Acessibilidade / Reportar erro

Controle perioperatório de gestante obesa mórbida submetida a parto cesariano sob anestesia geral - relato de caso Local do estudo: Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá, MT, Brasil.

Resumo

Justificativa e objetivos:

O aumento na prevalência da obesidade na população geral se estende para mulheres na idade reprodutiva. O objetivo deste estudo é relatar o controle perioperatório de uma gestante obesa mórbida com índice de massa corporal > 50 Kg/m2, submetida a parto cesariano sob anestesia geral.

Relato do caso:

Gestante de 35 anos com índice de massa corporal de 59,8 Kg/m2. Estava em trabalho de parto. Foi indicado parto cesariano devido a macrossomia fetal presumida. A paciente recusou raquianestesia. Ela foi posicionada em rampa com coxins no dorso até a cabeça para facilitar a intubação traqueal. Outro coxim foi colocado na parte superior do glúteo direito para criar uma angulação próxima de 15° com a mesa cirúrgica. Imediatamente antes da indução anestésica, procedeu-se a assepsia e colocação de campos cirúrgicos estéreis. Foi feita indução em sequência rápida com manobra de Sellick, com remifentanil, propofol e succinilcolina. A intubação foi feita com auxílio de gum elastic bougie. A anestesia foi mantida com remifentanil e sevoflurano. O intervalo entre a incisão na pele e a extração fetal foi de 21 minutos e foi usada uma das colheres do fórceps de Simpson para auxílio na extração. Paciente concebeu recém-nascido com peso de 4.850 g, apresentou índice de Apgar de 2 no primeiro minuto (recebeu ventilação com pressão positiva sob máscara por aproximadamente dois minutos) e 8 no quinto minuto. A paciente foi extubada, sem intercorrências. Foi feita analgesia multimodal e profilaxia de náuseas e vômitos. Mãe e récem-nascido receberam alta no quarto dia de pós-operatório.

PALAVRAS-CHAVE
Obesidade mórbida; Parto cesariano; Anestesia geral: remifentanil

Abstract

Background and objectives:

The increased prevalence of obesity in the general population extends to women of reproductive age. The aim of this study is to report the perioperative management of a morbidly obese pregnant woman, body mass index >50 kg/m2, who underwent cesarean section under general anesthesia.

Case report:

Pregnant woman in labor, 35 years of age, body mass index 59.8 kg/m2. Cesarean section was indicated due to the presumed fetal macrosomia. The patient refused spinal anesthesia. She was placed in the ramp position with cushions from back to head to facilitate tracheal intubation. Another cushion was placed on top of the right gluteus to create an angle of approximately 15° to the operating table. Immediately before induction of anesthesia, asepsis was carried out and sterile surgical fields were placed. Anesthesia was induced in rapid sequence, with Sellick maneuver and administration of remifentanil, propofol, and succinilcolina. Intubation was performed using a gum elastic bougie, and anesthesia was maintained with sevoflurane and remifentanil. The interval between skin incision and fetal extraction was 21 min, with the use of a Simpson's forceps scoop to assist in the extraction. The patient gave birth to a newborn weighing 4850 g, with Apgar scores of 2 in the 1st minute (received positive pressure ventilation by mask for about 2 min) and 8 in the 5th minute. The patient was extubated uneventfully. Multimodal analgesia and prophylaxis of nausea and vomiting was performed. Mother and newborn were discharged on the 4th postoperative day.

KEYWORDS
Morbid obesity; Cesarean section; General anesthesia: remifentanil

Introdução

A prevalência de obesidade se encontra em franca ascensão em países com renda baixa e média, especialmente em áreas urbanas.11 World Health Organization [Internet]. Obesity and overweight. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/index.html [Update in March 2011].
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
Esse aumento na prevalência da obesidade na população em geral se estende às mulheres na idade reprodutiva. A obesidade está associada a vários desfechos clínicos indesejados durante a gestação, incluindo pré-eclâmpsia, diabetes mellitus gestacional, tromboembolismo venoso, gestação pós-termo, macrossomia fetal e natimortalidade.22 Mission JF, Marshall NE, Caughey AB. Obesity in pregnancy: a big problem and getting bigger. Obstet Gynecol Surv. 2013;68:389-99. A taxa de parto cesariano é maior em gestantes obesas, especialmente em obesas mórbidas.22 Mission JF, Marshall NE, Caughey AB. Obesity in pregnancy: a big problem and getting bigger. Obstet Gynecol Surv. 2013;68:389-99.

3 Kominiarek MA, Vanveldhuisen P, Hibbard J, et al. The maternal body mass index: a strong association with delivery route. Am J Obstet Gynecol. 2010;203:264, e1-7.
-44 El-Chaar D, Finkelstein SA, Tu X, et al. The impact of increasing obesity class on obstetrical outcomes. J Obstet Gynaecol Can. 2013;35:224-33. Gestantes obesas têm risco aumentado de indução de trabalho de parto, trabalho de parto disfuncional, distocia de ombro, maior taxa de infecção em sítio cirúrgico, infecção urinária, endometrite e hemorragia pós-parto.55 Magann EF, Doherty DA, Sandlin AT, et al. The effects of an increasing gradient of maternal obesity on pregnancy outcomes. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2013;53:250-7. Obesidade materna está associada com aumentada dificuldade na feitura de anestesia em neuroeixo, 66 Bamgbade OA, Khalaf WM, Ajai WM, et al. Obstetric anaesthesia outcome in obese and non-obese parturients undergoing caesarean delivery: an observational study. Int J Obstet Anesth. 2009;18:221-5. maior incidência de hipotensão arterial77 Nani FS, Torres ML. Correlation between the body mass index (BMI) of pregnant women and the development of hypotension after spinal anesthesia for cesarean section. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:21-30. e falha de intubação traqueal durante anestesia geral.88 Quinn AC, Milne D, Columb M, et al. Failed tracheal intubation in obstetric anaesthesia: 2 yr national case-control study in the UK. Br J Anaesth. 2013;110:74-80. Os récem-nascidos das pacientes obesas estão sob maior risco de complicacões perinatais (baixo pH arterial, menor excesso de base, hipoglicemia e menores valores do índice de Apgar).99 Eduards RK, Cantu J, Biggio JR, et al. The association of maternal obesity with fetal pH and base deficit at cesarean delivery. Obest Gynecol. 2013;122:262-7.,1010 Blomberg M. Maternal obesity, mode of delivery, and neonatal outcome. Obstet Gynecol. 2013;122:50-5. Gestantes com índice de massa corporal (IMC) ≥ 50 Kg/m2, também denominadas superobesas,22 Mission JF, Marshall NE, Caughey AB. Obesity in pregnancy: a big problem and getting bigger. Obstet Gynecol Surv. 2013;68:389-99.,1111 Marshall NE, Guild C, Cheng YW, et al. Maternal superobesity perinatal outcomes. Am J Obstet Gynecol. 2012;206:417, e1-6. têm risco significativamente maior de complicações na gestação, se comparadas com outras menos obesas.1111 Marshall NE, Guild C, Cheng YW, et al. Maternal superobesity perinatal outcomes. Am J Obstet Gynecol. 2012;206:417, e1-6. O controle perioperatório anestésico-cirúrgico de pacientes obesas com IMC > 50 Kg/m2 submetidas a parto cesariano pode ser um grande desafio. O objetivo deste estudo é relatar o controle perioperatório de uma gestante com IMC > 50 kg/m2 submetida a parto cesariano sob anestesia geral.

Relato de caso

Gestante de 35 anos, com 169 kg e 168 cm (IMC = 59,8 kg/m2) figura 1, gesta 4 para 2 aborto, com 41 semanas e seis dias de gestação. Portadora de hipertensão arterial sistêmica havia 14 anos, em uso de alfa metildopa 1,5 g/dia e miomatose uterina, apresentara vários episódios de metrorragia antes da gestação. Foi submetida a anestesia geral para curetagem uterina por aborto retido havia quatro anos, sem intercorrências anestésico-cirúrgicas. Entrou no centro obstétrico em trabalho de parto com rotura de bolsa amniótica. Encontrava-se em jejum havia oito horas. Foi indicado parto cesariano devido a macrossomia fetal presumida (peso fetal estimado à ultrassonografia de 4.600 g) e pela expectativa de dificuldade de monitoração fetal. Os exames laboratoriais mostravam hemoglobina de 9,8 g/dL, hematócrito de 31,3%, leucócitos de 7.900 mm3, plaquetas de 190.000 mm3, ureia 26 mg/dL e creatinina 0,6 mg/dL. A paciente se queixava de certo desconforto quando assumia a posição de decúbito dorsal horizontal. Apresentava-se lúcida, colaborativa, com mucosas secas e palidez da pele. Ao exame das vias aéreas, observou-se grau II de Mallampati, a abertura bucal era maior do que 3 cm e o espaço tireomento maior do que 6 cm. A flexão e a extensão do pescoço eram limitadas. Abdômen em avental, gravídico, com hiperemia na região inferior, difusamente doloroso à palpação. A paciente recusou raquianestesia, apesar de argumentos em contrário. Na sala de operação a paciente foi monitorada com eletrocardioscopia em cinco derivações, oximetria de pulso (saturação periférica de oxigênio), pressão arterial não invasiva e após a intubação capnografia e analisador de gases (O2 e CO2) e halogenados. A pressão arterial, a saturação periférica de oxigênio, a frequência cardíaca e respiratória basais eram de 130/80 mmHg, 89%; 80 batimentos por minuto e 15 incursões respiratórias por minuto (IRM), respectivamente. Após venóclise com cateter intravenoso 16 gauge, foi iniciada infusão de 10 mL/kg de peso ideal de solução de ringer lactato. A paciente foi posicionada em rampa com coxins no dorso até a cabeça, visando a tornar paralela com o solo a linha imaginária que vai do meato acústico externo até o esterno. Foi colocado, ainda, um pequeno coxim, confeccionado com lençóis, na parte superior do glúteo direito, para criar uma angulação próxima de 15° com a mesa cirúrgica, visando a deslocar o útero para esquerda. Foram administrados 100 mg de ranitidina intravenosa (IV) e foi feita cateterização vesical antes do início da operação. Imediatamente antes da indução anestésica foram feitas assepsia e colocação de campos cirúrgicos estéreis. Então, a paciente recebeu 7 L/min de oxigênio sob máscara facial por três minutos e em seguida foram administrados IV remifentanil 70 µg em 60 segundos, lidocaína 80 mg, propofol 200 mg e succinilcolina 150 mg. Em relação ao controle da via aérea, verificou-se à laringoscopia grau III de Cormack-Lehane, procedeu-se à intubação orotraqueal com cânula de 7,5 mm, em sequência rápida com manobra de Sellick e uso de um introdutor de tubo traqueal (gum elastic bougie [GEB]), sem intercorrências. Foi feita ventilação controlada com volume corrente de 680 mL, frequência respiratória de 12 IRM, PEEP de 5 cm de H2O e FiO2 de 0,5. A manutenção da anestesia foi feita com sevoflurano 1,5% a 2,5%; 25 mg de atracúrio; remifentanil 0,3 µg/Kg/min até a extração fetal e após 0,2 µg/Kg/min até o fim da operação. Foram administrados 15 mg de efedrina IV antes e 5 mg após extração fetal. Após o clampeamento do cordão umbilical foram administrados 5 UI de ocitocina em bólus e mais 10 UI em 500 mL de solução de RL, 2 g IV de cefalotina (depois mantido 1 g de 6/6h por quatro dias), 10 mg de dexametasona e 30 mg de cetorolaco. Trinta minutos antes do fim da operação a paciente recebeu IV 2 g de dipirona, 10 mg de metadona e 8 mg de ondansetrona. Foram necessários dois auxiliares, um de cada lado da paciente, para levantar o abdome em avental cefalicamente, visando a facilitar a incisão de Phannestiel. O intervalo entre a incisão na pele e a extração fetal foi de 21 minutos. Foi usada uma das colheres do fórceps de Simpson para auxílio na extração. Recém-nascido (RN) do gênero masculino, com 4.850 g, apresentou índice de Apgar de 2 no primeiro minuto (recebeu ventilação com pressão positiva sob máscara por aproximadamente dois minutos) e 8 no quinto minuto. Após 140 minutos do início da anestesia a paciente foi extubada, sem intercorrências. A paciente não apresentou consciência perioperatória. Foram mantidos dipirona 2 g IV de 4/4h e cetorolaco 30 mg IV de 8/8h por 48 horas. Não apresentou dor em repouso nas primeiras 12 horas. Foram administrados 100 mg IV de tramadol diluído em 100 mL de solução fisiológica, aproximadamente 13 horas após a operação, devido a queixa de dor de moderada intensidade à deambulação. A paciente declarou-se satisfeita com o controle da sua dor pós-operatória. Não apresentou náusea ou vômito no pós-operatório. Mãe e RN receberam alta hospitalar no quarto dia de pós-operatório.

Figura 1
Gestante de 35 anos, com 169 kg e 168 cm.

Discussão

Gestantes com IMC ≥ 50 Kg/m2 têm um elevado risco de seus conceptos nascerem via parto cesariano, desconsiderando a paridade.1111 Marshall NE, Guild C, Cheng YW, et al. Maternal superobesity perinatal outcomes. Am J Obstet Gynecol. 2012;206:417, e1-6. Em nosso caso, julgamos que seria melhor o parto cesariano, pois havia a estimativa de macrossomia fetal, aliada a expectativa de dificuldade técnica para monitoração do bem-estar fetal. Como anestesia geral está associada com aumento de morbimortalidade,1212 Hawkins JL, Chang J, Palmer SK, et al. Anesthesia-related maternal mortality in the United States: 1979-2002. Obstet Gynecol. 2011;117:69-74. a anestesia regional se tornou a técnica anestésica mais amplamente recomendada. Porém, como houve recusa da paciente pela raquianestesia, apesar de argumentos ao contrário, a aplicação dessa técnica foi descartada. A paciente recebeu ranitidina IV antes da operação, visando a reduzir o pH gástrico, para mitigar uma eventual broncoaspiração de conteúdo gástrico durante intubação traqueal. Antiácido não particulado (citrato de sódio 0,3 molar) via oral no pré-operatório não foi administrado, conforme preconizado por guidelines,1313 Practice Guidelines for Obstetric Anesthesia. An updated report by the American Society of Anesthesiologists task force on obstetric anesthesia. Anesthesiology. 2007;106:843-863. por não haver disponibilidade dessa droga no nosso serviço. O posicionamento da paciente na mesa cirúrgica, com uso de coxins em rampa no dorso e na cabeça ou dispositivo que faça a mesma função, como sugerido por Simoni,1414 Simoni RF. Dispositivo útil para intubação traqueal no paciente obeso mórbido/tracheal intubation of morbidly obese patients: a useful device. Rev Bras Anestesiol. 2005;55:256-60. torna-se obrigatório numa paciente como essa, pois facilita sobremaneira a intubação traqueal. Também muito importante foi a colocação de coxim sob o glúteo direito da paciente, para deslocar o útero gravídico para a esquerda, com o intuito de prevenir síndrome de compressão aorto-cava, pois o deslocamento manual do útero gravídico pode ser muito difícil ou mesmo improdutivo nessa paciente com abdome bastante volumoso. Além disso, esse coxim permitiu liberar um membro a mais da equipe para outras tarefas. A cateterização vesical, assim como a assepsia e a colocação dos campos cirúrgicos, previamente à indução da anestesia, pode permitir abreviar, o tempo de transferência das drogas usadas para o feto. Usamos remifentanil, um opioide sintético potente, de rápido início de ação, ao redor de um minuto, que apresenta como característica farmacocinética única, entre outros opioides, metabolização por esterases plasmática e tecidual em metabólito inativo, apresentando meia-vida contexto dependente de três minutos. Consequentemente, não acumula no organismo materno, mesmo após prolongada administração.1515 Hill D. The use of remifentanil in obstetrics. Anesthesiol Clin. 2008;:169-82. Remifentanil pode oferecer estabilidade hemodinâmica materna e atenuar respostas à manipulação das vias aéreas e do estímulo cirúrgico.1616 Heesen M, Klohr S, Hofmann T, et al. Maternal and foetal effects of remifentanil for general anaesthesia in parturients undergoing caesarean section: a systematic review and meta-analysis. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:29-36. Similar aos outros opioides, o remifentanil atravessa a barreira útero-placentária, mas é rapidamente removido do plasma do RN.1717 Kan RE, Hughes SC, Rosen MA, et al. Intravenous remifentanil: placental transfer, maternal and neonatal effects. Anesthesiology. 1998;88:1467-74. Por isso, pode não ter a desvantagem da depressão respiratória neonatal associada ao fentanil e ao alfentanil.1818 Pournajafian A, Rokhtabnak F, Kholdbarin A, et al. Comparison of remifentanil and fentanyl regarding hemodynamic changes due to endotracheal intubation in preeclamptic parturient candidate for cesarean delivery. Anesth Pain. 2012;2:90-3.,1919 Gin T, Ngan-kee WD, Siu YK, et al. Alfentanil given immediately before the induction of anesthesia for elective cesarean delivery. Anesth Analg. 2000;90:1167-72. A diminuição da capacidade residual funcional e o aumento na demanda de O2 na gravidez resultam em mais rápido início da dessaturação de oxi-hemoglobina durante apneia em comparação com mulheres não gestantes. Na gestante obesa mórbida a instalação da dessaturação pode ser, ainda, mais rápida.2020 McClelland SH, Bogod DG, Hardman JG. Pre-oxygenation and apnoea in pregnancy: changes during labour and with obstetric morbidity in a computational simulation. Anaesthesia. 2009;64:371e7. A aplicação de pressão cricoide durante a manobra de Sellick, na indução em sequência rápida, piora a visualização da glote. A intubação traqueal, nessa situação, é sobremaneira facilitada com uso de GEB.2121 Noguchi T, Koga K, Shiga Y, et al. The gum elastic bougie eases tracheal intubation while applying cricoid pressure compared to a stylet. Can J Anaesth. 2003;50:712-7. Esse dispositivo é de fácil uso, portátil e relativamente de baixo custo. GEB foi o dispositivo mais comumente usado em 3.423 situações de intubação traqueal de emergência analisados por Martin et al.2222 Martin LD, Mhyre JM, Shanks AM, et al. 3,423 Emergency tracheal intubations at a University Hospital, Airway outcomes and complications. Anesthesiology. 2011;114:42-8. Durante a intubação dessa paciente, o uso do GEB aliado ao posicionamento em rampa da paciente foi de grande utilidade, pois permitiu que a paciente fosse intubada prontamente, sem que houvesse queda da saturação periférica de oxigênio. A paciente manteve-se hemodinamicamente estável durante o procedimento cirúrgico, necessitou de pequenas doses de efedrina para correção de hipotensão por curtos períodos. A incisão vertical da pele é uma abordagem frequentemente usada para o parto cesariano em gestantes obesas mórbidas.2323 Bell J, Bell S, Vahratian A, et al. Abdominal surgical incisions and perioperative morbidity among morbidly obese women undergoing cesarean delivery. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2011;154:16-9.,2424 Wall PD, Deucy EE, Glantz JC, et al. Vertical skin incisions and wound complications in the obese parturient. Obstet Gynecol. 2003;102:952-6. Contudo, incisões verticais na pele, comparadas com incisões transversas baixas, estão associadas com aumento do tempo cirúrgico, maior perda sanguínea, aumento de dor pós-operatória, maior incidência de atelectasias, ferida superficial e descência de fáscia. 2424 Wall PD, Deucy EE, Glantz JC, et al. Vertical skin incisions and wound complications in the obese parturient. Obstet Gynecol. 2003;102:952-6.

25 Alanis MC, Villers MS, Law TL, et al. Complications of cesarean delivery in the massively obese parturient. Am J Obstet Gynecol. 2010;203:271.
-2626 Brocato BE, Thorpe EM, Gomez LM, et al. The effect of cesarean delivery skin incision approach in morbidly obese women on the rate of classical hysterotomy. Pregnancy. 2013;2013:890296. No presente caso, a presença de hiperemia e calor na região periumbilical (celulite?) afastou definitivamente a possibilidade de uma abordagem cirúrgica transversal. E o maior problema com a abordagem cirúrgica de Phannestiel foi a dificuldade de extração fetal, o que necessitou de uso do fórceps de Simpson. E necessário salientar, também, que pelas características anatômicas singulares da paciente, o intervalo de tempo entre a incisão da pele e a extração fetal foi grande (21 minutos), porém comparável ao encontrado por Conner et al. (16 min ± 11,3 para IMC > 50 kg/m2).2727 Conner SN, Tuuli MG, Longman RE, et al. Impact of obesity on incision-to-delivery interval and neonatal outcomes at cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2013;209:386, e1-6. Conner et al.2727 Conner SN, Tuuli MG, Longman RE, et al. Impact of obesity on incision-to-delivery interval and neonatal outcomes at cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2013;209:386, e1-6. também mostraram que o aumento do IMC estava associado com aumento estatisticamente significativo do pH < 7,2 e excesso de base ≤ 8 mmoL/L do sangue do cordão umbilical. O RN obteve baixo valor do índice de Apgar no primeiro minuto, porém recuperou-se prontamente após ventilação com pressão positiva sob máscara. Isso pode ter sido resultado do maior intervalo de tempo entre a incisão da pele e a extração fetal, per si, da exposição prolongada ao efeito da anestesia geral balanceada com remifentanil e de algum grau de síndrome aorto-cava. Pacientes obesas estão suscetíveis a maior risco para infecção de ferida cirúrgica, infecção urinária, endometrite e sepse. Avaliando 133 pacientes obesas mórbidas submetidas a parto cesariano, Brocato et al.2626 Brocato BE, Thorpe EM, Gomez LM, et al. The effect of cesarean delivery skin incision approach in morbidly obese women on the rate of classical hysterotomy. Pregnancy. 2013;2013:890296. relataram a incidência de 27% de complicações da ferida cirúrgica (infeção ou descência) e 4% de endometrite. Alanis et al.,2525 Alanis MC, Villers MS, Law TL, et al. Complications of cesarean delivery in the massively obese parturient. Am J Obstet Gynecol. 2010;203:271. estudando 194 gestantes com IMC ≥ 50 Kg/m2 submetidas a parto cesariano, relataram a incidência de aproximadamente 27% de descência de ferida cirúrgica e 4% de celulite em ferida cirúrgica. Vê-se, portanto, a importância da instituição de medidas profiláticas contra infecção nessas pacientes. Antibiótico profilático para parto cesariano tradicionalmente tem sido administrado após o clampeamento do cordão umbilical, pelo receio de que o antibiótico fosse prejudicial para o RN e pudesse produzir resistência dos microrganismos aos antibióticos ou mascarar infecções neonatais. Porém, em 2010, a ACOG Committee Opinion recomendou que o antibiótico seja administrado dentro de 60 minutos antes da incisão da pele.2828 American College of Obstetricians and Gynecologists. Committee opinion no. 465: antimicrobial prophylaxis for cesarean delivery: timing of administration. Obstet Gynecol. 2010;116:791-2. Mais recentemente, Baaqeel H e Baaqeel R, em uma metanálise que incluiu 2.313 mulheres, relataram a diminuição em 41% da incidência de endometrite com uso pré-operatório de antibiótico.2929 Baaqeel H, Baaqeel R. Timing of administration of prophylactic antibiotics for caesarean section: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2013;120:661-9. Porém, a nossa paciente recebeu antibiótico após o clampeamento, o qual foi mantido por sete dias pela suspeita de celulite. Proporcionar adequada analgesia pós-operatória aos pacientes deve ser um compromisso de toda equipe de cuidadores. Como a paciente recebeu remifentanil em altas doses, havia a preocupação pela possibilidade de ocorrência de hiperalgesia no pós-operatório imediato.3030 Sivak EL, Davis PJ. Review of the efficacy and safety of remifentanil for the prevention and treatment of pain during and after procedures and surgery. Local Reg Anesth. 2010;3:35-43. Para obviar esse problema, foi implementado esquema analgésico que incluiu metadona, dipirona e cetorolaco (analgesia multimodal). Particular atenção foi dada a metadona pela sua ação como antagonista de receptor NMDA.3131 Ramasubbu C, Gupta A. Pharmacological treatment of opioid-induced hyperalgesia: a review of the evidence. J Pain Palliat Care Pharmacother. 2011;25:219-30.,3232 Kharasch E. Intraoperative methadone: rediscovery, reappraisal, and reinvigoration? Anesth Analg. 2011;112:13-6. E esse esquema se mostrou satisfatório no controle da dor pós-operatória.

Conclusão

Como a prevalência de obesidade está aumentando entre gestantes, mais pacientes serão submetidas a parto cesariano. E muitas gestantes, por vários motivos, irão requerer anestesia geral para o parto. A equipe multidisciplinar deve levar em conta os aspectos anatômicos, fisiológicos e clínicos particulares dessas pacientes, para o melhor controle perioperatório possível, visando à pronta recuperação dessas e à preservação da integridade de seus recém-nascidos.

  • Local do estudo: Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá, MT, Brasil.

References

  • 1
    World Health Organization [Internet]. Obesity and overweight. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/index.html [Update in March 2011].
    » http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/index.html
  • 2
    Mission JF, Marshall NE, Caughey AB. Obesity in pregnancy: a big problem and getting bigger. Obstet Gynecol Surv. 2013;68:389-99.
  • 3
    Kominiarek MA, Vanveldhuisen P, Hibbard J, et al. The maternal body mass index: a strong association with delivery route. Am J Obstet Gynecol. 2010;203:264, e1-7.
  • 4
    El-Chaar D, Finkelstein SA, Tu X, et al. The impact of increasing obesity class on obstetrical outcomes. J Obstet Gynaecol Can. 2013;35:224-33.
  • 5
    Magann EF, Doherty DA, Sandlin AT, et al. The effects of an increasing gradient of maternal obesity on pregnancy outcomes. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2013;53:250-7.
  • 6
    Bamgbade OA, Khalaf WM, Ajai WM, et al. Obstetric anaesthesia outcome in obese and non-obese parturients undergoing caesarean delivery: an observational study. Int J Obstet Anesth. 2009;18:221-5.
  • 7
    Nani FS, Torres ML. Correlation between the body mass index (BMI) of pregnant women and the development of hypotension after spinal anesthesia for cesarean section. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:21-30.
  • 8
    Quinn AC, Milne D, Columb M, et al. Failed tracheal intubation in obstetric anaesthesia: 2 yr national case-control study in the UK. Br J Anaesth. 2013;110:74-80.
  • 9
    Eduards RK, Cantu J, Biggio JR, et al. The association of maternal obesity with fetal pH and base deficit at cesarean delivery. Obest Gynecol. 2013;122:262-7.
  • 10
    Blomberg M. Maternal obesity, mode of delivery, and neonatal outcome. Obstet Gynecol. 2013;122:50-5.
  • 11
    Marshall NE, Guild C, Cheng YW, et al. Maternal superobesity perinatal outcomes. Am J Obstet Gynecol. 2012;206:417, e1-6.
  • 12
    Hawkins JL, Chang J, Palmer SK, et al. Anesthesia-related maternal mortality in the United States: 1979-2002. Obstet Gynecol. 2011;117:69-74.
  • 13
    Practice Guidelines for Obstetric Anesthesia. An updated report by the American Society of Anesthesiologists task force on obstetric anesthesia. Anesthesiology. 2007;106:843-863.
  • 14
    Simoni RF. Dispositivo útil para intubação traqueal no paciente obeso mórbido/tracheal intubation of morbidly obese patients: a useful device. Rev Bras Anestesiol. 2005;55:256-60.
  • 15
    Hill D. The use of remifentanil in obstetrics. Anesthesiol Clin. 2008;:169-82.
  • 16
    Heesen M, Klohr S, Hofmann T, et al. Maternal and foetal effects of remifentanil for general anaesthesia in parturients undergoing caesarean section: a systematic review and meta-analysis. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:29-36.
  • 17
    Kan RE, Hughes SC, Rosen MA, et al. Intravenous remifentanil: placental transfer, maternal and neonatal effects. Anesthesiology. 1998;88:1467-74.
  • 18
    Pournajafian A, Rokhtabnak F, Kholdbarin A, et al. Comparison of remifentanil and fentanyl regarding hemodynamic changes due to endotracheal intubation in preeclamptic parturient candidate for cesarean delivery. Anesth Pain. 2012;2:90-3.
  • 19
    Gin T, Ngan-kee WD, Siu YK, et al. Alfentanil given immediately before the induction of anesthesia for elective cesarean delivery. Anesth Analg. 2000;90:1167-72.
  • 20
    McClelland SH, Bogod DG, Hardman JG. Pre-oxygenation and apnoea in pregnancy: changes during labour and with obstetric morbidity in a computational simulation. Anaesthesia. 2009;64:371e7.
  • 21
    Noguchi T, Koga K, Shiga Y, et al. The gum elastic bougie eases tracheal intubation while applying cricoid pressure compared to a stylet. Can J Anaesth. 2003;50:712-7.
  • 22
    Martin LD, Mhyre JM, Shanks AM, et al. 3,423 Emergency tracheal intubations at a University Hospital, Airway outcomes and complications. Anesthesiology. 2011;114:42-8.
  • 23
    Bell J, Bell S, Vahratian A, et al. Abdominal surgical incisions and perioperative morbidity among morbidly obese women undergoing cesarean delivery. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2011;154:16-9.
  • 24
    Wall PD, Deucy EE, Glantz JC, et al. Vertical skin incisions and wound complications in the obese parturient. Obstet Gynecol. 2003;102:952-6.
  • 25
    Alanis MC, Villers MS, Law TL, et al. Complications of cesarean delivery in the massively obese parturient. Am J Obstet Gynecol. 2010;203:271.
  • 26
    Brocato BE, Thorpe EM, Gomez LM, et al. The effect of cesarean delivery skin incision approach in morbidly obese women on the rate of classical hysterotomy. Pregnancy. 2013;2013:890296.
  • 27
    Conner SN, Tuuli MG, Longman RE, et al. Impact of obesity on incision-to-delivery interval and neonatal outcomes at cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2013;209:386, e1-6.
  • 28
    American College of Obstetricians and Gynecologists. Committee opinion no. 465: antimicrobial prophylaxis for cesarean delivery: timing of administration. Obstet Gynecol. 2010;116:791-2.
  • 29
    Baaqeel H, Baaqeel R. Timing of administration of prophylactic antibiotics for caesarean section: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2013;120:661-9.
  • 30
    Sivak EL, Davis PJ. Review of the efficacy and safety of remifentanil for the prevention and treatment of pain during and after procedures and surgery. Local Reg Anesth. 2010;3:35-43.
  • 31
    Ramasubbu C, Gupta A. Pharmacological treatment of opioid-induced hyperalgesia: a review of the evidence. J Pain Palliat Care Pharmacother. 2011;25:219-30.
  • 32
    Kharasch E. Intraoperative methadone: rediscovery, reappraisal, and reinvigoration? Anesth Analg. 2011;112:13-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2014
  • Aceito
    06 Maio 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org