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Parotidite bilateral em paciente sob tratamento com pressão positiva contínua das vias aéreas

Resumo

Justificativa e objetivos:

Muitas condições podem causar parotidite, incluindo doenças infecciosas virais e bacterianas, obstrução mecânica por causa da presença de ar, cálculos e medicamentos. Apresentamos um caso de parotidite bilateral incomum em um paciente sob tratamento com pressão positiva contínua não invasiva das vias aéreas (PPCVA) para exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica em unidade de terapia intensiva.

Relato de caso:

Paciente de 36 anos, internado em unidade de terapia intensiva com diagnóstico de exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica. Antibioterapia, terapia broncodilatadora e ventilação com pressão positiva não invasiva foram aplicadas como regime de tratamento. No terceiro dia de internação, inchaços indolores desenvolveram‐se à direita da glândula parótida e, depois, à esquerda. Os níveis de amilase aumentaram e o exame ultrassonográfico revelou parotidite bilateral. Nenhuma intervenção foi feita e o tratamento foi continuado. O paciente recebeu alta no sexto dia, com melhoria clínica e regressão do inchaço da parótida, sem complicações.

Conclusões:

A parotidite pode ter ocorrido após o fluxo retrógrado de ar do duto de Stensen durante a aplicação de PPCVA. Após a exclusão de possíveis etiologias virais e bacteriológicas e possíveis reações medicamentosas, podemos focar no diagnóstico.

PALAVRAS-CHAVE
Parotidite; Parotidite bilateral; Pneumoparotidite; Pressão positiva contínua das vias aéreas

Abstract

Background and objectives:

Many conditions such as bacterial and viral infectious diseases, mechanical obstruction due to air and calculi and drugs can cause parotitis. We present a case of unusual bilateral parotitis in a patient under non-invasive continuous positive airway pressure (CPAP) therapy for chronic obstructive pulmonary disease exacerbation in intensive care unit.

Case report:

A 36-year-old patient was admitted to intensive care unit with the diagnosis of chronic obstructive pulmonary disease exacerbation. Antibiotherapy, bronchodilator therapy and non-invasive positive pressure ventilation were applied as treatment regimen. Painless swellings developed on the 3rd day of admission on the right and a day after this on the left parotid glands. Amylase levels were increased and ultrasonographic evaluation revealed bilateral parotitis. No intervention was made and the therapy was continued. The patient was discharged on the 6th day with clinical improvement and regression of parotid swellings without any complications.

Conclusions:

Parotitis may have occurred after retrograde air flow in the Stensen duct during CPAP application. After the exclusion of possible viral and bacteriological etiologies and possible drug reactions we can focus on this diagnosis.

KEYWORDS
Parotitis; Bilateral parotitis; Pneumoparotitis; Continuous positive airway pressure

Introdução

Parotidite é uma das condições mais comumente encontradas entre as afecções não neoplásicas das glândulas salivares.11 Arduino PG, Carrozzo M, Pentenero M, et al. Non-neoplastic salivary gland diseases. Minerva Stomatol. 2006;55:249-270. Caxumba, outras infecções virais e bacterianas, cálculos do duto, doença de Sjögren e reações medicamentosas podem fazer parte da lista dos fatores que contribuem para a parotidite aguda.22 Ray CG. Mumps. In: Wilson JD, Braunwal DE, Isselbacher KJ,et al., editors. Harrison’s principles of internal medicine. 12thed. New York: McCraw-Hill Inc.; 1991. p. 717-20. Uma das causas mais comuns é o uso de iodo e de medicamentos que contêm iodo, como os agentes de contraste. A parotidite relacionada ao iodo é denominada iodismo (caxumba por iodo).33 Katy J, Mannary Y, Azaz B. “Iodide mumps” following parotid sialography case reports. J Oral Med. 1986;41:149-151.,44 Wylie EI, Mitchell DB. Iodide mumps following intravenous urography with iopamidol. Clin Rarfiol. 1991;43:135-136. Além do iodo, outros medicamentos também podem desencadear a parotidite. Dentre eles podemos citar: fenilbutazona, oxifenbutazona, clometiazol, metimazol, epinefrina, naproxeno, antipsicóticos fenotiazínicos (p.ex., promazina e tioridazina), clozapina, inseticidas organofosforados, l‐asparaginase, citarabina, bloqueadores de H-2 (p.ex., famotidina, cimetidina, ranitidina), alfainterferona, trimipramina, metildopa, nifedipina, nicardipina, isoproterenol, ritodrina, inibidores da ECA (p.ex., captopril, ramipril, enalapril), antibióticos (p.ex., cefuroxima, doxiciclina, minociclina, nitrofurantoína, sulfadiazina, sulfametoxazol e trimetoprima).55 Thompson DF. Drug-induced parotitis. J Clin Pharm Ther. 1993;18:255-258.,66 Brooks KG, Thompson DF. A review and assessment of drug-induced parotitis. Ann Pharmacother. 2012;46:1688-1699.

Apresentamos um caso de parotidite bilateral em paciente sob tratamento com pressão positiva contínua das vias aéreas (PPCVA) não invasiva para exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em unidade de terapia intensiva.

Relato de caso

Paciente de 36 anos, com bronquiectasia congênita, foi internado em unidade de terapia intensiva com diagnóstico de DPOC. Antibioticoterapia, terapia broncodilatadora e ventilação não invasiva com pressão positiva foram aplicadas como regime de tratamento. No terceiro dia de internação, inchaços indolores desenvolveram‐se à direita da glândula parótida e, depois, à esquerda. O exame de ultrassom (US) revelou parotidite. No segundo e no quarto dia de inchaço da glândula, os níveis sanguíneos de amilase eram de 197 e 3.010 U.L–1, respectivamente. ElisaclassicVírus da Caxumba revelou IgM(–) e IgG(+). A terapia medicamentosa do paciente consistiu em ranitidina IV: 1 x 50 mg; ampicilina + sulbactam IV: 4 x 1 g; claritromicina IV: 2 x 500 mg; acetilcisteína IV: 2 x 600 mg; metilprednisolona IV: 2 x 40 mg; brometo de ipratrópio inalatório: 4 x 0,5 mg; salbutamol inalatório: 4 x 2,5 mg e budesonida inalatória: 2 x 0,25 mg. O paciente recebeu alta no sexto dia, com melhoria clínica e regressão do inchaço da parótida, sem qualquer complicação. Após 10 dias, o paciente voltou à policlínica para exames de controle; o nível sanguíneo de amilase era de 125 U.L–1 e o US da parótida revelou parotidite leve bilateralmente. O tratamento medicamentoso para DPOC foi ajustado e o paciente foi enviado para casa com recomendações.

Discussão

Os mecanismos etiológicos da parotidite incluem trauma mecânico, infecção, reações de hipersensibilidade, obstrução dos ductos da parótida com cálculos, ar e secreções espessas, estimulação parassimpática, relaxamento da musculatura e reações a medicamentos (tipo A e tipo B).77 Kiran S, Lamba A, Chhabra B. Acute pansialadenopathy during induction of anesthesia causing airway obstruction. Anesth Analg. 1997;85:1052-1053.,88 Gislon Da Silva RM. Captopril-induced bilateral parotid and submandibular sialadenitis. Eur J Clin Pharmacol. 2004;60:449-453. Nosso paciente apresentava alguns desses fatores de risco. Com ranitidina, medicamento que o paciente usava, há relatos de parotidite induzida pelo medicamento.99 Tomasko MA, Luskin AT. Recurrent parotitis with H2 receptor antagonists in a patient with Sjogren's syndrome. Am J Med. 1988;85:271.,1010 Caraman PL, Netter P, Semin-Cosson AM, et al. Recurrent parotitis with H2 receptor antagonists (letter). Lancet. 1986;2:1455-1456. Os pacientes se recuperaram com a descontinuação do medicamento, enquanto nosso paciente usou o medicamento durante todo o período de internação. Não obstante, se recuperou espontaneamente. Além disso, não apresentou febre, erupções ou eosinofilia que nos teria alertado para reação adversa ao medicamento. A Escala de Probabilidade de Naranjo Modificada pode ser usada para estabelecer o diagnóstico de parotidite induzida por medicamentos.66 Brooks KG, Thompson DF. A review and assessment of drug-induced parotitis. Ann Pharmacother. 2012;46:1688-1699.

Além disso, o aumento da pressão na cavidade oral, por causa da pressão positiva das vias aéreas usada como regime de tratamento, pode ter causado o movimento retrógrado do ar no duto de Stensen e obstrução e isso pode ter resultado em parotidite. Akcaboy et al. e Baykal et al. responsabilizaram o fluxo retrógrado de ar para a glândula parótida e o aumento da pressão intraoral pelo desenvolvimento de parotidite pós‐operatória.1111 Akcaboy EY, Akcaboy ZN, Alkan H, et al. “Anesthesia mumps” after electroconvulsive therapy anesthesia. J ECT. 2011;27:e21-e22.,1212 Baykal M, Karapolat S. A case of anesthesia mumps after general anesthesia (letter). Acta Anaesthesiol Scand. 2009;53:138. A condição associada à inflamação da glândula parótida, por causa do fluxo retrógrado de ar no duto parotídeo, é denominada pneumoparotidite. Essa condição é caracterizada por inchaço indolor e crepitações.1313 Kaya C, Sekban N, Öztürk S, et al. Postoperatif Parotitis; Olgu Sunumu Eşliğinde Literatüre Genel Bir Bakış. Turkiye Klinikleri J Anest Reanim. 2013;11:79-82.,1414 Luaces R, Ferreras J, Patino B, et al. Pneumoparotid: a case report and review of the literature. J Oral Maxillofac Surg. 2008;66:362-365. As razões podem ser listadas como hábito de inflar as bochechas, ataques de tosse na exacerbação da asma, tensão e tosse durante a anestesia, condições como o aumento da pressão intraoral, instrumentações odontológicas, insuflação de balão e tocar instrumento de sopro.1414 Luaces R, Ferreras J, Patino B, et al. Pneumoparotid: a case report and review of the literature. J Oral Maxillofac Surg. 2008;66:362-365. Nosso paciente foi submetido à pressão positiva contínua como regime de tratamento. Isso pode ter tido associação com pneumoparotidite por causa do aumento da pressão intraoral. Ambas as glândulas parótidas do paciente apresentaram inchaço indolor, mas crepitação não foi determinada. O exame de US não revelou a presença de ar, mas um exame detalhado para determinar a presença de ar não foi feito. O exame de tomografia computadorizada teria demonstrado resultados mais claros.

A parotidite unilateral é geralmente causada por obstrução do duto, enquanto a parotidite bilateral é mais comumente atribuída a uma doença sistêmica.1515 Gershon A. Mumps. In: Fauci AS, Braunwald E, Kasper DL, et al.,editors. Harrison’s principles of internal medicine. 17th ed. NewYork: McGraw-Hill; 2008. p. 1220-1. Sugerimos obstrução do duto de Stensen com o ar, em vez de doença sistêmica, como o fator etiológico provável em nosso paciente. A parotidite bilateral resultante de obstrução do ducto é uma situação bastante incomum. Além disso, não há relato de parotidite após PPCVA na literatura.

Não investigamos as razões bacteriológicas e virológicas para parotidite, exceto caxumba, em nosso paciente. Esses fatores deveriam ter sido considerados.

A parotidite pode ocorrer após o fluxo retrógrado de ar no duto de Stensen durante a aplicação da PPCVA. Após a exclusão de outras etiologias virais e bacteriológicas possíveis, em conjunto com testes de detecção de anticorpos IgG e IgM e possíveis reações a medicamentos, podemos nos concentrar nesse diagnóstico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2014
  • Aceito
    6 Maio 2014
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