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Comparação da analgesia pós-operatória com uso de metadona versus morfina em cirurgia cardíaca Estudo feito no Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), Tubarão, SC, Brasil.

Resumo

Justificativa e objetivos:

A dor é fator agravante da morbidade e mortalidade pós-operatória. O objetivo foi comparar o efeito da metadona versus morfina quanto à dor e demanda de analgesia pós-operatória em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio.

Método:

Ensaio clínico randomizado, duplo-cego, em paralelo. Pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio foram randomizados por blocos em dois grupos: Grupo Morfina (Gmo) e Grupo Metadona (Gme). No fim da cirurgia cardíaca, 0,1 mg.Kg−1 peso corrigido de metadona ou morfina foi administrado por via venosa. Os pacientes foram levados à UTI, onde foram avaliados o tempo até a extubação e a necessidade do primeiro analgésico, o número de doses necessárias de analgésicos e antieméticos em 36 horas, a escala numérica de dor em 12, 24 e 36 horas após a cirurgia e a ocorrência de efeitos adversos.

Resultados:

Foram incluídos 50 pacientes em cada grupo. A metadona apresentou eficácia 22% maior do que a morfina com Number Needed to Treat(NNT) de 6 e Number Needed to Harm(NNH) de 16. Gme apresentou média de dor pela escala numérica em 24 horas após o procedimento de 1,9 ± 2,2 em comparação com o Gmo, cuja média foi de 2,9 ± 2,6 (p= 0,029). O Gme necessitou de menos morfina de resgate 29% do que o grupo Gmo 43% (p= 0,002). Entretanto, o tempo até a necessidade de analgésico no pós-operatório foi de 145,9 ± 178,5 minutos no Grupo Gme e de 269,4 ± 252,9 no Gmo (p= 0,005).

Conclusões:

A metadona mostrou-se eficiente para a analgesia em cirurgias cardíacas de revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea.

KEYWORDS
Methadone; Morphine; Postoperative pain; Cardiac surgery

Abstract

Background and objectives:

Pain is an aggravating factor of postoperative morbidity and mortality. The aim of this study was to compare the effects of methadone versus morphine using the numerical rating scale of pain and postoperative on-demand analgesia in patients undergoing myocardial revascularization.

Method:

A randomized, double-blind, parallel clinical trial was performed with patients undergoing coronary artery bypass grafting. The subjects were randomly divided into two groups: morphine group and methadone group. At the end of cardiac surgery, 0.1 mg.kg−1 adjusted body weight of methadone or morphine was administered intravenously. Patients were referred to the ICU, where the following was assessed: extubation time, time to first analgesic request, number of analgesic and antiemetic drug doses within 36 h, numerical pain scale at 12, 24, and 36 h postoperatively, and occurrence of adverse effects.

Results:

Each group comprised 50 patients. Methadone showed 22% higher efficacy than morphine as it yielded a number-needed-to-treat score of 6 and number-needed-to-harm score of 16. The methadone group showed a mean score of 1.9 ± 2.2 according to the numerical pain scale at 24 h after surgery, whereas as the morphine group showed a mean score of 2.9 ± 2.6 (p = 0.029). The methadone group required less morphine (29%) than the morphine group (43%) (p = 0.002). However, the time to first analgesic request in the postoperative period was 145.9 ± 178.5 min in the methadone group, and 269.4 ± 252.9 in the morphine group (p = 0.005).

Conclusions:

Methadone was effective for analgesia in patients undergoing coronary artery bypass grafting without extracorporeal circulation.

KEYWORDS
Methadone; Morphine; Postoperative pain; Cardiac surgery

Introdução

A esternotomia mediana longitudinal é a incisão mais usada para as cirurgias cardíacas. Associada com o uso de afastadores, passa a ser o melhor método para a exposição da região anatômica.11 Maxwell C, Nicoara A. New developments in the treatment of acute pain after thoracic surgery. Curr Opin Anesth. 2014;27:6-11. Entretanto, o método descrito, associado a um tempo prolongado de cirurgia, coloca a musculatura do tórax sobre grande tensão e estresse, proporciona muita dor ao paciente no pós-operatório, o que dificulta a respiração profunda e reduz a eliminação de secreções do trato respiratório, pode cursar com atelectasias e infecções respiratórias.22 Cogan J. Pain management after cardiac surgery. Semin Cardiothorac Vasc Anesth. 2010;14:201-4.

Apesar do avanço dos fármacos analgésicos, de suas diferentes vias de administração e das técnicas não farmacológicas para o alívio da dor, essa ainda é considerada um importante problema no período pós-operatório e, até o momento, não existe um protocolo padronizado em diversos hospitais. Dentre as opções de manejo no pós-operatório das cirurgias cardíacas, estão os analgésicos opioides e as medidas de apoio.33 American Society of Anesthesiologists Task Force on Acute PainManagement. Practice guidelines for acute pain management in the perioperative setting: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Acute Pain Management. Anesthesiology. 2012;116:248-73.

Atualmente, muitas instituições usam opioides por via venosa com clearance elevado e meia-vida relativamente curta, como a morfina, que produzem flutuações importantes dos níveis séricos de opioide, com valores que oscilam de uma analgesia inadequada a valores tóxicos.44 Udelsmann A, Maciel FG, Servian DCM. Methadone and morphine in the induction of anesthesia in cardiac surgery. Impact on postoperative analgesia and prevalence of nausea and vomiting. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:695-701. A opção, nesse caso, seria administrar analgésicos por infusão endovenosa, seja por demanda, seja de forma contínua. Ambos os métodos, contudo, exigem aparato de alto custo.33 American Society of Anesthesiologists Task Force on Acute PainManagement. Practice guidelines for acute pain management in the perioperative setting: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Acute Pain Management. Anesthesiology. 2012;116:248-73. Assim, um método opcional que promove analgesia contínua sem os problemas associados com as técnicas de infusão seria o uso de um agente com meia-vida longa e clearance baixo, tal qual a metadona, aplicada no período intraoperatório. A metadona é um opioide sintético de latência e duração longas, usada há vários anos no tratamento de drogadição55 Nielsen S, Larance B, Degenhardt L, et al. Opioid agonist treatment for pharmaceutical opioid dependent people. Cochrane Database Syst Rev. 2016;9:CD011117. e “redescoberto” como analgésico no tratamento das dores crônicas,66 Dowell D, Haegerich TM, Chou R. CDC guideline for prescribing opioids for chronic pain – United States, 2016. JAMA. 2016;315:1624-45. nas dores cancerosas 77 Mercadante S, Ferrera P, Villari P, et al. Switching from oxycodone to methadone in advanced cancer patients. Support Care Cancer. 2012;20:191-4. e, também, para a analgesia pós-operatória, tanto em adultos88 Neto JO, Machado MD, de Almeida Correa M, et al. Methadone patient-controlled analgesia for postoperative pain: a randomized, controlled, double-blind study. J Anesth. 2014;28:505-10. como em crianças.99 Zernikow B, Michel E, Craig F, et al. Pediatric palliative care: use of opioids for the management of pain. Paediatr Drugs. 2009;11:129-51.,1010 Simoni RF, Cangiani LM, Pereira AMSA, et al. Effectiveness of the use of methadone and clonidine for intraoperative control of immediate postoperative pain after remifentanil. Rev Bras Anestesiol. 2009;59:421-30.

A metadona tem uma variação interindividual da farmacocinética, assim como potencial para provocar toxicidade tardia devido à sua meia-vida de eliminação, que é de oito a 59 horas, o que torna difícil seu manuseio, o que pode constituir um problema, principalmente em operações de menor invasividade.1111 Kraychete DC, Siqueira JTT, Garcia JBS. Recomendações para uso de opioides no Brasil: parte I. Rev Dor. 2013;14:295-300. Todavia, outros estudos já usaram a metadona para controle da dor aguda pós-operatória, em procedimentos cirúrgicos de menor duração, como as colecistectomias.1212 Simoni RF, Cangiani LM, Pereira AMSA, et al. Eficácia do emprego da metadona ou da clonidina no intraoperatório para controle da dor pós-operatória imediata após uso de remifentanil. Rev Bras Anestesiol. 2009;59:421-30. Seu perfil multimodal contribui para o controle de dor pós-operatória. O isômero R(-) da metadona tem atividade µ-agonista, enquanto seu isômero S(+) é quase inativo nesse receptor. Porém, esse isômero tem atividade antagonista nos receptores NMDA. Consequentemente, existe um sinergismo entre os isômeros R(-) e S(+) da metadona na promoção do efeito antinociceptivo.1313 Inturrisi CE. Pharmacology of methadone and its isomers. Minerva Anestesiol. 2005;71:435-7.

O objetivo deste estudo foi comparar nas primeiras 36 horas do pós-operatório de cirurgias de revascularização do miocárdio as repercussões na analgesia pós-operatória e a ocorrência de seus efeitos adversos – náuseas, vômitos e depressão respiratória – proporcionados por uma dose de metadona ou morfina administrada no fim da cirurgia.

Método

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina, mediante o Parecer nº 1.049.850, em 5 de maio de 2015. Foi também cadastrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos nº RBR-8spkx9.

Foi feito ensaio clínico randomizado em paralelo, duplo-cego, de fase IV. Foram selecionados pacientes de ambos os sexos, maiores de 18 anos, com classificação de estado físico pela American Society of Anesthesiologists – ASA III ou IV – e que se submeteram a uma cirurgia de revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea. Os participantes deram a anuência mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido por ocasião da consulta pré-anestésica.

Para o cálculo do tamanho da amostra, foi considerada a porcentagem de não expostos positivos, ou seja, analgesia satisfatória em 50% dos pacientes em uso de morfina (Grupo Controle) e 80% entre os expostos positivos, ou seja, analgesia satisfatória em pacientes em uso de metadona (Grupo Intervenção), com nível de confiança de 95% e poder de estudo de 80%, obteve-se uma amostra mínima necessária ao estudo de 80 pacientes (40 em cada grupo). Foram excluídos pacientes em uso de drogas ilícitas, aqueles com antecedentes alérgicos a alguma das medicações usadas no estudo e aqueles que tiveram de permanecer intubados no pós-operatório por mais de 12 horas.

A randomização dos pacientes foi feita por blocos com sequência de quatro participantes. Os pacientes foram alocados de modo aleatório por blocos em dois grupos: Gme (metadona) e Gmo (morfina). Os blocos foram sorteados pela equipe de pesquisa e repassados ao chefe da anestesiologia para determinação do fármaco usado. Tanto os investigadores e auxiliares de pesquisa, responsáveis pela coleta dos dados, quanto os pacientes desconheciam a que grupo pertenciam, o que garantiu o cegamento do estudo. Na sala de cirurgia, todos foram monitorados com pressão arterial invasiva, cardioscopia, oximetria de pulso, capnografia, temperatura, diurese e pressão venosa central. A indução anestésica foi feita com sufentanil 0,5 µg.kg−1 e um bólus de 10 µg conforme necessidade, etomidato 0,2 mg.kg−1 e rocurônio 0,1 mg.kg−1.

A anestesia foi mantida com 0,25-0,5 µg.kg−1.h de sufentanil; 0,5-1 CAM de sevoflurano. No fim da anestesia foi administrado por via venosa, no Grupo Gme; 0,1 mg.kg−1 peso corrigido de metadona; ou 0,1 mg.kg−1 peso corrigido de morfina no Grupo Gmo.

O cálculo das doses das drogas anestésicas para indução e manutenção da anestesia teve como referência o Peso Ideal (PI) para dose de rocurônio e o Peso Corrigido (PC) para dose de etomidato dos pacientes, no qual PI = altura-100 (em cm) para homens e a altura-105 para mulheres e o PC = PI + [0,4 × (peso real) - PI]. Ao término do procedimento, o paciente foi imediatamente levado à UTI, entubado, onde se fez o acompanhamento pós-operatório. Nessa unidade, os profissionais desconheciam em qual grupo os pacientes foram incluídos e, segundo critérios da equipe médica e de enfermagem dessa unidade, recebiam dipirona 1 g por via endovenosa (EV), de seis em seis horas, de forma contínua, e se houvesse queixa de dor moderada ou forte eram administrados 0,03 mg.kg−1 de morfina por via EV, com o limite de 0,1 mg.kg−1 em quatro horas. Em caso de náuseas ou vômitos foram administrados por via EV 10 mg de cloridrato de metoclopramida.

Foram registrados o tempo de duração da anestesia em minutos, o número de doses e o tipo de analgésico e antieméticos necessários durante o período pós-operatório, bem como a ocorrência das possíveis reações adversas, tais como náuseas, vômitos e depressão respiratória. Essas reações foram observadas pelos enfermeiros e/ou equipe de pesquisa durante a internação em UTI. Foi considerada depressão respiratória quando houvesse oito movimentos respiratórios ou menos por minuto e/ou necessidade de reintubação. A equipe de pesquisa, com auxílio dos enfermeiros e residentes em anestesiologia, devidamente treinados, aplicou a escala numérica da dor em 12, 24 e 36 horas do pós-operatório. Também foi calculado o tempo até a administração da primeira dose de analgésico e o período transcorrido até a extubação, de acordo com os registros médicos da equipe de pesquisa, em concordância com o registro feito no prontuário médico pela equipe plantonista da UTI. Todas as aferições foram feitas por pesquisadores cegados quando ao grupo ao qual o paciente pertencia.

A escala numérica de dor consiste em um instrumento escalonado de 0 a 10, 0 ausência de dor e 10 dor insuportável.1414 Calil AM, Pimenta CAM. Intensidade da dor e adequação de analgesia. Rev Latino Am Enfermagem. 2005;13:692-9. Além disso, categoricamente se considera dor leve de 0 a 3, dor moderada de 4 a 7 e dor intensa 8 a 10.1515 Murphy GS, Szoko JW, Greenberg SB, et al. Intraoperative methadone for the prevention of postoperative pain a randomized, double-blinded clinical trial in cardiac surgical patients. Anesthesiology. 2015;122:1112-22.

Para o cálculo de tamanho de amostra foi usado o programa OpenEpi, versão 2.3.1. Os dados coletados foram cadastrados em um banco de dados criado com auxílio do software Epidata, versão 3.1 (EpiData Association, Odense, Denmark), de domínio público. A análise estatística foi feita com o auxílio do software Statistical Product for Service Solutions (SPSS for Windows v 20 Chicago, IL, USA). Foi usada a epidemiologia descritiva para apresentação dos dados, as variáveis qualitativas foram expressas em proporções e as variáveis quantitativas em medidas de tendência central e dispersão. Para análise das variáveis quantitativas foi empregado o teste de Kolmogorov-Smirnov, para se verificar a normalidade da distribuição dos dados. A comparação entre médias foi pelo teste de t de Student, usou-se a estatística paramétrica. Nos casos de distribuição não normal foi empregada à estatística não paramétrica com aplicação do teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney. Para se verificar a associação entre as variáveis de interesse foi usado o teste de qui-quadrado de Pearson, para as variáveis categóricas.

Como medida de efeito foi calculada a redução do risco relativo ou a eficácia da metadona em comparação com o grupo controle. Para isso, considerou-se analgesia satisfatória quando o paciente apresentasse resultados inferiores a três nas três aferições da escala de dor. Além disso, foram calculados o Number Needed to Treat (NNT) e o Number Needed to Harm (NNH) relacionais ao uso da metadona, consideraram-se a analgesia satisfatória e ocorrência de reações adversas a medicamentos. A análise dos dados foi feita por intenção de tratar. O nível de significância estabelecido foi de 95%.

Resultados

Foram estudados 100 pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio, de junho de 2015 a março de 2016; 63% eram homens e não houve diferença proporcional entre os grupos quanto ao sexo (valor de p= 0,534). A figura 1 apresenta o fluxograma de seleção dos participantes do estudo.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos participantes do estudo.

A tabela 1 apresenta as características clínicas e relativas ao procedimento, compara os Grupos Morfina (Gmo - Grupo Controle) e Metadona (Gme - Grupo Intervenção).

Tabela 1
Dados demográficos dos pacientes e relativos ao procedimento anestésico-cirúrgico

A tabela 2 apresenta a distribuição das variáveis relativas ao período pós-operatório. Se considerarmos a escala numérica de dor em que 0 era ausência de dor e 10 a pior dor, a amplitude foi entre 0 e 10 em 36 horas.

Tabela 2
Analgesia, uso de analgésicos e eventos adversos no pós-operatório

Dos entrevistados, 3% encontravam-se sedados e não puderam responder à escala de dor. Nesse caso, o tempo prolongado de extubação foi considerado um efeito adverso. A tabela 3 apresenta a distribuição dos grupos em relação à eficácia e segurança dos analgésicos usados. Para a definição de eficácia, usou-se como ponto de corte a analgesia igual ou inferior a 3 (considerada dor leve) na escala numérica de dor no período total de acompanhamento (36 horas).

Tabela 3
Analgesia satisfatória e ocorrência de eventos adversos nas primeiras 36 horas de pós-operatório

Se considerarmos os dados da tabela 3, a eficácia da metadona, como efeito analgésico no pós-operatório, calculada pela redução do risco relativo, foi de 22%. O Número Necessário a Tratar (NNT) para um evento favorável de analgesia satisfatória nas primeiras 36 horas foi de seis pacientes e o Número Necessário para a Ocorrência de Dano (NNH), ou seja, reação adversa à metadona, foi igual a 16 pacientes.

Discussão

O grupo tratado com metadona apresentou maior analgesia em 24 horas após o procedimento cirúrgico e necessitou menor uso de morfina no período. Entretanto, o tempo decorrido entre o fim da cirurgia e o uso de analgésico durante a internação na UTI foi menor do que o grupo controle. Se considerarmos uma analgesia satisfatória com escala de dor em 36 horas igual ou inferior a 3 e considerar ausência de dor a dor leve, a eficácia da metadona foi de 22% a mais do que a morfina.

Tradicionalmente os opioides são usados para o controle da dor, do primeiro ao terceiro dias após cirurgia cardíaca, destaca-se a administração intermitente de opioides de curta ação, como a morfina que resulta em flutuações nas concentrações plasmáticas, o que pode explicar as pontuações relativamente elevadas de dor relatadas nesta população de pacientes. Este estudo revelou o interesse de se usar metadona intraoperatória nas cirurgias cardíacas, já que o número de doses de analgésicos opioides necessário foi significativamente menor no grupo que recebeu metadona no fim da anestesia.

O emprego de metadona no fim da anestesia permitiu uma analgesia mais eficiente, de modo que nas primeiras 36 horas do pós-operatório o número de pacientes que necessitaram de analgesia foi menor com a metadona, assim como a apreciação da qualidade da analgesia pelo próprio paciente se traduziu, nesse grupo, por um resultado de escala numérica da dor também inferior ao grupo da morfina e não houve, mesmo assim, prolongamento do tempo necessário até a extubação.

Os resultados do presente estudo se assemelham aos obtidos por Murphy et al.1616 Gottschalk A, Durieux ME, Nemergut EC. Intraoperative methadone improves postoperative pain control in patients undergoing complex spinal surgery. Anesth Analg. 2011;112:218-23. ao concluírem que a administração de 0,3 mg.kg−1 de metadona na indução anestésica de cirurgia cardíaca resultou numa significativa redução na necessidade de analgésicos no pós-operatório, melhores notas no escore da dor, melhor percepção da dor pelo paciente e um melhor manejo da dor durante 72 horas após a extubação traqueal, além de não se observarem eventos adversos relacionados à administração de metadona.

Entretanto, Gottschalk et al.1717 Udelsmann A, Maciel FG, Servian DCM, et al. Metadona e morfina na indução da anestesia em cirurgia cardíaca. Repercussão na analgesia pós-pperatória e prevalência de náuseas e vômitos. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:695-701. observaram menor consumo de opioides no pós-operatório somente após 48 horas da administração de metadona. A menor necessidade de opioides no pós-operatório por parte daqueles que receberam metadona talvez justifique a incidência inferior de náuseas e vômitos nesse grupo, o que é bastante interessante em intervenções com potencial álgico maior, como nas esternotomias.

Outro fato observado foi o tempo até a necessidade da administração do primeiro analgésico, que foi significativamente inferior no grupo metadona, o que diverge dos resultados de Udelsmann et al.,1818 Gourlay GK, Willis RJ, Lamberty J. A double-blind comparison of the efficacy of methadone and morphine in postoperative pain control. Anesthesiology. 1986;64:322-7. cujo emprego de metadona na indução da anestesia de cirurgia cardíaca permitiu uma analgesia mais prolongada, de maneira que a primeira dose de analgésico nos pacientes que receberam metadona só foi administrada quase quatro horas depois daquela do grupo com morfina. Em outro estudo duplo cego que comparou metadona e morfina em cirurgias de abdome superior, o tempo médio da necessidade de analgésico de resgate foi significativamente mais longo em pacientes que receberam metadona (21 vs. 6 h).1414 Calil AM, Pimenta CAM. Intensidade da dor e adequação de analgesia. Rev Latino Am Enfermagem. 2005;13:692-9. Uma possível explicação pode ter sido a dose escolhida, que interfere no tempo de eliminação do medicamento, e a duração do efeito da metadona, que sofre influência das características individuais do paciente. Nesse caso, recomenda-se a dose de metadona com concentrações superiores a 20 mg, sempre observar a idade do paciente, o procedimento cirúrgico a que será submetido e a frequência respiratória.1919 Shaiova L, Berger A, Blinderman CD, et al. Consensus guideline on parenteral methadone use in pain and palliative care. Palliat Support Care. 2008;6:165-76.,2020 Kharasch ED. Intraoperative methadone: rediscovery, reappraisal, and reinvigoration? Anesth Analg. 2011;112:13-6.

A morfina via intravenosa apresenta pico do efeito analgésico em 20 minutos após a sua administração e a duração da ação analgésica é de quatro a cinco horas.2121 MacKenzie M, Zed PJ, Ensom MH. Opioid pharmacokinetics–pharmacodynamics: clinical implications in acute pain management in trauma. Ann Pharmacother. 2016;50:209-18. Também vale ressaltar, mesmo que não haja diferença estatística entre os grupos, que em média o tempo de cirurgia do grupo metadona foi superior ao do grupo morfina.

Em razão de sua longa duração de ação, a metadona tornou-se uma opção analgésica interessante no tratamento da dor pós-operatória, principalmente nas cirurgias de grande porte, com tempo de recuperação prolongado, como as cirurgias cardíacas. Entretanto, vale ressaltar que a metadona, assim como os demais opioides, apresenta, dentre os possíveis efeitos colaterais, náuseas, vômitos, prurido e depressão respiratória dose dependente, que pode retardar o tempo de extubação e acarretar maiores custos à instituição. Embora já usada em outros países, só recentemente está disponível para uso parenteral em instituições do Brasil.

A metadona apresentou eficácia 22% maior do que a morfina. Os resultados do NNT de 6 (considerado tratamento de grande impacto quando inferior a 25) e NND de 16 revelam que a metadona é uma boa opção terapêutica, eficaz e segura, para uso em analgesia pós-operatória, quando administrada no fim do procedimento cirúrgico. Destaca-se que o grupo controle neste estudo é a morfina (que foi considerado o tratamento convencional); portanto, são índices satisfatórios que auxiliam na decisão clínica por apresentar o risco-benefício de ambos os medicamentos.

Dentre as limitações deste trabalho, ressalta-se que a dor é extremamente subjetiva e difícil de ser mensurada, apesar da opção pelo uso de uma escala já validada para sua aferição, mas que pode influenciar nos resultados deste estudo. As variações de intensidade da dor em 24 horas, apesar de apresentar diferença estatisticamente significativa, clinicamente são similares e plenamente satisfatórias para dor pós-operatória nesse tipo de procedimento. Não foi usada medida padronizada para avaliação de sonolência, o que pode ter influenciado a percepção da dor. Portanto, há necessidade de estudos multicêntricos e com período de acompanhamento superior a 36 horas para a comprovação desses dados.

Este trabalho contribui para o conhecimento da metadona para uso como opção analgésica no período pós-operatório de cirurgias cardíacas. Esse medicamento é pouco usado com essa finalidade por médicos anestesiologistas, embora seja uma opção interessante e de baixo custo, eficaz e segura, comparativamente aos demais métodos usados em cirurgias de grande porte.

Conclusão

Com base nos dados encontrados, a metadona mostrou-se eficiente para a analgesia em cirurgias cardíacas de revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea.

  • Estudo feito no Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), Tubarão, SC, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    3 Ago 2016
  • Aceito
    26 Set 2017
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