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Avaliação do delírio em pacientes pós-operatórios: validação da versão portuguesa da Nursing Delirium Screening Scale na terapia intensiva

Resumos

EXPERIÊNCIA E OBJETIVOS: O objetivo desse estudo foi validar a versão portuguesa da escala Nursing Delirium Screening Scale (Nu-DESC) para uso em anbientes de terapia intensiva. MÉTODOS: Simultânea e independentemente, avaliamos para ocorrência de delírio todos os pacientes pós-operatórios internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Cirúrgica (UTIC) ao longo de um período de um mês, utilizando as versões portuguesas de Nu-DESC e da escala Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC) dentro de 24 horas a contar da internação, tanto pelo médico da equipe de pesquisa como pelo enfermeiro diretamente encarregado do paciente. Determinamos a acurácia diagnóstica de Nu-DESC utilizando análises de sensibilidade, especificidade e da curva ROC. Avaliamos a confiabilidade entre enfermeiros/médico da equipe de pesquisa para Nu-DESC pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI). Avaliamos concordância e confiabilidade entre Nu-DESC e ICDSC por percentuais globais e específicos de concordância, e por estatística kappa. RESULTADOS: Com base na escala ICDSC, diagnosticamos delírio em 12 dos 78 pacientes. Para o escore Nu-DESC total, consideramos como alta a confiabilidade entre enfermeiros/médico da equipe. Quanto ao diagnóstico, consideramos perfeita a concordância entre enfermeiros e médico da equipe. O percentual de concordância global entre Nu-DESC e ICDSC para o diagnóstico de delírio foi 0,88, e kappa variou de 0,79 a 0,93. A sensibilidade da escala Nu-DESC foi 100%, e a especificidade, 86%. CONCLUSÕES: A versão portuguesa da escala Nu-DESC parece ser instrumento de avaliação e monitoramento acurado e confiável para o diagnóstico de delírio em ambientes de terapia intensiva.

Delírio; Terapia pós-operatória; Terapia intensiva


EXPERIENCIA Y OBJETIVOS: El objetivo de este estudio fue validar la versión portuguesa de la escala Nursing Delirium Screening Scale (Nu-DESC) para uso en ambientes de cuidados intensivos. MÉTODOS: Simultánea e independientemente, evaluamos el aparecimiento de delirio en todos los pacientes postoperatorios ingresados en una Unidad de Cuidados Intensivos Quirúgica (UCIQ) a lo largo de un período de un mes, utilizando las versiones portuguesas de Nu-DESC y de la escala Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC) dentro de 24 horas a partir del momento del ingreso, tanto por el médico del equipo de investigación, como por el enfermero directamente encargado del paciente. Determinamos la exactitud diagnóstica de Nu-DESC utilizando análisis de sensibilidad, especificidad y de la curva ROC. Evaluamos la confiabilidad entre enfermeros/médico del equipo de investigación para Nu-DESC por el coeficiente de correlación intraclase (CCI). Evaluamos la concordancia y la confiabilidad entre Nu-DESC y ICDSC por porcentajes globales y específicos de concordancia, y por estadística kappa. RESULTADOS: Basándonos en la escala ICDSC, diagnosticamos delirio en 12 de los 78 pacientes. Para la puntuación Nu-DESC total, consideramos como alta la confiabilidad entre enfermeros/médico del equipo. En cuanto al diagnóstico, consideramos perfecta la concordancia entre enfermeros y médico del equipo. El porcentaje de concordancia global entre Nu-DESC y ICDSC para el diagnóstico de delirio fue de 0,88, y kappa varió de 0,79 a 0,93. La sensibilidad de la escala Nu-DESC fue de un 100%, y el de especificidad de un 86%. CONCLUSIONES: La versión portuguesa de la escala Nu-DESC parece ser un instrumento de evaluación y monitoreo exacto y confiable para el diagnóstico del delirio en ambientes de cuidados intensivos.

Delirio; Terapia postoperatoria; Cuidados intensivos


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The aim of this study was to validate the Portuguese version of the Nursing Delirium Screening Scale (Nu-DESC) for use in critical care settings. METHODS: We simultaneously and independently evaluated all postoperative patients admitted to a surgical Intensive Care Unit (SICU) over a 1-month period for delirium, using the Portuguese versions of both the Nu-DESC and the Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC) within 24 hours of admission by both the research staff physician and one bedside nurse. We determined the diagnostic accuracy of the Nu-DESC using sensitivity, specificity and ROC curve analyses. We assessed reliability between nurses and the research staff physician for Nu-DESC by intraclass correlation coefficient (ICC). We assessed agreement and reliability between Nu-DESC and ICDSC by overall and specific proportions of agreement and by kappa statistics. RESULTS: Based on the ICDSC, we diagnosed delirium in 12 of the 78 patients. Reliability between nurses and the staff physician for total Nu-DESC score was high. Agreement between nurses and staff physician in the delirium diagnosis was perfect. The proportion of overall agreement between Nu-DESC and ICDSC in the delirium diagnosis was 0.88 and the kappa ranged from 0.79 to 0.93. Nu-DESC Sensitivity was 100 and specificity was 86%. CONCLUSIONS: The Portuguese version of the Nu-DESC appears to be an accurate and reliable assessment and monitoring instrument for delirium in critical care settings.

Delirium; Postoperative care; Critical care


ARTIGO CIENTÍFICO

Avaliação do delírio em pacientes pós-operatórios: validação da versão portuguesa da Nursing Delirium Screening Scale na terapia intensiva* * Recebido do Departamento de Anestesiologia-Unidade de Terapia pós-Anestesia; Centro Hospitalar de São João, Portugal.

Fernando AbelhaI,II; Dalila VeigaII; Maria NortonII; Cristina SantosIII; Jean-David GaudreauIV,V,VI

IUnidade de Anestesiologia e Terapia Perioperatória, Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal

IIDepartamento de Anestesiologia, Centro Hospitalar de São João, Porto, Portugal

IIIPesquisas Clínicas e de Serviços de Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal

IVDepartamento de Psiquiatria, L'Hôtel-Dieu de Québec, Québec, QC, Canadá

VCentre Hospitalier Universitaire de Québec, Québec, QC, Canadá

VIFaculdades de Farmácia e Medicina e Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade Laval, Québec, QC, Canadá

Autor para correspondência Autor para correspondência: Fernando Abelha E-mail: fernando.abelha@gmail.com (F. Abelha)

RESUMO

EXPERIÊNCIA E OBJETIVOS: O objetivo desse estudo foi validar a versão portuguesa da escala Nursing Delirium Screening Scale (Nu-DESC) para uso em anbientes de terapia intensiva.

MÉTODOS: Simultânea e independentemente, avaliamos para ocorrência de delírio todos os pacientes pós-operatórios internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Cirúrgica (UTIC) ao longo de um período de um mês, utilizando as versões portuguesas de Nu-DESC e da escala Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC) dentro de 24 horas a contar da internação, tanto pelo médico da equipe de pesquisa como pelo enfermeiro diretamente encarregado do paciente. Determinamos a acurácia diagnóstica de Nu-DESC utilizando análises de sensibilidade, especificidade e da curva ROC. Avaliamos a confiabilidade entre enfermeiros/médico da equipe de pesquisa para Nu-DESC pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI). Avaliamos concordância e confiabilidade entre Nu-DESC e ICDSC por percentuais globais e específicos de concordância, e por estatística kappa.

RESULTADOS: Com base na escala ICDSC, diagnosticamos delírio em 12 dos 78 pacientes. Para o escore Nu-DESC total, consideramos como alta a confiabilidade entre enfermeiros/médico da equipe. Quanto ao diagnóstico, consideramos perfeita a concordância entre enfermeiros e médico da equipe. O percentual de concordância global entre Nu-DESC e ICDSC para o diagnóstico de delírio foi 0,88, e kappa variou de 0,79 a 0,93. A sensibilidade da escala Nu-DESC foi 100%, e a especificidade, 86%.

CONCLUSÕES: A versão portuguesa da escala Nu-DESC parece ser instrumento de avaliação e monitoramento acurado e confiável para o diagnóstico de delírio em ambientes de terapia intensiva.

Palavras-chave: Delírio; Terapia pós-operatória; Terapia intensiva.

Introdução

O delírio pós-operatório está associado com mortalidade mais elevada, maior permanência mais prolongada na unidade de terapia intensiva (UTI), complicações clínicas mais frequentes e custos de saúde mais pesados.1-6 Já foram descritos muitos fatores de risco para a ocorrência de delírio,7-9 e muitos deles estão constantemente presentes nessas populações (p.ex., grandes doses de analgésicos, sedação intensa). Com frequência, delírio é o sinal de apresentação de uma condição subjacente mais grave, seja anormalidade física, seja toxicidade farmacológica. A incidência publicada de delírio na UTI varia amplamente, de 16% a 89%; numerosos estudos informaram valores de incidência próximos dos 75%.1,4,10,11

A detecção de delírio em pacientes em terapia intensiva pode ser particularmente difícil; isso pode explicar, em parte, as amplas variações na incidência medida, pois vários fatores podem dificultar a obtenção de um diagnóstico clínico claro, p.ex., a falta de comunicação verbal nos casos de paciente intubado, ambiente acelerado e tecnologicamente avançado etc. Levando em conta essas particularidades, foram desenvolvidos instrumentos específicos como o Método de Avaliação da Confusão para UTI12 (CAM-ICU). Tais instrumentos são amplamente utilizados, apesar de serem de classificação mais cansativa do que os instrumentos observacionais de aplicação mais rápida, que podem oferecer classificações rápidas e se revelaram promissores para uso nos ambientes de terapia intensiva, como a escala Nursing Delirium Screening Scale13-15 (Nu-DESC). Considerando que a imediata identificação/tratamento do delírio tem importância crucial para a diminuição de sua duração e gravidade,16-18 as orientações clínicas atuais recomendam que pacientes internos na UTI sejam rotineiramente avaliados para delírio com um instrumento validado.19 Essa prática ajudaria a conseguir uma identificação mais apropriada das causas de delírio, além de preparar estratégias para prevenção desse problema em ambientes de terapia intensiva.

Com frequência, são utilizados critérios operacionalizados derivados do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV20 (DSM-IV) como padrão de referência para o diagnóstico de delírio, embora em estudos de delírio também sejam amplamente aplicados instrumentos validados como o Confusion Assessment Method (CAM) e a lista Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC). ICDSC foi validada utilizando critérios operacionalizados do DSM-IV como padrão de referência.10 Gaudreau et al.13 desenvolveram a escala Nursing Delirium Screening Scale (Nu-DESC) com o objetivo de avaliar continuamente pacientes em delírio ao longo de 24 horas. Nu-DESC pode ser completamente integrada ao atendimento clínico de rotina, sendo completada em menos de 1 minuto. Essa escala já vem sendo utilizada para avaliação de delírio na enfermaria de recuperação e em ambientes de terapia intensiva.21,22 Esse instrumento demonstrou potência discriminativa muito boa, com sensibilidade e especificidade elevadas e níveis altos de concordância com a classificação DSM-IV. Recentemente, Luetz et al.14 validaram Nu-DESC para pacientes na ICU, tendo constatado que essa escala apresentava sensibilidade (82%-83%) e especificidade (81%-83%) elevadas.

O presente estudo teve por objetivo a validação prospectiva da versão portuguesa da escala Nu-DESC para uso em ambientes de terapia intensiva.

Métodos

Participantes e ambiente

Esse estudo prospectivo foi realizado na unidade de terapia de pós-anestesia (UTPA) do Hospital São João, um hospital-escola de atendimento à comunidade com 1100 leitos, situado na cidade do Porto, em Portugal. Instalada na UTPA, existe uma unidade de terapia intensiva cirúrgica (UTIC) com 5 leitos, onde pacientes criticamente enfermos ficam internados e são cuidadosamente monitorados e tratados. Incluímos no presente estudo todos os pacientes adultos consecutivos de idioma português internados na UTIC em seguida a uma cirurgia não cardíaca e não intracraniana entre 1 e 31 de maio de 2011 (31 dias) com expectativa de permanência no hospital superior a 48 horas para o pós-operatório.

Excluímos pacientes que não podiam, ou que estavam incapacitados de, dar consentimento informado por escrito antes da cirurgia; que tivessem doença do sistema nervoso central; que tivessem sido internados para cirurgia neurológica ou cardíaca; sofressem de doença de Parkinson; tivessem histórico de alcoolismo ou dependência de droga; tivessem sido internados com diagnóstico de delírio; ou que estivessem sendo medicados com agentes antipsicóticos. Também excluímos pacientes reinternados durante o período de estudo.

A comissão de revisão institucional do Hospital São João aprovou o estudo.

Procedimento de teste

Tradução e tradução reversa da escala Nu-DESC

Com permissão dos autores, Nu-DESC (Apêndice 1) foi traduzida de acordo com as orientações sugeridas pelo grupo de Tradução e Adaptação Cultural (força-tarefa ISPOR TCA), que propôs um modelo de boas práticas no processo de tradução.23

Um grupo de enfermeiros experientes em terapia intensiva, o autor do estudo e um tradutor profissional traduziram para o português o texto-fonte da versão inglesa de Nu-DESC. A versão final em português foi passada para um tradutor profissional para tradução reversa para a língua inglesa, tendo lhe sido vedado o acesso à versão em inglês. O grupo que fez a tradução original comparou a versão retraduzida dos instrumentos com o original e identificou e corrigiu discrepâncias. A versão retraduzida foi enviada aos autores da escala Nu-DESC, que aprovaram a versão em português.

Pedimos a 10 enfermeiros experientes especializados em terapia intensiva que examinassem a versão traduzida e que identificassem qualquer palavra, conceito, ou elemento obscuro que considerassem de difícil compreensão. Os achados desse processo de interrogatório foram incorporados, com o objetivo de melhorar o desempenho do instrumento traduzido. O Apêndice 2 descreve a versão da escala Nu-DESC traduzida para o português.

Avaliação de delírio

Simultânea e independentemente, avaliamos cada paciente internado na UTIC e incluído no estudo para delírio com o uso das versões em português de Nu-DESC e de ICDSC dentro de 24 horas a contar da internação, tanto pelo médico da equipe de pesquisa como pelo enfermeiro responsável pelo atendimento junto ao leito.

Tanto enfermeiros como médicos da equipe de pesquisa realizaram classificações diárias durante toda a estadia do paciente na UTIC.

Todas as manhãs, entre 8 e 10 horas, o enfermeiro de atendimento primário avaliou os pacientes com a aplicação de Nu-DESC. Um médico independente e treinado, membro da equipe de pesquisa, avaliou todos os pacientes também com Nu-DESC. Esse médico desconhecia os resultados dos procedimentos de teste prévios.

Outro membro da equipe de pesquisa e um enfermeiro de atendimento normal fizeram outra avaliação, agora utilizando ICDSC como referência.

O uso da lista ICDSC já era prática de rotina no atendimento de enfermagem, e todos os enfermeiros lotados na UTIC estiveram envolvidos no procssso de tradução-tradução reversa de Nu-DESC e estavam treinados no uso desse instrumento.

As informações utilizadas nesse estudo para classificação dos instrumentos foram: informações obtidas do paciente durante as últimas 24 horas, avaliação dos enfermeiros de atendimento primário, e o gráfico de revisão do paciente elaborado pelos enfermeiros. Os testes foram classificados de maneira independente e em separado pelo médico da equipe de pesquisa e pelo enfermeiro responsável pelo atendimento direto; cada um desses profissionais desconhecia os escores do outro.

Instrumentos

ICDSC

Essa escala consiste de 8 itens baseados nos critérios para delírio do DSM-IV e de aspectos adicionais de delírio que podem ser integrados nas avaliações cotidianas de pontuação pelo enfermeiro e que, além disso, podem ser regularmente realizadas pelos enfermeiros lotados na UTI. Na escala ICDSC, atribui-se um escore de 0 até 8 para o paciente; escores de 4 ou mais têm sensibilidade de 99% e especificidade de 64% para identificação de delírio. Nesse estudo, consideramos que os pacientes apresentavam delírio se tivessem escores ICDSC > 4.

Nu-DESC

A escala Nu-DESC avalia 5 dimensões das características essenciais do delírio: orientação, comportamento, comunicação, percepções e atividade psicomotora. Classificamos os sintomas em uma escala de 3 pontos (0, 1 ou 2); um escore cumulativo > 2, em um máximo de 10, denota presença de delírio.

Análise estatística

Calculamos a sensibilidade, especificidade e valores preditivos das classificações pela escala Nu-DESC, com os respectivos intervalos de confiança de 95%. Também fizemos as análises da curva ROC.

Avaliamos a confiabilidade do questionário pelo cálculo do alfa de Cronbach.24

Estimamos a concordância entre enfermeiros/médico da equipe de pesquisa utilizando estatística kappa ponderada, com ponderação linear, e percentagens de concordância com os respectivos intervalos de confiança de 95% para cada dimensão de Nu-DESC. Calculamos a concordância entre enfermeiros/médico da equipe de pesquisa para escore total utilizando o Coeficiente de Correlação Intraclasse25 (CCI).

Resultados

Características dos pacientes

Realizamos 81 avaliações concomitantes de médico e enfermeiro das escalas Nu-DESC e ICDSC ao longo de 133 dias de avaliação de pacientes, representando 86% da ocupação da UTIC para o período do estudo. A tabela 1 descreve as características basais da amostra. Com base na escala ICDSC, diagnosticamos delírio em 12 dos 78 pacientes (15%).

Sensibilidade, especificidade e análise das curvas ROC

Nu-DESC identificou corretamente todos os 12 casos de delírio. Com um escore positivo de Nu-DESC > 2, a sensibilidade foi 100% (IC 95% = [75%, 100%]). Nu-DESC diagnosticou 9 falso-positivos; a especificidade foi 86% (IC 95% = [76%, 93%]), o valor preditivo positivo foi 57% (IC 95% = [36%, 76%]) e o valor preditivo negativo foi 100% (IC 95% = [94%, 100%]). A figura 1 ilustra a análise da curva ROC. Não foram observadas diferenças significativas entre a área sob a curva (AUC) das classificações do médico (AUC = 0,985, IC 95% = [0,928, 0,999]) e dos enfermeiros (AUC = 0,979, IC 95% = [0,918, 0,998]).


Confiabilidade e concordância

O alfa de Cronbach da lista de verificação de Nu-DESC foi similar entre o médico da equipe e os enfermeiros (0,81, 95% CI = [0,73, 0,87] vs. 0,79, 95% CI = [0,71, 0,85]). Nas 78 observações realizadas, todos os percentuais de concordância entre enfermeiros/médico da equipe de pesquisa para os itens da escala Nu-DESC foram altos (> 0,96) e kappa ponderado variou de 0,79 a 0,93. Para todas as avaliações dos pacientes, foi total a concordância entre enfermeiros/médico da equipe de pesquisa (tabela 2). O CCI para concordância entre enfermeiros/médico da equipe de pesquisa para escore total na escala Nu-DESC foi 0,98, com um intervalo de confiança de 95% variando de 0,96 a 0,99.

Discussão

Esse estudo sugere que a versão portuguesa da escala Nu-DESC é instrumento acurado e confiável para avaliação de delírio em pacientes em terapia intensiva. Esse estudo também sugere que enfermeiros, tanto quanto médicos especializados em terapia intensiva, podem fazer classificações com a escala Nu-DESC com a mesma rapidez e acurácia. O instrumento demonstra alta sensibilidade, o que é importante para um instrumento de triagem/monitoração; e especificidade particularmente alta, não especificamente diferente do que é obtido com a escala ICDSC. A escala Nu-DESC apresentou valores similares aos de outros estudos publicados.21,26,27

Este estudo tem diversos pontos fortes. O instrumento utilizado foi formalmente traduzido e submetido à tradução reversa com aplicação das orientações recomendadas; além disso, os autores do estudo original da escala Nu-DESC aprovaram a nova versão, com relação à sua fidelidade ao original. Esse estudo apresentou um planejamento original, com avaliações pareadas independentes entre um único médico e vários enfermeiros de atendimento junto ao leito do paciente. Os resultados aqui apresentados sugerem que as avaliações são equivalentes em termos de acurácia entre médicos e enfermeiros, indicando capacidade de avaliação clínica equivalente para a detecção de delírio. Provavelmente isso também reflete o envolvimento nas fases de planejamento, aspectos basais e de educação entre todos os membros da equipe da UTIC, para que pudessem ser abarcados todos os aspectos relevantes ao projeto. Nossos resultados concordam com os resultados de estudos de enfermagem que avaliaram o efeito de esforços educacionais concentrados no uso de instrumentos de triagem validados para delírio.28 Um grupo de pesquisadores, enfermeiros experientes em terapia intensiva e tradutores profissionais traduziu a escala Nu-DESC, o que contribuiu para a preservação do significado das palavras e conceitos específicos ao contexto da UTIC. Anteriormente, os autores perceberam que, com mínimo treinamento, torna-se excelente a cooperação dos enfermeiros no uso de instrumentos de avaliação de sedação e delírio. No estudo de Pun et al.,29 os autores consideraram como sendo muito alta a concordância dos dados de avaliação do delírio entre enferemeiros de atendimento junto ao leito e um classificador-padrão de referência.

Em um estudo que validou a escala Nu-DESC para uso nas UTIs, Luetz et al.14 sugeriram que esta pode ser uma boa alternativa para detecção de delírio em pacientes criticamente enfermos, graças à sua elevada sensibilidade, mas também por sua alta especificidade (sensibilidade: 83%, especificidade: 83%), em comparação com os critérios do DSM-IV. Além de serem similares àqueles apresentados no presente estudo, seus resultados foram muito parecidos com os obtidos no estudo de validação original por Gaudreau et al.13 em um ambiente de pacientes oncológicos internos. Nossos resultados enfatizam a confiabilidade geral da escala Nu-DESC, mesmo para populações tão diferentes como as formadas por pacientes oncológicos e pacientes internados em UTIs.

Esse estudo também apresenta suas limitações. O tamanho da amostra permitiu apenas uma potência limitada para detecção de pequenas diferenças. Ficou evidente que os resultados aqui apresentados devem ser reproduzidos em amostras mais robustas - mas esses resultados são promissores.

Optamos pela escala ICDSC, em detrimento de CAM-ICU, como padrão de referência nesse estudo, visto que diversos estudos publicados demonstraram que os dois instrumentos apresentavam características psicométricas parecidas; além disso, ICDSC já vinha sendo utilizado em nosso ambiente de trabalho. Também ficou demonstrado que essa escala tem grande validade, em comparação com a avaliação do DSM-IV pelos psiquiatras, sendo ainda altamente confiável; frequentemente os enfermeiros preferem usar ICDSC em detrimento de outros instrumentos mais morosos para a avaliação de delírio.

Conclusão

A tradução portuguesa da escala Nu-DESC demonstrou boa correlação com a versão original, podendo ser aplicável a ambientes portugueses de terapia intensiva. A confiabilidade inter-avaliadores entre o médico da equipe e os enfermeiros foi muito boa para comparação item a item, e também para o diagnóstico de delírio. As características psicométricas da escala Nu-DESC foram semelhantes àquelas da escala ICDSC, mas Nu-DESC tem a vantagem significativa de ser mais rápida quanto à classificação, em comparação com ICDSC, por envolver menor número de itens. Assim, a escala Nu-DESC é promissora em sua aplicação como instrumento satisfatório de triagem e monitoração com elevada sensibilidade, mas também como instrumento diagnóstico acurado com alta especificidade para avaliação de delírio em ambientes de terapia intensiva.

Mensagens importantes

• A tradução da escala Nu-DESC para o português demonstrou boa correlação com a versão original, podendo ser aplicável a ambientes portugueses de terapia intensiva.

• A versão da escala Nu-DESC em português é um instrumento confiável para avaliação de delírio em pacientes em terapia intensiva.

• Enfermeiros, bem como médicos especializados, podem fazer classificações acuradas com a escala Nu-DESC.

• A escala Nu-DESC revela alta sensibilidade/especificidade para avaliação de delírio.

Contribuições dos autores

FA participou na concepção, planejamento, aquisição dos dados, análise dos dados, análise estatística, revisão crítica do manuscrito e supervisão.

DV e MN participaram na concepção, planejamento, aquisição de dados, análise dos dados e revisão crítica do manuscrito.

CS e JG se envolveram na esquematização do manuscrito, análise dos dados e na revisão crítica para importância do conteúdo.

Todos os autores leram e aprovaram o manuscrito final.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

À equipe de enfermeiros da Unidade de Terapia Pós-Anestesia.

Recebido em 12 de julho de 2012; aceito em 6 de setembro de 2012

APÊNDICE 1

Itens da "The nursing delirium screening scale" (versão em inglês).

The nursing delirium screening scale items, features and descriptions [symptoms rating (0-2)]

1. Disorientation

Verbal or behavioral manifestation of not being oriented to time or place or misperceiving persons in the environment

2. Inappropriate behavior

behavior inappropriate to place and/or for the person, e.g. pulling at tubes or dressings, attempting to get out of bed when that is contraindicated and so on

3. Inappropriate communication

Communication inappropriate to place and/or for the person, e.g. incoherence, noncommunicativeness, nonsensical or unintelligible speech

4. Illusions/hallucinations

Seeing or hearing things that are not there; distortions of visual objects

5. Psychomotor retardation

Delayed responsiveness, few or no spontaneous action/words, e.g. when the patient is prodded, reaction is deferred and/or the patient is unarousable.

APÊNDICE 2

Itens da "Escala de Triagem de Delírio por Enfermeiros" (versão em português).

Os itens do "The nursing delirium screening scale".

Características e descrições [classificação dos sintomas 0-2]

1. Desorientação:

Manifestação de desorientação verbal ou comportamental de não estar orientado no tempo, no lugar ou na percepção das pessoas presentes.

2. Comportamento inadequado:

Comportamento inadequado face ao lugar e/ou para com a pessoa, por exemplo, puxar por tubos ou pensos, tentar sair da cama quando tal está contraindicado, etc.

3. Comunicação inadequada:

Comunicação inadequada face ao lugar e/ou para a pessoa, por exemplo, incoerência, falta de comunicação, discurso absurdo ou ininteligível.

4. Ilusões /alucinações:

Ver ou ouvir coisas inexistentes no local; distorções de objetos visuais.

5. Atraso psicomotor:

Reação atrasada, poucas ou nenhumas ações/palavras, por exemplo, quando estimulado, o doente tem uma resposta atrasada e/ou o doente não consegue ser despertado.

Lista de abreviaturas

ASC - área sob a curva

CAM-ICU - Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit /Método de Avaliação de Confusão para Unidade de Terapia Intensiva

CCI - Coeficiente Intraclasse

DSM-IV - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV

IC 95% - intervalo de confiança de 95%

ICDSC - Intensive Care Delirium Screening Checklist /Lista de Verificação para Triagem de Delírio na Terapia Intensiva

Nu-DESC - The Nursing Delirium Screening Scale /Escala de Triagem de Delírio por Enfermeiros

ROC - Curva Relative Operating Characteristic / Característica operatória do receptor

UTIC - Unidade de Terapia Intensiva Cirúrgica

UTPA Unidade de Terapia Pós-Anestesia

UTI - Unidade de terapia intensiva

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  • Autor para correspondência:
    Fernando Abelha
    E-mail:
  • *
    Recebido do Departamento de Anestesiologia-Unidade de Terapia pós-Anestesia; Centro Hospitalar de São João, Portugal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Jul 2012
    • Aceito
      06 Set 2012
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