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Pneumotórax de tensão durante miotomia endoscópica por via oral para tratamento de megaesôfago sob anestesia geral

Resumo

Cada vez mais os procedimentos gastrointestinais feitos por endoscopia, tais como a miotomia endoscópica por via oral (MEVO), exigem anestesiologistas para administrar anestesia geral. A MEVO é um novo tratamento invasivo para o distúrbio de motilidade primária do esôfago, denominado acalasia esofágica (AE). Apesar de sua característica minimamente invasiva, existem complicações durante o procedimento que evoluem para condições críticas e de risco à vida. Descrevemos aqui um caso de pneumotórax hipertensivo após a ruptura do esôfago durante uma MEVO. O tratamento de emergência da complicação é relatado em detalhes. Os pontos cruciais da anestesia geral para pacientes submetidos à MEVO são enfatizados e discutidos. Além disso, as complicações mencionadas pela literatura nos períodos intraoperatório e pós-operatório são integradas ao texto.

PALAVRAS-CHAVE
Miotomia endoscópica por via oral; Pneumotórax hipertensivo; Acalasia esofágica; Anestesia geral

Abstract

More and more endoscopically gastrointestinal procedures require anesthesiologists to perform general anesthesia, such as "peroral endoscopic myotomy". Peroral endoscopic myotomy is a novel invasive treatment for the primary motility disorder of esophagus, called esophageal achalasia. Despite of its minimally invasive feature, there are still complications during the procedure which develop to critical conditions and threat patients’ lives. Herein we describe a case about tension pneumothorax subsequent to esophageal rupture during peroral endoscopic myotomy. The emergent management of the complication is stated in detail. The pivotal points of general anesthesia for patients undergoing peroral endoscopic myotomy are emphasized and discussed. Also, intraoperative and post-operative complications mentioned by literature are integrated.

KEYWORDS
Peroral endoscopic myotomy; Tension pneumothorax; Esophageal achalasia; General anesthesia

Introdução

Na era da cirurgia gastrointestinal minimamente invasiva, muitos procedimentos, como a esofagogastroduodenoscopia, dependem de anestesiologistas para fornecer diferentes graus de sedação ou anestesia. A miotomia endoscópica por via oral (MEVO) é um novo tratamento para a acalasia esofágica (AE), cujos ensaios clínicos renderam bons resultados.11 Verlaan T, Rohof WO, Bredenoord AJ, et al. Effect of peroral endoscopic myotomy on esophagogastric junction physiology in patients with achalasia. Gastrointest Endosc. 2013;78:39-44.,22 Von Renteln D, Fuchs KH, Fockens P, et al. Peroral endoscopic myotomy for the treatment of achalasia: an international prospective multicenter study. Gastroenterology. 2013;145:309-11. A anestesia geral geralmente oferece uma melhor cooperação e complacência quando o cirurgião manipula o esôfago com um endoscópio e também elimina o desconforto intestinal no perioperatório devido à insuflação de gás. Além disso, a ventilação por pressão positiva com intubação endotraqueal proporciona uma melhor mecânica respiratória sob o aumento da pressão intra-abdominal gerado pelo gás insuflado. No entanto, complicações decorrentes da intervenção cirúrgica podem ocorrer; por exemplo, pneumotórax, enfisema mediastinal, enfisema subcutâneo e pneumoperitônio.33 Ren Z, Zhong Y, Zhou P, et al. Perioperative management and treatment for complications during and after peroral endoscopic myotomy (POEM) for esophageal achalasia. Surg Endosc. 2012;26:3267-72.,44 Li QL, Zhou PH, Yao LQ, et al. Early diagnosis and management of delayed bleeding in the submucosal tunnel after peroral endoscopic myotomy for achalasia (with video). Gastrointest Endosc. 2013;78:370-4. Essas complicações podem evoluir para condições críticas. No presente artigo, relatamos o caso de uma paciente que desenvolveu pneumotórax hipertensivo durante uma MEVO sob anestesia geral.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino previamente saudável, 56 anos, 155 cm de altura, 48 kg de peso, agendada para miotomia endoscópica por via oral para acalasia esofágica recém-diagnosticada. Seus exames laboratoriais estavam normais. A paciente foi mantida em jejum oral de 8 horas. Os sinais vitais iniciais na sala de cirurgia eram pressão arterial de 151 × 68 mmHg, com frequência cardíaca de 78 bpm e saturação de 95%. Durante a indução da anestesia geral, pré-oxigenação com 100% de oxigênio via máscara facial foi feita por 5 minutos, seguida de 100 mcg de fentanil, 120 mg de propofol e 20 mg de lidocaína por via intravenosa (IV). A técnica de sequência rápida foi aplicada com pressão cricoide após a administração de 35 mg de rocurônio. A intubação endotraqueal nasal foi bem-sucedida. O pulmão foi ventilado com volume corrente de 10 mL.kg-1 a uma taxa de 10 respirações.min-1. A paciente foi mantida em hemodinâmica estável com sevoflurano. A pressão de platô inicial era de 21 mmHg sob PEEP de 5 mmHg. O endoscópio foi então inserido no esôfago e um túnel submucoso foi criado por mucosectomia com dissecção por ar sem corte. O abdome da paciente estava cada vez mais distendido e gradualmente elevou a pressão das vias aéreas (de 21 mmHg para 30 mmHg) durante as primeiras 2 horas do procedimento. O cirurgião desinflou e evacuou o ar do intestino de modo que a pressão das vias respiratórias diminuiu para 23 mmHg. Na terceira hora seguinte da operação, a pressão de platô rapidamente voltou a subir, chegou a 35 mmHg em 30 minutos, e a dessaturação caiu de 100% para 85%, acompanhada de perda dos sons da respiração do pulmão direito e perda do movimento da parede torácica direita. A percussão torácica direita mostrou hiperressonância. Sua veia jugular estava ingurgitada. Havia enfisema subcutâneo óbvio no rosto, pescoço, nos ombros e na parede torácica. Apresentava taquicardia com FC de 132 bpm e hipotensão com PA de 80 × 55 mmHg. Pneumotórax hipertensivo direito resultante da ruptura esofágica foi diagnosticado imediatamente. O anestesiologista usou descompressão por agulha 16G via segundo espaço intercostal direito. A pressão das vias respiratórias diminuiu para 27 mmHg e a pressão sanguínea voltou ao normal em alguns minutos. Em seguida, um tubo de drenagem torácica foi inserido do lado direito e a saturação da paciente foi restaurada em 100%. O cirurgião completou o tratamento e a paciente foi transferida para a unidade de terapia intensiva (UTI) no fim da operação. Duas horas após a cirurgia, a paciente foi extubada com sucesso na UTI. No terceiro dia de pós-operatório, a paciente desenvolveu mediastinite com empiema à direita e foi submetida a toracotomia para reparação esofágica e decorticação pleural. Nos dias seguintes, sua condição era estável sob a administração de antibióticos. A paciente recebeu alta 10 dias depois.

Discussão

Acalasia esofágica (AE) é um distúrbio da motilidade primária caracterizado pelo aumento do tônus do esfíncter esofágico inferior (EEI) e falta de peristaltismo no esôfago.55 Francis DL, Katzka DA. Achalasia: update on the disease and its treatment. Gastroenterology. 2010;139:369-74. Nos últimos anos, a miotomia endoscópica por via oral (MEVO) tem sido uma nova modalidade terapêutica promissora para a AE. Certamente, complicações diversas da MEVO também foram mencionadas.

O pneumotórax no intraoperatório de MEVO (2,5%) descrito na literatura33 Ren Z, Zhong Y, Zhou P, et al. Perioperative management and treatment for complications during and after peroral endoscopic myotomy (POEM) for esophageal achalasia. Surg Endosc. 2012;26:3267-72. é realmente incomum. Nenhum cenário de pneumotórax hipertensivo durante MEVO foi publicado. O mecanismo dessa complicação em nossa paciente foi majoritariamente devido ao vazamento de gás pela ruptura cirúrgica da pleura mediastinal quando da dissecação da porção torácica do esôfago. O cirurgião escolheu o ar como gás de insuflação para uma melhor distensão e espaço para manipulação. Comparado com o dióxido de carbono, o ar é menos absorvível pela cavidade pleural. Além disso, a ventilação por pressão positiva sob anestesia geral facilitou o desenvolvimento de pneumotórax. Esse foi o motivo da ocorrência de pneumotórax hipertensivo nessa paciente após 2 horas de cirurgia. Evidências comprovam que o uso de ar apresenta uma taxa mais elevada de complicações relacionadas à insuflação de gás do que o uso de dióxido de carbono.33 Ren Z, Zhong Y, Zhou P, et al. Perioperative management and treatment for complications during and after peroral endoscopic myotomy (POEM) for esophageal achalasia. Surg Endosc. 2012;26:3267-72.,66 Cai MY, Zhou PH, Yao LQ, et al. Thoracic CT after peroral endoscopic myotomy for the treatment of achalasia. Gastrointest Endosc. 2014;80:1046-55. Ren et al.33 Ren Z, Zhong Y, Zhou P, et al. Perioperative management and treatment for complications during and after peroral endoscopic myotomy (POEM) for esophageal achalasia. Surg Endosc. 2012;26:3267-72. relataram três casos com drenagem pleural no intraoperatório para pneumotórax no intraoperatório resultante da insuflação de dióxido de carbono. A paciente que descrevemos aqui é o primeiro caso a sofrer choque devido a pneumotórax hipertensivo induzido pela insuflação de ar e foi tratada com descompressão por agulha e drenagem torácica de emergência. Porque, às vezes, aberturas transmurais do esôfago para o mediastino podem ocorrer por razões cirúrgicas.77 von Renteln D, Inoue H, Minami H, et al. Peroral endoscopic myotomy for the treatment of achalasia: a prospective single center study. Am J Gastroenterol. 2012;107:411-7. Ressaltamos a importância da consciência de uma pressão excessivamente elevada das vias aéreas durante MEVO, especialmente se o cirurgião escolher o ar como gás de insuflação de longa duração. Sugerimos uma insuflação mínima do intestino com dióxido de carbono e pressão limitada para minimizar o vazamento de gás. Achados anormais no exame físico, como a diminuição dos sons respiratórios, hiperressonância na percussão torácica e distensão venosa jugular podem indicar a formação de pneumotórax. Quando o pneumotórax hipertensivo (pneumotórax com sinais vitais comprometidos) for considerado, a descompressão imediata deve ser feita sem qualquer evidência de imagem para o resgate imediato da hemodinâmica instável.

As complicações da MEVO no pós-operatório associadas à insuflação de gás e ao vazamento de gás via pequenas rupturas no esôfago incluem pneumotórax, pneumoperitônio, enfisema mediastinal e enfisema subcutâneo. Um estudo detectou diferentes graus de efusão pleural no pós-operatório e atelectasia focal por TC torácica em pacientes tratados por MEVO.66 Cai MY, Zhou PH, Yao LQ, et al. Thoracic CT after peroral endoscopic myotomy for the treatment of achalasia. Gastrointest Endosc. 2014;80:1046-55. A literatura relata essas complicações como comuns, mas não ameaçadoras, e a maioria dos pacientes pode se recuperar com tratamento conservador ou drenagem.33 Ren Z, Zhong Y, Zhou P, et al. Perioperative management and treatment for complications during and after peroral endoscopic myotomy (POEM) for esophageal achalasia. Surg Endosc. 2012;26:3267-72.,66 Cai MY, Zhou PH, Yao LQ, et al. Thoracic CT after peroral endoscopic myotomy for the treatment of achalasia. Gastrointest Endosc. 2014;80:1046-55.

7 von Renteln D, Inoue H, Minami H, et al. Peroral endoscopic myotomy for the treatment of achalasia: a prospective single center study. Am J Gastroenterol. 2012;107:411-7.

8 Sharata AM, Dunst CM, Pescarus R, et al. Peroral endoscopic myotomy (POEM) for esophageal primary motility disorders: analysis of 100 consecutive patients. J Gastrointest Surg. 2015;19:161-70.
-99 Swanström LL, Rieder E, Dunst CM. A stepwise approach and early clinical experience in peroral endoscopic myotomy for the treatment of achalasia and esophageal motility disorders. J Am Coll Surg. 2011;213:751-6. Devemos observar, entretanto, que essas complicações são autolimitadas e podem deteriorar a função respiratória no pós-operatório em pacientes com doenças pulmonares. Uma complicação inesperada, fibrilação atrial, causada pela compressão do átrio esquerdo por hematoma esofágico submucoso, foi relatada por Abdulaziz et al.1010 Saleem AM, Hennessey H, von Renteln D, et al. Atrial fibrillation as an unexpected complication after peroral endoscopic myotomy (POEM): a case report. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2014;24:e196-9.

A paciente que descrevemos aqui apresentava sintomas de plenitude epigástrica e regurgitação de alimentos não digeridos antes da cirurgia. Durante a indução, o risco de aspiração pulmonar foi considerado. A paciente foi submetida à indução em sequência rápida com pressão cricoide. Essa complicação ocorreu durante a anestesia geral em um paciente submetido à MEVO relatado na literatura.1111 Chiu PW, Wu JC, Teoh AY, et al. Peroral endoscopic myotomy for treatment of achalasia: from bench to bedside (with video). Gastrointest Endosc. 2013;77:29-38. Porém, a pressão cricoide pode ser desnecessária após a eliminação endoscópica pré-indução do conteúdo esofágico.1212 Tanaka E, Murata H, Minami H, et al. Anesthetic management of peroral endoscopic myotomy for esophageal achalasia: a retrospective case series. J Anesth. 2014;28:456-9. Os anestesiologistas devem estar atentos a esse risco durante o período de indução e preparados para tomar as medidas de prevenção.

Conclusão

MEVO é uma nova técnica para tratar a acalasia esofágica e anestesia geral é geralmente necessária. Os anestesiologistas precisam ter um grande entendimento das complicações da MEVO nos períodos intra e pós-operatório, como o pneumotórax hipertensivo, e aplicar medidas imediatas e corretas. Além disso, devem ter um conceito claro sobre o risco de aspiração pulmonar quando aplicam anestesia geral a esses pacientes e fornecer boa prevenção.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    2 Out 2014
  • Aceito
    28 Nov 2014
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