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Estresse sistêmico e sua relação com PEEP durante colecistectomia laparoscópica: um novo marcador protetor?

Cara Editora,

A interação dos efeitos da pressão positiva expiratória final (PEEP) na troca de gás e na mecânica pulmonar durante a ventilação mecânica (VM) nos períodos intraoperatório e pós-operatório de cirurgia abdominal é globalmente conhecida.11 Barbosa FT, Castro AA, de Sousa-Rodrigues CF. Positive End-Expiratory Pressure (PEEP) during anesthesia for prevention of mortality and postoperative pulmonary complications. Cochrane Database Syst Rev. 2014;6:CD007922. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD007922.pub3.
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD007...
No entanto, esses efeitos ainda não haviam sido testados durante colecistectomia laparoscópica. Lemos com grande interesse o estudo de Oznur et al., no qual os autores avançaram na avaliação dos efeitos da PEEP durante a colecistectomia laparoscópica em dois grupos, testaram os níveis de PEEP aplicados (5-10 cm H2O). Os parâmetros hemodinâmicos (frequência cardíaca, pressão arterial sistólica/diastólica, pressão arterial média), respiratórios (saturação arterial de oxigênio, pressão parcial de dióxido de carbono ao final da expiração - ETCO2 e metabólicos - glicose, insulina, cortisol, nível láctico) foram testados durante três períodos de tratamento diferentes (antes, durante e após a cirurgia). Os resultados mostraram um claro benefício na complacência e oxigenação, redução do estresse pós-cirúrgico, todos sem efeitos hemodinâmicos e respiratórios deletérios quando níveis mais altos de PEEP foram estabelecidos. Níveis mais altos de PEEP recrutam o pulmão, aumentam a complacência e melhoram a oxigenação, além de reduzir a incompatibilidade ventilação/perfusão e, portanto, limita o shunt respiratório.11 Barbosa FT, Castro AA, de Sousa-Rodrigues CF. Positive End-Expiratory Pressure (PEEP) during anesthesia for prevention of mortality and postoperative pulmonary complications. Cochrane Database Syst Rev. 2014;6:CD007922. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD007922.pub3.
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Do ponto de vista hemodinâmico, a pressão positiva na mecânica pulmonar aumenta o débito cardíaco esquerdo, principalmente através da redução da pós-carga, mas também reduz o débito cardíaco direito devido à elevação da pós-carga ventricular direita. De modo que quando o nível de hidratação do paciente é adequado, o desempenho cardíaco global melhora. Como resultado final, o estresse fisiológico secundário a uma determinada condição clínica é limitado devido à oxigenação segura do tecido periférico e, portanto, os níveis de cortisol e lácticos diminuem22 Sen O, Doventas YE. Effects of different levels of end-expiratory pressure on hemodynamic, respiratory mechanics and systemic stress response during laparoscopic cholecystectomy. Rev Bras Anestesiol. 2017;67:28-34. conforme demonstrado pelos autores.

Primeiro, os efeitos protetores da PEEP precisam ser abordados a tempo. Sabemos que as condições abdominais e seus procedimentos cirúrgicos derivados, quando necessários, elevam a pressão intra-abdominal (PABD), diminuem a complacência pulmonar e colapsam os alvéolos nos lobos pulmonares inferiores. A atelectasia "desrecruta" o pulmão, diminui drasticamente a capacidade residual funcional (CRF), agrava o shunt pulmonar e, dessa forma, a oxigenação e a eliminação de CO2. Em estudos anteriores, Pankaj et al.33 Kundra P, Subramani Y, Ravishankar M, Sistla SC, Nagappa M, Sivashanmugam T. Cardiorespiratory effects of balancing PEEP with intra-abdominal pressures during laparoscopic cholecystectomy. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2014;24:232-9. já haviam identificado o mesmo efeito que Oznur et al., mas não o resultado em longo prazo sobre o estresse (60 minutos pós-extubação), ainda não observado até esse estudo. Em nossa opinião, as associações entre as complicações pulmonares pós-operatórias e o uso do estresse protetor da PEEP precisa ser esclarecida. Não temos esse conhecimento-chave e, em especial, as complicações pulmonares pós-cirúrgicas (precoces ou tardias) também precisam ser levadas em consideração.

Segundo, a associação de pressão intra-abdominal e pressão intratorácica é um determinante controverso para as complicações pulmonares pós-operatórias. Porém, alguns estudos44 Sindi A, Piraino T, Alhazzani W, et al. The correlation between esophageal and abdominal pressures in mechanically ventilated patients undergoing laparoscopic surgery. Respir Care. 2014;59:491-6. não relataram uma relação direta entre o aumento da pressão intra-abdominal e a pressão intratorácica em pacientes submetidos à cirurgia laparoscópica. Por outro lado, também há efeitos fisiopatológicos graves que ocorrem não apenas no pulmão, mas também no fígado, nos rins e no coração, o que potencialmente leva à síndrome cardiorrenal, hepatopulmonar ou hepatorrenal.55 Malbrain ML, Roberts DJ, Sugrue M, et al. The polycompartment syndrome: a concise state-of-the-art review. Anaesthesiol Intensive Ther. 2014;46:433-50. Uma PEEP alta, usada com cautela, pode proteger contra estas condições deletérias através da melhora da oxigenação e do desempenho cardíaco.

Terceiro, a sensibilidade e a especificidade das variáveis usadas para definir o "estresse fisiológico" são limitadas para outros fatores determinantes durante o procedimento cirúrgico (oxigenação tecidual, cortisol e níveis láticos). Além disso, não havia condições patológicas anteriores nos pacientes selecionados; portanto, não é possível saber se os resultados da resposta ao estresse seriam reproduzíveis em pacientes com diabetes, doenças cardíacas, endócrinas ou respiratórias.

Quarto, os níveis da PEEP não devem ser estáticos, mas dinâmicos, devido à constante alteração da condição clínica, nem mesmo durante um curto período e em cirurgia minimamente invasiva, como laparoscopia, devido à pressão intra-abdominal alterada enquanto os procedimentos cirúrgicos são feitos. O médico deve encontrar o nível adequado da PEEP de acordo com o estado geral, o tempo cirúrgico e, claro, o estado hemodinâmico, devido aos efeitos da pressão positiva sobre a hemodinâmica dos pacientes.66 Esquinas AM. Noninvasive mechanical ventilation: theory, equipment, and clinical applications. Springer; 2015.

Certamente, estudos mais abrangentes são necessários para elucidar os efeitos da PEEP quando a pressão intra-abdominal é elevada, especialmente durante procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos.66 Esquinas AM. Noninvasive mechanical ventilation: theory, equipment, and clinical applications. Springer; 2015.

References

  • 1
    Barbosa FT, Castro AA, de Sousa-Rodrigues CF. Positive End-Expiratory Pressure (PEEP) during anesthesia for prevention of mortality and postoperative pulmonary complications. Cochrane Database Syst Rev. 2014;6:CD007922. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD007922.pub3
    » http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD007922.pub3
  • 2
    Sen O, Doventas YE. Effects of different levels of end-expiratory pressure on hemodynamic, respiratory mechanics and systemic stress response during laparoscopic cholecystectomy. Rev Bras Anestesiol. 2017;67:28-34.
  • 3
    Kundra P, Subramani Y, Ravishankar M, Sistla SC, Nagappa M, Sivashanmugam T. Cardiorespiratory effects of balancing PEEP with intra-abdominal pressures during laparoscopic cholecystectomy. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2014;24:232-9.
  • 4
    Sindi A, Piraino T, Alhazzani W, et al. The correlation between esophageal and abdominal pressures in mechanically ventilated patients undergoing laparoscopic surgery. Respir Care. 2014;59:491-6.
  • 5
    Malbrain ML, Roberts DJ, Sugrue M, et al. The polycompartment syndrome: a concise state-of-the-art review. Anaesthesiol Intensive Ther. 2014;46:433-50.
  • 6
    Esquinas AM. Noninvasive mechanical ventilation: theory, equipment, and clinical applications. Springer; 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018
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