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Hiperinflação: um arcabouço teórico

Resumo

Este artigo apresenta uma teoria da hiperinflação na qual não há necessidade de apelar-se para hipóteses casuísticas, como expectativas adaptativas, ajustamento parcial no mercado monetário ou profecias auto-realizáveis. O modelo tem um agente representativo com vida infinita que aloca seus recursos de sorte a maximizar o bem estar, todos os mercados estão em equilíbrio, o banco central financia o déficit público e a moeda é essencial. A hiperinflação ocorre porque a restrição intertemporal do governo não é satisfeita. O arcabouço teórico produz algumas conclusões sobre a duração da hiperinflação, e sobre outras características deste processo, nem sempre em concordância com a sabedoria convencional. O artigo também analisa como o fenômeno da substituição da moeda, um fato estilizado das experiências hiperinflacionárias, pode afetar a essencialidade da moeda, um ingrediente básico do modelo.

hiperinflação; imposto inflacionário; política monetária


Hiperinflação: um arcabouço teórico* * Os autores agradecem a um parecista desta revista pelos comentários que contribuíram para esta versão do trabalho.

Fernando de Holanda BarbosaI; Élvia Mureb SallumII

IProfessor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas

IIProfessora do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo

Sumário: 1. Introdução; 2. Hiperinflação: o estado das artes; 3. Os fundamentos da hiperinflação: um arcabouço teórico; 4. A morte antecipada da hiperinflação; 5. A dolarização e a essencialidade da moeda doméstica; 6. Conclusão.

Este artigo apresenta uma teoria da hiperinflação na qual não há necessidade de apelar-se para hipóteses casuísticas, como expectativas adaptativas, ajustamento parcial no mercado monetário ou profecias auto-realizáveis. O modelo tem um agente representativo com vida infinita que aloca seus recursos de sorte a maximizar o bem estar, todos os mercados estão em equilíbrio, o banco central financia o déficit público e a moeda é essencial. A hiperinflação ocorre porque a restrição intertemporal do governo não é satisfeita. O arcabouço teórico produz algumas conclusões sobre a duração da hiperinflação, e sobre outras características deste processo, nem sempre em concordância com a sabedoria convencional. O artigo também analisa como o fenômeno da substituição da moeda, um fato estilizado das experiências hiperinflacionárias, pode afetar a essencialidade da moeda, um ingrediente básico do modelo.

Palavras-chave: hiperinflação; imposto inflacionário; política monetária.

Código JEL: E31; E42; E52; E63.

1 Introdução

A teoria econômica tem explicado a hiperinflação através de dois tipos de hipóteses. No primeiro, estão aquelas que atribuem a origem da hiperinflação a bolhas. O segundo grupo identifica nos fundamentos da economia as causas do aumento explosivo da taxa de inflação.

A explicação da hiperinflação através de bolhas é bastante limitada, pois baseia-se na instabilidade da dinâmica do sistema econômico, que pode eventualmente levar a uma trajetória de preços explosiva, mas que é imprevisível, pois depende de um choque que perturbe o equilíbrio da economia. Ademais, não existe evidência empírica que suporte esta hipótese (ver, por exemplo, Flood e Garber (1994)).

A hipótese tradicional com base nos fundamentos da economia, inspirada no trabalho clássico de Cagan (1956), supõe que o déficit público a ser financiado por moeda é maior do que o valor máximo do imposto inflacionário que a economia é capaz de arrecadar dos agentes que demandam a moeda.1 1 Cagan (1956) não formalizou este modelo. Todavia, suas principais conclusões suportam este tipo de modelo. As principais conclusões de Cagan foram: as hiperinflações teriam sido produzidas pelo crescimento da oferta monetária para financiar o déficit público; e, nos países que ele analisou, o imposto inflacionário estaria acima do valor máximo que poderia ser obtido em equilíbrio estacionário. Dois modelos são capazes de produzir este resultado. Num modelo as expectativas são adaptativas, e no outro as expectativas são racionais, porém ele contém um mecanismo de ajuste parcial no mercado monetário. Ambos os modelos são insatisfatórios, pois o mecanismo de expectativas adaptativas produz erros sistemáticos de previsão, e o ajustamento parcial no mercado monetário é uma hipótese casuística e não tem nenhuma fundamentação teórica. Ademais, estes modelos supõem uma combinação particular de valores para os parâmetros para que exista uma trajetória de hiperinflação.

Num trabalho recente, Barbosa (1999) mostrou que, no regime de política monetária em que o Banco Central financia, através da emissão de moeda, o déficit público, a economia pode ter um equilíbrio estacionário de hiperinflação, se a moeda for essencial. A essencialidade da moeda como meio de trocas é definida pelo valor da elasticidade (h) da quantidade demandada de moeda com relação à taxa de inflação, que, em valor absoluto, deve estar compreendida entre 0 e 1: (0 < | h| < 1).

O objetivo deste artigo é generalizar o enfoque apresentado por Barbosa (1999), de sorte a gerar não somente um ponto, mas uma trajetória de hiperinflação. O modelo supõe um agente representativo com vida infinita, expectativas racionais e que a moeda seja essencial nas suas preferências. O governo financia o déficit público emitindo moeda e cobrando impostos, mas a crise fiscal obriga-o a expandir de modo gradual a parte do déficit público que é financiado por moeda. A origem da hiperinflação deve-se, basicamente, ao fato de que a restrição intertemporal do governo não é satisfeita, porque é impossível financiar o déficit público de maneira permanente através da emissão de moeda.

Um arcabouço teórico para explicar a hiperinflação tem de ser capaz de reproduzir alguns fatos estilizados observados neste processo. Os fatos estilizados comuns a todas as experiências, documentadas em vários trabalhos clássicos sobre este tema, são:

  • a quantidade real de moeda aproxima-se de zero;

  • a taxa de inflação aumenta de maneira explosiva;

  • o déficit público é financiado através da emissão de moeda;

  • a duração da hiperinflação é bastante variável, dependendo da experiência de cada país;

  • uma moeda estrangeira passa a circular no país, substituindo, primeiro, a função de reserva de valor da moeda local e, depois, a própria moeda local como meio de pagamento;

  • a hiperinflação é estancada da noite para o dia, através de um programa de estabilização que muda o regime das políticas monetária e fiscal.

A teoria da hiperinflação que será apresentada neste artigo procura levar em conta esses fatos estilizados, desenvolvendo um arcabouço que seja consistente com os mesmos. O último fato estilizado demanda uma abordagem em que o modelo seja estocástico, pois não é possível dizer, a priori, a data do programa de estabilização.

Além desta introdução, o artigo está organizado como segue. A seção 2 contém uma resenha sucinta dos modelos inspirados em Cagan, que representam o estado-da-arte na literatura sobre hiperinflação.2 2 Para uma apresentação destes modelos ver Kiguel (1989) e Romer (1996). A seção 3 apresenta um arcabouço teórico, no qual os fundamentos da hiperinflação são a crise fiscal do Estado e a essencialidade da moeda. A seção 4 estende o modelo da seção anterior para levar em conta o fato de que a sociedade antecipa uma mudança de regime e o fim da hiperinflação. A seção 5 analisa a questão da essencialidade da moeda quando existe uma moeda estrangeira circulando como meio de pagamento, fenômeno conhecido na literatura econômica pelo nome de substituição de moedas e que é muito comum em épocas de hiperinflação. A seção 6 sumaria as conclusões do artigo.

2 A Hiperinflação: O Estado-da-Arte

O modelo de Cagan consiste no seguinte sistema de três equações:

Na primeira equação, o déficit público (f) é financiado por moeda, f = /P =+mp, onde m( = M/P) é o estoque real de moeda, p é a taxa de inflação,= dM/dt e = dm dt. A segunda equação é a de demanda de moeda, na forma semilogarítmica e a é a semi-elasticidade da quantidade demandada de moeda com relação à taxa de inflação esperada. A terceira equação é o mecanismo de expectativa adaptativa, que supõe que a previsão é corrigida de acordo com o erro cometido, e b é o coeficiente que multiplica o erro para obter-se a correção da previsão.

Derivando-se a equação de demanda de moeda com relação ao tempo e substituindo-se os valores dee, do mecanismo de expectativa, e pe, da equação de demanda de moeda, obtém-se:

Da equação do financiamento do déficit público tem-se

que substituída na equação anterior, resulta em:

Essa equação diferencial pode, também, ser obtida a partir do seguinte modelo:

onde existem duas diferenças com relação ao modelo anterior. A primeira é que este modelo supõe expectativas racionais, no sentido de previsão perfeita, pois pe = p. A segunda diferença está na hipótese de que o mercado monetário não se ajusta instantaneamente, o que ocorreria somente se b ® ¥. Substituindo-se a equação de demanda de moeda na equação de ajustamento parcial do mercado monetário, e o valor da taxa de inflação da equação do financiamento do déficit público na equação resultante da operação anterior, obtém-se a mesma equação diferencial da quantidade real de moeda.

Quando os parâmetros do modelo atenderem a restrição 1 – ab> 0,

e a equação diferencial é côncava, como representada no diagrama de fases da figura 1. A curva que corta o eixo horizontal em dois pontos, A e B, corresponde à situação em que existem dois pontos de equilíbrio. O ponto B de equilíbrio de inflação baixa é estável, e o ponto A de equilíbrio de inflação alta é instável. A trajetória de bolha ocorre se a economia, por qualquer razão, se encontrar num ponto à esquerda do ponto A.


O valor máximo de imposto inflacionário que a economia descrita no modelo de Cagan pode arrecadar ocorre quando a taxa de inflação for igual a p = p* = 1/a. Logo, o valor máximo do imposto inflacionário é igual a:

mp* = e–ap*p* = e–1/a

Admita-se que o déficit que o governo deseja financiar através da emissão de moeda é maior do que o valor máximo do imposto inflacionário que pode ser arrecadado:

ou

af – e–1 > 0

Segue-se, portanto, que a derivada de m em relação ao tempo, avaliada no ponto em que m = e–1, é negativa:

e a equação diferencial corresponde à curva HH do diagrama de fases da figura 1. Logo, se a economia estiver em equilíbrio no ponto B de baixa inflação, e ocorrer um aumento do déficit público a ser financiado por moeda que desloque a curva para HH, a economia entrará numa trajetória de hiperinflação. A existência desta trajetória depende de que a economia tenha algum tipo de inércia, no processo de formação de expectativas ou no ajustamento do mercado monetário, e de que o produto dos parâmetros a e b seja menor do que 1. Não há por que admitir, a priori, que estas hipóteses sejam adequadas para descrever a economia.

3 Os Fundamentos da Hiperinflação: Um Arcabouço Teórico

O agente representativo, com vida infinita, maximiza o funcional,

onde ré a taxa de preferência intertemporal, a função utilidade é separável no nível de consumo (c) e nos serviços da moeda (m = M/P, onde M é o estoque nominal de moeda e P o índice de preços). As funções u(c) e v(m) são côncavas e seguem as propriedades tradicionais.

O agente representativo recebe uma dotação de renda (y), que é gasta com o consumo, o pagamento de um imposto (i) do tipo lump-sum e acréscimo no encaixe de moeda. Isto é:

onde levou-se em conta o fato de que:

O problema do agente representativo consiste em maximizar

sujeito à restrição:

= y – c – i – mp

O hamiltoniano de valor corrente é dado por

H = u(c)+v(m)+l[– c – i – mp]

e as condições de primeira ordem são:

A solução do problema tem de satisfazer a condição de transversalidade:

O mercado de bens e serviços está em equilíbrio quando o produto for igual à soma do dispêndio dos consumidores e do governo (g):

y = c + g

O governo financia sua despesa com a aquisição de bens e serviços, suposta constante, através do imposto (i) do tipo lump-sum e da emissão de moeda:

g = i + f

onde:

O déficit público financiado por moeda varia com o tempo, de acordo com:

f = f(t), >0, f < = g

Esta hipótese tenta reproduzir o fato estilizado observado nos países que tiveram experiências de hiperinflação, ou, seja, de que uma proporção crescente das despesas do governo foram financiadas através da emissão de moeda.3 3 Ver Bresciani-Turroni (1937), Cagan (1956), Sargent e Wallace (1973). Descrevendo a hiperinflação alemã, Bresciani-Turroni (1937:74) afirma: ''in October 1923 an extraordinary phenomenon in the history of the public finance appeared, the complete atrophy of the fiscal system (sic). In the last decade of that month the ordinary receipts covered about 0.8 percent of the expenses, the State now obtained money exclusively through the discount of Treasury bills''. Cabe ainda observar que a quantidade real de moeda poderia ser um argumento da função f, para incorporar o fato de que a inflação pode afetar o déficit público.

Como a utilidade marginal do consumo não varia, pois este é constante (c = y – g), a taxa nominal de juros (r) é igual à taxa marginal de substituição entre consumo e moeda:

onde adotou-se a seguinte notação: u¢(m) = ¶u/¶m e u¢(c) = ¶uc.

O modelo da economia consiste, então, de cinco equações:

Na primeira equação, o déficit público é financiado por moeda; a segunda equação é a de demanda de moeda; a terceira é a equação de Fisher; na quarta o déficit público financiado por moeda evolui ao longo do tempo de acordo com a função f(t), que retrata a crise fiscal, e a última equação é a condição de transversalidade do modelo.

Combinando-se as equações (1) e (3) obtém-se:

A solução dessa equação pode ser obtida através da integral,

supondo-se a inexistência de bolhas. A função s(m) mede o custo dos serviços da moeda:

As duas hipóteses básicas do arcabouço teórico apresentado neste artigo para explicar as hiperinflações são: a crise fiscal evolui de modo gradual e a moeda é essencial. A primeira hipótese é representada pela função f(t). A segunda hipótese equivale a supor que a equação de demanda de moeda da figura 2 tem uma elasticidade da quantidade demandada de moeda, em relação à taxa de inflação, compreendida entre 0 e 1: ( 0 < | n| < 1). Esta hipótese implica que a função s(m) satisfaz as propriedades:


A primeira propriedade supõe que o imposto inflacionário (mp) tende para um valor constante quando a quantidade real de moeda se aproxima de zero. A segunda implica que o custo do serviço da moeda aumenta quando a quantidade real de moeda diminui. A terceira e última propriedade afirma que o custo do serviço da moeda torna-se desprezível quando a quantidade real de moeda tende para o infinito, ou, se existir uma quantidade ótima de moeda à la Friedman, o custo do serviço da moeda, para o estoque ótimo, será igual a zero.

3.1 Caso particular: déficit público constante financiado através de moeda

Antes de analisar o caso em que o déficit público a ser financiado através da emissão de moeda varia com o tempo, é interessante tratar do caso particular, da seção anterior, em que o valor deste déficit é constante. Nestas circunstâncias, a equação diferencial (6) tem o diagrama de fases da figura 3, pois


Nesse diagrama consideramos três hipóteses. A primeira corresponde à situação em que o déficit público a ser financiado por moeda é menor do que o valor máximo dos serviços da moeda. O modelo tem um equilíbrio estacionário no qual a taxa de inflação é constante. A segunda hipótese supõe que o déficit público a ser financiado por moeda é justamente igual ao limite da função s(m) quando a quantidade real de moeda aproxima-se de zero. O modelo, nesta hipótese, tem um equilíbrio estacionário de hiperinflação. A terceira hipótese admite que o déficit público a ser financiado por moeda é maior do que o valor dos serviços que a moeda produz. Haverá, então, uma hiperinflação que não pode ser caracterizada como um equilíbrio estacionário.

A conclusão a que se chega é que a hipótese do déficit público constante, a ser financiado através de moeda, pode produzir hiperinflação. Todavia, esta hipótese é incapaz de produzir uma trajetória de hiperinflação, como se observa nos países que tiveram este tipo de experimento. Ademais, esta hipótese não parece adequada para descrever o que ocorreu nas experiências de hiperinflação no século XX.

3.2 Caso particular: preferências logarítmicas e inércia na crise fiscal

Admitindo-se que as funções utilidades, do consumo e da moeda, tenham as seguintes formas funcionais:

u(c) = log c

e

v(m) = a log m

a função s(m) é dada por

s(m) = mr = ac = a(y – g) =

que satisfaz às propriedades listadas anteriormente.

A evolução da crise fiscal não é fácil de ser modelada e requer um certo grau de simplificação e estilização para ser tratada analiticamente. Admita-se que ela possa ser representada pela função

f(t) =(1 – fe–qt), 0 < f< 1, q> 0,> 0

onde , f e q são parâmetros. A figura 4 mostra a evolução, ao longo do tempo, da crise fiscal.


O parâmetro é o valor máximo do déficit público a ser financiado por moeda. O parâmetro f permite calcular o valor do déficit público financiado por moeda no início da crise fiscal (quando f = 1, o déficit público não é financiado por moeda no início da crise). A derivada de f em relação ao tempo pode ser escrita como

= q( – f)

e esta equação mostra que o parâmetro q mede a velocidade da deterioração fiscal. Quando q ® ¥, a deterioração fiscal é instantânea: f = . O inverso do parâmetro qé o tempo médio da deterioração fiscal; por exemplo, se q = 0,05 ao mês, o tempo médio de deterioração é de 20 meses.

Admitindo-se que as funções s(m) e f(t) sejam dadas pelas especificações anteriores, o estoque real de moeda no instante t é obtido através da integral

cuja solução é

que satisfaz a condição de transversalidade do modelo.

A análise desta solução será feita para os três casos que abrangem os valores possíveis dos parâmetros do modelo. Eles são:

• >

• > > ;

•

> .

A figura 5 mostra as três regiões das combinações dos parâmetros e , e o que acontece com a solução do modelo em cada uma destas regiões. A análise que se segue tornará clara a interpretação dessa figura.


No primeiro caso, quando > , o modelo tem um equilíbrio estacionário ( = 0) e o valor do estoque real de moeda em equilíbrio () é dado por:

No segundo caso, quando = , o modelo tem um equilíbrio estacionário de hiperinflação, pois

e a hiperinflação tem uma duração bastante longa (t ®¥).

Quando > , pode existir um tempo t = th, para o qual o estoque real de moeda é nulo:

A figura 6 representa graficamente essa equação. Uma condição necessária para que ocorra hiperinflação é que no ponto t = 0


que equivale à desigualdade

O tempo de duração de hiperinflação, solução da equação m(th) = 0, é dado por:

É fácil concluir, da expressão anterior, que a duração da hiperinflação diminui (aumenta) quando:

  • aumenta (diminui);

  • diminui (aumenta);

  • r diminui (aumenta);

  • q aumenta (diminui);

  • f diminui (aumenta).

A tabela 1 mostra a duração da hiperinflação para alguns valores dos parâmetros ,,q,r e f, que ilustram estas propriedades. Por exemplo, quando a taxa de juros real diminui de 1,5% ao mês para 1,0%, a duração da hiperinflação diminui de 20 para 10 meses, como se pode constatar comparando-se as duas primeiras linhas da tabela 1; quando a velocidade de deterioração fiscal, o parâmetro q, aumenta de 3% para 4% ao mês, a duração da hiperinflação diminui de 18 para 8 meses.

Forma Reduzida do Modelo

O modelo também pode ser resolvido através de uma função que associa ao déficit público financiado por moeda (f) o estoque real de moeda (m). Isto é, combinando-se as equações de m(t) e f(t), obtém-se

que está representada na figura 7. Cabe observar que esta equação é negativamente inclinada e que o valor do déficit público (fh) financiado por moeda no qual o estoque real de moeda é igual a zero é menor do que o valor máximo do imposto inflacionário que é possível extrair da economia (fh < ).


A taxa de inflação é obtida substituindo-se o valor de m(t) na equação de demanda de moeda, que resulta em:

E sua derivada em relação ao tempo é dada por:

A conclusão a que se chega com essa expressão é que a inércia da inflação tem como origem a inércia da crise fiscal, representada pelo parâmetro q. Quando q ® ¥, a inércia desaparece.

A taxa de inflação pode ser escrita, como as demais variáveis endógenas do modelo, através de uma função que associa o déficit fiscal f à taxa de inflação. Isto é, a forma reduzida da equação da taxa de inflação é dada por

A figura 8 mostra graficamente esta função. Quando o déficit público financiado por moeda aproxima-se do valor crítico (f ® fh), a taxa de inflação aumenta sem limites (p ® ¥).


A terceira oportunidade, na análise da solução do modelo, ocorre quando

Nestas circunstâncias, a única solução é uma quantidade real de moeda igual a zero:

m(t) = 0 "t

e a hiperinflação ocorre instantaneamente. A dimensão da crise fiscal é tão grande que é impossível financiar o déficit público, mesmo durante algum tempo, emitindo moeda.

Preferências com quantidade ótima de moeda

Admita-se que a função utilidade do consumo continue sendo logarítmica, mas que a função utilidade dos serviços da moeda seja expressa por

v(m) = alogm – bm m < a/b

A função s(m) tem, neste caso, a seguinte forma funcional:4 4 Este caso poderia também ser interpretado como uma expansão de Taylor, de primeira ordem, da função s( m) em torno do ponto m = 0.

s(m) = mr = – dm

onde d = b c, e a equação de demanda de moeda é dada por

m(r + d) = ac = a(y – g) =

Nessa equação, quando a taxa de juros nominal é igual a zero (r = 0), a quantidade ótima de moeda, m*, é igual a m* = d.

A solução do modelo com essa nova forma funcional é exatamente igual à apresentada no caso em que b = 0, bastando substituir-se nas fórmulas da quantidade real de moeda (m) e da taxa de inflação (p) o parâmetro r pelo parâmetro r + d, pois tudo se passa como se a taxa de juros real tivesse aumentado.

3.3 Moeda essencial e crise fiscal gradual: o caso genérico

No caso genérico, quando nenhuma forma funcional é especificada para as funções utilidade e crise fiscal, a equação diferencial (6), não-autônoma, do modelo é não-linear.5 5 O caso particular analisado anteriormente contém informação sobre o caso geral. Com efeito, seja m *(t) uma solução que satisfaz: m •( t) = e –r( –t)[ s( m) – f( t)] d e seja m( t) a trajetória que se obtém quando o custo dos serviços da moeda é constante e igual ao limite superior da função s(m), isto é: m( t) = e –r( –t)[ – f( )]d . Subtraindo-se uma expressão da outra, conclui-se que m( t) > m •( t). Logo, a trajetória de m( t) é um limite superior de qualquer outra trajetória e se ela atinge o valor zero num certo intervalo de tempo, isto acontece também com qualquer outra trajetória. A hiperinflação ocorre, portanto, num intervalo de tempo finito, e qualitativamente tem as mesmas características analisadas para o caso particular em que a elasticidade da taxa de juros é unitária. Isto é,

= f(t) + rm – s(m)

onde as funções f(t) e s(m) atendem às propriedades descritas anteriormente. Adicionalmente, do ponto de vista matemático, é conveniente definirmos a função s(m) para toda a reta, e não somente para valores não-negativos, de modo derivável com s(m) > – dm para m < 0, onde s¢(0) = – d< 0.

Quando definimos mt de acordo com

rmt + f(t) – s(mt) = 0

e, pelo teorema da função implícita, segue-se que

Portanto, mt é decrescente e mt = , onde r+– s(). O valor de pode ser positivo, igual a zero ou negativo. Analisemos cada um destes três casos.

Na figura 9, > 0 e a curva mt divide o plano em duas regiões: em uma o estoque real de moeda aumenta ( > 0 ) e na outra diminui ( < 0). A solução do modelo é dada pela curva m(t), que converge assintoticamente para . No longo prazo, a taxa de inflação é constante.


A solução do modelo quando = 0 está descrita na figura 10. A curva m(t) é uma trajetória de hiperinflação de duração infinita.


A figura 11 descreve a situação em que a hiperinflação ocorre numa duração finita, pois não há como financiar o déficit público, de maneira permanente, emitindo moeda. A hiperinflação tem como sua origem o fato de que a restrição intertemporal do governo deixa de ser atendida, em virtude de o imposto inflacionário ser insuficiente para financiar o déficit público provocado pela crise fiscal.


Quando o tamanho da crise fiscal, medida pelo parâmetro , é muito grande, a hiperinflação pode acontecer de modo instantâneo. O público, prevendo a impossibilidade de o governo seguir o regime de financiar o déficit público emitindo moeda, reduz imediatamente a quantidade real de moeda, comprando bens e serviços, fazendo com que os preços cresçam de maneira ilimitada. A figura 12 descreve esta situação.


O anexo A contém um teorema que analisa este caso geral, onde nenhuma forma funcional é especificada para as funções utilidade e crise fiscal.

4 A morte antecipada da hiperinflação

No modelo da seção anterior admitiu-se que a hiperinflação segue o seu curso normal, sem que nada aconteça para mudar o regime das políticas monetária e fiscal. Esta hipótese não resiste a uma análise das experiências de hiperinflações observadas em vários países durante o século XX. Em primeiro lugar, porque a essencialidade da moeda implica um custo social extremamente elevado para a sociedade, que não pode prescindir dos serviços da mesma. Em segundo lugar, porque o Estado no final da hiperinflação chegaria a uma situação falimentar, sem recursos para financiar suas despesas, e não há exemplo de Estado que simplesmente feche suas portas. A sociedade sabe de antemão que a trajetória da hiperinflação é insustentável e que uma mudança de regime de política econômica ocorrerá antes que a hiperinflação chegue ao seu término. Todavia, a sociedade não sabe o momento exato da mudança do regime de política econômica. Esta incerteza será descrita por uma função de distribuição F(t), que para cada instante de tempo t dá a probabilidade de que a mudança de regime ocorre antes ou no instante t. O público sabe que a mudança de regime tem de ocorrer no máximo no instante th, e a função F(t) é definida no intervalo [0,th].

A mudança de regime de política econômica antecipada pelo público tem as seguintes características:

  • o banco central deixará de financiar o déficit público emitindo moeda;

  • o nível de despesas do governo permanecerá inalterado e será financiado exclusivamente por impostos do tipo lump-sum (g = i);

  • o nível de preços será estabilizado e o banco central aumentará a quantidade nominal de moeda, de uma única vez, no momento da estabilização, para satisfazer o aumento da quantidade de moeda, e manterá , então, o estoque de moeda constante.

O estoque de moeda no momento T da estabilização será, então, dado por

onde M(x) é o estoque de moeda no instante x, z(x) é o acréscimo de moeda no período x, e DM(T) é o aumento do estoque de moeda no momento de estabilização.

O agente representativo maximiza o valor esperado do seguinte funcional:

sujeito à restrição de fluxo,

e à restrição de estoque,

onde os símbolos têm o mesmo significado das seções anteriores d(T) é dado por

e supõe-se que o agente representativo tem níveis de consumo e de estoque real de moeda constantes a partir do momento do programa de estabilização.6 6 Este modelo é uma adaptação do modelo de Drazen e Helpman para o caso que estamos analisando.

A solução deste problema, desenvolvida no anexo B, mostra que o agente representativo, a cada instante do tempo t, antes da mudança do regime de política econômica, decide a quantidade real de moeda que deseja reter igualando a taxa nominal de juros à taxa marginal de substituição entre consumo e moeda. Isto é:

A taxa de juros poderia incorporar, além do prêmio pela inflação, um prêmio de risco para compensar o agente por mudanças do nível de preços, que afetariam o valor real do estoque de moeda, e um prêmio de risco para levar em conta variações na utilidade marginal do consumo, em virtude da redução dos gastos do governo. As características do programa de estabilização que os agentes antecipam eliminam essas possibilidades. Portanto, a dinâmica do modelo, antes da mudança do regime, é dada pela equação diferencial analisada na seção precedente e repetida aqui por conveniência,

– rm = f – s(m)

No exemplo analisado na seção anterior, em que a hiperinflação ocorre em tempo finito, que é o caso relevante para esta seção, a trajetória da quantidade real de moeda da figura 11 sofrerá um deslocamento para cima e para a direita, pois a quantidade real de moeda no momento inicial, m(0), será maior do que aquela que ocorreria se o público não antecipasse a mudança do regime de política econômica.

O fato de que o público antecipa a mudança do regime de política econômica, mesmo com incerteza em relação à data da mudança, afeta não somente a trajetória da quantidade real de moeda, mas também as trajetórias do nível de preços, da taxa de inflação e da taxa de crescimento do estoque nominal de moeda antes que a estabilização ocorra.

5 A Dolarização e a Essencialidade da Moeda Doméstica

Um fato bastante documentado na literatura é o de que, na maioria dos países que tiveram hiperinflação, algum tipo de moeda estrangeira passou a ser usada também como meio de pagamentos. Este fenômeno é denominado substituição de moeda, na América Latina ficou conhecido por dolarização e deve ser circunscrito ao fato de que a moeda estrangeira, além da moeda local, é usada como meio de trocas. A substituição de moeda doméstica pela moeda estrangeira na função de reserva de valor não será definida como substituição de moeda, mas sim como substituição entre ativos domésticos e estrangeiros.7 7 Para uma resenha do fenômeno de substituição e a diferença entre os vários conceitos, ver Calvo e Végh (1992). Para uma análise do fenômeno de substituição de moeda no Brasil, no conceito mais amplo, ver Barbosa (1995). Empiricamente pode ser bastante difícil distinguir entre estes dois tipos de substituição. Todavia, do ponto de vista teórico, é importante separar as duas funções da moeda. Esta seção tem o objetivo de analisar como a existência da substituição de moeda pode afetar as conclusões obtidas a partir do arcabouço teórico apresentado na seção anterior.

Numa pequena economia aberta, o agente representativo recebe uma dotação de renda (y), num único bem que é comercializado internacionalmente. Ele possui um estoque inicial de títulos indexados negociados no mercado internacional, que paga uma taxa de juros real (r*) constante. Os recursos do agente são alocados no consumo (c), no pagamento do imposto do tipo lump-sum (i) e nos acréscimos de moeda doméstica (), moeda estrangeira (*), e títulos internacionais (). Isto é:

onde se admite a lei do preço único, SP* = P, onde S é a taxa de câmbio. Definindo-se m = M/P e m* = M*/P*, a restrição de fluxo do agente representativo é dada por:

= y + r*b*– c – i – mp – m*p*

onde a é o seu patrimônio:

a = m + m*+ b*

A liquidez () da economia é especificada através de uma função do tipo CES, cujos argumentos são as quantidades reais da moeda doméstica e da moeda estrangeira:

onde g, d e f são parâmetros. A elasticidade de substituição () é definida por = 1/1 + f.

Quando f ® – 1, a elasticidade de substituição é infinita e as duas moedas são substitutas perfeitas. Quando f ® – ¥, a elasticidade de substituição é zero, ou seja, as moedas não são substitutas. Quando f = 0, a elasticidade de substituição é igual a 1, e a função é do tipo Cobb-Douglas.

O problema do agente representativo consiste em maximizar

sujeito às restrições

e às condições iniciais.

O hamiltoniano de valor corrente é dado por

H = u(c) + u() + [y + r*b*– c – i – mp – m*p*] + m(a – m – m*– b*)

e as condições de primeira ordem, depois de eliminar-se o parâmetro m, são dadas pelas equações:

e a condição de transverversalidade,

ae–rt = 0.

No equilíbrio estacionário r = r*, e o nível de consumo é constante.

5.1 A substituição entre moedas

Dividindo-se a equação (11) pela equação (12) e levando-se em conta a especificação da liquidez, obtém-se:

A substituição entre moedas, medida pela relação dos estoques, depende da relação entre as taxas de juros. Quando a relação entre as taxas de juros aumenta 1%, a proporção entre os estoques diminui %, onde e é a elasticidade de substituição entre as moedas.

5.2 A demanda de moeda doméstica

Suponha que u(c) = logc e u() = alog, a liquidez é essencial no sentido de que o seguinte limite é positivo:

Combinando-se as equações (10) e (11) obtém-se a equação de demanda da moeda doméstica:

e o limite do custo do serviço da moeda doméstica quando a taxa de juros doméstica cresce indefinidamente (r ® ¥) depende da elasticidade de substituição entre as moedas:8 8 O limite do custo do serviço da moeda quando o parâmetro d aproxima-se de zero (a moeda local deixa de ser usada) é igual a zero. Quando este parâmetro é próximo de 1, não existe substituição de moeda.

A conclusão a que se chega a partir do valor deste limite é que, se existir uma moeda com elevado grau de substituição (> 1) em relação à moeda doméstica, a moeda doméstica deixará de ser essencial, embora a liquidez seja essencial para a economia. Todavia, quando a elasticidade de substituição for menor ou igual a 1, o fato de existir uma moeda estrangeira sendo utilizada como meio de pagamento não mudará a essencialidade da moeda doméstica.9 9 Esta proposição vale não somente para o caso particular das funções utilidades logarítmicas, mas também para qualquer função que satisfaça o critério de essencialidade.

Cabe observar que, no caso da elasticidade de substituição entre moedas ser menor ou igual a 1, a curva de Laffer do imposto inflacionário da moeda doméstica produzirá uma receita menor, como indicado na figura 13. Nestas circunstâncias, a hiperinflação acontece mais rapidamente.


6 Conclusão

Este artigo apresentou um arcabouço teórico capaz de explicar não somente a origem, mas também a duração da hiperinflação, com base nos fundamentos da economia, não havendo necessidade de apelar-se para bolhas ou outras hipóteses casuísticas. Neste arcabouço, o agente representativo considera a moeda essencial como meio de trocas, as expectativas são racionais e a crise fiscal leva o governo a aumentar de modo sistemático e gradual o financiamento do déficit público através da emissão de moeda. A origem da hiperinflação é a crise fiscal que faz com que a restrição intertemporal do governo não seja satisfeita.

As principais conclusões deste arcabouço teórico são

  • a duração da hiperinflação depende do grau e da velocidade da crise fiscal, da capacidade de a economia arrecadar o imposto inflacionário e da taxa de juros real;

  • a inércia da inflação é produzida única e exclusivamente pela inércia da crise fiscal;

  • o equilíbrio estacionário de hiperinflação ( = m = 0 ) ocorre apenas quando os valores máximos do imposto inflacionário e do déficit público financiado por moeda coincidem ( = ) ;

  • o final da hiperinflação ocorre antes de o imposto inflacionário atingir seu valor máximo;

  • a trajetória de hiperinflação é tal que no momento em que a quantidade real de moeda se aproxima de zero (m ® 0), sua taxa de variação em relação ao tempo é negativa (< 0 ) ;

  • a hiperinflação ocorre instantaneamente quando houver substituição entre a moeda doméstica e a moeda estrangeira, desde que a elasticidade de substituição entre as moedas seja maior do que 1.

Estas conclusões não dependem da forma pela qual a moeda é introduzida no modelo, mas tão-somente da existência de uma equação de demanda de moeda e da restrição orçamentária do governo.

As conclusões deste modelo são consistentes com o resultado de Sargent (1982) de que a mudança do regime fiscal da política monetária é fundamental para acabar com o processo hiperinflacionário. A hipótese de que a moeda é essencial, um ingrediente básico no modelo deste artigo, é incompatível com a forma funcional da equação de demanda de moeda adotada por Cagan (1956), no seu trabalho clássico sobre hiperinflação, embora o arcabouço teórico aqui apresentado justifique sua principal conclusão, a de que o descontrole monetário produzido pelo déficit público foi a causa das hiperinflações que ele analisou.10 10 Lucas (2000) analisando dados da economia americana, para ajustar uma equação de demanda de moeda para o período 1900-94, concluiu que '' the semi-log function (...) provides a description of the data that is much inferior to the log-log curve''. Numa nota de rodapé ele observa que '' It is interesting that the paradox that Cagan noted, of inflation rates during hyperinflations that exceeded the revenue-maximizing levels, is specific to semi-log money demand. With log-log demand, seigniorage is always an increasing function of the money growth rate''. Esta afirmação de Lucas só é válida se a elasticidade da quantidade demandada de moeda em relação à taxa de juros for, em valor absoluto, menor do que 1, o que corresponde à hipótese de essencialidade da moeda admitida neste artigo. A hipótese de que a moeda é essencial como meio de trocas nas economias de mercado precisa, portanto, ser submetida ao veredicto dos dados de períodos de hiperinflação, pois é conhecimento comum que, em épocas normais, a elasticidade da quantidade de moeda em relação à taxa de juros, em valor absoluto, é menor do que 1.

A teoria da hiperinflação apresentada aqui permite definir o que é hiperinflação, sem que haja necessidade de defini-la arbitrariamente com base numa dada taxa de inflação, como fez Cagan. Hiperinflação será definida como começando no mês a partir do qual a restrição intertemporal do governo não é mais sustentável, e terminando no mês em que esta restrição volta a ser satisfeita. Pesquisas recentes desenvolveram métodos para testar a sustentabilidade da dívida pública e da conta corrente do balanço de pagamentos.11 11 Ver, por exemplo, Trehan e Wash (1991) a literatura citada neste artigo. Esses testes podem ser aplicados, com as devidas extensões, para analisar a questão central da hiperinflação: quando o tamanho do déficit público a ser financiado por moeda implica que a restrição intertemporal do governo não é mais satisfeita? Certamente, este tipo de pesquisa pode colocar em terreno mais sólido a organização dos dados de experiências de hiperinflação, levando-nos a um conhecimento mais detalhado e profundo deste fenômeno.

Anexo A

Considere a seguinte equação diferencial:

– rm = f – s(m), m Î R

onde:

r > 0, constante;

f = f(t) > 0, f¢(t) > 0 e f(t) = ;

s = s(m), s¢(m) < 0, s(0) = > 0, s(m) = 0 (ou s(m) = 0);

s¢ = –d< 0 e s(m) > .

Teorema: Existe uma solução m = m(t) da equação acima com (t) < 0, (t) = 0, m(t) = , onde s() = + r. Além disso,

a) se < ( = ), então > 0( = 0);

b) se < , então < 0 e existe uma constante k > 0 tal que m(0) > 0 se e somente se < < + k;

c) se

< f(0) <, então m(0) < 0.

Prova: Para cada t> 0, existe um único mt tal que rmt + f(t) = s(mt), já que j(m) = rm + f(t) – s(m) é crescente,j(m) = –¥ e j(m) = ¥.

Pelo teorema das funções implícitas, mt é derivável com < 0. Assim mt é decrescente e mt = , onde s( = r+ .

O gráfico de mt separa o plano (t,m) em duas regiões tais que as soluções na parte superior são estritamente crescentes e na parte inferior, decrescentes. Além disso toda solução com condição inicial (t0, ) fica na região m < para t > t0.

Como o intervalo ( , m0) é conexo, segue por continuidade a existência de uma solução m(t) com < m(t) < m(t), "t > 0 que é decrescente e m(t) = .

No caso > , m(0) > > 0. No caso = , m(0) > = 0.

Para a solução m(t) obtida, temos m(t)e–rt = 0; então,

onde h(t) = – f(t) e o(m) = s(m) – + dm.

Logo, m(0) > 0 Û <+ k, onde k = (r + d) e–(r+d)t(h(t)+o(m))dt .

No caso < , temos que k > 0. De fato:

a) h(t) > 0;

b) se

< f(0) < , o(m(t)) > 0 para todo t > 0;

c) se f(0) < < , para t > (onde f( = ), temos o(m(t) > 0, e para t < , s(m(t)) > s(mt > (t), assim, h(t) + o(m) = – f(t) + s(m) – bar s + dm > 0 .

Anexo B

O agente representativo maximiza o valor esperado do funcional (7), em relação às variáveis c, z, M e DM(T), sujeito às restrições (8) e (9). A expressão de Lagrange deste problema é dada por:

onde (t) e g(t) são multiplicadores de Lagrange associados às duas restrições. As condições de primeira ordem para a solução deste problema são:

Segue-se das equações (B.1) e (B.2) que:

e

Derivando-se (B.3) em relação ao tempo, levando-se em conta essas duas últimas expressões e o fato de que a utilidade marginal do consumo não varia no tempo porque o consumo é constante, obtém-se:

Como u¢S(t)/u¢St = r, conclui-se que a taxa nominal de juros é igual à taxa marginal de substituição entre consumo e moeda:

  • Barbosa, F.H. (1999). Hiperinflação: Imposto inflacionário e o regime de política econômica. Brazilian Review of Econometrics, 22:216-238.
  • Barbosa, F. H., Pereira, P. L. V., & Sallum, E. M. (1995). A substituição de moeda no Brasil. a moeda indexada. Pesquisa e Planejamento Econômico, 25:405-26.
  • Bresciani-Turroni, C. (1937). The economics of inflation, a study of currency depreciation in post-war Germany.
  • Cagan, P. (1956). The Monetary Dynamics of Hyperinflation, chapter Studies in the quantity theory of money. In: Friedman, Milton (Org.). The University of Chicago Press, Chicago.
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  • Flood, R. P. & Garber, P. M. (1994). Market Fundamentals versus Price-Level Bubbles: The First Tests, chapter In: Speculative bubbles, speculative attacks and policy switching. The MIT Press, Cambridge, Ma.
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  • Sargent, T. J. (1982). The Ends of Four Big Inflations, chapter Inflation, causes and effects. In: Hall, Robert (Org.). The "University of Chicago Press.
  • Sargent, T. J. & Wallace, N. (1973). Rational expectations and the dynamics of hyperinflation. International Economic Review, 14:328-50.
  • Trehan, B. & Wash, C. E. (1991). Testing intertemporal budget constraints: Theory and applications to U.S. federal budget and current account deficits. Journal of Money, Credit and Banking, 23:206-23.
  • *
    Os autores agradecem a um parecista desta revista pelos comentários que contribuíram para esta versão do trabalho.
  • 1
    Cagan (1956) não formalizou este modelo. Todavia, suas principais conclusões suportam este tipo de modelo. As principais conclusões de Cagan foram: as hiperinflações teriam sido produzidas pelo crescimento da oferta monetária para financiar o déficit público; e, nos países que ele analisou, o imposto inflacionário estaria acima do valor máximo que poderia ser obtido em equilíbrio estacionário.
  • 2
    Para uma apresentação destes modelos ver Kiguel (1989) e Romer (1996).
  • 3
    Ver Bresciani-Turroni (1937), Cagan (1956), Sargent e Wallace (1973). Descrevendo a hiperinflação alemã, Bresciani-Turroni (1937:74) afirma: ''in October 1923 an extraordinary phenomenon in the history of the public finance appeared, the
    complete atrophy of the fiscal system (sic). In the last decade of that month the ordinary receipts covered about 0.8 percent of the expenses, the State now obtained money exclusively through the discount of Treasury bills''. Cabe ainda observar que a quantidade real de moeda poderia ser um argumento da função f, para incorporar o fato de que a inflação pode afetar o déficit público.
  • 4
    Este caso poderia também ser interpretado como uma expansão de Taylor, de primeira ordem, da função
    s(
    m) em torno do ponto
    m = 0.
  • 5
    O caso particular analisado anteriormente contém informação sobre o caso geral. Com efeito, seja m
    *(t) uma solução que satisfaz:
    m
    •(
    t) =
    e
    –r(
    –t)[
    s(
    m) –
    f(
    t)]
    d
    e seja
    m(
    t) a trajetória que se obtém quando o custo dos serviços da moeda é constante e igual ao limite superior da função s(m), isto é:
    m(
    t) =
    e
    –r(
    –t)[
    –
    f(
    )]d
    . Subtraindo-se uma expressão da outra, conclui-se que
    m(
    t)
    >
    m
    •(
    t). Logo, a trajetória de
    m(
    t) é um limite superior de qualquer outra trajetória e se ela atinge o valor zero num certo intervalo de tempo, isto acontece também com qualquer outra trajetória. A hiperinflação ocorre, portanto, num intervalo de tempo finito, e qualitativamente tem as mesmas características analisadas para o caso particular em que a elasticidade da taxa de juros é unitária.
  • 6
    Este modelo é uma adaptação do modelo de Drazen e Helpman para o caso que estamos analisando.
  • 7
    Para uma resenha do fenômeno de substituição e a diferença entre os vários conceitos, ver Calvo e Végh (1992). Para uma análise do fenômeno de substituição de moeda no Brasil, no conceito mais amplo, ver Barbosa (1995).
  • 8
    O limite do custo do serviço da moeda quando o parâmetro d aproxima-se de zero (a moeda local deixa de ser usada) é igual a zero. Quando este parâmetro é próximo de 1, não existe substituição de moeda.
  • 9
    Esta proposição vale não somente para o caso particular das funções utilidades logarítmicas, mas também para qualquer função que satisfaça o critério de essencialidade.
  • 10
    Lucas (2000) analisando dados da economia americana, para ajustar uma equação de demanda de moeda para o período 1900-94, concluiu que ''
    the semi-log function (...) provides a description of the data that is much inferior to the log-log curve''. Numa nota de rodapé ele observa que ''
    It is interesting that the paradox that Cagan noted, of inflation rates during hyperinflations that exceeded the revenue-maximizing levels, is specific to semi-log money demand. With log-log demand, seigniorage is always an increasing function of the money growth rate''. Esta afirmação de Lucas só é válida se a elasticidade da quantidade demandada de moeda em relação à taxa de juros for, em valor absoluto, menor do que 1, o que corresponde à hipótese de essencialidade da moeda admitida neste artigo.
  • 11
    Ver, por exemplo, Trehan e Wash (1991) a literatura citada neste artigo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Out 2002
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