. Lutsky I, Hopwood M, Abram SE, Jacobson GR, Haddox JD, Kampine JP - Psychoactive substance use among American anesthesiologists: a 30-year retrospective study. Can J Anaesth. 1993;40:915-921.
  • 36. Tetzlaff J, Collins GB, Brown DL, Leak BC, Pollock G, Popa D - A strategy to prevent substance abuse in an academic anesthesiology department. J Clin Anesth. 2010;22:143-150.
  • 37. Rose GL, Brown RE Jr - The impaired anesthesiologist: not just about drugs and alcohol anymore. J Clin Anest. 2010;22:379-384.
  • 38. Bryson EO, Silverstein JH - Addiction and substance abuse in anesthesiology. Anesthesiology. 2008;109:905-917.
  • 39. Skipper GE, Campbell MD, Dupont RL - Anesthesiologists with substance use disorders: a 5-year outcome study from 16 state physician health programs. Anesth Analg. 2009;109:891-896.
  • 40. Kintz P, Villain M, Dumestre V, Cirimele V - Evidence of addiction by anesthesiologists as documented by hair analysis. Forensic Sci Int. 2005;153:81-84.
  • 41. Wischmeyer PE, Johnson BR, Wilson JE et al. - A survey of propofol abuse in academic anesthesia programs. Anesth Analg. 2007;105:1066-1071.
  • 42. Berry AJ, Arnold WP - Chemical dependence in anesthesiologists: what you need to know when you need to know it. Park Ridge, Illinois, American Society of Anesthesiologists Task Force on Chemical Dependence of the Committee on Occupational Health of Operating Room Personnel, 1998.
  • 43. Bryson ET, Silverstein JH - Addiction and substance abuse in anesthesiology. Anesthesiology. 2008;109:905-917.
  • 44. Berge KH, Seppala MD, Schipper AM - Chemical dependency and the physician. Mayo Clin Proc. 2009;84:625-631.
  • 45. May JA, Warltier DC, Pagel PS - Attitudes of anesthesiologists about addiction and its treatment: a survey of Illinois and Wisconsin members of the American Society of Anesthesiologists. J Clin Anesth. 2002;14:284-289.
  • 46. Domino KB, Hornbein TF, Polissar NL et al. - Risk factors for relapse in health care professionals with substance use disorders. JAMA. 2005;293:1453-1460.
  • 47. Menk EJ, Baumgarten RK, Kingsley CP - Success of reentry into anesthesiology training programs by residents with a history of substance abuse. JAMA. 1990;263:3060-3062.
  • 48. Lineberger CK - Impairment in anesthesiology: awareness and education. Int Anesthesiol Clin. 2008;46:151-160
  • Correspondência para:

    Daniel Volquind
    Rua Doutor José Aloysio Brugger, 992/402
    Caxias do Sul, RS. Brasil. CEP: 95050-150
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2012
    • Aceito
      04 Jun 2012
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org