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Paralisia hemidiafragmática após bloqueio supraclavicular guiado por ultrassom: um estudo coorte prospectivo

Resumo

Justificativa e objetivos:

O aparecimento frequente de paralisia hemidiafragmática durante o bloqueio interescalênico restringe seu uso em pacientes com insuficiência respiratória. O bloqueio supraclavicular pode ser uma opção segura e eficaz. Nosso objetivo primário foi avaliar a incidência de paralisia hemidiafragmática após bloqueio supraclavicular guiado por ultrassom e compará-lo com o bloqueio interescalênico.

Métodos:

Os adultos agendados para cirurgia eletiva do ombro sob anestesia regional (Hospital Universitário de Toulouse) foram prospectivamente incluídos neste estudo observacional, de maio de 2016 a maio de 2017. Vinte mililitros de ropivacaína a 0,375% foram injetados, preferencialmente objetivando a interseção da primeira costela e da artéria subclávia. A excursão diafragmática foi medida por ultrassonografia antes e 30 minutos após a anestesia regional. Uma redução ≥ 25% na excursão diafragmática durante um sniff test definiu a paralisia hemidiafragmática. Dispneia e hipoxemia foram registradas na sala de recuperação. Fatores preditivos de paralisia hemidiafragmática (sexo, idade, peso, tabagismo, capacidade funcional) foram explorados. A dor pós-operatória também foi avaliada.

Resultados:

Quarenta e dois e 43 pacientes dos grupos bloqueio supraclavicular e bloqueio interescalênico, respectivamente, foram avaliados. A incidência de paralisia hemidiafragmática foi de 59,5% no grupo bloqueio supraclavicular em comparação com 95,3% no grupo bloqueio interescalênico (p < 0,0001). O movimento paradoxal do diafragma foi mais comum no grupo bloqueio interescalênico (RR = 2, 95% IC 1,4-3; p = 0,0001). Uma variação semelhante na saturação de oxigênio foi registrada entre os pacientes com e sem paralisia hemidiafragmática (p = 0,08). Nenhum fator preditivo de paralisia hemidiafragmática pôde ser identificado. O consumo de morfina e o maior escore na escala numérica (NRS) em 24 horas não diferiram entre os grupos.

Conclusão:

Devido à frequente incidência de paralisia hemidiafragmática após bloqueio supraclavicular, essa técnica não pode ser recomendada para pacientes com função respiratória alterada.

PALAVRAS-CHAVE
Anestesia regional; Nervo frênico; Paralisia diafragmática

Abstract

Background and objectives:

The frequent onset of hemidiaphragmatic paralysis during interscalene block restricts its use in patients with respiratory insufficiency. Supraclavicular block could be a safe and effective alternative. Our primary objective was to assess the incidence of hemidiaphragmatic paralysis following ultrasound-guided supraclavicular block and compare it to that of interscalene block.

Methods:

Adults warranting elective shoulder surgery under regional anesthesia (Toulouse University Hospital) were prospectively enrolled from May 2016 to May 2017 in this observational study. Twenty millilitres of 0.375% Ropivacaine were injected preferentially targeted to the “corner pocket”. Diaphragmatic excursion was measured by ultrasonography before and 30 minutes after regional anesthesia. A reduction ≥25% in diaphragmatic excursion during a sniff test defined the hemidiaphragmatic paralysis. Dyspnoea and hypoxaemia were recorded in the recovery room. Predictive factors of hemidiaphragmatic paralysis (gender, age, weight, smoking, functional capacity) were explored. Postoperative pain was also analysed.

Results:

Forty-two and 43 patients from respectively the supraclavicular block and interscalene block groups were analysed. The incidence of hemidiaphragmatic paralysis was 59.5% in the supraclavicular block group compared to 95.3% in the interscalene block group (p < 0.0001). Paradoxical movement of the diaphragm was more common in the interscalene block group (RR = 2, 95% CI 1.4-3; p = 0.0001). A similar variation in oxygen saturation was recorded between patients with and without hemidiaphragmatic paralysis (p = 0.08). No predictive factor of hemidiaphragmatic paralysis could be identified. Morphine consumption and the highest numerical rating scale numerical rating scale (NRS) at 24 hours did not differ between groups.

Conclusions:

Given the frequent incidence of hemidiaphragmatic paralysis following supraclavicular block, this technique cannot be recommended for patients with an altered respiratory function.

KEYWORDS
Regional anesthesia; Phrenic nerve; Diaphragmatic paralysis

PALAVRAS-CHAVE
Anestesia regional; Nervo frênico; Paralisia diafragmática

Introdução

O bloqueio interescalênico (BIE) é considerado a técnica analgésica pós-cirúrgica de referência para cirurgias de ombro.11 Fredrickson MJ, Krishnan S, Chen CY. Postoperative analgesia for shoulder surgery: a critical appraisal and review of current techniques. Anaesthesia. 2010;65:608-24. Porém, a paralisia hemidiafragmática (PHd) devido ao envolvimento do nervo frênico na região interescalênica limita seu uso em pacientes com função respiratória precária.22 Ferré F, Cugnin N, Martin C, et al. Regional anesthesia with noninvasive ventilation for shoulder surgery in a patient with severe chronic obstructive pulmonary disease: a case report. A A Case Rep. 2017;8:261-4.,33 Urmey WF, Talts KH, Sharrock NE. One hundred percent incidence of hemidiaphragmatic paresis associated with interscalene brachial plexus anesthesia as diagnosed by ultrasonography. Anesth Analg. 1991;72:498-503. Como o plexo braquial e o nervo frênico divergem um do outro à medida que se estendem caudalmente, o bloqueio supraclavicular (BSC) guiado por ultrassom pode ser uma opção segura, confiável e eficaz.44 Tran DQ, Elgueta MF, Aliste J, et al. Diaphragm-sparing nerve blocks for shoulder surgery. Reg Anesth Pain Med. 2017;42:32-8. Contudo, a incidência de PHd após BSC (preferencialmente para atingir a intersecção da primeira costela e da artéria subclávia, o corner pocket’) ainda não foi definida, pois os resultados publicados anteriormente são contraditórios.55 Petrar SD, Seltenrich ME, Head SJ, et al. Hemidiaphragmatic paralysis following ultrasound-guided supraclavicular versus infraclavicular brachial plexus blockade: a randomized clinical trial. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:133-8.,66 Renes SH, Spoormans HH, Gielen MJ, et al. Hemidiaphragmatic paresis can be avoided in ultrasound-guided supraclavicular brachial plexus block. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:595-9. Além disso, ainda há incertezas quanto à eficácia analgésica pós-operatória do bloqueio supraclavicular em cirurgias de ombro.44 Tran DQ, Elgueta MF, Aliste J, et al. Diaphragm-sparing nerve blocks for shoulder surgery. Reg Anesth Pain Med. 2017;42:32-8.

A ultrassonografia da cúpula diafragmática é um método direto, confiável, não invasivo e reprodutível para avaliar a atividade do diafragma. De fato, o modo-M (motion) pode ser usado para avaliar a excursão diafragmática, isto é, o deslocamento durante um teste sniff voluntário no qual os pacientes inalam com força e bruscamente pelo nariz.77 Boussuges A, Gole Y, Blanc P. Diaphragmatic motion studied by m-mode ultrasonography: methods, reproducibility, and normal values. Chest. 2009;135:391-400.

O objetivo principal de nosso estudo foi avaliar e comparar a incidência de PHd por meio de ultrassonografia diafragmática feita após a injeção supraclavicular ou interscalênica de 20 mL de ropivacaína a 0,375%. Nesse cenário, a nossa hipótese foi que a incidência de PHd após BSC seria a metade da incidência após BIE.

Métodos

A aprovação ética para este estudo (Comité de Ética nº 03-0415) foi fornecida pelo Comité d’Ethique Recherche dos Hospitais Universitários de Toulouse, Toulouse, França (Presidente Dr. N. Nasr) em 30 de abril de 2015, de acordo com a Declaração de Helsinque.

Após obter a assinatura em termo de consentimento livre e esclarecido de cada paciente, este estudo observacional, prospectivo e de centro único foi feito no centro cirúrgico do Departamento de Ortopedia do Hôpital Riquet (Hospital Universitário Purpan de Toulouse) de maio de 2016 a maio de 2017.

Critérios de inclusão/exclusão

Todos os pacientes acima de 18 anos agendados para artroscopia eletiva de ombro sob anestesia regional foram incluídos. Os critérios de exclusão foram: existência de paralisia diafragmática contralateral, história de insuficiência respiratória (pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica e escore ≥ 2 na escala de dispneia Modified Medical Research Council Dyspnea Scale - mMRC), incapacidade de se submeter à ultrassonografia diafragmática, recusa do paciente, presença de distúrbios hemostáticos graves espontâneos ou adquiridos, infecção no local da punção, gravidez e aqueles sob a proteção de adultos (responsável, guarda, tutela legais).

A escolha entre ISB e BSC foi determinada pelo médico responsável pelo paciente no dia da cirurgia com base em suas convicções e preferências pessoais. O médico que avaliou os critérios do desfecho (principalmente a função diafragmática na ultrassonografia) desconhecia o método escolhido para o bloqueio do plexo braquial. Cada paciente foi tratado de acordo com o protocolo padrão do departamento com uma injeção intravenosa de 500 mL da solução de Ringer com Lactato e monitoração padrão, inclusive eletrocardiograma contínuo, pressão arterial não invasiva e oximetria de pulso. Nenhum pré-medicamento foi administrado ao paciente antes da anestesia regional.

Protocolo de anestesia regional

A anestesia regional foi feita com um ecógrafo (XPorte, Fujifilm Sonosite®, Inc., Bothell, EUA) equipado com um sensor linear de alta frequência (10-12 MHz). Para o BSC, 20 mL de ropivacaína a 0,375% foram injetados tendo como alvo preferencial o corner pocket (junção da artéria subclávia e primeira costela ou pleura).88 Soares LG, Brull R, Lai J, et al. Eight ball, corner pocket: the optimal needle position for ultrasound-guided supraclavicular block. Reg Anesth Pain Med. 2007;32:94-5. Uma vez identificado, 5 mL de ropivacaína a 0,375% foram injetados lentamente após aspiração, enquanto a disseminação do anestésico local era observada. Subsequentemente, a agulha foi retirada, posterolateralmente ao plexo braquial, e 15 mL de ropivacaína a 0,375% foram injetados lentamente.66 Renes SH, Spoormans HH, Gielen MJ, et al. Hemidiaphragmatic paresis can be avoided in ultrasound-guided supraclavicular brachial plexus block. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:595-9. Para o ISB, uma abordagem posterior foi usada com a injeção periplexo de 20 mL de ropivacaína a 0,375% em contato com as raízes C5 e C6.99 Nadeau MJ, Levesque S, Dion N. Ultrasound-guided regional anesthesia for upper limb surgery. Can J Anaesth. 2013;60:304-20.

O sucesso da anestesia regional foi determinado no 30º minuto pela perda da sensação ao frio com uma compressa embebida em álcool frio.

Avaliação da excursão diafragmática guiada por ultrassom

Antes de administrar a anestesia regional (estado basal) e 30 minutos após, a excursão diafragmática foi avaliada por um dos pesquisadores do estudo (FF, CM, JMM). A ultrassonografia diafragmática foi feita com uma sonda cardíaca de 3,5-5 MHz (X-Porte, Fujifilm Sonosite®, Inc., Bothell, EUA), com o paciente em posição estritamente supina. A sonda de ultrassom foi posicionada logo abaixo da margem costal, na região da linha axilar anterior, e apontada para as direções medial, cefálica e dorsal em direção ao terço posterior do hemidiafragma. O modo bidimensional foi inicialmente usado para obter a melhor abordagem. O modo-M foi então usado para medir os movimentos diafragmáticos inspiratórios (caudais) e expiratórios (cefálicos) ao longo da linha selecionada (fig. 1). O fígado (à direita) ou o baço (à esquerda) serviu como janela acústica. A excursão diafragmática (deslocamento expresso em cm) foi medida durante o teste sniff, com manobras respiratórias correspondentes à inalação breve, rápida, forçada e nasal.55 Petrar SD, Seltenrich ME, Head SJ, et al. Hemidiaphragmatic paralysis following ultrasound-guided supraclavicular versus infraclavicular brachial plexus blockade: a randomized clinical trial. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:133-8.

Figura 1
Excursões diafragmáticas durante o teste sniff antes (A) e depois (B) do bloqueio do plexo braquial por via interescalênica (ISB). Antes do ISB, a excursão diafragmática (isto é, deslocamento) foi medida em 33,1 mm (A). Observe o paradoxal movimento descendente do diafragma (seta branca) 30 minutos após ISB (B).

A visibilidade guiada por ultrassom da linha diafragmática e de sua excursão foi observada de forma semiquantitativa (0 = ruim, 1 = média, 2 = boa). As três melhores medidas de excursão diafragmática foram mantidas para cada avaliação. A paralisia diafragmática foi considerada total nos casos em que uma redução > 75% da excursão diafragmática foi registrada ou parcial nos casos em que houve excursão diafragmática de 25-75%.55 Petrar SD, Seltenrich ME, Head SJ, et al. Hemidiaphragmatic paralysis following ultrasound-guided supraclavicular versus infraclavicular brachial plexus blockade: a randomized clinical trial. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:133-8. Durante a inspiração, o movimento paradoxal do diafragma, destacado por um movimento cefálico, definiu a PHd total (fig. 1).

Para a anestesia geral, um protocolo padronizado foi usado para a indução com propofol (2-3 mg.kg-1) e sufentanil (10-15 mcg) e manejo das vias aéreas superiores via máscara laríngea. A anestesia geral foi mantida com propofol IV administrado via seringa elétrica (2-8 mg.kg-1.h-1). No fim do procedimento cirúrgico, os pacientes foram transferidos para a Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA). A saturação de oxigênio no ar ambiente e a presença de dispneia (desfechos secundários) foram registradas antes de o paciente deixar a SRPA.

Dor pós-operatória e consumo de opioides

A dor pós-cirúrgica foi avaliada de acordo com uma escala de classificação numérica de 0 a 10 (Numeric Rating Scale - NRS), na qual 0 = sem dor e 10 = pior dor possível. A analgesia pós-cirúrgica foi mantida com a administração sistemática, exceto se contraindicado, de paracetamol (1 g) e cetoprofeno (100 mg). Na sala de recuperação, sulfato de morfina (titulação IV) foi administrado em caso de escore NRS > 3. Nas primeiras 24 horas de pós-operatório, os escores NRS mais altos em repouso e o consumo de opioides (doses equivalentes de morfina intravenosa) foram avaliados e registrados desde a alta da SRPA (desfechos secundários).

Previsão do tamanho da amostra

Projetamos o tamanho da amostra do estudo com base em uma análise de potência a priori e na suposição de uma incidência de paralisia hemidiafragmática (total ou parcial) de 40% após o bloqueio supraclavicular, estimada com base em relato da incidência de 44% após técnicas guiadas por ultrassom.55 Petrar SD, Seltenrich ME, Head SJ, et al. Hemidiaphragmatic paralysis following ultrasound-guided supraclavicular versus infraclavicular brachial plexus blockade: a randomized clinical trial. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:133-8. Como a incidência de PHd após ISB foi superior a 80%,44 Tran DQ, Elgueta MF, Aliste J, et al. Diaphragm-sparing nerve blocks for shoulder surgery. Reg Anesth Pain Med. 2017;42:32-8. consideramos que 29 pacientes por grupo seriam suficientes para detectar uma redução de 50% na incidência de PHd após BSC, comparado ao ISB, com risco-α de 0,05 e poder de 90% (bicaudal). Para compensar qualquer erro de inclusão e perda de pacientes para o acompanhamento (geralmente estimados em 10%), 32 pacientes por grupo devem ser incluídos.

Análise estatística

A normalidade dos dados foi verificada com o teste de Shapiro-Wilk. As variáveis contínuas foram expressas em média ± DP e analisadas como o teste t não pareado quando simetricamente distribuídas; caso contrário, foram expressas em mediana (intervalo) e analisadas com o teste U de Mann-Whitney, conforme apropriado. As variáveis qualitativas foram expressas em número (%) e comparadas de acordo com os testes qui-quadrado ou exato de Fisher, quando apropriado. A extensão da associação entre o início da paralisia diafragmática e o tipo de anestesia regional (ISB ou BSC) foi expressa em risco relativo (RR) e intervalo de confiança de 95% (IC 95%). As variáveis explicativas da PHd foram analisadas com um modelo linear generalizado (regressão logística stepwise).

A análise estatística foi feita com o programa MedCalc (versão 12.6.1, MedCalc Software bvba, Ostend, Bélgica; 2013). Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Foram elegíveis 92 pacientes (tabela 1). Sete pacientes (7,6%) foram excluídos devido à ausência de excursão diafragmática na imagem ultrassonográfica. Portanto, 85 pacientes foram inscritos e analisados, 42 dos quais foram submetidos ao BSC e 43 ao ISB (fig. 2).

Tabela 1
Características demográficas dos pacientes incluídos no estudo

Figura 2
Fluxograma. BSC, bloqueio do plexo braquial por via supraclavicular; ISB, bloqueio do plexo braquial por via interescalênica.

Quanto às características demográficas, a maioria dos pacientes foi submetida à artroscopia de ombro sob a combinação de anestesia regional e anestesia geral (tabela 1).

A análise do desfecho primário identificou 59,5% dos casos de PHd no Grupo BSC versus 95,3% no Grupo ISB (p < 0,0001) (tabela 2). O risco relativo de PHd no Grupo ISB comparado ao Grupo BSC foi de 1,6 (IC95% 1,2-2,1, p = 0,0003).

Tabela 2
Variação da excursão diafragmática durante o teste sniff antes e depois da anestesia regional

No Grupo BSC, a paralisia foi classificada como total em 42,9% dos casos e parcial em 16,7%, enquanto no Grupo ISB a paralisia foi total em 88,4% dos casos e parcial em 7% (p < 0,0001) (tabela 2). O risco relativo de PHd total no Grupo ISB comparado ao Grupo BSC foi de 1,8 (IC95% 1,3-2,6, p = 0,0003). Um movimento paradoxal do diafragma durante o teste sniff foi observado em 81,4% dos pacientes no Grupo BIE, comparado a 40,5% dos pacientes no Grupo BSC (risco relativo em 2 (IC95% 1,4-3; p = 0,0001) (tabela 2). As variações na excursão diafragmática entre os grupos BSC e ISB são apresentadas na figura 3.

Figura 3
Variações na excursão diafragmática induzida por anestesia regional e comparadas entre os grupos. AR, anestesia regional; ISB, bloqueio interescalênico; BSC, bloqueio supraclavicular. Diferença significativa em relação ao grupo ISB (p = 0,0001).

Na janela esplênica (lado esquerdo), 25% (9/36) dos pacientes tiveram má apresentação ultrassonográfica do diafragma em comparação com 6,1% (3/49) com a janela hepática (lado direito) (p < 0,0001).

A redução na saturação de oxigênio foi comparável entre os grupos de pacientes com e sem PHd com -2 pontos (IC95% -3--1) e -1 ponto (IC 95% -2,2-0), respectivamente; p = 0,08.

Além disso, não houve diferença estatística em termos de incidência de dispneia (12,9% vs. 5,3%, respectivamente, p = 0,3).

Escore ASA, sexo, índice de massa corporal, idade, tabagismo e capacidade funcional basal não podem explicar a incidência de PHd (p = NS).

O índice de massa corporal foi significativamente maior nos pacientes com dispneia pós-cirúrgica do que nos pacientes sem dispneia (30 [21-39] kg.m-2 vs. 24 [16-34] kg.m-2, respectivamente, p = 0,004). Uma capacidade funcional basal moderada (equivalente metabólico da atividade = 4-7) ou inferior (equivalente metabólico da atividade < 4) foi observada em 66,6% dos pacientes com dispneia, comparado a 30% dos pacientes sem dispneia (p = 0,002).

O consumo cumulativo de morfina e o escore NRS mais alto 24 horas após a alta não diferiram entre os grupos (p = 0,15 e p = 0,14, respectivamente, tabela 3).

Tabela 3
Consumo de doses equivalentes de morfina intravenosa e avaliação da dor após 24 h (desde a alta da SRPA) de acordo com a anestesia regional

Discussão

Avaliamos a incidência de PHd durante o BSC guiado por ultrassom, obtido com 20 mL de ropivacaína a 0,375%, e comparamos com o ISB induzido com a mesma dose de anestésico local. Como esperado, quase todos os pacientes apresentaram PHd (na maioria total) após o ISB, enquanto 60% dos pacientes apresentaram excursão diafragmática diminuída após o bloqueio do plexo braquial supraclavicular.

O ISB é reconhecido como a analgesia de referência após cirurgias de ombro.11 Fredrickson MJ, Krishnan S, Chen CY. Postoperative analgesia for shoulder surgery: a critical appraisal and review of current techniques. Anaesthesia. 2010;65:608-24. Porém, uma perda de aproximadamente 100% da atividade hemidiafragmática resultante da paralisia do nervo frênico limita o uso do ISB em pacientes com reserva pulmonar limitada devido a preocupações com dispneia, atelectasia e insuficiência respiratória.33 Urmey WF, Talts KH, Sharrock NE. One hundred percent incidence of hemidiaphragmatic paresis associated with interscalene brachial plexus anesthesia as diagnosed by ultrasonography. Anesth Analg. 1991;72:498-503.,1010 McCool FD, Tzelepis GE. Dysfunction of the diaphragm. N Engl J Med. 2012;366:932-42. A incidência de PHd secundária ao ISB é decorrente da propagação cefálica do anestésico local em direção às raízes nervosas C3-C5 e/ou a sua difusão anterior em direção ao nervo frênico.44 Tran DQ, Elgueta MF, Aliste J, et al. Diaphragm-sparing nerve blocks for shoulder surgery. Reg Anesth Pain Med. 2017;42:32-8. Consequentemente, uma anestesia mais caudal do plexo braquial por via supraclavicular deve reduzir a incidência de PHd (o nervo frênico e o plexo braquial divergem entre si a uma taxa de 3 mm por centímetro sob a cartilagem cricoide).44 Tran DQ, Elgueta MF, Aliste J, et al. Diaphragm-sparing nerve blocks for shoulder surgery. Reg Anesth Pain Med. 2017;42:32-8. Em 2001, Mak et al. registraram 67% dos casos de PHd após BSC feitos em neuroestimulação com 0,5 mL.kg-1 de bupivacaína a 0,375%.1111 Mak PH, Irwin MG, Ooi CG, et al. Incidence of diaphragmatic paralysis following supraclavicular brachial plexus block and its effect on pulmonary function. Anaesthesia. 2001;56:352-6. Em nosso estudo, o uso da orientação por ultrassom para controlar a distribuição do anestésico local preferencialmente ao corner pocket não reduziu a incidência de PHd após BSC. Nosso resultado difere daquele publicado anteriormente por Renes et al., pois os autores relataram que nenhum paciente do grupo ultrassom apresentou paresia completa ou parcial do hemidiafragma após BSC com 20 mL de ropivacaína a 0,75%.66 Renes SH, Spoormans HH, Gielen MJ, et al. Hemidiaphragmatic paresis can be avoided in ultrasound-guided supraclavicular brachial plexus block. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:595-9. A presença de um nervo frênico acessório ou a difusão retrógrada do anestésico local pode ser responsável pela incidência dessa complicação que encontramos após BSC.1212 Loukas M, Kinsella CR, Louis RG, et al. Surgical anatomy of the accessory phrenic nerve. Ann Thorac Surg. 2006;82:1870-75. De qualquer forma, mesmo que a incidência de paralisia após bloqueio supraclavicular seja menor, comparado ao ISB, nossos resultados disponíveis não apoiam o uso de BSC com alto volume e injeções múltiplas quando a PHd é uma preocupação clínica. Infelizmente, um BSC guiado por ultrassom com 20 mL de ropivacaína a 0,375% é afetado por uma incidência relativamente alta (60%) dessa paralisia.

Ao contrário de nossas expectativas, nenhum fator preditivo pode ser identificado para a PHd. Esse risco não é maior em pacientes idosos, obesos, fumantes ou com baixa capacidade funcional, comparado a outros. Assim, a incidência de PHd após BSC ou ISB dependeria apenas das características da anestesia regional (local da injeção, tipo, volume e dose do anestésico local usado), bem como das variações anatômicas dos indivíduos. Contudo, dados publicados anteriormente demonstraram que a paralisia diafragmática esteve frequentemente associada à dispneia em pacientes com um índice de massa corporal ≥ 30 kg.m-2.1313 Marty P, Ferré F, Basset B, Marquis C, Bataille B, Chaubard M, et al. Diaphragmatic paralysis in obese patients in arthroscopic shoulder surgery: consequences and causes. J Anesth. 2018;32:333-40. De fato, demonstramos em nosso estudo que o índice de massa corporal era significativamente maior nos pacientes com dispneia pós-operatória do que nos pacientes sem dispneia. Em outras palavras, as implicações clínicas respiratórias da paralisia diafragmática podem ser mais pronunciadas em pacientes obesos que devem ser considerados uma população de alto risco.

A qualidade da analgesia pós-operatória após BSC parece ser semelhante à obtida após ISB para artroscopia de ombro.

Essa similaridade foi defendida recentemente por Ryu et al. e Auyong et al. para artroscopias ambulatoriais de grande porte.1414 Auyong DB, Hanson NA, Joseph RS, et al. Comparison of Anterior Suprascapular, Supraclavicular, and Interscalene Nerve Block Approaches for Major Outpatient Arthroscopic Shoulder Surgery: A Randomized, Double-blind, Noninferiority Trial. Anesthesiology. 2018;129:47-57.,1515 Ryu T, Kil BT, Kim JH. Comparison between ultrasound-guided supraclavicular and interscalene brachial plexus blocks in patients undergoing arthroscopic shoulder surgery: a prospective, randomized, parallel study. Medicine (Baltimore). 2015;94:e1726. De fato, do ponto de vista anatômico, todo o plexo braquial (troncos superior, médio e inferior) é anestesiado com o BSC, que proporciona analgesia pós-cirúrgica adequada após artroscopia de ombro. Portanto, o BSC oferece uma opção confiável ao ISB para a artroscopia de ombro, até onde a analgesia pós-operatória pode ser proporcionada para artroscopia de ombro.

Nosso estudo tem várias limitações. A ausência de um caráter randômico e duplo-cego é uma das principais. Além da perda de robustez metodológica, a escolha da anestesia regional deixada a critério dos médicos anestesiologistas poderia tornar nossa população heterogênea. Em segundo lugar, a mensuração da excursão diafragmática guiada por ultrassom não é um método de referência para o diagnóstico de PHd. Porém, o registro da pressão transdiafragmática é uma técnica invasiva que garante a mensuração simultânea das pressões gástrica e esofágica, mas pode ser feito na prática atual nesse contexto. Logo, a ultrassonografia é uma opção confiável, reprodutível e não invasiva que pode ser feita diretamente à beira do leito do paciente.77 Boussuges A, Gole Y, Blanc P. Diaphragmatic motion studied by m-mode ultrasonography: methods, reproducibility, and normal values. Chest. 2009;135:391-400. As dificuldades associadas à apresentação ultrassonográfica da excursão diafragmática na janela acústica esplênica podem ser superadas medindo-se a espessura do diafragma em sua zona de aposição à caixa torácica durante a inspiração profunda.1010 McCool FD, Tzelepis GE. Dysfunction of the diaphragm. N Engl J Med. 2012;366:932-42.,1616 Matamis D, Soilemezi E, Tsagourias M, Akoumianaki E, Dimassi S, Boroli F, et al. Sonographic evaluation of the diaphragm in critically ill patients. Technique and clinical applications. Intensive Care Med. 2013;39:801-10. Por fim, um ponto de corte de 25% na redução da excursão diafragmática para definir a PHd permanece controverso.55 Petrar SD, Seltenrich ME, Head SJ, et al. Hemidiaphragmatic paralysis following ultrasound-guided supraclavicular versus infraclavicular brachial plexus blockade: a randomized clinical trial. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:133-8.,66 Renes SH, Spoormans HH, Gielen MJ, et al. Hemidiaphragmatic paresis can be avoided in ultrasound-guided supraclavicular brachial plexus block. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:595-9.,1717 Sarwal A, Walker FO, Cartwright MS. Neuromuscular ultrasound for evaluation of the diaphragm. Muscle Nerve. 2013;47:319-29. Estudos multiparamétricos adicionais (que envolvam parâmetros da função pulmonar como a capacidade vital) são necessários para esclarecer melhor as repercussões clínicas do envolvimento hemidiafragmático e, assim, refinar o diagnóstico positivo guiado por ultrassom.

Conclusão

A alta incidência de PHd (60% dos pacientes) e de PHd total (43% dos pacientes) após a injeção supraclavicular de 20 mL de ropivacaína a 0,375% torna o BSC um procedimento de risco quando essa paralisia é uma preocupação clínica. Outros dados com foco nas repercussões respiratórias são necessários para entender melhor as consequências da paralisia hemidiafragmática.

  • Apresentação prévia
    Os dados preliminares deste estudo foram divulgados como uma apresentação em pôster eletrônico no Congresso SFAR, de 27 a 29 de setembro de 2018, em Paris.

Agradecimentos

A todos os pacientes que concordaram em participar deste estudo.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2019
  • Aceito
    12 Set 2019
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