Acessibilidade / Reportar erro

Sufentanil intratecal para revascularização do miocárdio

Resumos

Contexto:

pacientes de cirurgia cardíaca submetidos a revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea.

Objetivo:

avaliar o efeito hemodinâmico da adição de sufentanil intratecal para anestesia geral.

Desenho:

estudo prospectivo, randômico e aberto, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.

Cenário:

estudo monocêntrico feito no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, Brasil.

Pacientes:

foram submetidos à revascularização eletiva 40 pacientes de ambos os sexos que assinaram o termo de consentimento informado.

Critérios de exclusão:

doença renal crônica, procedimentos de emergência, reoperações, contraindicação para raquianestesia, fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior a 40%, índice de massa corporal acima de 32 kg/m2 e uso de nitroglicerina.

Intervenções:

os pacientes foram randomizados para receber (ou não) 1μg/kg de sufentanil intratecal. Anestesia foi induzida e mantida com infusão contínua de sevoflurano e remifentanil.

Principais medidas de desfecho:

variáveis hemodinâmicas, níveis sanguíneos de troponina I cardíaca, peptídeo natriurético do tipo B, interleucina-6 e fator de necrose tumoral alfa durante e após a cirurgia.

Resultados:

os pacientes do grupo sufentanil precisaram de menos suporte inotrópico com dopamina, comparados aos do grupo controle (9,5% vs 58%, p = 0,001), e menos aumentos de doses de remifentanil (62% vs 100%, p = 0,004). Os dados hemodinâmicos em oito intervalos de tempo diferentes e os dados bioquímicos não apresentaram diferenças entre os grupos.

Conclusões:

os pacientes que receberam sufentanil intratecal apresentaram uma estabilidade hemodinâmica maior, como sugerido pelo suporte inotrópico reduzido, e menos ajustes nas doses intravenosas de opiáceos.

Cirurgia cardíaca; Raquianestesia; Sufentanil; Interleucina 6


Context:

Cardiac surgery patients undergoing coronary artery bypass grafting with cardiopulmonary bypass.

Objective:

Evaluate the effect of adding intrathecal sufentanil to general anesthesia on hemodynamics.

Design:

Prospective, randomized, not blinded study, after approval by local ethics in Research Committee.

Setting:

Monocentric study performed at Dante Pazzanese Institute of Cardiology, Sao Paulo, Brazil.

Patients:

40 consenting patients undergoing elective coronary artery bypass, both genders.

Exclusion criteria:

Chronic kidney disease; emergency procedures; reoperations; contraindication to spinal block; left ventricular ejection fraction less than 40%; body mass index above 32 kg/m2 and use of nitroglycerin.

Interventions:

Patients were randomly assigned to receive intrathecal sufentanil 1 μg/kg or not. Anesthesia induced and maintained with sevoflurane and continuous infusion of remifentanil.

Main outcome measures:

Hemodynamic variables, blood levels of cardiac troponin I, B-type natriuretic peptide, interleukin-6 and tumor necrosis factor alfa during and after surgery.

Results:

Patients in sufentanil group required less inotropic support with dopamine when compared to control group (9.5% vs 58%, p = 0.001) and less increases in remifentanil doses (62% vs 100%, p = 0.004). Hemodynamic data at eight different time points and biochemical data showed no differences between groups.

Conclusions:

Patients receiving intrathecal sufentanil have more hemodynamical stability, as suggested by the reduced inotropic support and fewer adjustments in intravenous opioid doses.

Cardiac surgery; Spinal anesthesia; Sufentanil; Interleukin 6


Contexto:

pacientes de cirugía cardíaca sometidos a revascularización miocárdica con circulación extracorpórea.

Objetivo:

evaluar el efecto hemodinámico de la adición de sufentanilo intratecal para anestesia general.

Proyecto:

estudio prospectivo, aleatorizado y abierto, con posterior aprobación del Comité de Ética en Investigación.

Escenario:

estudio monocéntrico realizado en el Instituto Dante Pazzanese de Cardiología, São Paulo, Brasil.

Pacientes:

cuarenta pacientes de ambos sexos que firmaron el consentimiento informado fueron sometidos a revascularización electiva.

Criterios de exclusión:

enfermedad renal crónica, procedimientos de urgencia, reintervenciones, contraindicación para la raquianestesia, fracción de eyección del ventrículo izquierdo inferior al 40%, índice de masa corporal por encima de 32 kg/m2 y uso de nitroglicerina.

Intervenciones:

los pacientes fueron aleatorizados para recibir (o no), 1 µg/kg de sufentanilo intratecal. La anestesia se indujo y se mantuvo con infusión continua de sevoflurano y remifentanilo.

Principales medidas de resultados:

variables hemodinámicas, niveles sanguíneos de troponina i cardíaca, péptido natriurético del tipo B, interleucina 6 y factor de necrosis tumoral alfa durante y después de la cirugía.

Resultados:

los pacientes del grupo sufentanilo necesitaron menos soporte inotrópico con dopamina, comparado con el grupo control (9,5 vs. 58%, p = 0,001) y menos aumentos de dosis de remifentanilo (62 vs. 100%, p = 0,004). Los datos hemodinámicos en 8 intervalos de tiempo diferentes y los datos bioquímicos no presentaron diferencias entre los grupos.

Conclusiones:

los pacientes que recibieron sufentanilo intratecal tuvieron una estabilidad hemodinámica mayor, evidenciada por el soporte inotrópico reducido y menos ajustes en las dosis intravenosas de opiáceos.

Cirugía cardíaca; Raquianestesia; Sufentanilo; Interleucina 6


Introdução

Opiáceo administrado por via intratecal em combinação com anestesia geral reduz a intensidade da dor e o consumo de anestésicos, facilita a remoção precoce do tubo endotraqueal e melhora a analgesia pós-operatória em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio (RM) com circulação extracorpórea (CEC). Além disso, pode diminuir a resposta ao estresse cirúrgico e tem efeito cardioprotetor. 11. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 2006;102:45-64.

2. Swenson JD, Hullander RM, Wingler K, Leivers D. Early extubation after cardiac surgery using combined intrathecal sufentanil and morphine. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1994;8:509-14.

3. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 1997;84:1211-21.

4. Bettex DA, Schmidlin D, Chassot PG, Schmid ER. Intrathecal sufentanil-morphine shortens the duration of intubation and improves analgesia in fast-track cardiac surgery. Can J Anaesth. 2002;49:711-7.
-55. Kowalewski RJ, MacAdams C, Froelich J. Anesthesia for coronary artery bypass surgery supplemented with subarachnoid bupivacaine and morphine: a report of 18 cases. Can J Anesth. 1994;41:1189-95. Em cirurgia de revascularização miocárdica, a prevenção de eventos adversos perioperatórios, como taquicardia e infarto do miocárdio, é aconselhável. Estabilidade hemodinâmica e redução da resposta ao estresse contribuem, em parte, para reduzir os danos ao miocárdio. 11. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 2006;102:45-64.,66. Canto PM. Regional anesthesia in heart surgery. Expectation or reality? Rev Esp Anestesiol Reanim. 2003;50:319-25.

Comparado à morfina, o sufentanil intratecal proporciona analgesia mais rápida e intensa. 33. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 1997;84:1211-21.,77. Vicenty C, Malone B, Mathru M. Comparison of intrathecal and intravenous morphine in post coronay bypass surgery. Crit Care Med. 1985;13:308. De fato, por causa da solubilidade lipídica da morfina, os efeitos analgésicos pós-injeção intratecal são retardados e somente grandes doses (10 mg) administradas por via intratecal podem iniciar analgesia intraoperatória confiável nesse cenário. 33. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 1997;84:1211-21. Além disso, alguns autores sugerem que sufentanil intratecal proporciona melhor estabilidade hemodinâmica em comparação com outros opiáceos. 22. Swenson JD, Hullander RM, Wingler K, Leivers D. Early extubation after cardiac surgery using combined intrathecal sufentanil and morphine. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1994;8:509-14.,88. Deshpande CM, Mohite SN, Kamdi P. Sufentanil vs fentanil for fast track cardiac anesthesia. Indian J Anaesth. 2009;53:455-62.

O objetivo deste estudo foi avaliar, pela primeira vez, os efeitos hemodinâmicos da adição de sufentanil intratecal para anestesia geral em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea.

Métodos

A aprovação para este estudo (número do protocolo CEP 3458) foi fornecida pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de São Paulo, Brasil, em 29 de agosto de 2006. Após receber o consentimento informado assinado, 40 pacientes foram incluídos no estudo e programados para ser submetidos à RM com CEC e 2-4 enxertos, com um dos enxertos sempre de artéria mamária interna esquerda e os outros de veia safena magna.

Os critérios de exclusão foram doença renal crônica; procedimentos de emergência; reoperações; contraindicação para raquianestesia, de acordo com a Conferência de Consenso de 2002 da Sociedade Americana de Anestesia Regional 99. Horlocker TT, Wedel DJ, Benzon H, et al. Regional anesthesia in the anticoagulated patient: defining the risks (the second ASRA Consensus Conference on Neuraxial Anesthesia and Anticoagulation). Reg Anesth Pain Med. 2003;28:172-97. ; fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior a 40%; índice de massa corporal (IMC) acima de 32 kg/m 2 e uso de nitroglicerina.

Os pacientes foram randomicamente designados para dois protocolos anestésicos diferentes (grupo sufentanil ou grupo controle), a depender de receberem ou não sufentanil intratecal. Uma tabela randômica gerada por computador determinou em que grupo os pacientes foram alocados. A designação randômica foi mantida em envelopes selados até o último momento possível (início da anestesia).

Os pacientes receberam suas medicações habituais até o dia de operação, com a exceção de agentes hipoglicêmicos orais, os quais foram descontinuados e/ou substituídos por insulina pelo menos três dias antes da cirurgia. Todos os pacientes receberam 7,5 mg de midazolam por via intramuscular uma hora antes da cirurgia.

O monitoramento incluiu eletrocardiograma contínuo da DII e V5 modificada; análise do segmento ST nas derivações DII, DI e V5 modificada; oximetria de pulso; pressão arterial média (PAM) invasiva de artéria radial; análise do índice bispectral (BIS); capnografia; gasometria; medição de temperatura no terço inferior do esôfago; cateterização urinária; avaliação da função neuromuscular com TOF-Watch ® e avaliação dos dados hemodinâmicos feita com cateter de artéria pulmonar (modelo Swan-Ganz, saída contínua), posicionado na veia subclávia direita (monitor Vigilance II ® , Edwards Lifesciences, Irvine, CA, EUA).

Após acompanhamento inicial, os pacientes do grupo sufentanil foram colocados em posição sentada e submetidos a punção lombar em L3-L4 com uma agulha Whitacre de calibre 25. Após confirmar a punção do espaço subaracnoide, raquianestesia foi feita com sucesso em todos esses pacientes, com administração de 5 mL de solução salina a 0,9% com 1 μg/kg de sufentanil (sem exceder 100 μg) durante 10 segundos. A anestesia geral foi então iniciada.

No grupo controle, a anestesia geral foi iniciada imediatamente após o acompanhamento inicial.

Todos os pacientes foram submetidos à indução inalatória da seguinte forma: máscara facial com uso de sevoflurano a 2% em oxigênio a 100% e fluxo de gás fresco de 6 L/min por 30 segundos. A concentração inspirada de sevoflurano foi então aumentada para 7% até a perda de consciência e, depois, reduzida para 2%. Em seguida, a perfusão intravenosa de remifentanil teve início com uma dose de 1 μg/kg durante um minuto e 0,1 mg/kg de pancurônio foi administrado três minutos antes da intubação traqueal. Ventilação controlada por volume foi iniciada com os seguintes parâmetros: volume corrente 8-10 mL/kg, frequência respiratória adequada para manter o CO 2 no fim da expiração entre 30 e 35 mmHg e fluxo de gás fresco de 2 L com 60% de fração inspirada de oxigênio misturado com o ar comprimido.

Nos períodos anterior e posterior à CEC, a anestesia foi mantida com sevoflurano em fração expirada com variação entre 0,5% e 2% para manter o BIS entre 40 e 65. Remifentanil foi administrado a uma taxa de infusão até 0,4 μg/kg/min para manter os níveis da pressão arterial média entre 60 e 80 mm Hg. Um bolus de 0,02 mg/kg de pancurônio foi administrado quando a terceira resposta à sequência de quatro estímulos apareceu no monitor TOF-Watch até o fim do procedimento.

Durante a CEC, a anestesia foi mantida com sevoflurano a níveis entre 0,5% e 2%, administrada em conjunto com uma mistura de oxigênio e ar comprimido no circuito do oxigenador através de vaporizador calibrado para manter o valor do BIS entre 40 e 65 e remifentanil até 0,4 μg/kg/min para o controle da pressão arterial média entre 45 e 70 mm Hg.

Após a conclusão do procedimento cirúrgico, todos os pacientes receberam uma infusão intravenosa contínua de 2 μg/kg/min de propofol como sedativo e foram transferidos para a UTI, onde permaneceram sedados por uma hora. O protocolo de analgesia foi iniciado nas primeiras 24 horas, com uma única dose intravenosa de 1 μg/kg de fentanil, juntamente com 1 g de dipirona. A mesma dose de dipirona foi repetida a cada seis horas.

Após a extubação traqueal, analgesia controlada pelo paciente (ACP venosa) com uma bomba de ACP Vigon ® foi instalada com os seguintes parâmetros: modo só em bolus , bolus de 1 mg e um intervalo fixo de bloqueio de sete minutos. Durante esse período, caso houvesse dor significativa (VAS > 7), 100 mg de tramadol eram administrados por via intravenosa. Protocolos locais foram seguidos para altas da UTI e hospitalar.

Os objetivos hemodinâmicos durante a anestesia foram manutenção da pressão venosa central (PVC) e pressão capilar pulmonar (PCP) entre 8 e 12 mmHg, com administração de cristaloides e coloides e manutenção da pressão arterial média (PAM) entre 60 e 80 mmHg.

Hipotensão arterial foi definida como PAM < 60 mmHg (< 45 mmHg durante CEC) por mais de 30 segundos. Hipertensão foi definida como PAM > 80 mmHg (> 70 mmHg durante RM) por mais de 30 segundos.

O controle da hipotensão incluiu bolus de 0,1 mg de fenilefrina (quando agentes anestésicos estavam em níveis mínimos, podia ser repetido a cada minuto); dopamina (quando agentes anestésicos estavam em níveis mínimos, pressões de enchimento elevadas e quando IC <2,4 L/m 2 /min) a uma dose de 5 μg/kg/min, com incrementos de 1 μg/kg/min até atingir o nível desejado da PAM; norepinefrina (quando IC manteve-se < 2,4 L/m 2 /min a doses de dopamina de 10 μg/kg/min) a uma dose de 0,1 μg/kg/min, com incrementos de 0,1 μg/kg/min até atingir o nível desejado da PAM. O uso de dopamina, como desfecho primário, foi estritamente regulado por protocolos, como IC baixo documentado (< 2,4 L/m 2 /min); PVC ou PCP elevada.

O controle da hipertensão incluiu remifentanil (bolus de 0,5 μg/kg, seguido de aumento da dose de perfusão de 0,1 μg/kg/min, com a sequência repetida a cada minuto até a taxa máxima de infusão de 0,4 μg/kg/min), seguido de nitroprussiato de sódio (0,5 μg/kg/min aumentado por incrementos de 0,5 μg/kg/min até atingir a dose máxima de 2 μg/kg/min). Sevoflurano foi usado quando o valor do BIS excedeu 65. A concentração inspirada de sevoflurano foi aumentada para 4% e o fluxo de gás fresco a 6 L/min durante um minuto, enquanto o fluxo de gás fresco foi retornado a 2 L/min e a concentração de sevoflurano reduzida para 2%. Caso o BIS não retornasse aos níveis predeterminados, o procedimento era repetido e na ausência de uma resposta, uma dose de 0,05 mg/kg de midazolam era administrada.

O clampeamento da aorta (duração máxima de 15 minutos, com intervalo de pelo menos dois minutos) foi feito em hipotermia leve (34 °C). Solução salina foi usada para preencher o oxigenador de membrana (Vital ® - Nipro, Brasil).

Todos os dados foram coletados por observadores treinados que conheciam o regime anestésico usado.

O hemograma incluiu troponina I cardíaca (cTnI), medida com o uso de um método de imunoensaio (CMIA - Architect ® , Abbott Laboratories, Brasil - com intervalo normal = 0-0,3 ng/mL); peptídeo natriurético tipo-B (PNB), medido com o uso de um método de imunoensaio (MEIA - AxSym System ® Abbott Laboratories, Brasil - com valores de 1.400 pg/mL para pacientes com classe funcional [NYHA] I e 3.400 pg/mL para aqueles com classe funcional II considerados limites normais); interleucina 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral α (TNFα), medidos com o uso de um método de ensaio imunométrico (Immulite ® System - Siemens Medical, EUA), com intervalo normal < 3,4 pg/mL para IL-6 e < 8,1 pg/mL para TNFα. Todos os hemogramas foram feitos no início do estudo, enquanto PNB e cTnI foram medidos 24 horas após a CEC e IL-6 e TNFα 10 minutos após a indução anestésica, 15 minutos, seis horas, 24 horas após a CEC e quatro dias após a cirurgia.

Com base nos dados pessoais anteriores, previmos que a quantidade de pacientes que precisariam de suporte inotrópico com dopamina seria de 10% e 50% nos grupos sufentanil e controle, respectivamente. Calculamos que precisaríamos de uma amostra de 20 pacientes por grupo. Todos os pacientes foram analisados de acordo com os princípios de intenção de tratar, com início imediatamente após a randomização.

Análise estatística

Os dados foram expressos como número (percentagem), média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil). O teste t de Student, o teste exato de Fisher, a análise de qui-quadrado de Pearson e o teste não paramétrico de Mann-Whitney foram usados, quando apropriado, com o programa Pacote Estatístico para Ciências Sociais (SPSS). Análise de variância (Anova) foi usada para medidas repetidas de dados contínuos, como marcadores bioquímicos.

Resultados

Os dados pré-operatórios foram bem equilibrados entre os grupos sufentanil e controle ( tabela 1). Os pacientes do grupo sufentanil precisaram de menos suporte inotrópico com dopamina tanto no desmame quando após a CEC em comparação com o grupo controle (9,5% vs. 58% p = 0,001) e de menos aumentos no uso de remifentanil (62% vs. 100% = 0,004), como mostra a tabela 2 .

Tabela 1
Características dos pacientes e tempos cirúrgicos. Dados expressos como números e percentagens ou como média ± desvio padrão
Tabela 2
Medicamentos usados no período intraoperatório. Dados expressos como números e percentagens ou como média ± desvio padrão

Troponina I cardíaca foi detectada em todos os pacientes no pós-operatório, sem diferenças entre os grupos: 1,62 (0,80-5,59) ng/mL no grupo sufentanil vs . 1,68 (0,73-3,53) ng/mL no grupo controle (p = 0,506). Da mesma forma, PNB foi detectado em todos os pacientes no pós-operatório, sem diferenças entre os grupos (p = 0,667). PNB aumentou de 36,13 (21,70-73,79) pg/mL no período pré-operatório para 207,58 (89,95-236,77) pg/mL no período pós-operatório no grupo sufentanil versus 39,15 (25,77-54,88) pg/mL a 188,97 (84,31-247,96) pg/mL no grupo controle. Os níveis sanguíneos de IL-6 ( fig. 1) e TNFα ( fig. 2) foram semelhantes entre os grupos.

Figura 1
Níveis sanguíneos de interleucina 6 (IL-6).
Figura 2
Níveis sanguíneos do fator de necrose tumoral α (TNFα).

Os dados hemodinâmicos em oito momentos diferentes (material suplementar I online) não mostraram diferenças entre os grupos, com exceção da pequena diferença após a CEC.

Episódios de consciência foram detectados neste estudo.

A tabela 3 mostra consumo semelhante de analgésicos durante as primeiras 24 horas pós-operatórias entre os grupos.

Tabela 3
Dados pós-operatórios. Dados expressos como número (percentagem), mediana ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil)

O tempo de ventilação mecânica foi de 300 (212-450) vs. 255 (230-315) minutos nos grupos controle e sufentanil, respectivamente (p = 0,4), enquanto a permanência na UTI foi de 2,7 + 0,89 vs. 3,9 + 3,75 dias (p = 0,2) e o tempo de internação hospitalar foi de 8,9 + 6,98 vs. 9,1 + 6,1 dias, respectivamente.

A tabela 4 mostra que não houve diferença na incidência de complicações pós-operatórias, exceto pela necessidade de uma transfusão de sangue, que foi significativamente maior no grupo controle (quatro pacientes, 21%) versus grupo sufentanil (nenhum paciente), p = 0,042.

Tabela 4
Complicações pós-operatórias. Dados expressos como número (percentagem)

Um paciente do grupo sufentanil foi a óbito no quinto dia pós-operatório por causa de um AVC que ocorreu no terceiro dia pós-operatório, documentado por tomografia computadorizada.

Discussão

O principal resultado deste estudo é que os pacientes no grupo sufentanil apresentaram maior estabilidade hemodinâmica, como sugerido pelo suporte inotrópico reduzido e pelos poucos ajustes nas doses de opiáceos intravenosos.

Nosso estudo também confirma que as técnicas neuraxiais produzem analgesia eficaz em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, como demonstrado por uma redução do consumo de remifentanil por via intravenosa nos pacientes do grupo sufentanil.

Ao contrário, não houve diferença em relação aos marcadores inflamatórios (IL-6 e FNTα) e biomarcadores cardíacos (cTnI e PNB). O padrão de libertação (TIc, IL6 e TNFα) ao longo do tempo foi semelhante ao observado por Meng et al., 1010. Meng QH, Zhu S, Sohn N, et al. Release of cardiac biochemical and inflammatory markers in patients on cardiopulmonary bypass undergoing coronary artery bypass grafting. J Card Surg. 2008;23:681-7. o que confirma que em ambos os grupos a resposta inflamatória por causa da elevação da IL6 e TNFα não foi atenuada e que a proteção cardíaca por causa da redução do cTnI e PNB não ocorreu.

Nosso estudo só pode ser comparado ao de Bettex e colaboradores, 44. Bettex DA, Schmidlin D, Chassot PG, Schmid ER. Intrathecal sufentanil-morphine shortens the duration of intubation and improves analgesia in fast-track cardiac surgery. Can J Anaesth. 2002;49:711-7. que conduziram o único estudo randômico com administração ou não de sufentanil intratecal em cirurgia cardíaca. Embora os autores tenham adicionado morfina ao sufentanil intratecal, os resultados pós-operatórios mostraram que a combinação de sufentanil e morfina propiciou um período pós-operatório mais curto de intubação e analgesia adequada em comparação com a técnica intravenosa padrão - diferentemente de nosso estudo, que não mostrou qualquer diferença nos resultados obtidos.

Em um estudo não randômico, Swenson et al., 22. Swenson JD, Hullander RM, Wingler K, Leivers D. Early extubation after cardiac surgery using combined intrathecal sufentanil and morphine. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1994;8:509-14. descobriram que a combinação de 50 μg de sufentanil intratecal e 500 μg de morfina intratecal em anestesia geral em pacientes submetidos a revascularização do miocárdio promoveu maior estabilidade hemodinâmica intraoperatória e reduziu o consumo intraoperatório de opiáceos intravenosos. Em nosso estudo, apesar de não termos usado morfina, observamos que o uso de sufentanil intratecal reduziu o consumo intraoperatório de opiáceos intravenosos.

Hansdottir et al., 1111. Hansdottir V, Hedner T, Woestenborghs R, Nordberg G. The CSF and plasma pharmacokinetics of sufentanil after intrathecal administration. Anesthesiology. 1991;74:264-9. conduziram o primeiro estudo da farmacocinética no plasma e no líquido cefalorraquiano de sufentanil administrado por via intratecal em cirurgia torácica. Os autores concluíram que, em pacientes submetidos à toracotomia, a administração de 15 μg de sufentanil intratecal em combinação com anestesia geral produziu efeito analgésico mais potente, com um início de ação mais rápido e duração mais curta em comparação com doses equipotentes de morfina ou meperidina. Isso foi atribuído à elevada solubilidade lipídica de sufentanil quando presente no líquido cefalorraquiano e à rápida transferência para o plasma. Contudo, os mesmos autores mostraram que o líquido cefalorraquiano (LCR) e as concentrações plasmáticas de sufentanil não atingiram o equilíbrio mesmo após 10 horas da injeção inicial. De fato, 10 horas após a injeção inicial, a concentração no LCS ainda era 10 vezes mais elevada do que a plasmática. Esse estudo esclareceu que o principal efeito analgésico de sufentanil administrado no espaço subaracnoide é via absorção local em vez de sistêmica.

Há vários fatores que podem determinar a ocorrência de dor, incluindo o aumento do tempo necessário para extubação e a ocorrência de eventos adversos que resultam em deterioração da função ventricular durante o período pós-operatório logo após a cirurgia cardíaca. 1212. Hawkes CA, Dhileepan S, Foxcroft D. Early extubation for adult cardiac surgical patients. Cochrane Database Syst Rev. 2003. CD003587.,1313. Cheng DC, Karski J, Peniston C, et al. Morbidity outcome in early versus conventional tracheal extubation after coronary artery bypass grafting: a prospective randomized controlled trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996;112:755-64. O alívio da dor pós-operatória após cirurgia cardíaca é difícil de controlar. Em nosso estudo, não houve diferenças significantes entre os grupos em relação ao consumo total de analgésicos nas 24 horas após a extubação. Esses resultados demonstraram que o esquema proposto de uma única dose alta de sufentanil intratecal não foi suficiente para promover analgesia adequada durante o período inicial de 24 horas após a remoção da cânula orotraqueal.

Hansdottir et al., 1111. Hansdottir V, Hedner T, Woestenborghs R, Nordberg G. The CSF and plasma pharmacokinetics of sufentanil after intrathecal administration. Anesthesiology. 1991;74:264-9. também mostraram que, embora sufentanil seja mais lipofílico e eliminado mais rapidamente do líquido cefalorraquiano do que outros opiáceos, como a morfina, quando doses de sufentanil de 15 μg foram injetadas no espaço subaracnoide, a concentração de opiáceo no líquido cefalorraquiano permaneceu em concentrações residuais 15 ± 5 vezes maiores do que no plasma por até 10 horas (600 minutos) após a injeção. Fournier et al., 1414. Fournier R, Weber A, Gamulin Z. Intrathecal sufentanil is more potent than intravenous for postoperative analgesia after total-hip replacement. Reg Anesth Pain Med. 2005;30:249-54. em estudo no qual pacientes foram submetidos à artroplastia total do quadril, concluíram que uma única dose de 7,5 μg de sufentanil intratecal foi suficiente para reduzir a intensidade da dor e manter o valor da EVA abaixo de 3 por um período de 224 ± 100 minutos. Em nosso estudo, as doses de sufentanil intratecal administradas foram até sete vezes mais altas do que as propostas por Hansdottir e 14 vezes mais altas do que as propostas por Fournier. Mesmo assim, tiveram efeito apenas no período perioperatório, e não no controle da dor pós-operatória.

O aumento da necessidade de concentrado de hemácias no grupo controle foi um achado inesperado e os autores não conseguiram encontrar uma hipótese fisiopatológica para justificá-la (provavelmente, um efeito do pequeno tamanho da amostra).

Em nossa instituição, a indução inalatória é considerada para cirurgia cardíaca porque é fácil de fazer, mesmo em pacientes adultos, e tem melhor estabilidade hemodinâmica, em comparação com alguns agentes intravenosos, como descrito por outros autores. 1515. Hall JE, Ebert TJ, Harmer M. Induction characteristics with 3% and 8% sevoflurane in adults: an evaluation of the second stage of anaesthesia and its haemodynamic consequences. Anaesthesia. 2000;55:545-50.,1616. Joo HS, Perks WJ. Sevoflurane versus propofol for anesthetic induction: a meta-analysis. Anesth Analg. 2000;91:213-9.

A dose raquidiana de 1 μg/kg, limitada a 100 μg/kg, é usada em nossa instituição porque concordamos com os autores que concluíram que a ação principal de sufentanil é na medula espinhal 1111. Hansdottir V, Hedner T, Woestenborghs R, Nordberg G. The CSF and plasma pharmacokinetics of sufentanil after intrathecal administration. Anesthesiology. 1991;74:264-9.; logo, as doses relacionadas ao peso ou à altura garantiriam maior dispersão no LCS em pacientes com mais peso ou altura e resultariam em altos níveis de analgesia e, consequentemente, melhor controle dos estímulos da incisão torácica alta, diferentemente de Swenson e Bettex, 22. Swenson JD, Hullander RM, Wingler K, Leivers D. Early extubation after cardiac surgery using combined intrathecal sufentanil and morphine. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1994;8:509-14.,44. Bettex DA, Schmidlin D, Chassot PG, Schmid ER. Intrathecal sufentanil-morphine shortens the duration of intubation and improves analgesia in fast-track cardiac surgery. Can J Anaesth. 2002;49:711-7. que descrevem uma única dose intratecal de 50 μg de sufentanil para cirurgia cardíaca.

Limitações do estudo

O estudo foi aberto para o uso de sufentanil por via intratecal. No entanto, todos os protocolos incluídos no estudo foram seguidos rigorosamente.

Conclusão

O principal resultado deste estudo é que os pacientes que receberam sufentanil intratecal apresentaram maior estabilidade hemodinâmica, em comparação com aqueles que receberam um tratamento padrão, como sugerido pelo suporte inotrópico reduzido (dopamina no desmame da CEC e durante o período perioperatório para manter os valores hemodinâmicos) e pelos poucos ajustes nas doses intravenosas de opiáceos.

  • Financiamento
    Este trabalho foi subsidiado pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Referências

  • 1
    Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 2006;102:45-64.
  • 2
    Swenson JD, Hullander RM, Wingler K, Leivers D. Early extubation after cardiac surgery using combined intrathecal sufentanil and morphine. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1994;8:509-14.
  • 3
    Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 1997;84:1211-21.
  • 4
    Bettex DA, Schmidlin D, Chassot PG, Schmid ER. Intrathecal sufentanil-morphine shortens the duration of intubation and improves analgesia in fast-track cardiac surgery. Can J Anaesth. 2002;49:711-7.
  • 5
    Kowalewski RJ, MacAdams C, Froelich J. Anesthesia for coronary artery bypass surgery supplemented with subarachnoid bupivacaine and morphine: a report of 18 cases. Can J Anesth. 1994;41:1189-95.
  • 6
    Canto PM. Regional anesthesia in heart surgery. Expectation or reality? Rev Esp Anestesiol Reanim. 2003;50:319-25.
  • 7
    Vicenty C, Malone B, Mathru M. Comparison of intrathecal and intravenous morphine in post coronay bypass surgery. Crit Care Med. 1985;13:308.
  • 8
    Deshpande CM, Mohite SN, Kamdi P. Sufentanil vs fentanil for fast track cardiac anesthesia. Indian J Anaesth. 2009;53:455-62.
  • 9
    Horlocker TT, Wedel DJ, Benzon H, et al. Regional anesthesia in the anticoagulated patient: defining the risks (the second ASRA Consensus Conference on Neuraxial Anesthesia and Anticoagulation). Reg Anesth Pain Med. 2003;28:172-97.
  • 10
    Meng QH, Zhu S, Sohn N, et al. Release of cardiac biochemical and inflammatory markers in patients on cardiopulmonary bypass undergoing coronary artery bypass grafting. J Card Surg. 2008;23:681-7.
  • 11
    Hansdottir V, Hedner T, Woestenborghs R, Nordberg G. The CSF and plasma pharmacokinetics of sufentanil after intrathecal administration. Anesthesiology. 1991;74:264-9.
  • 12
    Hawkes CA, Dhileepan S, Foxcroft D. Early extubation for adult cardiac surgical patients. Cochrane Database Syst Rev. 2003. CD003587.
  • 13
    Cheng DC, Karski J, Peniston C, et al. Morbidity outcome in early versus conventional tracheal extubation after coronary artery bypass grafting: a prospective randomized controlled trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996;112:755-64.
  • 14
    Fournier R, Weber A, Gamulin Z. Intrathecal sufentanil is more potent than intravenous for postoperative analgesia after total-hip replacement. Reg Anesth Pain Med. 2005;30:249-54.
  • 15
    Hall JE, Ebert TJ, Harmer M. Induction characteristics with 3% and 8% sevoflurane in adults: an evaluation of the second stage of anaesthesia and its haemodynamic consequences. Anaesthesia. 2000;55:545-50.
  • 16
    Joo HS, Perks WJ. Sevoflurane versus propofol for anesthetic induction: a meta-analysis. Anesth Analg. 2000;91:213-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2012
  • Aceito
    11 Dez 2012
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org