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Obstrução das vias aéreas com risco para a vida, causada por edema de via aérea superior e inchaço cervical significativo depois do trabalho de parto/parto

Resumos

EXPERIÊNCIA E OBJETIVOS: Em geral, alterações nas vias aéreas ocorrem em grávidas normais; no entanto, essas alterações podem gerar situações críticas em populações específicas. OBJETIVOS: Esse artigo apresenta o caso de uma paciente que entrou em choque por causa de sangramento atônico em seguida a parto vaginal de natimorto. RELATO DE CASO: Mulher com 32 anos com sangramento atônico em seguida a parto vaginal de natimorto foi transferida para nosso hospital. A paciente manifestou choque e seu estado respiratório estava em progressiva deterioração. Ficou evidenciada obstrução das vias aéreas causada por inchaço cervical e edema faringolaríngeo. Tentamos intubação traqueal utilizando laringoscopia direta e indireta. No entanto, não foi possível inserir qualquer dos dispositivos de laringoscopia tentados. Depois de várias tentativas com TrachlightTM, finalmente obtivemos sucesso com a intubação. Depois da histerectomia, a paciente foi internada na unidade de terapia intensiva (UTI), onde ficou em tratamento durante cinco dias. Ao receber alta da UTI, tinha escore de Mallampati I-II. Durante sua estadia na UTI, seu peso diminuiu de 60 kg para 51 kg. CONCLUSÕES: É provável que episódios simultâneos de trabalho de parto/parto e de ressuscitação com fluidos pioraram suficientemente o edema de via aérea e o inchaço cervical a ponto de causar obstrução aguda das vias aéreas e dificuldade na laringoscopia.

Trabalho de parto; Via aérea difícil; Edema de via aérea


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Airway changes generally occur in normal gravidas; however, these changes could cause critical situations in specific populations. OBJECTIVES: This article presents the case of a difficult airway patient that went into shock because of atonic bleeding after vaginal delivery for stillbirth. CASE REPORT: A 32-yr-old woman with atonic bleeding after vaginal delivery for stillbirth was transferred to our hospital. She manifested shock, and her respiratory condition was progressively deteriorating. Airway obstruction caused by neck swelling and pharyngolaryngeal edema was apparent. We tried tracheal intubation using direct and indirect laryngoscopes. However, it turned out that insertion of the laryngoscopic devices to the oral cavity was impossible. After several attempts using the TrachlightTM, successful intubation was finally made. After hysterectomy, she was admitted to the intensive care unit (ICU) and treated for five days. At discharge from the ICU, her Mallampati score was I-II. Her body weight decreased 60 kg to 51 kg during ICU stay. CONCLUSIONS: We believe that concomitant attacks of labor and delivery and fluid resuscitation probably worsened upper airway and neck edema enough to cause acute airway obstruction and difficult laryngoscopy.

Labor and delivery; Difficult airway; Airway edema


EXPERIENCIA Y OBJETIVOS: De manera general, las alteraciones en las vías aéreas se dan en las embrazadas normales; sin embargo, esas alteraciones pueden generan situaciones críticas en poblaciones específicas. OBJETIVOS: Este artículo presenta el caso de una paciente que entró en chock a causa del sangramiento atónico inmediatamente después del parto vaginal de mortinato. RELATO DE CASO: Mujer de 32 años, con sangramiento atónico inmediatamente después del parto vaginal de mortinato que fue derivada a nuestro hospital. La paciente manifestó chock y su estado respiratorio estaba deteriorándose mucho. Se descubrió una obstrucción de las vías aéreas causada por hinchazón cervical y edema faringolaríngeo. Intentamos la intubación traqueal utilizando laringoscopia directa e indirecta. Sin embargo, no se pudo insertar ninguno de los dispositivos de laringoscopia mencionados. Después de varios intentos con TrachlightTM, finalmente logramos el éxito con la intubación. Después de la histerectomía, la paciente fue ingresada en la unidad de cuidados intensivos (UCI), donde permaneció bajo tratamiento durante cinco días. Al recibir el alta de la UCI, tenía una puntuación de Mallampati I-II. Durante su permanencia en la UCI, su peso cayó de 60 kg para 51 kg. CONCLUSIONES: Es posible que episodios simultáneos de trabajo de parto y de resucitación con fluidos, hayan empeorado suficientemente el edema de vía aérea y la hinchazón cervical, hasta el punto de causar la obstrucción aguda de las vías aéreas y la dificultad en la laringoscopia.

Trabajo de parto; Vía aérea difícil; Edema de vía aérea


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Obstrução das vias aéreas com risco para a vida, causada por edema de via aérea superior e inchaço cervical significativo depois do trabalho de parto/parto* * Estudo realizado no Departamento de Anestesiologia, Nara Medical University, Kashihara, Japão.

Junko UshirodaI; Satoki InoueI; Junji EgawaI; Yasunobu KawanoII; Masahiko KawaguchiI; Hitoshi FuruyaI

IDepartamento de Anestesiologia, Nara Medical University, Kashihara, Japão

IIDivisão de Terapia Intensiva, Nara Medical University, Kashihara, Japão

Autor para correspondência Autor para correspondencia: Satoki Inoue E-mail: seninoue@naramed-u.ac.jp (S. Inoue)

RESUMO

EXPERIÊNCIA E OBJETIVOS: Em geral, alterações nas vias aéreas ocorrem em grávidas normais; no entanto, essas alterações podem gerar situações críticas em populações específicas.

OBJETIVOS: Esse artigo apresenta o caso de uma paciente que entrou em choque por causa de sangramento atônico em seguida a parto vaginal de natimorto.

RELATO DE CASO: Mulher com 32 anos com sangramento atônico em seguida a parto vaginal de natimorto foi transferida para nosso hospital. A paciente manifestou choque e seu estado respiratório estava em progressiva deterioração. Ficou evidenciada obstrução das vias aéreas causada por inchaço cervical e edema faringolaríngeo. Tentamos intubação traqueal utilizando laringoscopia direta e indireta. No entanto, não foi possível inserir qualquer dos dispositivos de laringoscopia tentados. Depois de várias tentativas com TrachlightTM, finalmente obtivemos sucesso com a intubação. Depois da histerectomia, a paciente foi internada na unidade de terapia intensiva (UTI), onde ficou em tratamento durante cinco dias. Ao receber alta da UTI, tinha escore de Mallampati I-II. Durante sua estadia na UTI, seu peso diminuiu de 60 kg para 51 kg.

CONCLUSÕES: É provável que episódios simultâneos de trabalho de parto/parto e de ressuscitação com fluidos pioraram suficientemente o edema de via aérea e o inchaço cervical a ponto de causar obstrução aguda das vias aéreas e dificuldade na laringoscopia.

Palavras-chave: Trabalho de parto/parto; Via aérea difícil; Edema de via aérea

Introdução

Estudos demonstraram que a elevação do escore de Mallampati (avaliação do tamanho da língua em relação à cavidade oral) e o aumento do volume da orofaringe ocorridos durante a gravidez e trabalho de parto/parto diminuem subsequentemente.1-5 Em geral, essas mudanças nas vias aéreas ocorrem em grávidas normais. Mudanças isoladas no escore de Mallampati ou no volume orofaríngeo têm impacto limitado no controle das vias aéreas6,7 mas alterações nas vias aéreas originárias de uma gestação normal podem causar situações críticas em populações específicas. No presente artigo, descrevemos um caso de via aérea difícil resultando em choque por causa de sangramento atônico em seguida de parto vaginal para natimorto.

Relato de caso

Para este relato de caso, não foram obtidos consentimento informado e nem aprovação da comissão de revisão institucional, visto não representar problema ético; além disso, a paciente não pode ser identificada exclusivamente com a apresentação do caso, embora tenha sido obtido consentimento da paciente para publicação. Mulher com 32 anos com sangramento atônico em seguida a parto vaginal para natimorto em hospital-maternidade particular foi transferida para nosso hospital. Suspeitou-se que a causa da morte fetal fosse descolamento oculto de placenta. Provavelmente a paciente manifestou choque, por causa do enorme hematoma retroplacentário durante o trabalho de parto/parto; foi ministrada ressuscitação com fluidos. Ao ser internada na unidade de terapia intensiva maternofetal (UTIMF), seu estado respiratório estava em progressiva deterioração. Havia evidente obstrução das vias aéreas, causada por inchaço do pescoço e edema faringolaríngeo. Houve necessidade de garantir uma via aérea segura. A ventilação assistida com bolsa-válvula-máscara se tornou gradualmente mais difícil; assim, consideramos a princípio uma via aérea invasiva de emergência (cricotireotomia ou traqueotomia) como primeira opção. No entanto, estávamos diante de várias dificuldades técnicas para o estabelecimento da via aérea cirúrgica, por causa do inchaço cervical e da tendência de sangramento. Decidimos tentar a intubação traqueal utilizando laringoscópios diretos e indiretos, mas verificamos a impossibilidade de inserção dos dispositivos laringoscópicos, como os do tipo Macintosh, McCoy, ou Pentax Airway ScopeTM (AWS), na cavidade oral. Depois de algumas tentativas com o TrachlightTM, subitamente tornou-se visível uma transiluminação clara e brilhante; isso nos convenceu que estávamos imediatamente abaixo da membrana cricotireóidea e que a ponta do TrachlightTM estava sendo introduzida no estreito laríngeo. Finalmente, conseguimos sucesso com a intubação. Depois do estabelecimento da via aérea, a paciente foi transferida para a suíte cirúrgica, para histerectomia de emergência. Para o estabelecimento de canulação venosa central na veia jugular interna, houve necessidade de recorrer à ultrassonografia, porque o enorme inchaço do pescoço não permitia o uso do método convencional dos pontos de referência.

O procedimento se prolongou por quase 2 horas, com perda de sangue de aproximadamente 1.000 mL (desconhecíamos o volume de perda de sangue anterior ao procedimento). Desde seu internamento até o término do procedimento, a paciente recebeu 2.000 mL de cristaloide, 1.000 mL de amido de hidroxietilo a 6%, 38 unidades de papa de hemácias, 32 unidades de plasma fresco congelado e 20 unidades de plaquetas. A paciente estava hemodinamicamente estável, mas ainda permaneceu sedada e sob ventilação assistida durante os dois dias seguintes na UTI. Foi feita a extubação traqueal; no entanto, não observamos mais qualquer deterioração do edema da via aérea. Por ocasião da alta da UTI, depois de uma estadia de cinco dias, seu escore de Mallampati era de I-II. Durante essa estadia de 5 dias, a paciente perdeu 9 kg (de 60 para 51 kg).

Discussão

No presente caso, a obstrução das vias aéreas se deveu provavelmente ao edema faringolaríngeo, que causou ventilação difícil e impossibilidade de fazer laringoscopia direta ou indireta. Conforme já foi mencionado, geralmente alterações das vias aéreas (i.e, edema de via aérea superior) ocorrem em mulheres grávidas normais.1-5 A causa subjacente dessa alteração é atribuída à retenção de líquido que ocorre com a gravidez.4 É possível que os fatores predominantes responsáveis pelo agravamento do edema de via aérea, especialmente durante o trabalho de parto/parto, são os esforços de expulsão e os movimentos de empurrar, que constituem parte integrante do trabalho de parto/parto.2 Contudo, na maioria dos casos as grávidas não têm problemas de respiração durante a gestação, trabalho de parto e parto. Portanto, sem a presença de fatores deteriorantes específicos, não é normal a ocorrência de problemas significativos de vias aéreas. Artigos previamente publicados postularam, como fatores, os eventos a seguir: hipertensão induzida pela gravidez, sobrecarga de líquido juntamente com as propriedades antidiuréticas da ocitocina, esforços expulsivos prolongados e vigorosos, e subseqüentes cirurgia e ressuscitação com fluido.8-14 Nesse caso, aparentemente o descolamento de placenta seguido por choque hemorrágico e pela ressuscitação com fluidos desempenhou papel fundamental na exacerbação do edema de via aérea durante o trabalho de parto/parto.15 Kodali et al. informaram que a ressuscitação com líquido, no combate ao enorme sangramento durante a histerectomia eletiva por cesariana, provocou uma rápida mudança (Mallampati classe 2 para 4 durante a cirurgia). Esses autores suspeitaram que a suscetibilidade das grávidas para ocorrência de edema histológico como resultado da infusão intravenosa de líquidos, causando queda na pressão colóido-osmótica, pode contribuir para as importantes alterações nas vias aéreas na ausência de trabalho de parto/parto. Em nosso caso, é razoável considerar que os episódios simultâneos de trabalho de parto/parto e de ressuscitação com fluidos pioraram suficientemente o edema das vias aéreas superiores e o inchaço do pescoço a ponto de causar obstrução aguda das vias aéreas e dificuldade nos procedimentos de laringoscopia.

Em um caso de tratamento de via aérea difícil, fica claro que uma situação de "impossível ventilar" é mais crítica do que uma situação de "impossível intubar". A Força-tarefa da Sociedade Norte-americana de Anestesiologistas para Tratamento da Via Aérea Difícil recomenda o estabelecimento de uma via aérea invasiva de emergência para a situação de "impossível ventilar".16 Contudo, nossa paciente ainda respirava espontaneamente. Além disso, a tendência de sangramento durante o procedimento invasivo pode ter resultado na exacerbação do problema das vias aéreas. Assim, optamos pela intubação (com possibilidade de melhorar o edema de laringe) para o estabelecimento da via aérea (com condições presentes para o imediato estabelecimento da via aérea cirúrgica). Em consequência, recorremos ao TrachlightTM, por não ter sido possível inserir os laringoscópios habituais (de Macintosh e de McCoy, e AWS) na cavidade oral. O uso bem-sucedido do TrachlightTM foi descrito em pacientes com vias aéreas com escores de Mallampati altos. Além disso, sugerimos que TrachlightTM pode ser opção válida no caso de dificuldade ou impossibilidade de intubação laringoscópica.17 Nessa situação, TrachlightTM é um dispositivo apropriado; por outro lado, nesse caso talvez tenhamos sido meramente bafejados pela sorte.

Em conclusão, uma paciente apresentava obstrução das vias aéreas superiores e laringoscopia difícil durante a ressuscitação com fluidos para combate de sangramento atônico em seguida a parto vaginal para natimorto. É provável que episódios simultâneos de trabalho de parto/parto e ressuscitação com líquidos tenham piorado o edema de via aérea superior e o inchaço do pescoço, a ponto de causar obstrução aguda da via aérea e dificuldade laringoscópica.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 13 de janeiro de 2012; aceito em 27 de agosto de 2012

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  • Autor para correspondencia:
    Satoki Inoue
    E-mail:
  • *
    Estudo realizado no Departamento de Anestesiologia, Nara Medical University, Kashihara, Japão.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Jan 2012
    • Aceito
      27 Ago 2012
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