Acessibilidade / Reportar erro

Inserção de máscara laríngea ProSeal™ em paciente acordado como opção para intubação por meio de fibra óptica para o manejo de via aérea difícil prevista em cirurgia ambulatorial

Resumo

Justificativa e objetivo

A decisão quanto ao manejo de paciente ambulatorial com via aérea difícil previamente diagnosticada com o uso de dispositivo supraglótico permanece controversa. Relatamos o caso de inserção de máscara laríngea ProSeal™ em paciente acordado, com via aérea difícil prevista, agendado para cirurgia ambulatorial.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 46 anos, programada para cirurgia de ressecção de nódulo de mama com alta hospitalar no mesmo dia. A história anestésica incluía uma intubação impossível, com o cancelamento da cirurgia e posterior intubação com o uso de fibroscópio, com a paciente acordada. A paciente relatou que ficou emocionalmente abalada com a experiência anterior e recusou essa abordagem. Considerando essa experiência anterior, uma abordagem das vias aéreas com a paciente acordada e o uso de uma máscara laríngea ProSeal™ foi planejada, após se explicar o procedimento para a paciente e tranquilizá-la. Após topicalização adequada, uma máscara laríngea (LMA ProSeal™) de tamanho 4 foi inserida com sucesso depois de duas tentativas e a permeabilidade foi confirmada por capnografia. A anestesia foi induzida por via intravenosa e a cirurgia foi feita sem intercorrências.

Conclusão

Descrevemos uma estratégia opcional viável para a intubação em uma paciente acordada com via aérea difícil previamente diagnosticada submetida a cirurgia ambulatorial. Nessa situação clínica específica, quando a intubação traqueal é considerada desnecessária, a via aérea supraglótica em paciente acordado pode permitir uma ventilação adequada e seu uso deve ser considerado.

PALAVRAS-CHAVE
Vias aéreas difícil; Procedimentos Cirúrgicos Ambulatoriais; Máscaras Laríngeas

Abstract

Background and objectives

The decision whether to manage an ambulatory patient with a previously documented difficult airway with a supraglottic device remain controversial. We report an awake insertion of a Laryngeal Mask Airway Proseal™ in a patient with known difficult airway scheduled for ambulatory surgery.

Case report

A 46-yr-old woman was programmed as a day case surgery for breast nodule resection. Her anesthetic record included an impossible intubation with cancelation of surgery and subsequent awake fibroscopic intubation. She reported emotional distress with the previous experience and declined this approach. In view of the previous experience, an awake airway control with a Laryngeal Mask Airway Proseal™ was planned after explaining and reassuring the patient. After adequate topicalisation, a size 4 Laryngeal Mask Airway Proseal™ was successfully inserted after two attempts, and their patency was confirmed by capnography. Anesthesia was induced intravenously and the surgery was uneventful.

Conclusion

We describe a feasible alternative strategy to awake intubation in a patient with known difficult airway undergoing ambulatory surgery. In this specific clinical situation, if tracheal intubation is deemed unnecessary, awake supraglottic airway might allow adequate ventilation and their use should be considered.

KEYWORDS
Difficult airway; Ambulatory surgery; Laryngeal Mask Airway

Introdução

A máscara laríngea (ML) é um dispositivo bem estabelecido para ventilação na maioria dos pacientes adultos e pediátricos e o seu uso em anestesia ambulatorial é cada vez mais frequente como parte dos procedimentos cirúrgicos ambulatoriais típicos.11 Luba K, Cutter TW. Supraglottic airway devices in the ambulatory setting. Anesthesiol Clin. 2010;28:295-314. O número de pacientes que se apresentam para cirurgias ambulatoriais com via aérea difícil pré-diagnosticada está aumentando.22 Bryson GL, Chung F, Cox RG, et al. Patient selection in ambulatory anesthesia an evidence-based review: part II. Can J Anaesth. 2004;51:782-94. Nessa situação clínica específica, quando a intubação traqueal é considerada desnecessária, a via aérea supraglótica em paciente acordado pode permitir uma ventilação adequada. Drolet propôs a inserção do dispositivo supraglótico sob anestesia com sevoflurano e a manutenção da ventilação espontânea, caso sua eficácia seja incerta, após avaliação cuidadosa do paciente.33 Drolet P. Management of the anticipated difficult airway - a systematic approach: continuing professional development. Can J Anaesth. 2009;56:683-701.

Relatamos a inserção bem-sucedida de uma ML (LMA Proseal™, Laryngeal Mask Company Limited, Singapore) em paciente acordada com via aérea difícil previamente diagnosticada submetida a cirurgia de mama em nossa unidade ambulatorial. A paciente assinou o termo de consentimento informado para a publicação deste artigo.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 46 anos, 100 kg, IMC 36,51 kg.m-2, com nódulo na mama, programada para cirurgia de ressecção do nódulo com alta hospitalar no mesmo dia. A história pregressa incluía esclerose tuberosa, epilepsia e hipotireoidismo em tratamento. A história anestésica incluía uma intubação impossível para mastectomia prévia, que foi cancelada e posteriormente feita com intubação via fibroscópio, com a paciente acordada. Além disso, apresentava características sugestivas de via aérea potencialmente difícil, incluindo Mallampati Classe III, distância tireomentoniana de 4 cm, circunferência do pescoço > 40 cm e Classe no teste da mordida do lábio superior. Relatou distúrbio emocional considerável com a experiência anterior de intubação com laringoscópio de fibra óptica e recusou essa abordagem. Também rejeitou a possibilidade de fazer o procedimento sob anestesia local. Por causa da experiência negativa anterior, oferecemos-lhe a opção do uso de uma máscara laríngea ProSeal com anestesia tópica e sedação leve e obtivemos o seu consentimento. Nosso plano opcional para a inserção da máscara foi fazer a intubação traqueal com a paciente acordada, com o uso de Airtraq ou fibroscópio. Um cateter Aintree (guia bougie) foi preparado para o caso de falha de ventilação durante o procedimento.

Para melhorar a eficácia do anestésico local foi usada como um antisialogogo atropina intravenosa (0,6 mg), seguida por 4 mL de lidocaína a 4%, administrados via máscara de nebulização. Após a pré-oxigenação, a paciente foi sedada com midazolam (0,03 mg.kg-1) e a orofaringe foi subsequentemente pulverizada com lidocaína a 10%. Pedimos à paciente para abrir a boca e projetar a língua; em seguida, uma ML ProSeal de tamanho 4 foi suavemente avançada com o manguito totalmente desinflado. Um reflexo de vômito moderado ocorreu durante a primeira tentativa e uma segunda tentativa foi feita. Pediu-se à paciente que engolisse enquanto a máscara era suavemente avançada para dentro da hipofaringe pelo anestesiologista. O manguito foi insuflado e a máscara conectada ao circuito respiratório. A permeabilidade das vias aéreas foi confirmada por capnografia e observação do movimento regular da bolsa reservatório. A paciente tolerou bem o procedimento e manteve a respiração espontânea sem apresentar dessaturação de oxigênio. A anestesia foi induzida por via intravenosa com propofol e remifentanil e uma sonda orogástrica 16 French foi facilmente introduzida através do tubo de drenagem da ML ProSeal. Um broncoscópio de fibra óptica foi inserido através do lume da ML e revelou uma epiglote em forma de ômega. O procedimento foi feito por um anestesista com experiência no manejo de dispositivos supraglóticos. O tempo de cirurgia foi de 45 minutos, sem intercorrências. Quando a paciente recuperou a consciência plena, a ML ProSeal foi removida com sucesso. Na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA), a paciente estava calma e negou sentir desconforto durante o procedimento. A paciente recebeu alta três horas após a cirurgia. Na 24a hora pós-cirurgia, fizemos a entrevista de rotina por telefone e a paciente declarou estar muito satisfeita com o procedimento anestésico.

Discussão

A decisão quanto ao manejo de paciente ambulatorial com via aérea difícil previamente diagnosticada com o uso de dispositivo supraglótico permanece controversa, apesar da eficácia comprovada da ML para resgatar a ventilação em casos imprevisíveis de via aérea difícil. Muitos fatores influenciam a decisão: a causa da via aérea difícil, o tipo e a duração da cirurgia, a experiência do profissional e, finalmente, as preferências do paciente.33 Drolet P. Management of the anticipated difficult airway - a systematic approach: continuing professional development. Can J Anaesth. 2009;56:683-701.

No caso apresentado, abordamos uma via aérea difícil previamente diagnosticada em uma paciente com várias características anatômicas relacionadas ao manejo difícil das vias aéreas. Anestesia local ou regional poderia ter sido uma escolha razoável, mas a paciente rejeitou ambas as opções. A fibrobroncoscopia em paciente acordado é recomendada para pacientes com via aérea difícil diagnosticada ou prevista, mas um dispositivo supraglótico poderia ser uma primeira opção razoável no contexto de cirurgia ambulatorial, a depender de vários fatores.33 Drolet P. Management of the anticipated difficult airway - a systematic approach: continuing professional development. Can J Anaesth. 2009;56:683-701.

4 Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013;118:251-70.
-55 García-Aguado R, Charco Mora P, Cortiñas Díaz J, et al. Recommendations for managing the difficult airway using supraglottic devices in the adult patient undergoing ambulatory surgery. Rev Esp Anestesiol Reanim. 2010;57:439-53. Em nosso caso, previmos uma duração curta do procedimento, o posicionamento convencional da paciente em supinação durante a cirurgia e uma cirurgia rotineiramente controlada com ventilação supraglótica em nosso departamento.

Não há critérios claros para prever o sucesso ou o fracasso com o uso de dispositivos supraglóticos, exceto em situações de abertura de boca muito limitada ou anomalias anatômicas.66 Brimacombe JR, editor. Laryngeal mask anesthesia. Principles and practice. 2nd ed. Philadelphia: Saunders, Elselvier Limited;2005. Recentemente, um estudo retrospectivo observacional, com 15.795 pacientes e uso de máscaras laríngeas Unique™ (uLMA), relatou vários preditivos de fracasso da função da uLMA. O fracasso da uLMA foi definido como qualquer evento agudo das vias aéreas que ocorresse entre a inserção da máscara e a conclusão do procedimento cirúrgico, que exigia a remoção da uLMA e colocação de tubo endotraqueal de resgate. Os autores relataram uma incidência de fracasso da uLMA de 1,1% e quatro preditivos independentes de fracasso: rotação no intraoperatório da mesa cirúrgica, sexo masculino, má dentição e índice de massa corporal aumentado.77 Ramachandran SK, Mathis MR, Tremper KK, et al. Predictors and clinical outcomes from failed Laryngeal Mask Airway Unique™: a study of 15,795 patients. Anesthesiology. 2012;116:1217-26. Em nosso caso, o escore 3-4 de Mallampati, a distância tireomentoniana reduzida e o pescoço grosso da paciente não foram preditivos de fracasso da uLMA. Esses resultados são consistentes com estudos anteriores e mostraram que não existe correlação entre fatores anatômicos e/ou técnicos que tornam a ventilação via máscara e a intubação traqueal guiada por laringoscópio difícil e fácil a inserção e a função da uLMA.66 Brimacombe JR, editor. Laryngeal mask anesthesia. Principles and practice. 2nd ed. Philadelphia: Saunders, Elselvier Limited;2005.,88 Berry AM, Brimacombe JR, McManus KF, et al. An evaluation of the factors influencing selection of the optimal size of laryngeal mask airway in normal adults. Anaesthesia. 1998;53:565-70.,99 Keller C, Brimacombe J, Kleinsasser A, et al. The Laryngeal Mask Airway ProSeal(TM) as a temporary ventilatory device in grossly and morbidly obese patients before laryngoscope-guided tracheal intubation. Anesth Analg. 2002;94:737-40. Nossa paciente apresentava um IMC elevado de 36,51 kg.m-2; no entanto, em contraste com o estudo mencionado, não observamos dificuldades durante a inserção ou função da ML ProSeal. Além disso, vários estudos e relatos de casos demonstraram a adequação da ML ProSeal para pacientes obesos mórbidos.99 Keller C, Brimacombe J, Kleinsasser A, et al. The Laryngeal Mask Airway ProSeal(TM) as a temporary ventilatory device in grossly and morbidly obese patients before laryngoscope-guided tracheal intubation. Anesth Analg. 2002;94:737-40. Contudo, até o momento não há estudos que relatem os preditivos clínicos de fracasso da ML ProSeal e não sabemos se esses preditivos são semelhantes aos refletidos com o uso de outras máscaras laríngeas.

Para manter a segurança da paciente, decidimos fazer a inserção com a paciente acordada e garantir que a ventilação adequada fosse obtida antes da indução da anestesia. Há relatos de que a inserção de ML e CTrach para intubação com o paciente acordado é fácil e bem tolerada em diferentes condições de via aérea difícil e ajuda no manejo bem-sucedido, enquanto mantém a respiração espontânea.1010 Shung J, Avidan MS, Ing R, et al. Awake intubation of the difficult airway with the intubating laryngeal mask airway. Anaesthesia. 1998;53:645-49.

11 López AM, Valero R, Pons M, et al. Awake intubation using the LMA-CTRACH in patients with difficult airways. Anaesthesia. 2009;64:387-91.

12 Wender R, Goldman AJ. Awake insertion of the fibreoptic intubating LMA CTrach in three morbidly obese patient with potentially difficult airway. Anaesthesia. 2007;62:948-51.
-1313 Brimacombe J, Keller C. Awake fibreoptic-guided insertion of the ProSeal Laryngeal Mask Airway. Anaesthesia. 2002;57:719. Nosso caso é porque escolhemos a ML ProSeal para ventilação como primeira opção, pois consideramos que se tratava de um procedimento ambulatorial geralmente feito em nossa unidade com dispositivos supraglóticos. Como medida de segurança, mantivemos prontamente disponíveis equipamentos ventilatórios adicionais e deixamos o tubo gástrico in situ, porque o tubo pode ser usado para guiar o retorno da ML à posição, em caso de deslocamento.55 García-Aguado R, Charco Mora P, Cortiñas Díaz J, et al. Recommendations for managing the difficult airway using supraglottic devices in the adult patient undergoing ambulatory surgery. Rev Esp Anestesiol Reanim. 2010;57:439-53.

Consideramos que a decisão de prosseguir com a inserção com o paciente acordado e que a manutenção da ML ProSeal em paciente ambulatorial com via aérea difícil devem ser baseadas na experiência pessoal de avaliação das vias aéreas e no conhecimento prático dos dispositivos supraglóticos.

Os pacientes com via aérea difícil diagnosticada submetidos a cirurgia ambulatorial podem se beneficiar da inserção de uma ML ProSeal com o paciente acordado, sempre que usarmos uma abordagem sistemática e tivermos um plano de resgate bem predefinido.

References

  • 1
    Luba K, Cutter TW. Supraglottic airway devices in the ambulatory setting. Anesthesiol Clin. 2010;28:295-314.
  • 2
    Bryson GL, Chung F, Cox RG, et al. Patient selection in ambulatory anesthesia an evidence-based review: part II. Can J Anaesth. 2004;51:782-94.
  • 3
    Drolet P. Management of the anticipated difficult airway - a systematic approach: continuing professional development. Can J Anaesth. 2009;56:683-701.
  • 4
    Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013;118:251-70.
  • 5
    García-Aguado R, Charco Mora P, Cortiñas Díaz J, et al. Recommendations for managing the difficult airway using supraglottic devices in the adult patient undergoing ambulatory surgery. Rev Esp Anestesiol Reanim. 2010;57:439-53.
  • 6
    Brimacombe JR, editor. Laryngeal mask anesthesia. Principles and practice. 2nd ed. Philadelphia: Saunders, Elselvier Limited;2005.
  • 7
    Ramachandran SK, Mathis MR, Tremper KK, et al. Predictors and clinical outcomes from failed Laryngeal Mask Airway Unique™: a study of 15,795 patients. Anesthesiology. 2012;116:1217-26.
  • 8
    Berry AM, Brimacombe JR, McManus KF, et al. An evaluation of the factors influencing selection of the optimal size of laryngeal mask airway in normal adults. Anaesthesia. 1998;53:565-70.
  • 9
    Keller C, Brimacombe J, Kleinsasser A, et al. The Laryngeal Mask Airway ProSeal(TM) as a temporary ventilatory device in grossly and morbidly obese patients before laryngoscope-guided tracheal intubation. Anesth Analg. 2002;94:737-40.
  • 10
    Shung J, Avidan MS, Ing R, et al. Awake intubation of the difficult airway with the intubating laryngeal mask airway. Anaesthesia. 1998;53:645-49.
  • 11
    López AM, Valero R, Pons M, et al. Awake intubation using the LMA-CTRACH in patients with difficult airways. Anaesthesia. 2009;64:387-91.
  • 12
    Wender R, Goldman AJ. Awake insertion of the fibreoptic intubating LMA CTrach in three morbidly obese patient with potentially difficult airway. Anaesthesia. 2007;62:948-51.
  • 13
    Brimacombe J, Keller C. Awake fibreoptic-guided insertion of the ProSeal Laryngeal Mask Airway. Anaesthesia. 2002;57:719.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2014
  • Aceito
    19 Mar 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org