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Sequência de segurança de intubação: o algoritmo 10 “Ps” e ferramenta cognitiva para manuseio de vias aéreas em pacientes com COVID-19

Prezada Editora,

A incidência de transmissão do SARS-CoV-2 de pacientes para profissionais da saúde (PS) aumentou nos últimos meses. Dados da National Health Commission da China mostram que mais de 3300 PS foram infectados desde o início de março. Na Itália, 20% dos profissionais da saúde na linha de frente do atendimento ao COVID-19 foram infectados.11 Lancet T. COVID-19: protecting health-care workers. Lancet. 2020;395:922. É importante proteger a equipe da transmissão durante procedimentos de alto risco, como intubação traqueal. Formulamos ferramenta de ajuda cognitiva (fig. 1) que sugere os seguintes 10 Ps como uma série de passos para sequência de intubação segura em pacientes com COVID-19, com o objetivo de simplificar a grande quantidade de informações atualmente apresentadas na literatura científica de COVID-19.

Figura 1
Ferramenta cognitiva/checklist para sequência de intubação segura em paciente suspeito ou confirmado com COVID-19. EPI, Equipamento de Proteção Individual; AMPLE, Alergias, Medicação, Passado clínico, Última Refeição (do inglês, last meal), Eventos; ISR, Intubação de Sequência Rápida; DSA, Dispositivo Supraglótico de Via Aérea de Segunda Geração; VBM, Ventilação Balão Máscara; e-FONA (SBT), Acesso de Emergência à Região Cervical Anterior (bisturi-bougie-tubo); HEPA:, Alta Eficiência na retenção de Partículas; LD, Laringoscopia Direta; VL, Vídeo Laringoscópio; VPP, Ventilação com Pressão Positiva; BNM, Bloqueadores Neuromusculares.

  1. Proteção: Todo procedimento gerador de aerossol (PGA) deve ser realizado em sala de isolamento com pressão negativa, com o mínimo de pessoal envolvido. A orientação provisória da OMS publicada em 19 de março, sobre “Uso racional de equipamento de proteção individual para COVID-19”, recomenda que Equipamento de Proteção Individual (EPI) durante PGA inclua máscara N95 ou padrão FFP2, ou equivalente, avental cirúrgico impermeável, luvas, proteção ocular e avental.22 Rational use of Personal Protective Equipment (PPE) for Coronavirus Disease (COVID-19): Interim Guidance; 19 March 2020. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331498 [accessed 20.4.20].
    https://apps.who.int/iris/handle/10665/3...

  2. Planejamento: Determinar funções e responsabilidades, planejar estratégia de abordagem de vias aéreas antes de entrar na sala de isolamento. Avaliação rápida de vias aéreas do paciente pode ser realizada usando o escore MACOCHA.33 De Jong A, Molinari N, Terzi N, et al. Early identification of patients at risk for difficult intubation in the intensive care unit: development and validation of the MACOCHA score in a multicenter cohort study. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187:832-9. Subsequentemente, o plano para o manuseio das vias aéreas (plano A ao plano D) pode ser personalizado pela equipe para que se obtenha sucesso na primeira tentativa de intubação. Os integrantes da equipe devem praticar comunicação em alça fechada e estar atentos para contaminação cruzada.

  3. Preparo: Este passo envolve preparar kit de equipamento e fármacos específicos para cada paciente externamente à sala de isolamento. Kit de cricotiroidotomia pode ser mantido pelo circulante externo. Uma vez dentro da sala de isolamento, verificar e montar o equipamento usando o mnemônico SOAP ME (fig. 1).

  4. Posição: O posicionamento adequado do paciente recomenda a elevação da cabeça a 30 graus para melhorar a oxigenação e a posição em rampa de pacientes obesos para facilitar a intubação.

  5. Pré-oxigenação: Máscara bem ajustada e de tamanho apropriado deve ser aplicada na face do paciente por duas pessoas e aplicando-se a máscara facial com duas mãos usando o V-E-grip para obter melhor vedação.44 Fei M, Blair JL, Rice MJ, et al. Comparison of effectiveness of two commonly used two-hand mask ventilation techniques on unconscious apnoeic obese adults. Br J Anaesth. 2017;118:618-24. O circuito preferencial é o fechado com ramos inspiratório e expiratório ou circuito com re-inalação como o circuito C de Mapleson C (Waters) ou modificação coaxial do circuito D de Mapleson (Bain).

  6. Pré-tratamento: Ressuscitação hemodinâmica criteriosa deve ser realizada.

  7. Pressão: Recomendamos que seja usada somente quando assistente treinado estiver disponível, já que pode causar dificuldade na visualização da glote se não for aplicada adequadamente.

  8. Profundidade da indução e relaxamento muscular: O objetivo é assegurar profundidade adequada e evitar tosse. Evitar ventilação com pressão positiva antes de ter certeza de que a intubação das vias aéreas foi bem-sucedida para prevenir potencial aerossolização de vírus presente nas vias aéreas.

  9. Colocação (Placement) do tubo e confirmação: A laringoscopia deve ser realizada com o dispositivo que tem maior probabilidade de prontamente conseguir intubação traqueal bem sucedida na primeira tentativa. O uso de vídeo laringoscópio é recomendado. Pode ser utilizada uma barreira adicional como barraca de lençol plástico ou caixa de plástico. Caso surja dificuldade, usar um algoritmo padrão para falha de intubação traqueal como a ferramenta de ajuda cognitiva.

  10. Preocupações pós-intubação: Evitar desconexão do circuito - assegurar-se de que todas as conexões estejam bem fixadas. Se houver necessidade de desconexão do circuito, sempre desconectar com filtro ou usar clamp para o tubo endotraqueal antes de desconectar. Colocar todo o equipamento de vias aéreas em saco plástico selado com fecho duplo. Limpar a sala 20 minutos após a intubação traqueal (ou último PGA).

O manuseio de vias aéreas de pacientes com COVID-19 envolve desafios específicos dos riscos de infecção dos PS e de rápida dessaturação dos pacientes durante a apneia, levando a estresse adicional se a via aérea do paciente não é facilmente intubada na primeira tentativa. O impacto positivo de ferramentas de ajuda cognitiva e de checklists em anestesia tem sido avaliado em vários estudos.55 Arriaga AF, Bader AM, Wong JM, et al. Simulation-based trial of surgical-crisis checklists. N Engl J Med. 2013;368:246-53. Esses estudos têm priorizado, antes de mais nada, a segurança do paciente. Concluindo, um equilíbrio adequado precisa ser mantido entre a segurança dos PS e os cuidados com pacientes com COVID-19.

References

  • 1
    Lancet T. COVID-19: protecting health-care workers. Lancet. 2020;395:922.
  • 2
    Rational use of Personal Protective Equipment (PPE) for Coronavirus Disease (COVID-19): Interim Guidance; 19 March 2020. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331498 [accessed 20.4.20].
    » https://apps.who.int/iris/handle/10665/331498
  • 3
    De Jong A, Molinari N, Terzi N, et al. Early identification of patients at risk for difficult intubation in the intensive care unit: development and validation of the MACOCHA score in a multicenter cohort study. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187:832-9.
  • 4
    Fei M, Blair JL, Rice MJ, et al. Comparison of effectiveness of two commonly used two-hand mask ventilation techniques on unconscious apnoeic obese adults. Br J Anaesth. 2017;118:618-24.
  • 5
    Arriaga AF, Bader AM, Wong JM, et al. Simulation-based trial of surgical-crisis checklists. N Engl J Med. 2013;368:246-53.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020
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