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Impacto da hipotensão e hipoperfusão global sobre o delírio pós-operatório: um estudo piloto com idosos submetidos à cirurgia aberta do cólon

Resumo

Justificativa:

O delírio pós-operatório é uma complicação séria em pacientes submetidos à cirurgia abdominal de grande porte. Ainda não está claro se as variáveis hemodinâmicas e de perfusão no período perioperatório afetam o risco de delírio pós-operatório. O objetivo deste estudo piloto foi avaliar a associação entre perfusão e hemodinâmica no perioperatório com o surgimento de delírio pós-operatório.

Métodos:

Estudo prospectivo de coorte de adultos com 60 anos ou mais, submetidos à cirurgia eletiva aberta do cólon. As variáveis multimodais de hemodinâmica e perfusão foram monitoradas, inclusive oxigenação venosa central (ScvO2), níveis de lactato e oxigenação cerebral não invasiva (rSO2), de acordo com um protocolo-padrão de anestesia. O teste exato de Fisher ou o teste t de Student foram usados para comparar os pacientes que desenvolveram delírio pós-operatório com aqueles que não desenvolveram p < 0,05.

Resultados:

Avaliamos 28 pacientes, 73 ± 7 anos, 60,7% do sexo feminino. Dois pacientes desenvolveram delírio pós-operatório (7,1%). Esses dois pacientes tinham menos anos de escolaridade do que aqueles sem delírio pós-operatório (p = 0,031). Nenhuma das variáveis de pressão arterial no perioperatório foi associada à incidência de delírio. Quanto aos parâmetros de perfusão, ScvO2 foi menor no grupo que apresentou delírio pós-operatório do que no grupo que não apresentou delírio, sem atingir significância estatística (65 ± 10% vs. 74 ± 5%; p = 0,08), mas o delta-ScvO2 (a diferença entre as médias no pós-operatório e intraoperatório) foi associado ao delírio (p = 0,043). As variáveis de lactato e rSO2 no pós-operatório não foram associadas ao delírio.

Conclusões:

Nosso estudo piloto sugere uma associação entre delta-ScvO2 e delírio e uma tendência à diminuição da ScvO2 no pós-operatório de pacientes com delírio. Estudos adicionais são necessários para elucidar essa associação.

PALAVRAS-CHAVE
Delírio; Hipotensão; Perfusão global; Saturação venosa central de oxigênio; Lactato; Oxigenação cerebral

Abstract

Background:

Post-operative delirium is a serious complication in patients undergoing major abdominal surgery. It remains unclear whether peri-operative hemodynamic and perfusion variables affect the risk for postoperative delirium. The objective of this pilot study was to evaluate the association between perfusion and hemodynamics peri-operative with the appearance of post-operative delirium.

Methods:

Prospective cohort study of adults 60 years or older undergoing elective open colon surgery. Multimodal hemodynamic and perfusion variables were monitored, including central venous oxygenation (ScvO2), lactate levels, and non-invasive cerebral oxygenation (rSO2), according to a standard anesthesia protocol. Fisher's exact test or Student's t-test were used to compare patients who developed post-operative delirium with those who did not (p < 0.05).

Results:

We studied 28 patients, age 73 ± 7 years, 60.7% female. Two patients developed post-operative delirium (7.1%). These two patients had fewer years of education than those without delirium (p = 0.031). None of the peri-operative blood pressure variables were associated with incidence of post-operative delirium. In terms of perfusion parameters, postoperative ScvO2 was lower in the delirium than the non-delirium group, without reaching statistical significance (65 ± 10% vs. 74 ± 5%; p = 0.08), but the delta-ScvO2 (the difference between means post-operative and intra-operative) was associated with post-operative delirium (p = 0.043). Post-operative lactate and rSO2 variables were not associated with delirium.

Conclusions:

Our pilot study suggests an association between delta ScvO2 and post-operative delirium, and a tendency to lower post-operative ScvO2 in patients who developed delirium. Further studies are necessary to elucidate this association.

KEYWORDS
Delirium; Hypotension; Global perfusion; Central venous oxygen saturation; Lactate; Cerebral oxygenation

Introdução

O delírio pós-operatório (DPO) é uma importante complicação em adultos idosos submetidos à cirurgia abdominal de grande porte.11 Gleason LJ, Schmitt EM, Kosar CM, et al. Effect of delirium and other major complications on outcomes after elective surgery in older adults. JAMA Surg. 2015;150:1134-40. DPO está associado ao aumento de morbidade, mortalidade e comprometimento funcional e cognitivo em longo prazo.22 Bilotta F, Lauretta MP, Borozdina A, et al. Postoperative delirium: risk factors, diagnosis and perioperative care. Minerva Anestesiol. 2013;79:1066-76.44 Inouye SK, Marcantonio ER, Kosar CM, et al. The short-term and long-term relationship between delirium and cognitive trajectory in older surgical patients. Alzheimers Dement. 2016;12:766-75.

Os fatores de risco mais conhecidos para DPO são idade avançada, transtorno cognitivo prévio, deficiência sensorial, doença grave e infecção.55 American Geriatrics Society Expert Panel on PostoperativeDelirium in Older Adults. Postoperative delirium in older adults: best practice statement from the American Geriatrics Society. J Am Coll Surg. 2015;220:136-148.e1.,66 Scholz AF, Oldroyd C, McCarthy K, et al. Systematic review and meta-analysis of risk factors for postoperative delirium among older patients undergoing gastrointestinal surgery. Br J Surg. 2016;103:e21-e28. Comprometimento funcional, nível baixo de escolaridade e abuso de álcool também foram sugeridos como fatores que aumentam o risco. O impacto dos fatores de risco nos períodos intra e pós-operatório é controverso.77 Marcantonio ER, Goldman L, Orav EJ, et al. The association of intraoperative factors with the development of postoperative delirium. Am J Med. 1998;105:380-4. Um elemento que tem recebido considerável atenção é a hipotensão intraoperatória. Embora alguns autores tenham sugerido uma associação entre hipotensão intraoperatória e DPO, outros estudos não conseguiram confirmar o achado.88 Wesselink EM, Kappen TH, van Klei WA, et al. Intraoperative hypotension and delirium after on-pump cardiac surgery. Br J Anaesth. 2015;115:427-33.,99 Hirsch J, DePalma G, Tsai TT, et al. Impact of intraoperative hypotension and blood pressure fluctuations on early postoperative delirium after non-cardiac surgery. Br J Anaesth. 2015;115:418-26.

Durante uma cirurgia de grande porte existe o risco de distúrbio hemodinâmico e hipoperfusão cerebral ou global. As preparações pré-operatórias, o sangramento cirúrgico e os efeitos da anestesia podem aumentar o risco de hipovolemia real ou relativa, depressão miocárdica e alterações na resistência vascular que podem desencadear hipotensão arterial e hipoperfusão cerebral global ou regional, tanto durante quanto após a cirurgia. Além disso, o envelhecimento pode reduzir a reserva cerebral funcional e a autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral, torna o órgão mais vulnerável a pequenas alterações hemodinâmicas.1010 Konar A, Singh P, Thakur MK. Age-associated cognitive decline: insights into molecular switches and recovery avenues. Aging Dis. 2016;7:121-9.,1111 Burkhart CS, Rossi A, Dell-Kuster S, et al. Effect of age on intraoperative cerebrovascular autoregulation and near-infrared spectroscopy-derived cerebral oxygenation. Br J Anaesth. 2011;107:742-8. Embora haja uma relação clara entre alteração hemodinâmica e perfusão, poucos estudos avaliaram sistematicamente se a hipoperfusão global ou regional está associada ao DPO. Portanto, conduzimos um estudo-piloto com uma coorte de idosos submetidos à cirurgia colorretal aberta com o objetivo de avaliar se os distúrbios perioperatórios nos parâmetros hemodinâmicos, perfusão global e/ou oxigenação cerebral estão associados ao DPO. Nossa hipótese foi que a hipoperfusão global e cerebral está associada ao desenvolvimento de DPO.

Métodos

Desenho

Todos os pacientes que preencheram os critérios de elegibilidade foram inscritos consecutivamente neste estudo prospectivo de coorte. Os pacientes foram submetidos à monitoração multimodal hemodinâmica, perfusão e oxigenação cerebral, bem como a protocolos anestésicos e cirúrgicos padronizados, detalhados abaixo. Informações sistematizadas adicionais foram coletadas dos prontuários dos pacientes inscritos.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Científico Institucional e os pacientes assinaram o termo de consentimento informado para a participação.

Pacientes

Pacientes consecutivos, com 60 anos ou mais, submetidos à cirurgia aberta do cólon para câncer de cólon, reversão de colostomia, doença intestinal inflamatória, doença diverticular ou megacólon foram inscritos e avaliados pela equipe de coloproctologia em nosso hospital. Os critérios de exclusão foram: a) comprometimento cognitivo prévio, conforme indicado por uma pontuação < 22 na versão do instrumento Miniexame do Estado Mental (MMSE) validado para o nosso país;1212 Quiroga P, Albala C, Klaasen G. Validation of a screening test for age associated cognitive impairment, in Chile. Rev Med Chil. 2004;132:467-8. b) indicação para cirurgia de urgência ou emergência; ou c) necessidade antecipada de ventilação mecânica pós-operatória em UTI.

Informações basais

No período pré-operatório, obtivemos informações sobre as variáveis demográficas e os fatores de risco conhecidos para DPO, inclusive idade, gênero, anos de escolaridade, estado funcional, comorbidades e estratificação do risco (estado físico de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas – ASA). Além disso, amostras de sangue foram colhidas para medir os níveis de hemoglobina, creatinina, albumina e lactato. Hemoglobina foi medida com fotometria com o uso de um analisador hematológico (ADVIA 2120, Siemens, Munique, Alemanha) e albumina, lactato e creatinina foram medidos com ensaio colorimétrico com o uso de um sistema químico (Vitros 5.1, Johnson & Johnson, New Jersey, EUA).

Protocolo de anestesia

Após a entrada em sala de cirurgia, iniciou-se eletrocardiografia (ECG) e monitoração contínua com oximetria de pulso (SpO2). Um cateter foi então inserido na artéria radial para monitoração contínua da pressão arterial. Esses sistemas foram conectados a um monitor Cardiocap® 5 (Datex Ohmeda®, GE Healthcare, Madison, WI, EUA). Após iniciar a monitoração basal, um cateter peridural foi inserido para analgesia no pós-operatório. Um sensor para monitorar a profundidade da anestesia foi aplicado e conectado a um monitor do índice bispectral (BIS™) (Medtronic, Minneapolis, MN, EUA). Um sensor de oximetria cerebral não invasiva (rSO2) foi então aplicado e conectado a um monitor INVOS 5100™ (Medtronic, Minneapolis, MN, EUA), de acordo com as recomendações do fabricante. De acordo com as recomendações, RSO2 basal foi registrada após um período de estabilização de um minuto. Os pacientes respiravam 3 L.min-1 de O2 via cânula nasal.

Após o início da monitoração e indução da anestesia, um cateter venoso central (cateter PreSep, Edwards Lifesciences, Irvine, CA, EUA) foi inserido. Esse cateter foi submetido à calibração in vitro, de acordo com as instruções do fabricante antes da inserção e conectado a um sistema de monitoração hemodinâmica contínua de ScvO2 – Vigileo® (Edwards Lifesciences).

A administração e a monitoração da anestesia por inalação foram feitas com uma máquina de anestesia Aestiva 5 (Datex Ohmeda®, GE Healthcare).

A indução da anestesia foi feita com um bolus intravenoso (IV) de propofol (2 mg.kg−1), infusão alvocontrolada (TCI) de remifentanil e bolus IV de cisatracúrio (0,2 mg.kg−1). Os pacientes também receberam administrações IV de dexametasona (4 mg), ondansetrona (4 mg), cetoprofeno (100 mg) e profilaxia antibiótica IV com ceftriaxona (1 g) e metronidazol (500 mg). Os parâmetros hemodinâmicos, ScvO2, valores BIS e NIRS foram registrados a cada 5 minutos (min) durante a anestesia. O anestesiologista participante desconhecia as mensurações de rSO2 e ScvO2.

A manutenção da anestesia foi feita com 1% de isoflurano, com vistas a valores BIS entre 45–65, e TCI de remifentanil, conforme necessário.

A ventilação e o manejo de líquidos foram os seguintes: volume corrente de 6 mL.kg−1 de peso ideal, ajustou-se a frequência respiratória aos valores-alvo de EtCO2 de 30–35 mmHg, FiO2 de 0,5 e PEEP de 6 cm H2O. Solução de Ringer com lactato (3–5 mL.kg−1.h−1) foi administrada para o manejo de líquidos, com vistas a uma pressão arterial média (PAM) de 65–85 mmHg. Em caso de hipotensão, a variabilidade da pressão de pulso foi monitorada para avaliar a necessidade de administrar um bolus adicional de líquido. Em caso de hipotensão grave ou hipotensão não responsiva aos líquidos, vasopressores foram administrados de acordo com o seguinte protocolo: na ausência de taquicardia, efedrina em bolus de 6–12 mg foi administrada; se não houvesse resposta à efedrina ou se efedrina não pudesse ser usada, fenilefrina em bolus de 50–100 µg foi administrada. Caso não houvesse resposta à fenilefrina, uma infusão de norepinefrina era iniciada, com vistas à PAM de 65-85 mmHg.

Antes da conclusão da cirurgia, analgesia peridural foi iniciada com uma solução de bupivacaína a 0,1% e fentanil (4 µg.mL−1) a uma taxa de infusão de 5–8 mL.h−1. A analgesia no pós-operatório foi administrada por uma equipe especializada do Departamento de Anestesiologia.

Protocolo pós-operatório

Quando o procedimento cirúrgico e a anestesia foram concluídos, os pacientes foram transferidos para a unidade cirúrgica intermediária da UTI para monitoramento contínuo. Os parâmetros hemodinâmicos e de perfusão foram registrados a cada hora e lactato arterial e hemoglobina medidos a cada seis horas (h), até completar 24 h de monitoração.

Avaliação do delírio

A partir do dia da cirurgia, os pacientes foram avaliados diariamente para DPO por uma semana. O Método de Avaliação da Confusão (CAM), um instrumento validado para essa condição, foi usado para essa avaliação.

Definições e pontos de corte para as variáveis de interesse

Como não há um padrão definido para hipotensão intraoperatória, pressão arterial, sistólica e diastólica, pressão mínima e variações da PAM foram analisadas. A área sob a curva (ASC) foi calculada para os valores mínimos absolutos da PAM abaixo de 50 e 60 mmHg, bem como para os valores no intra e pós-operatório, representaram queda > 20% e > 30% em relação aos níveis basais. Para a espectroscopia cerebral no infravermelho próximo (NIRS), as medidas anormais foram definidas como: 1) valor rSO2 20% abaixo do valor basal; 2) rSO2 absoluto abaixo de 50%.1313 Schoen J, Meyerrose J, Paarmann H, et al. Preoperative regional cerebral oxygen saturation is a predictor of postoperative delirium in on-pump cardiac surgery patients: a prospective observational trial. Crit Care. 2011;15:R218. ScvO2 foi considerada como variável contínua. Para avaliar o impacto da ScvO2 no intra e pós-operatório, fizemos uma análise post hoc do delta-ScvO2, definido como a diferença entre a média de ScvO2 no intra e pós-operatório, com vistas a pontos de corte de 10%, 15% e 20%.

Análise estatística e tamanho da amostra

Estimamos que 20% dos pacientes desenvolveriam DPO.1414 Mangnall LT, Gallagher R, Stein-Parbury J. Postoperative delirium after colorectal surgery in older patients. Am J Crit Care. 2011;20:45-55. Estimamos também que o grupo DPO apresentaria valores de ScvO2 no pós-operatório pelo menos 10% inferiores aos daqueles sem DPO e que a ScvO2 do grupo sem DPO seria de aproximadamente 75% ± 8% no pós-operatório.1515 Pearse R, Dawson D, Fawcett J, et al. Changes in central venous saturation after major surgery, and association with outcome. Crit Care. 2005;9:R694-9.,1616. Multicentre study on peri- and postoperative central venous oxygen saturation in high-risk surgical patients. Crit Care. 2006;10:R158. De acordo com esses parâmetros, para um alfa de 0,05 e uma potência de 80%, uma amostra de pelo menos 25 pacientes seria necessária (OpenEpi versão 3). A análise estatística foi feita com o programa SPSS® versão 21.0 (SPSS® Inc., Chicago, IL, EUA). As características basais dos pacientes e as mensurações no intra e pós-operatório foram expressas em proporção, média ± DP ou mediana (p25–p75), de acordo com a distribuição dos dados. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para avaliar a distribuição das variáveis contínuas. Para explorar as associações entre as variáveis basais, intraoperatórias, pós-operatórias e DPO, a comparação das medianas foi usada ou o teste do qui-quadrado, teste exato de Fisher ou teste t de Student para amostras independentes, conforme apropriado. Um valor p < 0,05 foi usado para todas as análises.

Resultados

Entre janeiro de 2010 e março de 2013, 28 pacientes foram inscritos no estudo. As características demográficas dos pacientes foram idade (73 ± 7 anos), mulheres (60,7%) e escolaridade (10 ± 4 anos). As indicações para cirurgia foram câncer de cólon (82,1%), reversão de colostomia (14,3%) ou outras (3,6%). As classificações de risco anestésico no pré-operatório foram ASA I (35,7%) e ASA II (64,3%). Os valores sanguíneos basais foram hemoglobina (11 ± 2 g.dL−1) e lactato (1,2 ± 0,3 mEq.L−1).

A incidência observada de DPO foi de 7,1% (dois casos). Dentre as características basais do paciente, o nível menor de escolaridade foi associado ao DPO (4,5 ± 0,7 vs. 11 ± 4 anos para os grupos DPO vs. não DPO, p = 0,031).

Achados hemodinâmicos

Os parâmetros basais antes da indução da anestesia foram PAM (107 ± 16 mmHg) e pressão arterial sistólica, PAS (157 ± 31 mmHg). Todos os pacientes apresentaram pelo menos um episódio intraoperatório de PAM abaixo de 65 mmHg e 92,9% apresentaram pelo menos um episódio de PAM abaixo de 60 mmHg. As avaliações no intraoperatório dos pacientes com e sem delírio estão na tabela 1. PAM no pós-operatório foi de 76 ± 8 mmHg. A figura 1 mostra os valores PAM no intra e pós-operatório dos pacientes com e sem DPO. Houve diferença significativa entre PAM basal e PAM no intra e pós-operatório (p < 0,001), mas não houve diferença significativa entre os grupos DPO e não DPO.

Tabela 1
Valores hemodinâmicos absolutos e relativos no período intraoperatório para todos os pacientes, pacientes sem delírio no pós-operatório, pacientes com delírio no pós-operatório; dados expressos em % e média ± DP; valores p calculados com o teste t de Student ou o teste exato de Fisher

Figura 1
Pressão arterial média basal, intraoperatória e pós-operatória (PAM, mmHg) em pacientes sem e com delírio (média ± 2 erros-padrão, n = 28 casos).

A tabela 2 descreve a administração de líquidos e vasopressores. Nenhuma dessas variáveis foi associada à incidência de DPO.

Tabela 2
Intervenções hemodinâmicas no intraoperatório e incidência de delírio no pós-operatório

Oxigenação cerebral

A média para rSO2 basal foi de 64% ± 7%. A tabela 3 e a figura 2 mostram a evolução das medidas basais, intra e pós-operatórias da saturação de oxigênio cerebral. Houve diferença significativa entre os pacientes com e sem DPO para rSO2 basal (p = 0,038), mas não para rSO2 no intra ou pós-operatório.

Tabela 3
Características nos períodos intra e pós-operatório da oxigenação cerebral não invasiva (rSO2, %) em todos os pacientes, pacientes sem delírio pós-operatório e pacientes com delírio pós-operatório (rSO2io, mensuração no intraoperatório; rSO2po, mensuração no pós-operatória); dados expressos em % e média ± DP; valores p calculados com o teste t de Student ou o teste exato de Fisher

Figura 2
Saturação de oxigênio cerebral (rSO2,%) nos períodos basal, intraoperatório e pós-operatório em pacientes sem e com delírio (média ± 2 erros-padrão; n = 28 casos).

Parâmetros globais de perfusão

Houve uma diferença significativa entre ScvO2 no intraoperatório (81% ± 8%) e pós-operatório (74% ± 7%) (p = 0,003). Os valores médios de ScvO2 no intra e pós-operatório dos pacientes com e sem delírio estão apresentados na figura 3. ScvO2 no pós-operatório foi de 65% ± 10% no grupo DPO vs. 74% ± 7% no grupo não DPO (p = 0,08). Quanto ao delta-ScvO2, os pacientes com alteração >15% apresentaram incidência significativamente maior de DPO do que aqueles com delta-ScvO2 menor (teste exato de Fisher, p = 0,043).

Figura 3
Média da saturação venosa central de oxigênio (ScvO2,%) nos períodos intraoperatório e pós-operatório em pacientes sem e com delírio (média ± 2 erros-padrão, n = 28 casos; *p = 0,081).

Quanto ao lactato, 61% dos pacientes apresentaram pelo menos um valor de lactato acima do limite normal. A média do valor máximo de lactato foi de 2,7 ± 1,6 mEq.L−1 e em 25% dos pacientes o pico de lactato foi de >4 mEq.L–1. Não houve associação entre as medidas de lactato e DPO.

Discussão

Nosso estudo-piloto avaliou a associação entre hipotensão, hipoperfusão e oxigenação cerebral no perioperatório e delírio no pós-operatório em uma população de pacientes idosos submetidos à cirurgia abdominal de grande porte.

Este estudo piloto foi negativo para o desfecho primário; enquanto ScvO2 no pós-operatório foi menor entre os pacientes com vs. sem DPO, a diferença não foi significativa (65% vs. 74%, p = 0,08). Porém, o delta-ScvO2 foi associado ao desenvolvimento de delírio. Quanto aos desfechos secundários, não houve associação entre hipotensão, diminuição da oxigenação cerebral ou hiperlactatemia no perioperatório e delírio. Adicionalmente, descobrimos que os anos de escolaridade foram associados à ocorrência de DPO.

Em relação aos marcadores globais de hipoperfusão, tanto a redução de ScvO2 quanto o aumento de lactato no pós-operatório foram associados a piores resultados em pacientes cirúrgicos.1515 Pearse R, Dawson D, Fawcett J, et al. Changes in central venous saturation after major surgery, and association with outcome. Crit Care. 2005;9:R694-9.,1616. Multicentre study on peri- and postoperative central venous oxygen saturation in high-risk surgical patients. Crit Care. 2006;10:R158. Além disso, sugeriu-se que as estratégias de reanimação poderiam afetar a morbidade no perioperatório e o tempo de permanência hospitalar, embora esses achados permaneçam controversos.1717 Donati A, Loggi S, Preiser JC, et al. Goal-directed intraoperative therapy reduces morbidity and length of hospital stay in high-risk surgical patients. Chest. 2007;132:1817-24.,1818 Grocott MP, Dushianthan A, Hamilton MA, et al. Perioperative increase in global blood flow to explicit defined goals and outcomes after surgery: a Cochrane Systematic Review. Br J Anaesth. 2013;111:535-48. Nosso estudo é o primeiro a avaliá-los na incidência de delírio. Nossos achados, embora negativos para o desfecho primário, são provocadores, já que a diferença observada na ScvO2 pós-operatória foi 9% menor nos pacientes que desenvolveram delírio, o que parece clinicamente relevante para um estudo-piloto. Uma alta proporção de pacientes desenvolveu hiperlactatemia; porém, não houve associação com DPO.

A associação entre hipotensão intraoperatória e delírio é controversa.88 Wesselink EM, Kappen TH, van Klei WA, et al. Intraoperative hypotension and delirium after on-pump cardiac surgery. Br J Anaesth. 2015;115:427-33.,99 Hirsch J, DePalma G, Tsai TT, et al. Impact of intraoperative hypotension and blood pressure fluctuations on early postoperative delirium after non-cardiac surgery. Br J Anaesth. 2015;115:418-26. Alguns estudos sugerem associação, mas publicações recentes que usaram novas estratégias para a análise de hipotensão intraoperatória não confirmaram esse achado. Nosso estudo, consistente com esses estudos recentes, não encontrou associação entre hipotensão e delírio.

Quanto à relação entre oxigenação cerebral e delírio, vários estudos relataram associação entre reduções na oxigenação cerebral não invasiva e desfechos cognitivos, especialmente em pacientes cardiocirúrgicos.1919 Aktuerk D, Mishra PK, Luckraz H, et al. Cerebral oxygenation monitoring in patients with bilateral carotid stenosis undergoing urgent cardiac surgery: observational case series. Ann Card Anaesth. 2016;19:59-62.,2020 Kara I, Erkin A, Sacli H, et al. The effects of near-infrared spectroscopy on the neurocognitive functions in the patients undergoing coronary artery bypass grafting with asymptomatic carotid artery disease: a randomized prospective study. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2015;21:544-50. Para delírio, um estudo observou associação entre rSO2 basal e risco de delírio.1313 Schoen J, Meyerrose J, Paarmann H, et al. Preoperative regional cerebral oxygen saturation is a predictor of postoperative delirium in on-pump cardiac surgery patients: a prospective observational trial. Crit Care. 2011;15:R218. Nossos achados não confirmaram essa observação.

Por fim, observamos uma associação entre anos de escolaridade e DPO. Essa descoberta foi relatada anteriormente, embora essa variável seja ignorada em muitos estudos. Esse achado expressa a relevância da reserva cognitiva como um fator crítico no risco de DPO basal. Esse conceito está relacionado à trajetória cognitiva no pré-operatório, o que recentemente foi sugerido como uma variável crítica no risco de complicações neurológicas no pós-operatório.2121 Nadelson MR, Sanders RD, Avidan MS. Perioperative cognitive trajectory in adults. Br J Anaesth. 2014;112:440-51.,2222 Dokkedal U, Hansen TG, Rasmussen LS, et al. Cognitive functioning after surgery in middle-aged and elderly Danish twins. Anesthesiology. 2016;124:312-21.

A principal limitação deste estudo é o pequeno tamanho da amostra. Devido à multiplicidade de variáveis pré- e intraoperatórias ligadas ao DPO, elaboramos um protocolo rigoroso com um grupo muito homogêneo de pacientes. Nosso estudo seguiu um protocolo padronizado para procedimentos anestésicos e cirúrgicos, inclusive monitoração e manejo dos distúrbios hemodinâmicos e da profundidade da anestesia.

Outra limitação, não esperada a priori, foi a baixa incidência de DPO observada, que esteve no limite inferior descrito na literatura para esse tipo de paciente. Esse achado pode ser atribuído aos efeitos positivos do protocolo sobre as práticas clínicas. Embora não planejado, é possível que o protocolo para outras práticas, como o uso de benzodiazepínicos ou outras drogas que podem estar associadas ao desenvolvimento de delírio, teria afetado. Outra fonte em potencial é a estratégia usada de monitoração da profundidade da anestesia. Vários estudos sugeriram que monitorar a profundidade da anestesia com BIS reduz o risco de delírio.2323 Radtke FM, Franck M, Lendner J, et al. Monitoring depth of anaesthesia in a randomized trial decreases the rate of postoperative delirium but not postoperative cognitive dysfunction. Br J Anaesth. 2013;110(Suppl. 1):i98-i105.,2424 Chan MT, Cheng BC, Lee TM, et al. BIS-guided anesthesia decreases postoperative delirium and cognitive decline. J Neurosurg Anesthesiol. 2013;25:33-42. Como esses efeitos poderiam ter levado a um estudo com poder menor, os achados deste estudo piloto devem ser tratados como geradores de hipóteses, especialmente a relação entre ScvO2 no período perioperatório e delírio.

Apesar das limitações descritas, parece-nos que o desenho e os resultados interessantes deste estudo podem fornecer algumas perspectivas em relação a estudos nessa área. Primeiro, entre os marcadores avaliados, o achado obtido com ScvO2 parece o mais promissor. Estudos futuros de perfusão global e DPO devem considerar a mensuração de ScvO2 nos períodos intra e pós-operatório, bem como suas relações. Segundo, é aconselhável que estudos futuros se concentrem em populações com maior risco de DPO. Para isso, diferentes variáveis pré-operatórias devem ser consideradas, o que permitirá uma melhor estratificação do risco. Por fim, os novos estudos devem considerar um tamanho de amostra que permita demonstrar a existência ou não de associação entre hipoperfusão cerebral e delírio.

  • Financiamento
    Comision Nacional de Ciencia y Tecnología (Conicyt), Programa Fondecyt de Iniciación nº 11100246.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2016
  • Aceito
    4 Out 2017
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