Acessibilidade / Reportar erro

Manejo anestésico de grande massa mediastinal para a colocação de stent traqueal

RESUMO

O manejo anestésico de pacientes com grandes massas situadas no mediastino pode ser complicado por causa dos efeitos da pressão da massa sobre as vias aéreas ou grandes vasos. Relatamos o manejo anestésico bem-sucedido de uma paciente de 64 anos com uma grande massa mediastinal que invadiu os grandes vasos e comprimiu a traqueia. Um stent traqueal foi colocado para aliviar a compressão da traqueia, sob anestesia geral. A ventilação espontânea foi mantida durante o período perioperatório com o uso de uma máscara laríngea clássica. Discutimos a utilidade da máscara laríngea para o manejo da colocação de stent traqueal em pacientes com massas situadas no mediastino.

Palavras-chave:
Anestesia; Doenças do Mediastino; Máscaras Laríngeas; Stents

ABSTRACT

The anesthetic management of patients with large mediastinal masses can be complicated due to the pressure effects of the mass on the airway or major vessels. We present the successful anesthetic management of a 64-year-old female with a large mediastinal mass that encroached on the great vessels and compressed the trachea. A tracheal stent was placed to relieve the tracheal compression under general anesthesia. Spontaneous ventilation was maintained during the perioperative period with the use of a classic laryngeal mask airway. We discuss the utility of laryngeal mask airway for anesthetic management of tracheal stenting in patients with mediastinal masses.

Keywords:
Anesthetic management; Mediastinal mass; Laryngeal mask airway; Tracheal stent

Introdução

Os tumores do mediastino, grandes o suficiente para causar compressão das vias aéreas ou grandes vasos, representam um risco significativo de complicações cardiopulmonares. Hipóxia, complicação vascular e parada cardíaca catastróficas podem ocorrer durante o período intraoperatório e foram relatadas em populações tanto adultas11 Neuman GG, Weingarten AE, Abramowitz RM, et al. The anesthetic management of the patient with an anterior mediastinal mass. Anesthesiology. 1984;60:144-7. quanto pediátricas.22 Bechard P, Létourneau L, Lacasse Y, et al. Perioperative cardiorespiratory complications in adults with mediastinal mass: incidence and risk factors. Anesthesiology. 2004;100:826-34.and33 Stricker PA, Gurnaney HG, Litman RS. Anesthetic management of children with an anterior mediastinal mass. J Clin Anesth. 2010;22:159-63. Além disso, o uso de relaxantes musculares e de ventilação por pressão positiva durante a anestesia geral foi associado ao aumento do risco de colapso das vias aéreas.44 Erdos G, Tzanova I. Perioperative anaesthetic management of mediastinal mass in adults. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:627-32. Relatamos o manejo anestésico geral de uma paciente submetida a implante de stent traqueal por causa de um grande tumor no mediastino, enquanto a mantivemos em ventilação espontânea com máscara laríngea (ML).

Relato clínico

Paciente do sexo feminino, 64 anos, com história clínica de hipertensão e asma, foi diagnosticada com um carcinoma sarcomatoide de pulmão. O tumor, que media 9,3 cm x 9 cm x 1,7 cm, invadiu o mediastino anterior. Por causa do estágio avançado do câncer, foi considerada uma candidata ruim para cirurgia. Recebeu quimioterapia com adriamicina, ifosfamida e mesna, juntamente com radioterapia. Manteve-se relativamente assintomática após o tratamento por um período de cinco anos, após o qual apresentou-se aos nossos cuidados com piora da dispneia, tosse e rouquidão que perduravam por um mês. A dispneia era pior quando a paciente estava em posição deitada do que em posição semirreclinada. A radiografia de tórax revelou uma grande massa mediastinal com desvio acentuado da traqueia para a direita e compressão traqueal (fig. 1A). A tomografia computadorizada (TC) confirmou que a massa mediastinal aumentara de tamanho, agora media 10,3 cm x 10,4 cm x 12,7 cm, invadira os grandes vasos e a traqueia e causara compressão e desvio traqueal significantes (fig. 2). Como o sintoma predominante era a dispneia, por causa da obstrução da traqueia, a paciente foi programada para a colocação de um stent traqueal como uma medida paliativa para aliviar a obstrução das vias aéreas.

Figura 1
(A) Radiografia de tórax que mostra uma grande massa mediastinal com desvio acentuado da traqueia para a direita com compressão traqueal, (B) vista broncoscópica da traqueia que mostra o estreitamento, (C) radiografia de tórax após a colocação dostent que mostra o stent na traqueia, (D) vista broncoscópica do stenttraqueal.

Figura 2
TC que mostra a grande massa mediastinal de 10,3 cm x 10,4 cm x 12,7 cm que invadiu os grandes vasos e a traqueia e causou compressão e desvio da traqueia.

No dia do procedimento, um cateter periférico intravenoso de grosso calibre e um acesso em artéria radial direita foram inseridos. A anestesia geral foi planejada, enquanto a ventilação espontânea era mantida com ML. Broncoscópios rígidos com fibra óptica foram mantidos disponíveis para intervenção em caso de colapso traqueal durante a indução da anestesia. A equipe de circulação extracorpórea ficou em alerta para o caso de descompensação cardiorrespiratória que não pudéssemos resgatar com os broncoscópios rígidos. Com a paciente em posição semirreclinada, a anestesia geral foi induzida com 70% de óxido nitroso em oxigênio e sevoflurano. Na indução da anestesia, o óxido nitroso foi suspenso e a anestesia foi mantida com sevoflurano em oxigênio a 100%. Com a paciente respirando espontaneamente, a broncoscopia foi feita para avaliar a viabilidade da colocação de um stent traqueal metálico autoexpansível. Uma ML clássica de tamanho 5 foi colocada para manter a respiração espontânea. Agentes bloqueadores neuromusculares e ventilação com pressão positiva foram evitados. Houve grande vazamento de ar com a passagem do broncoscópio através da ML e não conseguimos manter boas concentrações de sevoflurano, necessárias para o procedimento. Portanto, decidimos fornecê-las com infusão de propofol em dose sedativa de 25-50 mcg.kg-2.min-1. Com essa dose pequena de propofol, podíamos manter a respiração espontânea e atingir a profundidade adequada da anestesia, necessária para a colocação do stent. Umstent traqueal metálico autoexpansível de 18 mm x 60 mm foi implantado através da ML (fig. 1D), com melhoria imediata dos volumes correntes. A ML foi removida com sucesso no fim do procedimento e a paciente foi transferida para a sala de recuperação pós-anestesia, onde se recuperou sem intercorrências.

Discussão

Sabe-se que as massas situadas no mediastino estão associadas a taxas significativas de morbidade e mortalidade por causa da relação anatômica com as estruturas torácicas importantes. O comprometimento cardiorrespiratório resultante do colapso da massa sobre a traqueia, as câmaras cardíacas, as veias pulmonares ou a veia cava superior pode ter resultados devastadores. Os pacientes que apresentam sintomas de dispneia, tosse, rouquidão, estridor, sintomas posturais, síndrome da veia cava superior ou evidência de compressão traqueal acima de 50%, avaliada por TC, têm um risco mais elevado de colapso cardiopulmonar.44 Erdos G, Tzanova I. Perioperative anaesthetic management of mediastinal mass in adults. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:627-32.Descobriu-se que a presença de efusão pericárdica é um fator de risco independente para complicações.22 Bechard P, Létourneau L, Lacasse Y, et al. Perioperative cardiorespiratory complications in adults with mediastinal mass: incidence and risk factors. Anesthesiology. 2004;100:826-34. Um plano anestésico individualizado, com base nas características clínicas e radiológicas, deve ser formulado para cada paciente que se apresente com massa mediastinal. Quando possível, é melhor evitar a anestesia geral em tais pacientes de alto risco. Caso a anestesia geral seja absolutamente necessária, a manutenção da respiração espontânea preservaria o gradiente da pressão transpulmonar normal, o que ajuda a manter as vias aéreas distendidas e patentes e evita, assim, o colapso das vias aéreas.55 Blank RS, de Souza DG. Anesthetic management of patients with an anterior mediastinal mass: continuing professional development. Can J Anaesth. 2011;58:860-7, 853-9.

Pacientes com tumores intratorácicos são vistos com frequência no período perioperatório de vários procedimentos que requerem anestesia. O uso destents metálicos autoexpansíveis como medida paliativa para aliviar a obstrução das vias aéreas por causa da compressão por tumores tem aumentado significativamente nos últimos anos. A anestesia para colocação destent traqueal foi bem descrita por Brodsky. 66 Brodsky JB. Anesthesia for pulmonary stent insertion. Curr Opin Anaesthesiol. 2003;16:65-7. Os stentstraqueais são preferencialmente colocados sob anestesia geral, pois essa anestesia proporciona a imobilidade do paciente com boa visualização das vias aéreas para a colocação de stent. O manejo das vias aéreas pode ser conseguido com um tubo endotraqueal, broncoscopia rígida com ventilação a jato ou ML. 77 Okada S, Ishimori S, Yamagata S, et al. Placement of self-expandable metallic stents with a laryngeal mask and a fiberoptic flexible bronchoscope for obstructive tracheobronchial lesions. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;124:1032-4.and88 Obeidat S, Badin S, Khawaja I. A new technique of deploying dynamic y stent using flexible bronchoscope, video laryngoscope, and laryngeal mask airway. J Bronchol Interv Pulmonol. 2010;17:171-3. Sarkiss et al. descreveram o uso bem-sucedido de ML em pacientes que se apresentaram para a pneumologia intervencionista.99 Sarkiss M. Anesthesia for bronchoscopy and interventional pulmonology: from moderate sedation to jet ventilation. Curr Opin Pulm Med. 2011;17:274-8. Até pacientes com enormes massas do mediastino já foram submetidos a procedimentos bem-sucedidos com a colocação de ML.1010 Galway UA, Doyle DJ, Sable J. Perioperative management of a patient with a massive lipomatous mediastinal mass, severe cardiomyopathy, and tracheal stenosis for urgent laser bronchoscopy and stent placement. J Clin Anesth. 2011;23:669-71.

Em nosso caso, a paciente não era apenas sintomática, mas também apresentou estreitamento traqueal iniciado logo abaixo da laringe na TC. Durante o planejamento anestésico, a possibilidade de descompensação cardiorrespiratória não podia ser subestimada. Nossa paciente apresentava compressão subglótica da traqueia e a colocação de stent através de um tubo endotraqueal ou broncoscópio rígido seria difícil. 77 Okada S, Ishimori S, Yamagata S, et al. Placement of self-expandable metallic stents with a laryngeal mask and a fiberoptic flexible bronchoscope for obstructive tracheobronchial lesions. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;124:1032-4. Portanto, a partir do ponto de vista cirúrgico, uma ML foi escolhida para a colocação do stent traqueal. O grande diâmetro interno da ML permite a fácil passagem do introdutor dostent sem interromper a ventilação. A ML clássica foi escolhida porque tem barras elásticas na abertura da glote, em vez de barras que elevam a epiglote, que permitem a fácil passagem do broncoscópio e dostent. A nossa principal preocupação com o uso da ML nessa paciente foi que as vias aéreas não estavam garantidas e que ainda havia a possibilidade de compressão traqueal pelo tumor, o que poderia resultar em dificuldade significativa com a ventilação. Em caso de colapso das vias aéreas, o plano opcional era manter as vias aéreas abertas com um broncoscópio rígido. A equipe de circulação extracorpórea (CEC) ficou em alerta como último recurso, caso a situação ocorresse, embora fosse difícil obter acesso femoral e fornecer CEC em tempo hábil. 1111 Slinger P, Karsli C. Management of the patient with a large anterior mediastinal mass: recurring myths. Curr Opin Anaesthesiol. 2007;20:1-3.

Conclusão

A ML pode ser usada para fornecer profundidade anestésica suficiente para a colocação de um stent traqueal em pacientes com massa mediastinal maciça porque mantém a ventilação espontânea. Contudo, um plano opcional para resgatar as vias aéreas desses pacientes deve estar disponível para o caso de seu comprometimento.

References

  • 1
    Neuman GG, Weingarten AE, Abramowitz RM, et al. The anesthetic management of the patient with an anterior mediastinal mass. Anesthesiology. 1984;60:144-7.
  • 2
    Bechard P, Létourneau L, Lacasse Y, et al. Perioperative cardiorespiratory complications in adults with mediastinal mass: incidence and risk factors. Anesthesiology. 2004;100:826-34.
  • 3
    Stricker PA, Gurnaney HG, Litman RS. Anesthetic management of children with an anterior mediastinal mass. J Clin Anesth. 2010;22:159-63.
  • 4
    Erdos G, Tzanova I. Perioperative anaesthetic management of mediastinal mass in adults. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:627-32.
  • 5
    Blank RS, de Souza DG. Anesthetic management of patients with an anterior mediastinal mass: continuing professional development. Can J Anaesth. 2011;58:860-7, 853-9.
  • 6
    Brodsky JB. Anesthesia for pulmonary stent insertion. Curr Opin Anaesthesiol. 2003;16:65-7.
  • 7
    Okada S, Ishimori S, Yamagata S, et al. Placement of self-expandable metallic stents with a laryngeal mask and a fiberoptic flexible bronchoscope for obstructive tracheobronchial lesions. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;124:1032-4.
  • 8
    Obeidat S, Badin S, Khawaja I. A new technique of deploying dynamic y stent using flexible bronchoscope, video laryngoscope, and laryngeal mask airway. J Bronchol Interv Pulmonol. 2010;17:171-3.
  • 9
    Sarkiss M. Anesthesia for bronchoscopy and interventional pulmonology: from moderate sedation to jet ventilation. Curr Opin Pulm Med. 2011;17:274-8.
  • 10
    Galway UA, Doyle DJ, Sable J. Perioperative management of a patient with a massive lipomatous mediastinal mass, severe cardiomyopathy, and tracheal stenosis for urgent laser bronchoscopy and stent placement. J Clin Anesth. 2011;23:669-71.
  • 11
    Slinger P, Karsli C. Management of the patient with a large anterior mediastinal mass: recurring myths. Curr Opin Anaesthesiol. 2007;20:1-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2013
  • Aceito
    15 Jan 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org