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Efeito de duas doses diferentes de dexmedetomidina na incidência de agitação ao despertar após cirurgia para correção de estrabismo: um ensaio clínico randômico

Resumo

Justificativa e objetivo:

A agitação ao despertar é um comportamento pós-operatório negativo que afeta principalmente as crianças. Avaliamos o efeito de duas doses diferentes de dexmedetomidina na incidência e no grau de agitação ao despertar em crianças submetidas à correção de estrabismo.

Métodos:

Noventa pacientes foram alocados em três grupos iguais: receberam 0,5 µg.kg−1 de dexmedetomidina (grupo Dex-alta), 0,25 µg.kg−1 de dexmedetomidina (grupo Dex-baixa) ou solução salina normal (grupo placebo). Todos os medicamentos foram administrados com o fechamento da conjuntiva antes do fim da cirurgia. A escala pediátrica de delírio ao despertar da anestesia (PAED - Pediatric Anesthesia Emergence Delirium) foi usada para avaliar a agitação e a escala dos padrões de face, pernas, atividade, choro e consolabilidade (FLACC - Face, Legs, Activity, Cry, Consolability) para avaliar a dor. Os efeitos adversos de dexmedetomidina e os tempos de recuperação foram registrados.

Resultados:

A incidência de agitação foi significativamente menor no grupo Dex-alta em comparação com os outros grupos, foi significativamente menor no grupo Dex-baixa em comparação com o grupo placebo. A mediana (variação) do escore FLACC foi significativamente menor em ambos os grupos Dex em comparação com o grupo placebo. O tempo de recuperação, o tempo transcorrido desde a remoção da máscara laríngea até a abertura dos olhos e o tempo de permanência na sala de recuperação pós-anestesia foram significativamente maiores no grupo Dex-alta em comparação com os outros grupos. Não houve registro de bradicardia ou hipotensão significativa. O tempo de recuperação foi significativamente maior no grupo Dex-alta em comparação com os outros dois grupos.

Conclusão:

Dexmedetomidina (0,5 µg.kg−1) antes do despertar da anestesia geral resultou em uma redução da incidência de agitação ao despertar em comparação com dexmedetomidina (0,25 µg.kg−1), mas em detrimento dos tempos de recuperação sem efeitos adversos.

PALAVRAS-CHAVE
Crianças; Dexmedetomidina; Agitação ao despertar; Sevoflurano; Correção de estrabismo

Abstract

Background and objective:

Emergence agitation is a postoperative negative behavior that affects mainly children. We studied the effect of two different doses of dexmedetomidine on the incidence and degree of EA in children undergoing strabismus surgery.

Methods:

90 patients were allocated into three equal groups; patients received 0.5 µg.kg−1 of dexmedetomidine in high Dex group, 0.25 µg.kg−1 of dexmedetomidine in low Dex group, or normal saline in the placebo group. All drugs were received with the closure of the conjunctiva before the end of the surgery. Pediatric Anesthesia Emergence Delirium (PAED) scale was used to evaluate the agitation, and Face, Legs, Activity, Cry, Consolability (FLACC) scale was used for pain assessment. Adverse effects of dexmedetomidine and recovery times were recorded.

Results:

The incidence of agitation was significantly lower in high Dex group compared to other groups and it was significantly lower in low Dex group compared to placebo group. The median (range) of FLACC score was significantly lower in both Dex groups compared to placebo group. Recovery times; time from removal of laryngeal mask to eye opening and time stay in post anesthesia care unit was significantly longer in high Dex group compared to other groups. No significant bradycardia or hypotension was recorded. Recovery time was significantly longer in high Dex group compared to the other two groups.

Conclusion:

Dexmedetomidine (0.5 µg.kg−1) before emergence from general anesthesia resulted in a reduction in the incidence of emergence agitation compared to a dexmedetomidine (0.25 µg.kg−1) but on the expense of recovery times without adverse effects.

KEYWORDS
Children; Dexmedetomidine; Emergence agitation; Sevoflurane; Strabismus surgery

Introdução

Agitação ao despertar (AD) inclui desorientação, choro, movimento combativo sem propósito e inconsolável durante o estágio inicial de emergência da anestesia geral (AG).11 Mountain BW, Smithson L, Cramolini M, et al. Dexmedetomidine as a pediatric anesthetic premedication to reduce anxiety and to deter emergence delirium. AANA J. 2011;79:219-24. Esse comportamento anormal resulta em atraso na alta da sala de recuperação, ansiedade e insatisfação por parte dos pais da criança, além de poder causar lesões à criança ou ao sítio cirúrgico. Embora a AD tenha sido descrita no início da década de 1960,22 Eckenhoff JE, Kneale DH, Dripps RD. The incidence and etiology of postanesthetic excitement a clinical survey. Anesthesiology. 1961;22:667-73. o interesse recente por essa síndrome estava ligado ao uso disseminado de sevoflurano, com alta incidência de AD.33 Keaney A, Diviney D, Harte S, et al. Postoperative behavioral changes following anesthesia with sevoflurane. Pediatr Anesth. 2004;14:866-70. A incidência de AD é amplamente variada entre os estudos (10% a 80%).33 Keaney A, Diviney D, Harte S, et al. Postoperative behavioral changes following anesthesia with sevoflurane. Pediatr Anesth. 2004;14:866-70.

4 Voepel-Lewis T, Malviya S, Tait AR. A prospective cohort study of emergence agitation in the pediatric postanesthesia care unit. Anesth Analg. 2003;96:1625-30.
-55 Lapin SL, Auden SM, Goldsmith LJ, et al. Effects of sevoflurane anaesthesia on recovery in children: a comparison with halothane. Pediatr Anesth. 1999;9:299-304. Essa grande variação pode ser devida a muitas definições diferentes dessa síndrome. Embora a etiologia exata da AD ainda não tenha sido identificada, ela está associada a vários fatores de risco, como idade pré-escolar, ansiedade pré-operatória, certos procedimentos cirúrgicos (cirurgia otorrinolaringológica ou oftalmológica) e dor.66 Kanaya A. Emergence agitation in children: risk factors, prevention, and treatment. J Anesth. 2016;30:261-7. Muitos medicamentos foram usados para evitar ou controlar AD, inclusive opioides, especialmente fentanil, propofol e benzodiazepínicos.66 Kanaya A. Emergence agitation in children: risk factors, prevention, and treatment. J Anesth. 2016;30:261-7. Entre os fármacos mencionados, dexmedetomidina apresenta atividade agonista de receptores α2-adrenérgicos altamente seletiva, que proporciona melhores critérios de sedação, efeito analgésico e antiemético, sem depressão respiratória nas doses usuais.77 Arain SR, Ruehlow RM, Uhrich TD, et al. The efficacy of dexmedetomidine versus morphine for postoperative analgesia after major inpatient surgery. Anesth Analg. 2004;98:153-8. Dexmedetomidina foi estudada em diferentes doses e vias de administração, vários tipos de operação, diferentes agentes anestésicos, tanto em injeção única quanto em infusão contínua. Não há consenso entre os autores sobre a dose clínica ideal.

O desfecho primário do presente estudo foi avaliar o efeito de duas doses diferentes de dexmedetomidina aplicadas em injeções intravenosas únicas durante o período intraoperatório sobre a incidência e grau de AD em crianças submetidas à cirurgia de estrabismo.

Métodos

Este foi um ensaio clínico controlado duplo-cego, randômico, feito de março e dezembro de 2016. Nosso Comitê de Ética local aprovou o protocolo do estudo antes do início da pesquisa. Assinaturas em termo de consentimento informado foram obtidas dos pais das crianças ou de seus responsáveis legais. Noventa crianças de ambos os sexos, entre três e oito anos, agendadas para cirurgia de estrabismo, foram incluídas. Pacientes com atraso no desenvolvimento, distúrbios cardiovasculares e alergia conhecida aos medicamentos do estudo, cirurgias oculares prévias, problemas auditivos ou auditivos e aqueles em tratamento médico com efeito sedativo foram excluídos.

Os pacientes foram randomicamente alocados em um dos três grupos de estudo, mediante o uso de uma tabela de números aleatórios gerada por computador; ocultação de alocação foi feita com envelopes opacos selados. O primeiro grupo foi o Dex-alta (n = 30), no qual as crianças receberam uma dose mais alta de dexmedetomidina (0,5 µg.kg−1) diluída em 10 mL de solução salina normal. O segundo grupo foi o Dex-baixa (n = 30), no qual as crianças receberam uma dose mais baixa de dexmedetomidina (0,25 µg.kg−1) diluída em 10 mL de solução salina normal. O terceiro foi o grupo placebo, no qual as crianças receberam 10 mL de solução salina normal. Os fármacos nos três grupos estudados foram administrados ao longo de 10 minutos (min) por via intravenosa no fim da cirurgia com o fechamento da conjuntiva. As seringas com soluções para uso intravenoso (IV) foram preparadas por um dos médicos pesquisadores ou técnicos de anestesia, não incluídos no acompanhamento dos pacientes durante a recuperação, em três seringas idênticas não rotuladas de acordo com o grupo de pacientes. Todos os dados dos períodos intraoperatório e pós-operatório foram coletados pelo médico anestesiologista, cegado para o grupo de pacientes.

Todas as crianças fizeram jejum de alimentos sólidos por 6 horas (h) e de líquidos claros por 2 h. Pré-medicação não foi administrada; todas as crianças foram primeiramente agendadas na lista de operações. Na chegada ao centro cirúrgico, o monitoramento padrão, inclusive eletrocardiograma, oximetria de pulso, pressão arterial não invasiva, foi aplicado a todos os pacientes com capnógrafo anexado após a indução da anestesia. A indução inalatória foi feita para todos os pacientes com sevoflurano a 8% em FiO2 de 1,0. Após a perda de consciência e retorno ao padrão respiratório regular, a cânula venosa foi inserida no dorso da mão do lado contralateral do olho a ser operado. Em seguida, uma máscara laríngea (ML) de tamanho apropriado foi usada para todos os pacientes como via aérea de manutenção. A manutenção da anestesia foi obtida com sevoflurano a 2-4% em oxigênio a 100%. Todos os pacientes receberam uma dose em bolus de fentanil IV (1 µg.kg−1) imediatamente antes da incisão cirúrgica. Hipertensão e taquicardia no intraoperatório foram definidas como aumento > 20% acima de seus valores basais e sustentadas por mais de 2 min; nesse caso, a concentração de sevoflurano foi aumentada para controlar taquicardia ou hipertensão. Caso essa medida não controlasse a taquicardia ou a hipertensão, o paciente receberia fentanil (0,5 µg.kg−1) e seria excluído do estudo, pois fentanil pode afetar a incidência de agitação ao despertar. Bradicardia e hipotensão no intraoperatório foram definidas como redução > 20% abaixo de seus valores basais, com duração superior a 2 min. O tratamento para bradicardia foi feito com atropina (0,01 mg.kg−1) e hipotensão foi tratada com redução do nível de anestesia e solução salina isotônica (10 mL.kg−1) em dextrose a 5%.

Com o fechamento da conjuntiva, os pacientes receberam os medicamentos do estudo de acordo com seus grupos. No fim da cirurgia, sevoflurano foi encerrado e, após o curativo do olho e enquanto o paciente ainda estava em nível profundo de anestesia, a ML foi removida e o paciente observado para respiração normal e estabilidade hemodinâmica antes de ser transferido para a Sala de Recuperação Pós-Anestesia (SRPA).

Coleta de dados

A escala pediátrica de delírio ao despertar da anestesia (Pediatric Anesthesia Emergence Delirium - PAED)88 Sikich N, Lerman J. Development and psychometric evaluation of the pediatric anesthesia emergence delirium scale. Anesthesiology. 2004;100:1138-45. (Apêndice A Apêndice 1 Escala pediátrica de delírio ao despertar da anestesia (Pediatric Anesthesia Emergence Delirium - PAED) Comportamento Nunca Um pouco Bastante Muito Extremamente Faz contato visual com o cuidador 4 3 2 1 0 Ações são propositais 4 3 2 1 0 Ciente do entorno 4 3 2 1 0 Inquieto 0 1 2 3 4 Inconsolável 0 1 2 3 4 ) foi usada para medir o grau de agitação em cada grupo. A escala PAED consiste em cinco itens (contato visual, intencionalidade das ações, consciência do entorno, inquietação e consolabilidade). Os três primeiros itens têm escores de 0 (extremamente) a 4 (nunca), enquanto os dois últimos itens têm escores de 0 (nunca) a 4 (extremamente). A criança muito quieta recebe o escore 0 na escala PAED e a criança extremamente agitada o escore 20 nessa escala. O escore PAED foi calculado para todos os pacientes em três momentos; na admissão à SRPA e 15 e 30 minutos depois. Qualquer criança que tivesse apresentado escore PAED >10 em qualquer momento após o despertar da AG foi considerada portadora de AD. O número de crianças com AD foi registrado para cada grupo.

As alterações hemodinâmicas intraoperatórias relacionadas à administração dos medicamentos também foram registradas, inclusive bradicardia e hipotensão como definidas acima.

O efeito dos medicamentos do estudo sobre a recuperação dos pacientes foi medido como o tempo de abertura dos olhos, desde a interrupção do agente anestésico até a abertura dos olhos em resposta à estimulação verbal ou tátil leve. A outra mensuração foi o tempo necessário até a alta da SRPA, quando o escore de Aldrete99 Aldrete JA. The post-anesthesia recovery score revisited. J Clin Anesth. 1995;7:89-91. é de 9 ou 10. O escore de Aldrete foi medido pela primeira vez 10 min após a admissão na SRPA e depois a cada 2 ou 3 min até a alta da SRPA.

A avaliação da dor pós-operatória foi feita com o uso da escala dos padrões de face, pernas, atividade, choro e consolabilidade (Face, Legs, Activity, Cry, Consolability - FLACC).1010 Voepel-Lewis T, Shayevitz JR, Malviya S. The FLACC: a behavioral scale for scoring postoperative pain in young children. Pediatr Nurs. 1997;23:293-7. A escala é composta por cinco critérios; cada um recebe um escore de 0, 1 e 2. A escala global varia entre 0 e 10 e 0 representa ausência de dor. O escore da FLACC foi avaliado a cada 5 min na SRPA. O maior escore obtido por todos os pacientes a qualquer momento durante a permanência na SRPA foi registrado.

Análise de dados

A análise estatística foi feita com o programa estatístico para as ciências sociais (SPSS V.20). A normalidade da distribuição dos dados foi avaliada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados paramétricos foram expressos em média ± desvio-padrão; apenas dois parâmetros foram não paramétricos (escore PAED e escore FLACC) e foram expressos em mediana (intervalo). A incidência de certos eventos foi expressa em número (porcentagem). Os dados paramétricos foram analisados com Anova de variância simples com LSD (least-significance difference) como um teste post hoc. Os dados não paramétricos foram analisados com o teste H de Kruskal-Wallis. A comparação das frequências foi feita com o teste do qui-quadrado. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Foram incluídos neste estudo 103 pacientes pediátricos. A figura 1 mostra o fluxograma. Todos os três grupos estudados foram pareados quanto aos pacientes e às características cirúrgicas (tabela 1).

Figura 1
Fluxograma do estudo.

Tabela 1
Pacientes e características cirúrgicas nos três grupos avaliados

A figura 2 mostra o escore PAED dos três grupos avaliados. Na admissão na SRPA, as medianas do escore PAED foram 4,5; 5 e 8,5 nos grupos Dex-alta, Dex-baixa e placebo, respectivamente. O escore PAED foi significativamente menor no grupo Dex-alta em comparação com os outros grupos e também menor no grupo Dex-baixa em comparação com o grupo placebo. Quinze minutos após a admissão na SRPA, o escore PAED começou a diminuir ao longo do tempo em todos os grupos avaliados. A mediana do escore PAED no grupo DEX-alta foi de 3,5. No grupo Dex-baixa, a mediana do escore PAED diminuiu para 4, enquanto no grupo placebo a mediana foi de 6,5. Aos 15 min após a admissão na SRPA, o escore PAED não mostrou diferença significativa entre os grupos Dex-alta e Dex-baixa, mas o escore PAED nos dois primeiros grupos foi significativamente menor em comparação com o grupo placebo. Aos 30 min após a internação na SRPA, a mediana do escore PAED continuou a diminuir em todos os grupos do estudo (mediana de 2 nos três grupos), sem diferença significativa entre os três grupos avaliados.

Figura 2
Gráfico em caixa do escore PAED (escala pediátrica de delírio ao despertar da anestesia) em diferentes momentos nos três grupos avaliados (mínimo, 25° percentil, mediana, 75° percentil, máximo).

Em relação ao número de pacientes que apresentou agitação ao despertar com escore PAED > 10, houve um (3,3%) caso no grupo Dex-alta, quatro (13,3%) casos no grupo Dex-baixa e 10 (33,3%) casos no grupo placebo. Uma diferença significativa foi observada na incidência de AD entre os três grupos avaliados.

Os eventos intraoperatórios relacionados à administração dos medicamentos foram registrados como bradicardia e hipotensão. Bradicardia foi a complicação mais comum e ocorreu em cinco pacientes do grupo Dex-alta e dois do grupo Dex-baixa. Não houve bradicardia associada à administração de solução salina normal no grupo placebo. Uma diferença significativa foi encontrada entre os três grupos avaliados (p = 0,049). Não houve bradicardia persistente que precisou da administração de atropina em qualquer paciente. Quanto à hipotensão, sua ocorrência foi observada em apenas dois pacientes do grupo Dex-alta, mas não nos outros dois grupos. Não houve diferença significativa entre os três grupos avaliados (p = 0,13) (tabela 2).

Tabela 2
Incidência de complicações intraoperatórias, tempos de recuperação e escore FLACC nos três grupos avaliados

O tempo de abertura dos olhos, medido desde a descontinuação de sevoflurano até a abertura dos olhos, foi significativamente maior no grupo Dex-alta (6,40 ± 1,54 min) do que no grupo Dex-baixa (4,73 ± 1,44 min); no grupo placebo esse tempo foi de 4,27 ± 1,39 min. Não houve diferença significativa entre os grupos Dex-baixa e placebo. O tempo de alta da SRPA com escore de Aldrete de nove ou dez foi significativamente maior no grupo Dex-alta, comparado com os outros dois grupos (tabela 2).

O escore máximo da escala FLACC medido na mediana da SRPA foi significativamente menor no grupo Dex-alta (1,5) e comparável nos grupos Dex-baixa (2) e placebo (5), sem diferença significativa entre os dois grupos Dex (tabela 2).

Discussão

No presente estudo, usamos a escala PAED para avaliar a incidência e o grau de AD em crianças após cirurgia de estrabismo em três grupos de pacientes: Dex-alta, Dex-baixa e placebo. O escore PAED foi menor no grupo Dex-alta em comparação com os grupos Dex-baixa e placebo imediatamente após o despertar da AG e aos 15 min após o despertar da AG. O escore PAED não mostrou diferença entre os dois grupos Dex, mas seus valores ainda foram significativamente menores do que os do grupo placebo. Após 30 min de emergência da AG, não houve diferença significativa entre os três grupos avaliados.

A cirurgia de estrabismo é a cirurgia ocular mais comum feita em crianças.1111 McGoldrick K, Gayer S. Anesthesia and the eye. Clin Anesth. 2006;2:1095-112. Esse tipo de cirurgia está associado ao aumento da incidência de AD,1212 Aouad MT, Nasr VG. Emergence agitation in children: an update. Curr Opin Anesthesiol. 2005;18:614-9. o que causa grande aflição aos pacientes após a recuperação da AG. Como o sevoflurano substitui o halotano para indução e manutenção da anestesia, o problema de AD tende a piorar.1313 Dahmani S, Stany I, Brasher C, et al. Pharmacological prevention of sevoflurane-and desflurane-related emergence agitation in children: a meta-analysis of published studies. Br J Anaesth. 2010;104:216-23.

Dexmedetomidina é um potente agonista dos receptores α2-adrenérgicos e também cerca de oito vezes mais específica do que a clonidina para os receptores-alvo.1414 Gertler R, Brown HC, Mitchell DH, et al. Dexmedetomidine: a novel sedative-analgesic agent. Paper presented at: Baylor University Medical Center. Proceedings; 2001. Acredita-se que os efeitos analgésicos e sedativos desse agente sejam devidos à ativação dos receptores α2-adrenérgicos presentes no locus ceruleus.1515 Guo TZ, Jiang JY, Buttermann AE, et al. Dexmedetomidine injection into the locus ceruleus produces antinociception. Anesthesiology. 1996;84:873-81.

Dexmedetomidina intravenosa em dose única foi testada em muitos estudos que avaliaram sua eficácia na redução de AD. Guler et al., em 2005,1616 Guler G, Akin A, Tosun Z, et al. Single-dose dexmedetomidine reduces agitation and provides smooth extubation after pediatric adenotonsillectomy. Pediatric Anesth. 2005;15:762-6. estudaram seus efeitos (para 0,5 µg.kg−1) versus placebo administrados 5 min antes do fim de adenotonsilectomias. Os autores encontraram uma redução significativa na incidência de AD no grupo dexmedetomidina, mas à custa de um tempo mais longo para despertar. Também encontraram uma redução significativa da dor pós-operatória no grupo dexmedetomidina em comparação com o grupo placebo. Outro estudo de dose única foi conduzido por Ibacache et al.1717 Ibacache ME, Muñoz HR, Brandes V, et al. Single-dose dexmedetomidine reduces agitation after sevoflurane anesthesia in children. Anesth Analg. 2004;98:60-3. em 2004 para avaliar o efeito de duas doses de dexmedetomidina (0,3 µg.kg−1 e 0,15 µg.kg−1) sobre a incidência de AD em crianças submetidas à correção de hérnia inguinal. Doses de dexmedetomidina foram administradas após a indução com sevoflurano e seguidas de bloqueio caudal para alívio da dor pós-operatória. Os autores descobriram que doses mais altas estão associadas à redução significativa de AD em comparação com placebo. Por outro lado, o tempo de emergência da anestesia não foi afetado pela administração de dexmedetomidina. No mesmo contexto, Sato et al.1818 Sato M, Shirakami G, Tazuke-Nishimura M, et al. Effect of single-dose dexmedetomidine on emergence agitation and recovery profiles after sevoflurane anesthesia in pediatric ambulatory surgery. J Anesth. 2010;24:675-82. descobriram que a agitação ao despertar é significativamente menor em pacientes que recebem dose única de dexmedetomidina após indução anestésica (28%) em comparação com o grupo salina (64%). Lili et al.1919 Lili X, Jianjun S, Haiyan Z. The application of dexmedetomidine in children undergoing vitreoretinal surgery. J Anesth. 2012;26:556-61. descobriram que uma dose única de 0,5 µg.kg−1 logo após a indução da AG combinada com remifentanil (0,2 µg.kg−1·min−1) reduz significativamente a incidência de AD após cirurgia vitreorretiniana em crianças. Isik et al.2020 Isik B, Arslan M, Tunga AD, et al. Dexmedetomidine decreases emergence agitation in pediatric patients after sevoflurane anesthesia without surgery. Paediatr Anaesth. 2006;16:748-53. usaram uma dose relativamente alta de dexmedetomidina (1 µg.kg−1) em seu estudo para o controle de AD em pacientes submetidos à ressonância magnética como procedimento indolor, administrada logo após a indução. O estudo descobriu uma redução de 10 vezes na incidência de AD em comparação com o grupo placebo.

Os dois efeitos colaterais notáveis associados à administração de dexmedetomidina são hipotensão e bradicardia. A hipotensão é devida à inibição da neurotransmissão simpática e da simpaticólise.2121 MacMillan LB, Hein L, Smith MS, et al. Central hypotensive effects of the alpha2a-adrenergic receptor subtype. Science. 1996;273:801. O aumento da atividade vagal e do tônus barorreceptor podem contribuir para diminuir o tônus simpático como causas de bradicardia.2222 Penttilä J, Helminen A, Anttila M, et al. Cardiovascular and parasympathetic effects of dexmedetomidine in healthy subjects. Can J Physiol Pharmacol. 2004;82:359-62. Em crianças, muitos autores relataram bradicardia após administração de dexmedetomidina.1616 Guler G, Akin A, Tosun Z, et al. Single-dose dexmedetomidine reduces agitation and provides smooth extubation after pediatric adenotonsillectomy. Pediatric Anesth. 2005;15:762-6.,1818 Sato M, Shirakami G, Tazuke-Nishimura M, et al. Effect of single-dose dexmedetomidine on emergence agitation and recovery profiles after sevoflurane anesthesia in pediatric ambulatory surgery. J Anesth. 2010;24:675-82. Em nosso estudo, bradicardia ocorreu em cinco pacientes do grupo Dex-alta, dois pacientes do grupo Dex-baixa e não ocorreu no grupo placebo. Em nosso estudo, os tempos de abertura dos olhos e de alta da SRPA foram maiores no grupo Dex-alta em comparação com os grupos Dex-baixa e placebo. Esses resultados são compatíveis com os da maioria dos estudos anteriores.1616 Guler G, Akin A, Tosun Z, et al. Single-dose dexmedetomidine reduces agitation and provides smooth extubation after pediatric adenotonsillectomy. Pediatric Anesth. 2005;15:762-6.,1919 Lili X, Jianjun S, Haiyan Z. The application of dexmedetomidine in children undergoing vitreoretinal surgery. J Anesth. 2012;26:556-61.,2020 Isik B, Arslan M, Tunga AD, et al. Dexmedetomidine decreases emergence agitation in pediatric patients after sevoflurane anesthesia without surgery. Paediatr Anaesth. 2006;16:748-53.,2323 Ali MA, Abdellatif AA. Prevention of sevoflurane related emergence agitation in children undergoing adenotonsillectomy: a comparison of dexmedetomidine and propofol. Saudi J Anaesth. 2013;7:296-300. Por outro lado, Shukry et al. não encontraram diferença no tempo de recuperação entre os grupos dexmedetomidina e salina normal.2424 Shukry M, Clyde MC, Kalarickal PL, et al. Does dexmedetomidine prevent emergence delirium in children after sevoflurane-based general anesthesia?. Pediatric Anesth. 2005;15:1098-104.

Há algumas limitações para os resultados de nosso estudo que devem ser consideradas. O estudo não restringiu a idade das crianças à idade pré-escolar; em vez disso, incluímos qualquer criança entre quatro e oito anos. Devido ao curto período do estudo, não avaliamos a incidência de vômito no pós-operatório, o que pode ser afetado por nossas doses, e isso também pode influenciar a incidência de AD. Mais estudos são essenciais para abordar essas limitações.

Sumário

Sob anestesia com sevoflurano, a administração de uma dose única de dexmedetomidina (0,5 µg.kg−1) imediatamente antes da emergência da AG em crianças agendadas para cirurgia de estrabismo resultou em uma redução na incidência de AD. Essa diminuição foi comparada à de uma dose menor (0,25 µg.kg−1) e ao placebo, mas à custa do tempo de recuperação. Não houve benefício analgésico adicional entre os dois grupos Dex e não houve aumento na incidência de efeitos adversos e complicações relacionadas à administração do medicamento.

Apêndice 1 Escala pediátrica de delírio ao despertar da anestesia (Pediatric Anesthesia Emergence Delirium - PAED)

Comportamento Nunca Um pouco Bastante Muito Extremamente Faz contato visual com o cuidador 4 3 2 1 0 Ações são propositais 4 3 2 1 0 Ciente do entorno 4 3 2 1 0 Inquieto 0 1 2 3 4 Inconsolável 0 1 2 3 4

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2017
  • Aceito
    10 Maio 2018
  • Publicado
    20 Jun 2018
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