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Síndrome de Horner e parestesia do território do nervo trigêmeo secundário a analgesia peridural para trabalho de parto

Resumo

A analgesia peridural é hoje em dia um procedimento comum para analgesia do trabalho de parto. Embora seja considerada uma técnica segura, não está isenta de complicações. A síndrome de Horner e a parestesia do território do nervo trigêmeo são complicações raras da analgesia peridural. Relatamos um caso de uma grávida que desenvolveu a síndrome de Horner e parestesia do território do nervo trigêmeo após analgesia peridural para o alívio da dor do trabalho de parto.

Palavras-chave
Analgesia obstétrica; Anestesia peridural; Síndrome de Horner; Parestesia do território do nervo trigêmeo

Abstract

Currently, epidural analgesia is a common procedure for labor analgesia. Although it is considered a safe technique, it is not without complications. Horner's syndrome and paresthesia within the trigeminal nerve distribution are rare complications of epidural analgesia. We report a case of a pregnant woman who developed Horner's syndrome and paresthesia within the distribution of the trigeminal nerve following epidural analgesia for the relief of labor pain.

KEYWORDS
Obstetric analgesia; Peridural anesthesia; Horner's syndrome; Paresthesia of the trigeminal nerve territory

Introdução

A analgesia peridural é hoje em dia um procedimento comum para o alívio das queixas álgicas durante o trabalho de parto. Essa técnica analgésica, embora seja considerada uma técnica segura, não está isenta de complicações.11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.

A síndrome de Horner é uma complicação rara e benigna da analgesia peridural para o trabalho de parto11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.,22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200. e foi descrita, nesse contexto, pela primeira vez, por Kepes, em 1972.33 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4. Pode ocorrer em qualquer paciente submetido a anestesia ou analgesia peridural. A incidência é superior na população obstétrica e varia entre 0,4%-4%, é mais prevalente em grávidas submetidas a cesarianas.11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.,22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200.,44 Chandrasekhar S, Peterfreund RA. Horner's syndrome following very low concentration bupivacaine infusion for labor peridural analgesia. J Clin Anesth. 2003;15:217-9. Acredita-se que essa incidência seja subvalorizada, dado que em alguns casos as manifestações clínicas não são muito evidentes.11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.33 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4.

A apresentação da síndrome inclui ptose, miose e anidrose, bem como enoftalmia e rubor da hemiface afetada.11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.,33 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4.55 Gala F, Reyes A, Avellanal M, et al. Trigeminal nerve palsy and Horner's syndrome following peridural analgesia for labor: a subdural block?. Int J Obstet Anesth. 2007;16:180-2. É um quadro clínico de rápida evolução, que desaparece em poucas horas, majoritariamente sem sequelas.22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200. A parestesia do território do nervo trigêmeo como sintoma concomitante é extremamente rara e está associada a um bloqueio sensitivo alto.33 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4.

Relatamos um caso de uma grávida que desenvolveu a síndrome de Horner associada a parestesia do território do nervo trigêmeo ipsilateral após analgesia peridural lombar para alívio da dor durante o trabalho de parto. Discutimos também possíveis causas descritas que podem explicar o aparecimento da síndrome de Horner.

A paciente assinou o termo de consentimento para a publicação dos detalhes.

Relato de caso

Grávida de 25 anos (74 kg, 163 cm, IMC 28,6 kg.m-2), GIIP0, sem antecedentes pessoais, foi admitida na sala de parto por início de trabalho de parto, com 39 semanas de gestação.

Foram explicados à grávida os riscos e benefícios da técnica de bloqueio do neuroeixo com colocação do cateter peridural. Foi obtido o consentimento informado.

Após hidratação com 500 mL de lactato de ringer, a grávida foi colocada em decúbito lateral esquerdo e procedeu-se, com punção única, à pesquisa do espaço peridural no nível de L3-L4, com recurso a agulha de Tuohy e por perda de resistência de ar.

O cateter foi introduzido 4,5 cm no espaço peridural em posição cefálica. A aspiração foi negativa para sangue ou líquido cefalorraquidiano, pelo que foi administrada a dose teste de 2 mL de lidocaína 2%.

Após cinco minutos da administração da dose-teste pelo cateter peridural, não se verificou qualquer alteração sensitiva ou motora da grávida. Nesse contexto, foi administrado um bólus manual de 8 mL de ropivacaína 0,2% e iniciado protocolo de analgesia peridural controlada pelo paciente com bólus peridural intermitente programado (Patient Controlled Peridural Analgesia com Programmed Intermittent Peridural Bolus [PCEA-PIEB]) da nossa instituição (solução de: 20 mL ropivacaína 0,75%, sufentanil 20 µg e NaCl 0,9% até perfazer 100 mL da solução; bólus obrigatórios: 8 mL a cada 60 minutos; bólus de resgate: 5 mL; lockout time: 15 minutos; limite de segurança: três bólus/hora; sem perfusão).

O escore da escala analógica visual à entrada era de 7/10 e 30 minutos após a analgesia peridural diminuiu para 3/10 com bloqueio sensitivo até T7.

Foi explicado à grávida que deveria alterar o posicionamento entre decúbito lateral esquerdo e direito de 30 em 30 minutos de modo a obter uma melhor distribuição do anestésico no espaço peridural.

Após duas horas do início da analgesia peridural, a grávida referiu parestesia da hemiface direita. Nesse intervalo foram administrados dois bólus programados da PCEA-PIEB. O exame objetivo revelou subida do nível sensitivo para T4 e síndrome de Horner à direita caracterizada por ptose e miose do olho direito (fig. 1). Adicionalmente, parestesia da hemiface direita ao longo do território dos ramos maxilar e mandibular do nervo trigêmeo. Foi imediatamente interrompida a PCEA-PIEB e a paciente foi colocada em decúbito lateral esquerdo.

Figura 1
Ptose e miose do olho direito.

Após uma hora do diagnóstico, apresentava VAS de 5/10 e reversão parcial da sintomatologia (reversão parcial da miose e ptose, ausência de parestesia e bloqueio sensitivo em T10), foi administrado um bólus manual de 5 mL de ropivacaína 0,2%. O recém-nascido nasceu por parto normal com APGAR ao 1º, 5º e 10º minuto de 9, 9 e 10, respectivamente. Não decorreram intercorrências.

Durante o trabalho de parto, a grávida não teve alteração do estado de consciência, nem dificuldade respiratória e esteve sempre hemodinamicamente estável.

O cateter peridural foi retirado no fim do parto. Não se observou agravamento da clínica da síndrome de Horner, reverteu totalmente após três horas do diagnóstico (fig. 2).

Figura 2
Síndrome de Horner, revertida totalmente após três horas do diagnóstico.

Discussão

Existem numerosos mecanismos que explicam o aparecimento da síndrome de Horner durante a anestesia peridural. Um dos mecanismos mais plausíveis é o aumento da dispersão cefálica do anestésico local no espaço peridural que provoca um bloqueio das fibras nervosas simpáticas do gânglio estrelado (C8-T1 e ocasionalmente até T4).11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.,22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200. Assim, a síndrome de Horner é caracterizada principalmente por miose, ptose palpebral e anidrose. Outras manifestações neurológicas do efeito inibitório do anestésico local na cadeia simpática alta são a rouquidão, a dificuldade respiratória e a instabilidade hemodinâmica, como hipotensão e bradicardia, que é devida à diminuição do retorno venoso, do débito cardíaco e da pressão arterial. A parestesia do território do nervo trigêmeo também pode ser um sintoma concomitante, embora mais raro do que a instabilidade hemodinâmica.33 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4. A colocação do cateter em posição cefálica também favorece a dispersão cefálica do anestésico local22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200.,33 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4. e sua introdução em excesso no espaço peridural pode justificar a clínica ipsilateral.22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200. O posicionamento em decúbito lateral pode, por aumento da força de gravidade, favorecer a dispersão cefálica, o que justifica a clínica unilateral da síndrome.22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200.

Outro mecanismo que explica o aparecimento dessa síndrome está relacionado com a migração do cateter para fora do espaço peridural. A migração acidental da ponta do cateter multiperfurado para o espaço subdural faz com que o anestésico local administrado se difunda através da membrana aracnoide e alcance o líquido cefalorraquidiano em zonas mais cefálicas do que o previsto.22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200.,33 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4. A migração acidental do cateter para o espaço paravertebral permite, caso haja comunicação nesse compartimento entre os diferentes níveis vertebrais, que uma única dose de anestésico local administrado na região lombar se distribua na direção cefálica, de forma unilateral, pode alcançar os primeiros níveis torácicos.22 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200.

Na população obstétrica, a incidência da síndrome de Horner é superior porque para além dos mecanismos acima descritos existem outros que podem explicar o aparecimento dela. Nas grávidas, o espaço peridural é diminuído devido ao ingurgitamento das veias peridurais e às contrações uterinas.11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.

2 Varela C, Palacio F, Reina MA, et al. Horner's syndrome secondary to peridural anesthesia. Neurologia. 2007;11:196-200.

3 Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4.
-44 Chandrasekhar S, Peterfreund RA. Horner's syndrome following very low concentration bupivacaine infusion for labor peridural analgesia. J Clin Anesth. 2003;15:217-9. A sensibilidade aos anestésicos locais55 Gala F, Reyes A, Avellanal M, et al. Trigeminal nerve palsy and Horner's syndrome following peridural analgesia for labor: a subdural block?. Int J Obstet Anesth. 2007;16:180-2. é superior devido à ação da progesterona sobre o sistema nervoso central e periférico e devido à variabilidade anatômica dos nervos, ou seja, nervos menores são mais facilmente bloqueados por anestésicos locais.

Em última análise, o tipo anestésico local não parece influenciar a incidência da síndrome de Horner. Não foi encontrada literatura que compare o grau de incidência dessa síndrome com a administração dos diferentes tipos e diferentes concentrações de anestésicos locais vendidos.

No caso da nossa paciente, a clínica unilateral pode ser explicada pelo posicionamento em decúbito lateral e pela introdução em excesso do cateter peridural. As alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez, o posicionamento e o volume do anestésico local e sua velocidade de administração podem explicar facilmente a dispersão cefálica do anestésico local, que provoca um bloqueio simpático alto, mesmo quando o nível sensitivo observado da nossa paciente foi limitado até T4. A ausência de instabilidade hemodinâmica pela paciente durante todo o trabalho de parto pode ser explicado pelo aumento da sensibilidade aos anestésicos locais devido à ação da progesterona sobre o sistema nervoso central e periférico. A administração subdural do anestésico também poderia explicar a ausência de instabilidade hemodinâmica, mas a ausência de um bloqueio sensitivo-motor após a administração da dose teste e o início de instalação do bloqueio sensitivo rápido, bilateral, simétrico e sem poupar a distribuição segmentar de raízes sacrais após administração de ropivacaína comprovam a localização do cateter no espaço peridural, e não no espaço subdural.

Concluindo, a síndrome de Horner é uma complicação rara da analgesia peridural,11 Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1. que pode ser acompanhado por dificuldade respiratória, instabilidade hemodinâmica e mais raramente pela parestesia do território do nervo trigêmeo. A síndrome de Horner ou mesmo a parestesia do território do nervo trigêmeo podem ser sinais de instabilidade hemodinâmica. Por isso, é importante manter uma vigilância fetal e materna mais rigorosa, após seus diagnósticos.

References

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    Rohrer JD, Schapira AH. Transient Horner's syndrome during lumbar peridural anaesthesia. Eur J Neurol. 2008;15:530-1.
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    Narouze SN, Basali A, Mandel M, et al. Horner's syndrome and trigeminal nerve palsy after lumbar peridural analgesia for labor and delivery. J Clin Anesth. 2002;14:532-4.
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    Chandrasekhar S, Peterfreund RA. Horner's syndrome following very low concentration bupivacaine infusion for labor peridural analgesia. J Clin Anesth. 2003;15:217-9.
  • 5
    Gala F, Reyes A, Avellanal M, et al. Trigeminal nerve palsy and Horner's syndrome following peridural analgesia for labor: a subdural block?. Int J Obstet Anesth. 2007;16:180-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2017
  • Aceito
    28 Dez 2017
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