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Ventilação mecânica não invasiva após o desmame bem-sucedido: onde estão os limites da máscara Venturi?

Cara Editora,

O desmame da ventilação mecânica é uma das decisões mais desafiadoras da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) devido à alta taxa de mortalidade associada aos casos de falha na extubação. Além disso, apesar dos testes disponíveis para um desmame bem-sucedido, cerca de 20% dos pacientes, em média, precisarão de uma reintubação, experimentarão um declínio dramático de seus resultados clínicos.

Adıyeke et al.11 Adıyeke E, Ozgultekin A, Turan G, et al. Non-invasive mechanical ventilation after the successful weaning: a comparison with the venturi mask. Rev Bras Anestesiol. 2016;66:572-6. abordam o impacto da ventilação mecânica não invasiva (VNI) sobre o resultado do paciente durante o processo de desmame e o período de extubação e fazem uma comparação com a máscara Venturi. Como conclusão, recomendam o uso de VNI por no mínimo 48 h após a extubação devido à redução observada na insuficiência respiratória e ao tempo de permanência na UTI.

Porém, depois de analisar cuidadosamente o estudo, consideramos que há alguns aspectos importantes que precisam ser mencionados.

Primeiro, Adıyeke et al.11 Adıyeke E, Ozgultekin A, Turan G, et al. Non-invasive mechanical ventilation after the successful weaning: a comparison with the venturi mask. Rev Bras Anestesiol. 2016;66:572-6. estendem a recomendação de VNI não apenas para os pacientes de alto risco de reintubação, mas também para aqueles com probabilidade de desenvolver insuficiência respiratória aguda que exija uma reintubação. Essa recomendação segue uma direção oposta em relação à de outros estudos maiores anteriores, segundo os dados de Esteban et al.,22 Esteban A, Frutos-Vivar F, Ferguson ND, et al. Noninvasive positive-pressure ventilation for respiratory failure after extubation. Engl J Med. 2004;350:2452-60. Nava et al.33 Nava S, Gregoretti C, Fanfulla F, et al. Noninvasive ventilation to prevent respiratory failure after extubation in high-risk patients. Crit Care Med. 2005;33:2465-70. e metanálise maior, no que diz respeito ao papel de ventilação mecânica invasiva na insuficiência respiratória pós-intubação.44 Agarwal R, Aggarwal AN, Gupta D, et al. Role of noninvasive positive-pressure ventilation in postextubation respiratory failure: a meta-analysis. Respir Care. 2007;52:1472-9. Esses estudos mostraram melhoria das taxas de mortalidade apenas quando a VNI foi aplicada a pacientes selecionados, mais especificamente nos casos de doença cardíaca ou respiratória subjacente.

Segundo, apenas 50 pacientes foram avaliados, configuraram um grupo pequeno, o que provavelmente limita consideravelmente os desfechos. Não houve redução significativa das taxas de mortalidade ou de reintubação. No entanto, Ferrer et al.55 Ferrer M, Valencia M, Nicolas JM, et al. Early noninvasive ventilation averts extubation failure in patients at risk: a randomized trial. Am J Respir Crit Care Med. 2006;15:164-70. mostraram uma diminuição relevante da mortalidade. É possível que essas diferenças sejam devidas ao pequeno tamanho da amostra observada. Digno de nota em ambos os estudos é que Adıyeke et al.11 Adıyeke E, Ozgultekin A, Turan G, et al. Non-invasive mechanical ventilation after the successful weaning: a comparison with the venturi mask. Rev Bras Anestesiol. 2016;66:572-6. e Ferrer et al.44 Agarwal R, Aggarwal AN, Gupta D, et al. Role of noninvasive positive-pressure ventilation in postextubation respiratory failure: a meta-analysis. Respir Care. 2007;52:1472-9. concordam com a falta de diferença nas taxas de sobrevivência em 90 dias entre os dois grupos. Porém, não há dados sobre o tipo de cuidado após a alta da UTI. Por exemplo, os pacientes foram encaminhados para unidades de cuidados intermediários, de monitoração ou para enfermarias regulares. De acordo com nossa prática diária, a transição para as enfermarias regulares às vezes é mal tolerada. Não há dados disponíveis para confirmar ou negar a hipótese, mas talvez esse aspecto deva ser levado em consideração quando se pensa em taxa de sobrevivência em 90 dias.

Terceiro, o estudo não menciona as condições clínicas subjacentes dos pacientes. Considerando que três das quatro principais indicações para VNI foram insuficiência respiratória crônica ou aguda, edema respiratório cardiogênico e desmame do ventilador, seria lógico pensar nos benefícios especiais da VNI e aplicá-la aos pacientes com doença cardíaca ou respiratória subjacente durante o processo de desmame.

De acordo com o observado em estudo recente conduzido por Thille et al.,66 Thille AW, Boissier F, Ben-Ghezala H, et al. Easily identified at-risk patients for extubation failure may benefit from noninvasive ventilation: a prospective before-after study. Crit Care. 2016;20:48. a implantação de protocolos profiláticos de VNI após a extubação pode reduzir a taxa de reintubação diante desses quadros. Quanto à condição cardíaca, os autores admitiram uma ampla gama de entidades cardiovasculares (valvulopatias, isquemia, doenças arrítmicas), todas têm em comum a insuficiência cardíaca aguda. Os efeitos da ventilação com pressão positiva sobre a hemodinâmica, quando o paciente está devidamente hidratado, são melhorar o débito cardíaco esquerdo através do aumento na pré-carga e diminuição na pós-carga, o que reforça o equilíbrio cardiovascular e elimina uma das potenciais causas de falha no desmame e de reintubação. Conforme observado no artigo, nesse tipo de paciente, o processo de desmame usa a modalidade de ventilação com pressão de suporte (PS) em vez da peça T, sem perder os efeitos da pressão positiva sobre o desfecho cardíaco, mesmo por tempo curto, o que aumenta o sucesso do desmame. Quanto às condições respiratórias, encontramos doenças pulmonares crônicas, síndrome obstrutiva, restritiva e até a síndrome de hipoventilação por obesidade, que pertence à estrutura natural da VNI para o suporte respiratório. Assim, usar a ventilação mecânica não invasiva no desmame, posteriormente oferecer uma "aterrissagem suave" ao pulmão doente após o período de intubação e repetir o processo reduz de forma significativa a taxa de reintubação.

Concordamos com a necessidade de uma pesquisa clínica mais ampla para elucidar o papel global da VNI na evolução clínica do paciente no período pós-extubação.

References

  • 1
    Adıyeke E, Ozgultekin A, Turan G, et al. Non-invasive mechanical ventilation after the successful weaning: a comparison with the venturi mask. Rev Bras Anestesiol. 2016;66:572-6.
  • 2
    Esteban A, Frutos-Vivar F, Ferguson ND, et al. Noninvasive positive-pressure ventilation for respiratory failure after extubation. Engl J Med. 2004;350:2452-60.
  • 3
    Nava S, Gregoretti C, Fanfulla F, et al. Noninvasive ventilation to prevent respiratory failure after extubation in high-risk patients. Crit Care Med. 2005;33:2465-70.
  • 4
    Agarwal R, Aggarwal AN, Gupta D, et al. Role of noninvasive positive-pressure ventilation in postextubation respiratory failure: a meta-analysis. Respir Care. 2007;52:1472-9.
  • 5
    Ferrer M, Valencia M, Nicolas JM, et al. Early noninvasive ventilation averts extubation failure in patients at risk: a randomized trial. Am J Respir Crit Care Med. 2006;15:164-70.
  • 6
    Thille AW, Boissier F, Ben-Ghezala H, et al. Easily identified at-risk patients for extubation failure may benefit from noninvasive ventilation: a prospective before-after study. Crit Care. 2016;20:48.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018
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