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Bloqueio peribulbar combinado com anestesia geral em bebês submetidos a tratamento a laser para retinopatia da prematuridade: uma análise retrospectiva

Resumo

Justificativa e objetivos

Até o momento não há um consenso sobre a técnica anestésica mais adequada para o tratamento de retinopatia da prematuridade. O bloqueio peribulbar pode reduzir a incidência de reflexo oculocardíaco e apneia no pós-operatório. O objetivo deste estudo foi relatar os resultados do bloqueio peribulbar, quando combinado com anestesia geral, para o tratamento a laser de retinopatia da prematuridade em bebês prematuros.

Métodos

Uma análise retrospectiva dos registros anestésicos de todos os bebês submetidos ao tratamento a laser para retinopatia da prematuridade de janeiro de 2008 a dezembro de 2015 foi realizada em um hospital terciário.

Resultados

Durante esse período, seis bebês foram submetidos ao tratamento a laser para retinopatia da prematuridade, todos sob bloqueio peribulbar combinado com anestesia geral. Uma injeção infratemporal única de ropivacaína a 1% ou 0,75% (0,15 mL.kg−1) foi administrada por olho. No fim do procedimento, todos os bebês retomaram a ventilação espontânea. Não foram relatadas complicações perioperatórias.

Conclusões

O bloqueio peribulbar foi uma técnica anestésica segura em nossa amostra considerada.

PALAVRAS-CHAVE
Retinopatia da prematuridade; Bloqueio nervoso; Doenças retinianas; Recém-nascido; prematuro; Terapia a laser

Abstract

Background and objectives

Currently there is no agreement regarding which one is the most adequate anesthetic technique for the treatment of retinopathy of prematurity. Peribulbar block may reduce the incidence of oculocardiac reflex and postoperative apnea. The goal of this study was to report the outcomes of peribulbar block, when combined with general anesthesia, for the laser treatment for retinopathy of prematurity, in premature babies.

Methods

A retrospective analysis of anesthetic records of all babies who underwent laser treatment for retinopathy of prematurity from January 2008 through December 2015 in a tertiary hospital was performed.

Results

During that period a total of six babies was submitted to laser treatment for retinopathy of prematurity, all under peribulbar block combined with general anesthesia. A single infratemporal injection of 0.15 mL.kg−1 per eye ropivacaine 1% or 0.75% was performed. At the end of the procedure, all babies resumed spontaneous ventilation. No perioperative complications were reported.

Conclusions

Peribulbar block was a safe anesthetic technique in our sample considered.

KEYWORDS
Retinopathy of prematurity; Nerve block; Retinal diseases; Infant, premature; Laser therapy

Introdução

A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença vasoproliferativa que representa uma importante causa de cegueira evitável em crianças. Nas últimas décadas, os avanços nos tratamentos neonatais melhoraram a taxa de sobrevivência dos recém-nascidos prematuros. A incidência de ROP também aumentou, bem como a necessidade de manejo cirúrgico.11 Sinha R, Talawar P, Ramachandran R, et al. Perioperative management and post-operative course in pre-term infants undergoing vitreo-retinal surgery for retinopathy of prematurity: a retrospective study. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:258-62. A cirurgia consiste em laser periférico seguido de vitrectomia em pacientes que desenvolvem descolamento da retina. No entanto, ainda não existe um consenso sobre qual é a técnica anestésica mais apropriada para o tratamento de ROP.

Os bebês prematuros apresentam desafios incomuns para o anestesiologista devido à imaturidade de sua fisiologia e anatomia.22 Walther-Larsen S, Rasmussen LS. The former preterm infant and risk of post-operative apnoea: recommendations for management. Acta Anaesthesiol Scand. 2006;50:888-93. Muitos estudos relataram que tanto os recém-nascidos quanto os lactantes que nasceram com menos de 60 semanas de idade pós-conceptual (IPC) apresentam complicações respiratórias com mais frequência após a anestesia geral do que outros lactentes nascidos a termo. Também há preocupações de que os agentes anestésicos e sedativos possam ter um efeito tóxico direto no cérebro em desenvolvimento mesmo após o nascimento.

A anestesia regional pode minimizar o uso de opioides no período perioperatório; portanto, o seu uso deve ser considerado nessa faixa etária.22 Walther-Larsen S, Rasmussen LS. The former preterm infant and risk of post-operative apnoea: recommendations for management. Acta Anaesthesiol Scand. 2006;50:888-93. Quanto ao bloqueio peribulbar em bebês prematuros submetidos a tratamento para ROP, os dados que descrevem o seu uso são escassos.11 Sinha R, Talawar P, Ramachandran R, et al. Perioperative management and post-operative course in pre-term infants undergoing vitreo-retinal surgery for retinopathy of prematurity: a retrospective study. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:258-62.,33 Sinha R, Maitra S. The effect of peribulbar block with general anesthesia for vitreoretinal surgery in premature and ex-premature infants with retinopathy of prematurity. A A Case Rep. 2016;6:25-7.

O objetivo deste estudo foi relatar os desfechos do bloqueio peribulbar, quando combinado com anestesia geral, para o tratamento a laser de ROP em bebês prematuros em nossa instituição.

Métodos

Uma revisão retrospectiva dos registros anestésicos de todos os pacientes submetidos ao tratamento a laser para ROP sob bloqueio peribulbar combinado com anestesia geral foi feita de janeiro de 2008 a dezembro de 2015 em nossa instituição.

Informações sobre sexo, idade gestacional ao nascimento, IPC no momento da cirurgia, peso ao nascer e no momento da cirurgia, comorbidades relevantes, necessidade prévia de ventilação mecânica e suplementação de oxigênio foram coletadas. Os registros de anestesia foram revisados em busca dos dados relativos à técnica de indução, manejo das vias aéreas, medicamentos usados, execução de bloqueio peribulbar, eventos adversos no intraoperatório e necessidade de ventilação mecânica no fim do procedimento. As informações referentes ao pós-operatório, inclusive a necessidade de analgésicos complementares, apoio ventilatório ou suplementação de oxigênio e ocorrência de complicações, foram coletadas após a revisão dos registros da unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal. Todas as informações foram coletadas anonimamente.

Resultados

Durante o tempo destinado à revisão, seis pacientes receberam o tratamento a laser para ROP. Todos os pacientes foram submetidos ao procedimento sob bloqueio peribulbar combinado com anestesia geral.

Os dados demográficos e clínicos são apresentados na tabela 1. A mediana (intervalo) da idade gestacional ao nascimento foi de 27 (24–33) semanas e a IPC no momento da cirurgia foi de 39 (34–47) semanas. A mediana do peso ao nascimento e no momento do tratamento foi de 856 g (650–1.200) e 2.098 g (1.576–3.000), respectivamente. Todos os pacientes foram classificados como ASA III e metade dos pacientes era do sexo feminino. No momento em que se apresentaram para a cirurgia, nenhum paciente precisou de ventilação mecânica e apenas um deles precisou de suplementação de oxigênio, administrada via cânula nasal (Prematuro 6). A mediana (intervalo) do tempo de internação dos pacientes antes da cirurgia foi de 66 dias (1–93). Apenas um dos pacientes fora submetido à cirurgia anterior, que ocorreu sem complicações (Prematuro 2 – cateter venoso central colocado sob anestesia geral).

Tabela 1
Características da população do estudo

Todos os bebês foram submetidos a uma avaliação pré-anestésica detalhada e seguiram as diretrizes da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) para o jejum. A monitoração no intraoperatório consistiu em eletrocardiografia contínua, oximetria de pulso, pressão sanguínea não invasiva, dióxido de carbono no fim da expiração, temperatura e glicemia. Além de aquecer a sala de operação, um sistema de ar forçado aquecido foi usado durante todo o período intraoperatório. O acesso intravenoso (IV) foi previamente obtido na UTI neonatal, de onde os bebês foram transferidos. Uma indução da anestesia inalatória com mistura de sevoflurano, oxigênio e ar através de um sistema Jackson-Rees foi feita em todos os pacientes. Após atingir um plano anestésico adequado, fentanil foi administrado IV. Além disso, quando a intubação endotraqueal foi executada, atracurium foi administrado IV. A anestesia foi então mantida com sevoflurano e ventilação controlada com circuito fechado. Medicamentos anticolinérgicos não foram usados em nenhum dos casos antes da indução. O bloqueio peribulbar foi feito bilateralmente em todos os pacientes, após indução de anestesia geral, por meio de uma única injeção infratemporal de ropivacaína a 1% (Prematuro 1 a Prematuro 5) ou a 0,75% (Prematuro 6), 0,15 mL.kg–1 em cada olho, com uma agulha de 30,5 G. Levou-se em consideração a dose máxima do fármaco de 3 mg.kg–1 para determinar o volume de ropivacaína por olho e ela foi convertida para o respectivo volume de ropivacaína a 1%. Esse volume foi ainda dividido para administração em ambos os olhos. Fentanil só foi administrado antes do manejo das vias aéreas. Uma descrição mais detalhada do manejo anestésico e cirúrgico é apresentada na tabela 2. A média (intervalo) de glicemia capilar durante a cirurgia foi de 114 (93–195) mg.dL–1. No fim do procedimento, o bloqueio neuromuscular foi revertido com 50 µg.kg–1 de neostigmina e 20 µg.kg–1 de atropina. As medianas (intervalos) dos tempos de anestesia e cirurgia foram 204 (186–307) e 148 (109–178) minutos, respectivamente. Todos os bebês retomaram a ventilação espontânea de modo eficaz. Posteriormente, os bebês foram imediatamente transportados para a UTI neonatal, uma conduta habitual de nossa prática para esse tipo de situação. O paciente referido como Prematuro 2 precisou de um curto período de ventilação não invasiva na UTI e também foi o único que precisou de um reforço da analgesia nas primeiras 24 h, mas apenas acetaminofeno foi administrado. Além disso, e ao longo de todo o período perioperatório, as mensurações hemodinâmicas e respiratórias permaneceram estáveis e não foram relatadas complicações, inclusive aquelas que poderiam ser atribuídas ao bloqueio peribulbar. Os outros bebês não precisaram de analgésicos de resgate.

Tabela 2
Detalhes do manejo anestésico e cirúrgico

A mediana do tempo de alta hospitalar foi de 5,5 (2,0–21,0) dias.

Discussão

Os seis bebês representam toda a coorte de pacientes submetidos ao tratamento a laser para retinopatia em sete anos. Nossa principal conclusão é que o bloqueio peribulbar foi seguro em nossa coorte de bebês prematuros, quando consideramos nossa população. A abordagem livre de opioides não foi escolhida devido à possível instabilidade hemodinâmica relacionada ao manejo das vias aéreas. Embora o uso de opioides possa ser um fator de confusão ao analisar a estabilidade hemodinâmica e a necessidade de analgésicos adicionais, a meia-vida curta de um único bolus de fentanil não poderia explicar completamente essas variáveis porque a duração do procedimento vai muito além do efeito clínico do medicamento. Além disso, consideramos que o manejo de vias aéreas infantis é mais seguro sob a influência de opioides para evitar a possibilidade de broncoespasmo/laringoespasmo e a necessidade de um plano de anestesia mais profundo e seus possíveis efeitos adversos. Porém, não foi possível chegar a conclusões a respeito de seu efeito sobre a dose de opioides porque não houve um grupo controle para tal comparação. Durante o período intraoperatório, o padrão hemodinâmico manteve-se estável e não houve necessidade de administração suplementar de opioides. Isso pode ser atribuído à analgesia suficiente fornecida pelo bloqueio. Além disso, todos os pacientes recuperaram a ventilação espontânea no fim do procedimento sem necessidade de apoio mecânico. Exceto por um bebê que precisou de um curto período de ventilação não invasiva no período pós-operatório, não houve relatos de apneia, dessaturação ou bradicardia. Esse paciente, referido como Prematuro 2, tinha história de displasia broncopulmonar e precisou de um longo período de ventilação invasiva (29 dias) e não invasiva (67 dias), conforme descrito na tabela 2. O fato de esse paciente precisar de ventilação não invasiva deve ser interpretado como consequência do seu estado inicial.

Durante o período pós-operatório, as principais preocupações referentes a bebês prematuros submetidos à anestesia geral são as cardiorrespiratórias, particularmente apneia, bradicardia e dessaturação de oxigênio. A incidência de apneia no pós-operatório é inversamente proporcional à IPC; idade gestacional mais precoce e anemia são fatores de risco adicionais. Vários fatores de risco para apneia no pós-operatório estavam presentes em nossa população, tais como IPC inferior a 60 semanas no momento da cirurgia, anemia, patologia pulmonar e cardíaca.

Atualmente, sabe-se que os bebês prematuros são capazes de sentir dor e que um estímulo doloroso significativo pode resultar em episódios bradicárdicos e apneicos que, por sua vez, podem se traduzir em morbidade significativa. Embora o tratamento a laser não seja necessariamente doloroso, o leve estímulo do oftalmoscópio indireto, a inserção de um espéculo palpebral e a manipulação do globo podem induzir estresse e instabilidade sistêmica.44 Rush R, Rush S, Nicolau J, et al. Systemic manifestations in response to mydriasis and physical examination during screening for retinopathy of prematurity. Retina. 2004;24:242-5. Portanto, fornecer analgesia adequada é de suma importância. Como os bebês prematuros são muito sensíveis ao efeito depressor respiratório dos opioides, o que pode levar a uma recuperação tardia, o uso de técnicas anestésicas regionais pode ter um papel importante nesse contexto.

Os relatos sobre anestesia regional e analgesia em bebês prematuros e ex-prematuros são limitados principalmente à cirurgia de hérnia.55 Jones LJ, Craven PD, Lakkundi A, et al. Regional (spinal, epidural, caudal) versus general anesthesia in preterm infants undergoing inguinal herniorrhaphy in early infancy. Cochrane Database Syst Rev. 2015;:CD003669. Nesse cenário, algumas evidências sugerem que a administração de anestesia espinhal em vez de anestesia geral sem administrar sedativo pode diminuir o risco de apneia em até 47% no pós-operatório.55 Jones LJ, Craven PD, Lakkundi A, et al. Regional (spinal, epidural, caudal) versus general anesthesia in preterm infants undergoing inguinal herniorrhaphy in early infancy. Cochrane Database Syst Rev. 2015;:CD003669. Poucos estudos avaliam o uso de anestesia regional em cirurgia oftalmológica pediátrica. Nos procedimentos oftalmológicos, a imobilidade do olho é fundamental para melhorar as condições cirúrgicas.66 James I. Anaesthesia for paediatric eye surgery. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain J. 2008;8:5-10. Os pacientes pediátricos submetidos à cirurgia vitreorretiniana sob bloqueio peribulbar e anestesia geral apresentaram menos variabilidade hemodinâmica, reflexo óculo-cardíaco, dor, náusea e vômito no pós-operatório.77 Subramaniam R, Subbarayudu S, Rewari V, et al. Usefulness of pre-emptive peribulbar block in pediatric vitreoretinal surgery: a prospective study. Reg Anesth Pain Med. 2003;28:43-7.99 Shende D, Sadhasivam S, Madan R. Effects of peribulbar bupivacaine as an adjunct to general anaesthesia on peri-operative outcome following retinal detachment surgery. Anaesthesia. 2000;55:970-5. Também apresentaram menos necessidade de concentrações de agentes voláteis inalatórios. Durante o procedimento, os pacientes apresentaram melhor imobilidade do olho e, após o procedimento, conseguiram retornar mais cedo à alimentação normal e receberam alta mais precocemente.1010 Gayer S, Palte H. Ultrasound guided ophthalmic regional anesthesia. Curr Opin Anesthesiol. 2016;29:655-61. Stein et al., em uma atualização sobre a anestesia regional pediátrica, documentaram o uso dessa prática com uma abordagem infratemporal.1111 Stein ALS, Baumgard D, Del Rio I, et al. Updates in pediatric regional anesthesia and its role in the treatment of acute pain in the ambulatory setting. Curr Pain Headache Rep. 2017;21:11. Relataram o uso de ropivacaína a 0,375% (0,25 mL.kg−1) ou de bupivacaína a 0,25% (3 mg.kg−1, dose máxima), mas nem os resultados atuais de sua prática nem as variáveis demográficas dos pacientes pediátricos que receberam esse bloqueio foram descritos.

Relatou-se que a anestesia geral proporciona um curso intraoperatório mais estável do que a sedação e a anestesia tópica para o tratamento a laser.1212 Eipe N, Kim J, Ramsey G, et al. Anesthesia for laser treatment for retinopathy of prematurity – all clear now?. Paediatr Anaesth. 2008;18:1103-5.

Sinha et al. descreveram o uso do bloqueio peribulbar em cirurgia vitreorretiniana para ROP como adjuvante da anestesia geral em três casos com história de dificuldade respiratória nos quais fentanil foi omitido. Esses lactentes tiveram um curso pós-operatório sem intercorrências.11 Sinha R, Talawar P, Ramachandran R, et al. Perioperative management and post-operative course in pre-term infants undergoing vitreo-retinal surgery for retinopathy of prematurity: a retrospective study. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2014;30:258-62. Esses mesmos pacientes foram incluídos em uma série de casos que relatou os efeitos do bloqueio peribulbar em 24 bebês prematuros ou ex-prematuros submetidos à cirurgia vitreorretiniana para ROP, avaliaram-se os resultados no pós-operatório e o uso de opioides no intraoperatório.33 Sinha R, Maitra S. The effect of peribulbar block with general anesthesia for vitreoretinal surgery in premature and ex-premature infants with retinopathy of prematurity. A A Case Rep. 2016;6:25-7. O bloqueio peribulbar foi considerado seguro pelos autores, ao mesmo tempo em que forneceu uma qualidade aceitável de analgesia. As medianas (intervalos) da idade gestacional ao nascimento e da IPC no momento da cirurgia foram de 28 (26–40) semanas e 52 (39–76) semanas, respectivamente; em nosso estudo, foram de 27 (24; 33) semanas e 39 (34; 47) semanas. Fentanil não foi administrado e não houve relatos de eventos adversos respiratórios no pós-operatório. Em nossa população, uma única dose de fentanil foi administrada antes do manejo das vias aéreas, mas, de forma semelhante, todos os bebês retomaram a ventilação espontânea no fim do procedimento, apenas um bebê precisou de apoio mecânico não invasivo no pós-operatório (Prematuro 2). Em relação à execução do bloqueio peribulbar, a técnica usada foi a mesma de nossa amostra; porém, o tipo, volume e a concentração do anestésico local foram diferentes. Os autores descreveram o uso de lidocaína a 1% e bupivacaína a 0,25%, combinada ou isoladamente com o volume mediano (intervalo) de 1 (0,5–2,0) mL. Nosso estudo é o primeiro a descrever o uso da ropivacaína para esse propósito sob um protocolo padronizado. Ropivacaína a 1% foi usada em cinco bebês, enquanto a ropivacaína a 0,75% foi usada em apenas um (Prematuro 6), mas sempre com o mesmo volume (0,15 mL.kg–1 para cada olho). De fato, a concentração de ropivacaína usada em nosso hospital, nesse cenário, foi extrapolada daquela usada em adultos. Embora o uso de uma concentração menor de ropivacaína tenha sido descrito em apenas um paciente, essa concentração parece assegurar medidas hemodinâmicas e respiratórias tão estáveis como as dos demais bebês.

Ropivacaína é um anestésico local do grupo aminoamida, com menos toxicidades neurológicas e cardiovasculares, mais seletivo sensorialmente em comparação com bupivacaína.1313 Knudsen K, Beckman Suurkula M, Blomberg S, et al. Central nervous and cardiovascular effects of i.v. infusions of ropivacaine, bupivacaine and placebo in volunteers. Br J Anaesth. 1997;78:507-14. Os bebês são propensos a desenvolver toxicidade neurológica com bupivacaína.1313 Knudsen K, Beckman Suurkula M, Blomberg S, et al. Central nervous and cardiovascular effects of i.v. infusions of ropivacaine, bupivacaine and placebo in volunteers. Br J Anaesth. 1997;78:507-14. De fato, sua concentração isolada para induzir toxicidade neurológica é de aproximadamente 50% daquela de ropivacaína isolada.1414 Luz G, Wieser C, Innerhofer P, et al. Free and total bupivacaine plasma concentrations after continuous epidural anaesthesia in infants and children. Paediatr Anaesth. 1998;8:473-8. Em lactentes, as disritmias e o alargamento do QRS devido à diminuição da condução intraventricular por anestésicos locais de ação prolongada podem aparecer antes de qualquer manifestação neurológica.1515 Maxwell LG, Martin LD, Yaster M. Bupivacaine-induced cardiac toxicity in neonates: successful treatment with intravenous phenytoin. Anesthesiology. 1994;80:682-6. Devido ao aumento da frequência cardíaca, os neonatos e lactentes apresentam maior intensidade do bloqueio (bloqueio dependente do uso), são mais propensos aos efeitos tóxicos de bupivacaína, levobupivacaína e ropivacaína do que os adultos. Hipotermia, pH baixo, hipoxemia e distúrbios eletrolíticos reduzem o limiar de toxicidade cardíaca.1616 Mazoit JX, Dalens BJ. Pharmacokinetics of local anaesthetics in infants and children. Clin Pharmacokinet. 2004;43:17-32.

Até o momento, ropivacaína tem sido bem tolerada em crianças, independentemente da via de administração. Ropivacaína foi avaliada em crianças, principalmente para anestesia de bloqueio caudal. Em alguns estudos, ela proporcionou início e duração semelhantes de ação em comparação com bupivacaína, mas com menos bloqueio motor.1717 Bosenberg AT, Thomas J, Lopez T, et al. Plasma concentrations of ropivacaine following a singleshot caudal block of 1, 2 or 3 mg/kg in children. Acta Anaesthesiol Scand. 2001;45:1276-80.2020 Weintraud M, Lundblad M, Kettner SC, et al. Ultrasound versus landmark-based technique for ilioinguinal-iliohypogastric nerve blockade in children: the implications on plasma levels of ropivacaine. Anesth Analg. 2009;108:1488-92.

Em idade pediátrica, um maior risco de perfuração do globo, que ao nascimento ocupa aproximadamente 50% do volume orbital (em oposição a 22% nos adultos), foi descrito ao executar bloqueio peribulbar.66 James I. Anaesthesia for paediatric eye surgery. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain J. 2008;8:5-10.,2121 Duke-Elder S. System of ophthalmology, vol. 3. London: Henry Kimpton; 1963. p. 310-2.

Em nossa população, não houve relatos de complicações associadas à sua execução. No entanto, essas preocupações podem suscitar questões sobre sua aplicação nesse cenário; portanto, consideramos que o bloqueio peribulbar seja executado apenas por anestesiologistas experientes.

As limitações do presente estudo incluem a sua natureza retrospectiva e o pequeno tamanho da amostra. A idade do paciente acrescenta problemas éticos que devem ser abordados ao considerar diferentes projetos de estudos clínicos.

Concluímos que o bloqueio peribulbar foi uma técnica anestésica segura em nossa amostra. Estudos prospectivos adicionais precisam ser feitos para melhor estabelecer o papel do bloqueio peribulbar no resultado perioperatório de bebês prematuros submetidos a tratamento para ROP. Os estudos também devem ter como foco central a determinação do volume e concentração ideais do anestésico local usado, de modo a proporcionar uma ótima analgesia e evitar possíveis efeitos sistêmicos tóxicos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2017
  • Aceito
    4 Jan 2018
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