Acessibilidade / Reportar erro

Contração versus contratura e miopatia do núcleo central versus miopatia da parte central em hipertermia maligna

Caro editor

Lemos com grande interesse o artigo de revisão de Correia et al. “Hipertermia maligna: aspectos moleculares e clínicos”11. Correia AC, Silva PC, da Silva BA. Malignant hyperthermia: clinical and molecular aspects. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(6):820-37. e gostaríamos de comentar alguns itens.

Na seção “Hipertermia maligna”, item “Teste de contração à exposição ao halotano-cafeína (TCHC)”, Correia et al. empregam o termo “contração”, em vez do termo original “contratura”. O teste para diagnóstico de suscetibilidade à hipertermia maligna (HM) baseia-se na resposta anormal de contratura após administração de cafeína/halotano, e não na resposta normal de contração muscular após o estímulo elétrico, que é aplicado durante todo o teste para comprovar a viabilidade do fragmento muscular testado. A figura 1 mostra a diferença entre a contração e a contratura no gráfico de um teste positivo de paciente suscetível à HM. Assim, a nomenclatura deveria ser contracture test em inglês e “teste de contratura” em português.22. Ellis FR, Halsall PJ, Ording H, et al. A protocol for the investigation of malignant hyperpyrexia (MH) susceptibility. Br J Anaesth. 1984;56:1267-9.

3. Larach MG, for the North American Malignant Hyperthermia Group. Standardization of the caffeine halothane muscle contracture test. Anesth Analg. 1989;69:511-5.
-44. Silva HCA. Biópsia e teste de contratura muscular. Rev Neurocienc. 2005;13:63-4.

Figura 1
Teste de contratura muscular in vitro em resposta ao halotano. As duas setas inferiores indicam o momento em que a droga foi adicionada. A seta superior indica as linhas que correspondem às contrações musculares desencadeadas pelo estímulo elétrico. A seta dupla lateral indica a ascensão da linha de base, que corresponde à contratura muscular anormal.

Ainda nesse subitem, enfatizamos que os níveis de corte do TCHC citados correspondem a valores empregados no protocolo do grupo norte-americano de HM (MHAUS - www.mhaus.org). Além disso, o protocolo do grupo europeu de HM (EMHG - www.emhg.org) difere do norte-americano em aspectos adicionais que não foram citados, tais como o número de fragmentos testados (seis no norte-americano e quatro no europeu), administração do halotano (dose única de 3% no americano e dose crescente de 0,5% a 3% no europeu) e finalmente o ponto de corte, que é de 0,2 g para halotano 2% e 0,2 g para cafeína 2 mm no protocolo europeu.55. Litman RS, Rosenberg H. Malignant hyperthermia: update on susceptibility testing. JAMA. 2005;293:2918-24.,66. Urwyler A, Deufel T, McCarthy T, et al., European Malignant Hyperthermia Group. Guidelines for molecular genetic detection of susceptibility to malignant hyperthermia. Brit J Anaesth. 2001;86:283-7.

Diferentemente do citado por Correia et al., no Brasil o Cedhima (Centro de Estudo, Diagnóstico e Investigação de Hipertermia Maligna) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) usa o protocolo do grupo europeu de HM para o teste de contratura muscular in vitro (IVCT).44. Silva HCA. Biópsia e teste de contratura muscular. Rev Neurocienc. 2005;13:63-4.

Na mesma seção “Hipertermia maligna”, item “Tratamento”, Correia et al. incluem como medida indicada “Substituição do circuito de anestesia por outro não contaminado por agente anestésico”. É importante aqui enfatizar que essa medida não é indicada no momento em que se trata uma crise, mas somente no preparo da máquina anestésica para a anestesia de um paciente com história de HM. No momento da crise de HM deve-se “desconectar o vaporizador, mas não perder tempo trocando o circuito ou a máquina anestésica”.77. Glahn KP, Ellis FR, Halsall PJ, et al. Recognizing and managing a malignant hyperthermia crisis: guidelines from the European Malignant Hyperthermia Group. Br J Anaesth. 2010;105(4):417-20. No item “Dantroleno”, apesar de Correia et al. informarem que o uso clínico do dantroleno hoje é restrito à hipertermia maligna, ainda se emprega esse medicamento no manejo da espasticidade.88. Kheder A, Nair KP. Spasticity: pathophysiology, evaluation, and management. Pract Neurol. 2012;12(5):289-98.

Além disso, a manutenção do dantrolene por 24-48 horas após o tratamento inicial da crise de HM é importante para evitar recidivas, porém na dose de 1 mg/Kg a cada 4 a 8 horas, ou de forma contínua com 0,25 mg/Kg/h (ou 6 mg/Kg/d).99. Rosenberg H, Sambuughin N, Riazi S, et al. Malignant hyperthermia susceptibility. In: Pagon RA, Bird TD, Dolan CR, Stephens K, Adam MP, editors. Gene Reviews [Internet]. Seattle: University of Washington; 1993-2003.

Na seção “RECEPTORES DE RIANODINA (RYRs)”, item “Canalopatias correlacionadas”, o termo “doença do núcleo central” aparece duas vezes, como tradução para “central core disease”. Entretanto, a tradução sugerida em português para a miopatia do central core seria miopatia “da parte central” (C05.651.575.300 ou C10.668.491.550.300), conforme recomendado pelo site Descritores em Ciências da Saúde (http://decs.bvs.br/), vinculado ao Unified Medical Language System (http://www.nlm.nih.gov/research/umls/). Essa diferenciação é importante, pois, entre outras diferenças clínicas e de mutações associadas, o aspecto histopatológico é distinto, como pode ser observado na figura 2. O lado A da figura 2 mostra o aspecto da miopatia ou doença da parte central (central core disease ou CCD): há uma falha central de marcação em reações histoquímicas oxidativas (como SDH e NADH), por causa da ausência de mitocôndrias.1010. Jungbluth H. Central core disease. Orphanet J Rare Dis. 2007;2:25. Já no lado B da figura 2 demonstra-se o aspecto da miopatia centronuclear, no qual o núcleo ocupa posição central na fibra muscular, enquanto que normalmente ocuparia posição subsarcolemal, ou seja, logo abaixo da membrana citoplasmática.1111. Jungbluth H, Wallgren-Pettersson C, Laporte J. Centronuclear (myotubular) myopathy. Orphanet J Rare Dis. 2008;3:26.

Figura 2
Cortes histológicos transversais de músculo estriado (congelação). (A) Miopatia da parte central ou central core: seta horizontal mostra fibra muscular com área circular central sem marcação (core), seta vertical mostra fibra com marcação normal homogênea; reação histoquímica com NADH; (B) Miopatia centronuclear: setas brancas mostram fibras com núcleo central, setas pretas mostram fibras com núcleo em posição normal, logo abaixo da membrana citoplasmática (subsarcolemal); coloração hematoxilina e eosina.

Referências

  • 1
    Correia AC, Silva PC, da Silva BA. Malignant hyperthermia: clinical and molecular aspects. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(6):820-37.
  • 2
    Ellis FR, Halsall PJ, Ording H, et al. A protocol for the investigation of malignant hyperpyrexia (MH) susceptibility. Br J Anaesth. 1984;56:1267-9.
  • 3
    Larach MG, for the North American Malignant Hyperthermia Group. Standardization of the caffeine halothane muscle contracture test. Anesth Analg. 1989;69:511-5.
  • 4
    Silva HCA. Biópsia e teste de contratura muscular. Rev Neurocienc. 2005;13:63-4.
  • 5
    Litman RS, Rosenberg H. Malignant hyperthermia: update on susceptibility testing. JAMA. 2005;293:2918-24.
  • 6
    Urwyler A, Deufel T, McCarthy T, et al., European Malignant Hyperthermia Group. Guidelines for molecular genetic detection of susceptibility to malignant hyperthermia. Brit J Anaesth. 2001;86:283-7.
  • 7
    Glahn KP, Ellis FR, Halsall PJ, et al. Recognizing and managing a malignant hyperthermia crisis: guidelines from the European Malignant Hyperthermia Group. Br J Anaesth. 2010;105(4):417-20.
  • 8
    Kheder A, Nair KP. Spasticity: pathophysiology, evaluation, and management. Pract Neurol. 2012;12(5):289-98.
  • 9
    Rosenberg H, Sambuughin N, Riazi S, et al. Malignant hyperthermia susceptibility. In: Pagon RA, Bird TD, Dolan CR, Stephens K, Adam MP, editors. Gene Reviews [Internet]. Seattle: University of Washington; 1993-2003.
  • 10
    Jungbluth H. Central core disease. Orphanet J Rare Dis. 2007;2:25.
  • 11
    Jungbluth H, Wallgren-Pettersson C, Laporte J. Centronuclear (myotubular) myopathy. Orphanet J Rare Dis. 2008;3:26.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org