Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação comparativa do propofol em nanoemulsão com solutol e com lecitina de soja para anestesia geral

RESUMO

INTRODUÇÃO:

O veículo do propofol em soluções a 1 e 2% é a emulsão de óleo de soja a 10%, que pode provocar dor à injeção, instabilidade da solução e contaminação bacteriana. Formulações foram propostas com o objetivo de alterar o veículo e reduzir essas reações adversas.

OBJETIVOS:

Comparar a incidência de dor à injeção do propofol com a hipótese de redução associada à nanoemulsão e a ocorrência de efeitos adversos locais e sistêmicos com as duas formulações.

MÉTODO:

Após aprovação pelo Conselho de Ética em Pesquisa, foram incluídos neste estudo prospectivo pacientes submetidas a procedimentos cirúrgicos ginecológicos: grupos controle (n = 25) e nanoemulsão (n = 25). Foram monitorados frequência cardíaca, pressão arterial não invasiva e saturação periférica de oxigênio. Foram analisados dados demográficos e estado físico; tempo cirúrgico e volume total usado de propofol; efeitos adversos locais ou sistêmicos; alterações nas variáveis de monitoramento. Considerou-se significativo valor de p < 0,05.

RESULTADOS:

Não houve diferença entre os grupos em relação a: dados demográficos, tempos cirúrgicos, volume total usado de propofol, retirada do braço, presença de dor durante a injeção e variáveis de monitoramento. Verificou-se diferença estatística significativa na intensidade da dor no momento da indução da anestesia, com menor intensidade no grupo nanoemulsão.

CONCLUSÕES:

Ambas as formulações de propofol, lipídica e em nanoemulsão, elicitaram dor à injeção venosa, porém a solução de nanoemulsão promoveu dor em menor intensidade. O propofol lipídico e o propofol em nanoemulsão não apresentaram alterações hemodinâmicas e efeitos adversos de relevância clínica.

Palavras-chave:
Propofol/farmacologia; Propofol/farmacocinética; Emulsões; Nanoestruturas; Anestesia geral

ABSTRACT

INTRODUCTION:

The vehicle for propofol in 1 and 2% solutions is soybean oil emulsion 10%, which may cause pain on injection, instability of the solution and bacterial contamination. Formulations have been proposed aiming to change the vehicle and reduce these adverse reactions.

OBJECTIVES:

To compare the incidence of pain caused by the injection of propofol, with a hypothesis of reduction associated with nanoemulsion and the occurrence of local and systemic adverse effects with both formulations.

METHOD:

After approval by the CEP, patients undergoing gynecological procedures were included in this prospective study: control (n = 25) and nanoemulsion (n = 25) groups. Heart rate, noninvasive blood pressure and peripheral oxygen saturation were monitored. Demographics and physical condition were analyzed; surgical time and total volume used of propofol; local or systemic adverse effects; changes in variables monitored. A value of p < 0.05 was considered significant.

RESULTS:

There was no difference between groups regarding demographic data, surgical times, total volume of propofol used, arm withdrawal, pain during injection and variables monitored. There was a statistically significant difference in pain intensity at the time of induction of anesthesia, with less pain intensity in the nanoemulsion group.

CONCLUSIONS:

Both lipid and nanoemulsion formulations of propofol elicited pain on intravenous injection; however, the nanoemulsion solution elicited a less intense pain. Lipid and nanoemulsion propofol formulations showed neither hemodynamic changes nor adverse effects of clinical relevance.

Keywords:
Propofol/pharmacology; Propofol/pharmacokinetics; Emulsions; Nanostructures; General anesthesia

Introdução

Após muitos anos de procura de novos agentes venosos para uso em anestesia, a indústria farmacêutica viu no composto ICI 35868 (propofol) um potencial agente anestésico. Durante a fase pré-clínica do estudo foi proposta a formulação com cremofor EL, comumente usado na indústria farmacêutica.11. Glen JB, Davies GE, Thomson DS, et al. An animal model for the investigation of adverse responses to i.v. anesthetic agents and their solvents. Br J Anaesth. 1979;51:819-27. Devido à ocorrência frequente de reações de hipersensibilidade e dor à injeção, a formulação em cremofor EL foi abandonada e iniciou-se a procura por uma formulação viável, com o uso das emulsões lipídicas. As emulsões lipídicas determinaram aumento do tempo de início de ação, diminuíram a potência e aumentaram o tempo de despertar em relação à formulação inicial em cremofor EL.22. Baker MT, Naguib M. Propofol: the challenges of formulation. Anesthesiology. 2005;103:860-76. Na tentativa de aprimorar as limitações da emulsão lipídica de propofol, dor à injeção e potencial crescimento bacteriano, têm sido feitas formulações com: maior concentração de propofol; com menos de 10% de óleo; modificações nos fosfolipídeos dentro da emulsão, que contêm diferentes ácidos graxos, e das gotículas da emulsão com proteínas.33. Thompson KA, Goodale DB. The recent development of propofol (Diprivan). Intensive Care Med. 2000;26 Suppl. 4:S400-4.

As nanoemulsões têm sido associadas à melhoria na estabilidade da formulação, o que promove aumento da vida útil do propofol, redução da quantidade de propofol livre e consequentemente possível diminuição da ocorrência de dor à injeção, além de amplo espectro antimicrobiano.44. Date AA, Nagarsenker MS. Design and evaluation of microemul- sions for improved parenteral delivery of propofol. AAPS PharmSciTech. 2008;9:138-45.and55. Sneyd JR, Rigby-Jones AE. New drugs and technologies, intra- venous anaesthesia is on the move (again). Br J Anaesth. 2010;105:246-54.

Na pesquisa de nanoemulsões, com características de maior segurança e menor risco de anafilaxia, foi desenvolvido o polietilenoglicol-660-hidroxiesterato (Solutol(r) HS15 - Basf, Ludwigshafen, Alemanha), solubilizador não iônico solúvel em água, com fins de uso parenteral com fármacos lipofílicos e vitaminas. Contém em torno de 70% de moléculas lipofílicas e 30% de moléculas hidrofílicas, é estável e por isso tem sido usado em soluções parenterais.66. Morey TE, Modell JH, Shekhawat D, et al. Anesthetic prop- erties of a propofol microemulsion in dogs. Anesth Analg. 2006;103:882-7.and77. Sudo RT, Bonfá L, Trachez MM, et al. Caracterização anestésica da nanoemulsão não lipídica de propofol. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:475-83.

Assim, levando-se em consideração que o propofol é o anestésico venoso mais frequentemente usado em anestesia geral em todo mundo, que o seu uso ainda tem limitações devido aos efeitos adversos e que existem poucas publicações que comparem propofol convencional com propofol em nanoemulsão, esta pesquisa se propôs a fazer uma avaliação comparativa entre as formulações de propofol tradicionalmente usadas em lecitina de soja e a formulação em nanoemulsão com solutol em procedimentos cirúrgicos ginecológicos. O objetivo desta pesquisa foi comparar a incidência de dor à injeção do propofol, com hipótese de redução associada à nanoemulsão e a ocorrência de efeitos adversos locais e sistêmicos com as duas formulações.

Métodos

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, iniciou-se estudo prospectivo, aberto, aleatório e comparativo que incluiu 50 pacientes submetidas a procedimentos cirúrgicos ginecológicos no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia.

O cálculo da amostra foi baseado em estudo prévio,88. Rodrigues TA, Alexandrino RA, Kanczuk ME, et al. Avaliação comparativa entre propofol com dois veículos diferentes: em nanoemulsão com solutol e com lecitina de soja em pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:324-33. que mostrou incidência de dor em aproximadamente 80% dos pacientes que receberam propofol em formulação lipídica.99. Dubey PK, Kumar A. Pain on injection of lipid-free propofol and propofol emulsion containing medium-chain triglyceride: a comparative study. Anesth Analg. 2005;101:1060-2.and1010. Larsen B, Beerhalter U, Biedler A, et al. Less pain on injection by a new formulation of propofol? A comparison with propofol LCT. Anaesthesist. 2001;50:842-5. Para atingir redução de 50% na incidência de dor, o tamanho mínimo da amostra calculado foi de 46 pacientes para o teste de qui-quadrado, com um grau de liberdade igual à unidade (tabela 1), poder do teste em 80% e significância em 5%. Decidiu-se usar 50 pacientes, pois se previam perdas.

Tabela 1
Dados demográficos da população estudada

Foram incluídas neste estudo pacientes submetidas a procedimentos ginecológicos por videolaparoscopia e operações nas mamas, com ≥18 anos, estado físico ASA I e II (segundo a classificação da American Society of Anesthesiologists), IMC > 18,5 e < 30,0 kg.m-1. Os critérios de exclusão foram: pacientes que apresentavam histórico de dislipidemia e de náuseas e vômitos no pós-anestésico, antecedente de atopia, uso de fármacos psicoativos e gravidez.

Após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, as pacientes foram numeradas e distribuídas conforme lista de números aleatórios, na razão de 1:1, em dois grupos: grupo controle, denominado Cont, com 25 pacientes, no qual foi usado propofol com lecitina de soja; grupo nanoemulsão, denominado NE, com 25 pacientes, no qual foi usado propofol em nanoemulsão.

Tanto o propofol convencional em lecitina de soja quanto o propofol em nanoemulsão tinham concentração de 1%.

Não foi possível fazer estudo encoberto, uma vez que as medicações tinham propriedades organolépticas distintas (o propofol em nanoemulsão caracteriza-se por ser transparente e por estar em temperatura ambiente, enquanto o propofol em emulsão em lecitina de soja usado no estudo necessita ser armazenado sob resfriamento, além de ser leitoso).

Toda a sequência de cuidado e atendimento às pacientes dos dois grupos estudados foi idêntica, assim como a monitoração e a técnica anestésica, exceto a medicação usada. As pacientes não receberam medicação pré-anestésica.

Na sala de operação as pacientes receberam acesso venoso em membro superior preferencial por meio de dispositivo de teflon 20G e foi iniciada hidratação, com o emprego de solução de Ringer Lactato. A seguir, foi feita monitoração da frequência cardíaca (FC); traçado eletrocardiográfico (ECG); pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) pelo método não invasivo; saturação periférica de oxigênio (SpO2) e índice bispectral (BIS).

Foi feita oxigenação inicial com O2 a 100% sob máscara facial e nesse momento iniciou-se indução venosa com administração sequencial das seguintes medicações: remifentanila, propofol ou propofol nanoemulsão e atracúrio. As doses empregadas para indução da anestesia ficaram a critério do anestesiologista clínico, sem interferência do protocolo. Considerou-se observar as alterações hemodinâmicas promovidas pelas formulações nas doses habitualmente usadas na prática clínica.

O tempo de indução foi considerado a partir do fim da injeção do fármaco até a obtenção de valores de BIS abaixo de 60.

A seguir foi feita intubação orotraqueal e as pacientes foram mantidas em respiração por ventilação mecânica com aparelho de anestesia em sistema circular semifechado, com fluxo de 2 L.min-1, e ventiladas com misturas inspiratórias de oxigênio e óxido nitroso a 50%, com parâmetros ventilatórios ajustados a partir do volume corrente (VC) = 8 a 10 mL.kg-1, pressão expiratória final igual a zero e frequência respiratória (FR) para manter (PETCO2) entre 28 e 35 mmHg, com SpO2 acima de 95%.

A manutenção da anestesia foi feita com remifentanila, propofol ou propofol nanoemulsão, em bomba de infusão com velocidade modificada, se necessária, para manter BIS com valores entre 40 e 60. Após o fim da anestesia as pacientes foram levadas à sala de recuperação pós-anestésica e receberam alta para enfermaria com índice de Aldrete-Kroulik modificado maior ou igual a 8.

As variáveis analisadas foram:

  • -idade, peso, altura, índice de massa corpórea (IMC) e estado físico ASA;

  • -tempo cirúrgico e volume total usado de propofol e propofol nanoemulsão;

  • -efeitos adversos no local da injeção:

  • •dor à injeção.

Durante a injeção de propofol foi avaliada a tentativa de retirada do braço (sim/não) e era perguntado à paciente a intensidade da dor à injeção conforme a escala verbal de dor de quatro termos (ausente, leve, moderada e intensa).

Após 12 horas da punção, inquiriu-se se a paciente sentiu dor à injeção. Em caso positivo, foi avaliado o grau de dor com a escala verbal de quatro termos (ausente, leve, moderada e intensa);

  • -efeitos adversos:

  • •sinais flogísticos no local da punção;

  • •náuseas e vômitos pós-procedimento (avaliados até a alta da sala de recuperação pós-anestésica);

  • •frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica e saturação periférica de oxigênio (a cada 10 minutos);

  • -tempos e doses de indução e manutenção.

A análise estatística foi feita com o auxílio do sistema computacional SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) for Windows 10. O teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney foi usado para comparar as variáveis quantitativas entre os grupos, de acordo com a distribuição da amostra. Foi adotado como nível de significância valor de p < 0,05.

Resultados

Da amostra inicial de 50 pacientes, foram incluídas no presente estudo 48, 23 no grupo controle (GCONT) e 25 no grupo nanoemulsão (GNE). Duas pacientes do GCONT foram excluídas por apresentar intercorrências cirúrgicas.

Os grupos foram semelhantes em relação às variáveis: idade, gênero, peso, altura, IMC e estado físico ASA. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p > 0,05) (tabela 2). Os tempos dos procedimentos cirúrgicos foram semelhantes nos dois grupos: 3,02 horas no GCONT e 2,50 horas no GNE (p = 0,4893).

Tabela 2
Distribuição das pacientes quanto à retirada do braço, durante a injeção de propofol, presença e intensidade de dor durante a injeção, avaliadas no momento da indução da anestesia

Não foi observada diferença significativa entre os dois grupos quanto à retirada ou não do braço durante a injeção de propofol e à presença de dor durante a injeção, mas verificou-se diferença estatisticamente significativa na intensidade da dor (p = 0,01) (tabela 2).

O volume total usado médio de propofol (GCONT) foi de 96,70 ± 26,09 mL e de propofol nanoemulsão (GNE) de 82,93 ± 37,77 mL. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (p = 0,1521).

Não houve diferença significativa na prevalência e na intensidade da dor no local da injeção, na avaliação 12 horas após a punção venosa, na enfermaria (56,5% no GCONT e 36,0% no GNE). Foram 34,8% e 24,0% de intensidade leve no GCONT e no GNE, respectivamente. Nenhuma paciente apresentou sinais flogísticos (tabela 3).

Tabela 3
Avaliação da dor e outros eventos adversos na enfermaria, 12 horas após a anestesia

Cinco pacientes (três do GCONT e duas do GNE) apresentaram náuseas e vômitos pós-operatórios (χ22. Baker MT, Naguib M. Propofol: the challenges of formulation. Anesthesiology. 2005;103:860-76. - p = 0,9215) (tabela 3). Cinco pacientes (duas do GCONT e três do GNE) apresentaram eventos adversos sistêmicos (χ22. Baker MT, Naguib M. Propofol: the challenges of formulation. Anesthesiology. 2005;103:860-76. - p = 0,9215): duas pacientes de cada grupo com rush cutâneo de intensidade leve e uma paciente do GNE com broncoespasmo e sibilos de intensidade moderada. Não houve diferença significativa entre os dois grupos para as variáveis FC, PAS, PAD e SpO2 em todos os momentos estudados (teste t não pareado - p > 0,05) ( Figura 1 and Figura 2).

Figura 1
Evolução da frequência cardíaca nos dois grupos estudados.

Figura 2
Evolução da pressão arterial sistólica e diastólica nos dois grupos estudados.

Discussão

Apesar do indiscutível sucesso do propofol, procura-se, até os dias de hoje, a formulação ideal que suprima as reações adversas decorrentes das formulações lipídicas. Existem poucas publicações que comparem o uso das formulações de propofol em nanoemulsão com a formulação lipídica clássica,77. Sudo RT, Bonfá L, Trachez MM, et al. Caracterização anestésica da nanoemulsão não lipídica de propofol. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:475-83.and88. Rodrigues TA, Alexandrino RA, Kanczuk ME, et al. Avaliação comparativa entre propofol com dois veículos diferentes: em nanoemulsão com solutol e com lecitina de soja em pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:324-33. o que levou à presente pesquisa, em que foram avaliadas 48 pacientes submetidas a procedimentos ginecológicos, na busca de conhecer características clínicas específicas, tais como dor à injeção do propofol e presença de eventos adversos locais e sistêmicos, associadas ao uso de propofol em nanoemulsão. Foram confrontadas com aquelas relacionadas à administração de propofol em emulsão lipídica (propofol convencional).

Embora tenham sido testadas várias preparações de propofol, ainda não foi encontrada uma que reduza a incidência de dor após a injeção. Por pertencer a um grupo de fenóis com estabilidade química e baixa toxicidade, mas que tem o potencial de causar irritação da pele, do endotélio e das mucosas, é esperado, mas não desejado, que a injeção de propofol cause dor. Neste estudo, a incidência de dor à injeção do propofol, verificada no momento da injeção, foi menor no grupo nanoemulsão (GNE) do que no grupo controle, sem relevância estatística (GNE = 56,0% versus GCONT = 78,3%). Na avaliação da frequência de retirada do braço no momento da injeção de propofol, também não houve diferença estatística (GNE = 8,0% versus GCONT = 26,1%). Já na comparação da intensidade da dor à injeção, observou-se p = 0,01, com maior intensidade de dor leve, moderada e intensa no grupo controle (GCONT). No entanto, em ambas as avaliações, da incidência de dor e da frequência de retirada do braço no momento da injeção de propofol, as diferenças foram clinicamente significativas e os valores de p (0,07 e 0,09) sugerem que se a amostra fosse maior, poder-se-ia ter verificado diferença estatística.

Ainda neste estudo, a incidência de dor à injeção do propofol, verificada 12 horas após a punção, foi menor no grupo nanoemulsão (GNE) do que no grupo controle, sem relevância estatística (GNE = 36,0% versus GCONT = 56,5%), assim como a intensidade da dor à injeção.

Foram encontrados na literatura apenas dois estudos que comparam também a formulação de propofol de lecitina de soja clássica versus a formulação em nanoemulsão usada nesta pesquisa. 77. Sudo RT, Bonfá L, Trachez MM, et al. Caracterização anestésica da nanoemulsão não lipídica de propofol. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:475-83.and88. Rodrigues TA, Alexandrino RA, Kanczuk ME, et al. Avaliação comparativa entre propofol com dois veículos diferentes: em nanoemulsão com solutol e com lecitina de soja em pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:324-33. O primeiro, de Sudo et al.,77. Sudo RT, Bonfá L, Trachez MM, et al. Caracterização anestésica da nanoemulsão não lipídica de propofol. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:475-83. foi feito em camundongos e avaliou a ocorrência de dor em animais que receberam infusão intraperitoneal de ácido acético e veículos de propofol lipídico e de nanoemulsão não lipídica (igual à usada na presente pesquisa). O ácido acético e o veículo do propofol lipídico provocaram dor após injeção intraperitoneal. No entanto, não foi verificada dor após a administração do veículo do propofol em nanoemulsão. No estudo de Rodrigues et al.,88. Rodrigues TA, Alexandrino RA, Kanczuk ME, et al. Avaliação comparativa entre propofol com dois veículos diferentes: em nanoemulsão com solutol e com lecitina de soja em pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:324-33. feito em pacientes submetidos à sedação para endoscopia, a incidência de dor à injeção do propofol em nanoemulsão (mesma formulação da presente pesquisa) foi menor do que com o uso do propofol convencional, com relevância estatística (53,3% versus 82,7%).

Outros estudos, com formulações diferentes, mostraram resultados diversos, como a pesquisa que verificou ocorrência de dor maior com formulação não lipídica de propofol (Cleofol(r); Themis Medicare, Índia) do que com a emulsão de propofol com triglicérides de cadeia média (Propofol-Lipuro(r); B Braun, Alemanha).99. Dubey PK, Kumar A. Pain on injection of lipid-free propofol and propofol emulsion containing medium-chain triglyceride: a comparative study. Anesth Analg. 2005;101:1060-2. É importante citar que o propofol em solução lipídica usado no presente estudo foi diferente do usado na publicação citada. Estudos anteriores verificaram que formulações com triglicérides de cadeia média têm menor fração livre de propofol e, consequentemente, tendência de menor incidência de dor.1010. Larsen B, Beerhalter U, Biedler A, et al. Less pain on injection by a new formulation of propofol? A comparison with propofol LCT. Anaesthesist. 2001;50:842-5.,1111. Larsen R, Beerhalter U, Erdkönig R, et al. Injection pain from propofol-MCT-LCT in children. A comparison with propofol- LCT. Anaesthesist. 2001;50:676-8., 1212. Rau J, Roizen MF, Doenicke AW, et al. Propofol in an emulsion of long- and medium-chain triglycerides: the effect on pain. Anesth Analg. 2001;93:382-4., 1313. Sun NC, Wong AY, Irwin MG. A comparison of pain on intravenous injection between two preparations of propofol. Anesth Analg. 2005;101:675-8. 1414. Yamakage M, Iwasaki S, Satoh J, et al. Changes in concentrations of free propofol by modification of the solution. Anesth Analg. 2005;101:385-8.

Estudo de Sim et al.,1515. Sim JY, Lee SH, Park DY, et al. Pain on injection with microemul- sion propofol. Br J Clin Pharmacol. 2009;67:316-25. que avaliou comparativamente o nível de bradicinina plasmática após injeção venosa de solução fisiológica a 0,9%, propofol em emulsão lipídica, propofol em microemulsão e polietilenoglicol-660-hidroxiesterato (Solutol(r) HS15), mostrou níveis maiores com injeção de microemulsão e solutol, não relacionados com aumento na ocorrência de dor. Assim, os autores propõem que o aparecimento de dor após a injeção de propofol não é totalmente relacionado à liberação de bradicinina.

O uso de lidocaína, estratégia amplamente aplicada para redução da dor à injeção de propofol, vem sendo discutido. Sim et al.1515. Sim JY, Lee SH, Park DY, et al. Pain on injection with microemul- sion propofol. Br J Clin Pharmacol. 2009;67:316-25. mostraram não haver mudança na concentração de propofol livre em fase aquosa quando da adição de lidocaína, enquanto Yamakage et al.1414. Yamakage M, Iwasaki S, Satoh J, et al. Changes in concentrations of free propofol by modification of the solution. Anesth Analg. 2005;101:385-8. verificaram modificação da estabilidade da solução e pH, com a adição de lidocaína, o que sugere a que a lidocaína administrada antes do propofol possa inibir a transmissão da dor por terminações nervosas livres no endotélio.

Embora não tenha feito parte dos objetivos do presente estudo a avaliação do tempo cirúrgico e do volume total usado de propofol, esses dados foram analisados e constaram dos resultados, porque diferenças estatisticamente significativas em algum deles ou ambos poderiam criar um viés na interpretação dos resultados dos eventos adversos.

Em nenhuma paciente foram observados no local da injeção sinais flogísticos, que podem ocorrer de 1% a 5% dos casos.1616. Pederneiras SG, Duarte DF, Teixeira Filho N, et al. Uso do propo- fol em anestesias de curta duração: estudo comparativo com o tiopental. Rev Bras Anestesiol. 1992;42:181-4.

Já foi amplamente mostrado na literatura que a administração venosa de propofol pode levar à diminuição da pressão arterial, com pouca alteração na frequência e no ritmo cardíacos,1717. Claeys MA, Gepts E, Camus F. Haemodynamic changes dur- ing anaesthesia induced and maintained with propofol. Br J Anaesth. 1983;60:3-9., 1818. Grounds RM, Twigley AJ, Carli F, et al. The haemodynamic effects of intravenous induction. Comparison of the effects of thiopentone and propofol. Anaesthesia. 1985;40:735-40., 1919. Hug CC, McLeskey CH, Nahrwold NL, et al. Hemodynamic effects of propofol - data from 24,771 patients. Anesth Analg. 1993;76:S154., 2020. El-Beheiry H, Kim J, Milne B, et al. Prophylaxis against the sys- temic hypotension induced by propofol during rapid-sequence intubation. Can J Anaesth. 1995;42:875-8., 2121. Sato M, Tanaka M, Umehara S, et al. Baroreflex control of heart rate during and after propofol infusion in humans. Br J Anaesth. 2005;94:577-81. o que é confirmado no presente estudo, em que foi constatada redução dos valores da PAS e PAD similar em ambos os grupos, apenas no momento da indução, com estabilidade posterior, com valores mínimos toleráveis. Rodrigues et al.,88. Rodrigues TA, Alexandrino RA, Kanczuk ME, et al. Avaliação comparativa entre propofol com dois veículos diferentes: em nanoemulsão com solutol e com lecitina de soja em pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:324-33. em humanos, e Sudo et al.77. Sudo RT, Bonfá L, Trachez MM, et al. Caracterização anestésica da nanoemulsão não lipídica de propofol. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:475-83. em camundongos, ambos com o uso de propofol lipídico ou em nanoemulsão, observaram redução das pressões arteriais diastólica e sistólica, sem diferenças entre os grupos analisados. A frequência cardíaca também apresentou redução no momento da indução em ambos os grupos, com estabilização posterior, sem atingir níveis críticos.

No presente trabalho, foi observado pequeno número de casos de náuseas/vômitos após os procedimentos cirúrgicos (GNE = 8,0% versus GCONT = 13,0%), sem diferença estatística entre as medicações usadas, o que confirma a literatura que refere ter o propofol propriedade antiemética, por atividade antidopaminérgica, com efeito depressor sobre a zona do gatilho quimiorreceptora e núcleos vagais, menor liberação de glutamato e aspartato no córtex olfatório e redução da serotonina na área postrema.2222. Kranke P, Eberhart LH. Postoperative nausea and vomi- ting: rational algorithms for prevention and treatment based on current evidence. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther. 2009;44:286-94.

Ambas as formulações de propofol, lipídica e em nanoemulsão, elicitaram dor à injeção venosa, porém a solução de nanoemulsão promoveu dor em menor intensidade. O propofol lipídico e o propofol em nanoemulsão não apresentaram alterações hemodinâmicas e efeitos adversos de relevância clínica.

Agradecimentos

As medicações usadas neste estudo (propofol em lecitina de soja e propofol em nanoemulsão) foram doadas pela Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos (Itapira, SP, Brasil).

References

  • 1
    Glen JB, Davies GE, Thomson DS, et al. An animal model for the investigation of adverse responses to i.v. anesthetic agents and their solvents. Br J Anaesth. 1979;51:819-27.
  • 2
    Baker MT, Naguib M. Propofol: the challenges of formulation. Anesthesiology. 2005;103:860-76.
  • 3
    Thompson KA, Goodale DB. The recent development of propofol (Diprivan). Intensive Care Med. 2000;26 Suppl. 4:S400-4.
  • 4
    Date AA, Nagarsenker MS. Design and evaluation of microemul- sions for improved parenteral delivery of propofol. AAPS PharmSciTech. 2008;9:138-45.
  • 5
    Sneyd JR, Rigby-Jones AE. New drugs and technologies, intra- venous anaesthesia is on the move (again). Br J Anaesth. 2010;105:246-54.
  • 6
    Morey TE, Modell JH, Shekhawat D, et al. Anesthetic prop- erties of a propofol microemulsion in dogs. Anesth Analg. 2006;103:882-7.
  • 7
    Sudo RT, Bonfá L, Trachez MM, et al. Caracterização anestésica da nanoemulsão não lipídica de propofol. Rev Bras Anestesiol. 2010;60:475-83.
  • 8
    Rodrigues TA, Alexandrino RA, Kanczuk ME, et al. Avaliação comparativa entre propofol com dois veículos diferentes: em nanoemulsão com solutol e com lecitina de soja em pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:324-33.
  • 9
    Dubey PK, Kumar A. Pain on injection of lipid-free propofol and propofol emulsion containing medium-chain triglyceride: a comparative study. Anesth Analg. 2005;101:1060-2.
  • 10
    Larsen B, Beerhalter U, Biedler A, et al. Less pain on injection by a new formulation of propofol? A comparison with propofol LCT. Anaesthesist. 2001;50:842-5.
  • 11
    Larsen R, Beerhalter U, Erdkönig R, et al. Injection pain from propofol-MCT-LCT in children. A comparison with propofol- LCT. Anaesthesist. 2001;50:676-8.
  • 12
    Rau J, Roizen MF, Doenicke AW, et al. Propofol in an emulsion of long- and medium-chain triglycerides: the effect on pain. Anesth Analg. 2001;93:382-4.
  • 13
    Sun NC, Wong AY, Irwin MG. A comparison of pain on intravenous injection between two preparations of propofol. Anesth Analg. 2005;101:675-8.
  • 14
    Yamakage M, Iwasaki S, Satoh J, et al. Changes in concentrations of free propofol by modification of the solution. Anesth Analg. 2005;101:385-8.
  • 15
    Sim JY, Lee SH, Park DY, et al. Pain on injection with microemul- sion propofol. Br J Clin Pharmacol. 2009;67:316-25.
  • 16
    Pederneiras SG, Duarte DF, Teixeira Filho N, et al. Uso do propo- fol em anestesias de curta duração: estudo comparativo com o tiopental. Rev Bras Anestesiol. 1992;42:181-4.
  • 17
    Claeys MA, Gepts E, Camus F. Haemodynamic changes dur- ing anaesthesia induced and maintained with propofol. Br J Anaesth. 1983;60:3-9.
  • 18
    Grounds RM, Twigley AJ, Carli F, et al. The haemodynamic effects of intravenous induction. Comparison of the effects of thiopentone and propofol. Anaesthesia. 1985;40:735-40.
  • 19
    Hug CC, McLeskey CH, Nahrwold NL, et al. Hemodynamic effects of propofol - data from 24,771 patients. Anesth Analg. 1993;76:S154.
  • 20
    El-Beheiry H, Kim J, Milne B, et al. Prophylaxis against the sys- temic hypotension induced by propofol during rapid-sequence intubation. Can J Anaesth. 1995;42:875-8.
  • 21
    Sato M, Tanaka M, Umehara S, et al. Baroreflex control of heart rate during and after propofol infusion in humans. Br J Anaesth. 2005;94:577-81.
  • 22
    Kranke P, Eberhart LH. Postoperative nausea and vomi- ting: rational algorithms for prevention and treatment based on current evidence. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther. 2009;44:286-94.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2012
  • Aceito
    20 Mar 2013
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org