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Estimando a demanda por serviços públicos nos municípios brasileiros

Resumos

A demanda para a despesa pública nos municípios brasileiros é estimada, utilizando a abordagem do eleitor mediano. Os resultados confirmam essa hipótese como útil para descrever a demanda para bens públicos locais no Brasil. Os resultados mostram a presença de economias de escala na provisão desses serviços. Porém, as indivisibilidades que impossibilitam a provisão de serviços em cidades pequenas, fazem com que as despesas mais elevadas das cidades grandes reflitam não somente custos de aglomeração, mas também o oferecimento de serviços mais diversificados. No Brasil, contrariamente aos resultados tradicionais, a redução do efeito congestionamento ao longo das classes da despesa reflete a predominância dos elementos de escala.

Serviços Públicos Locais; Teoria do Eleitor Mediano; Método Regressão Quantílica


We estimated the demand for local public spending for the Brazilian municipalities within a median voter's framework. Results are consistent with the theoretical background. Marginal congestion decreases with per capita expenditure. The indivisibilities that preclude the provision of certain services in small towns, concentrate their provision on larger cities. Hence, the higher expenditures of those big cities reflect not only a crowding cost but also the fact that these towns offer a wide range of services when compared to the small ones. Last, in country-regionplaceBrazil, contrary to the traditional results, the reduced congestion effect along the spending classes reflects the predominance of the scale elements measured by the population elasticities over the price effects.


Estimando a demanda por serviços públicos nos municípios brasileiros

Constantino Cronemberger MendesI; Maria da Conceição Sampaio de SousaII

IDepartamento de Economia, Universidade de Brasília, e IPEA, Brasília SBS-Qd.-1, Bl. J, Ed. BNDES/IPEA, sala 318, Brasília-DF, 70910-900 Tel/fax: (061) 3315-5174; e-mail: ccmendes@unb.br

IIDepartamento de Economia, Universidade de Brasília Campus Universitário Darcy Ribeiro S/N, Brasília-DF, 70910-900 Tel/fax: (061) 3347-5304; e-mail: mcss@unb.br

RESUMO

Sumário: 1. Introdução; 2. O Modelo do Eleitor Mediano; 3. Dados e Variáveis; 4. O Modelo Econométrico; 5. Resultados Econométricos; 6. Regressão Quantílica; 7. Conclusões.

A demanda para a despesa pública nos municípios brasileiros é estimada, utilizando a abordagem do eleitor mediano. Os resultados confirmam essa hipótese como útil para descrever a demanda para bens públicos locais no Brasil. Os resultados mostram a presença de economias de escala na provisão desses serviços. Porém, as indivisibilidades que impossibilitam a provisão de serviços em cidades pequenas, fazem com que as despesas mais elevadas das cidades grandes reflitam não somente custos de aglomeração, mas também o oferecimento de serviços mais diversificados. No Brasil, contrariamente aos resultados tradicionais, a redução do efeito congestionamento ao longo das classes da despesa reflete a predominância dos elementos de escala.

Palavras-chave: Serviços Públicos Locais, Teoria do Eleitor Mediano, Método Regressão Quantílica.

Codigo JEL: H70, H72, C31.

ABSTRACT

We estimated the demand for local public spending for the Brazilian municipalities within a median voter's framework. Results are consistent with the theoretical background. Marginal congestion decreases with per capita expenditure. The indivisibilities that preclude the provision of certain services in small towns, concentrate their provision on larger cities. Hence, the higher expenditures of those big cities reflect not only a crowding cost but also the fact that these towns offer a wide range of services when compared to the small ones. Last, in country-regionplaceBrazil, contrary to the traditional results, the reduced congestion effect along the spending classes reflects the predominance of the scale elements measured by the population elasticities over the price effects.

1. INTRODUÇÃO

Uma vasta literatura em finanças públicas locais utilizou a hipótese de Tiebout (1956) para estimar a demanda por serviços públicos locais e verificar em que medida os valores dos imóveis refletem a provisão dos serviços públicos e a tributação local. Entre esses trabalhos encontram-se os estudos seminais de Borcherding e Deacon (1972) Bergstrom e Goodman (1973). Suas motivações eram testar a validade do teorema do eleitor mediano, que provê um método de agregação das demandas individuais para obter a demanda comunitária. Sob um conjunto de hipóteses tais como preferência de pico-único, serviço público uni-dimensional e usando o eleitor com renda mediana como proxy para o eleitor mediano, esses estudos estimaram funções demanda para vários serviços públicos locais.

Nesse contexto, a renda mediana e um índice de preço do imposto mediano (median tax price) bem como variáveis capazes de capturar características demográficas e institucionais têm sido usadas como variáveis explicativas da demanda de bens públicos locais. Nessa linha de pesquisa, Bergstrom et alii (1982) utilizaram micro-dados para estimar a demanda por serviços públicos. Os resultados obtidos, similares àqueles encontrados nos estudos de Bergstrom e Goodman, baseados em dados agregados, corroboraram a robustez da hipótese do eleitor mediano. Mais recentemente, vários estudos (Aronsson et alii, 2000, Dahlberg e Johansson, 2000, Turnbull e Djoundourian, 1994, Turnbull e Chang, 1998) tendem a confirmar a hipótese de que as preferências do eleitor mediano determinam o comportamento fiscal do governo. Uma boa síntese dessa literatura pode ser encontrada em Reiter e Weichenrieder (1997). Em particular, alguns trabalhos sugerem que o modelo do eleitor mediano constitui uma melhor explicação dos programas públicos de grande escala quando comparado aos modelos de grupos de interesse comparáveis (Congleton e Bennett, 1995).

Um dos principais problemas levantado pelos estudos analisados relaciona-se ao critério de agregação das preferências. A solução usual baseada no teorema do eleitor mediano não garante que a provisão de serviços públicos locais representará a quantidade demandada por um indivíduo qualquer da comunidade. Outras fontes de problemas incluem erros de medida, presença de heterocedasticidade e/ou autocorrelação entre as variáveis que podem resultar em estimadores viesados. Note-se, ainda, que as elasticidades obtidas são questionadas por não medirem a demanda por serviços públicos, mas apenas as despesas públicas. Finalmente, valores estimados dos parâmetros de congestionamento, baseados nos resultados obtidos para os serviços públicos locais, levaram alguns economistas a concluir prematuramente que esses serviços poderiam ser privatizados. Isto porque, o congestionamento ocorre, não pela rivalidade no consumo dos serviços públicos, mas pelas externalidades negativas de aglomeração; as elasticidades de congestionamento próximas da unidade não significam, pois, que esses serviços possam ser eficientemente ofertados por "clubes competidores privados". Em presença de economias de escala na produção de serviços públicos, a competição entre comunidades pode levar a uma provisão sub-ótima daqueles serviços.

Para levar em conta esses problemas uma linha recente de pesquisa, usando testes não-paramétricos inspirados na crítica Varian (1982) de baseada na teoria das preferências reveladas, tenta validar a hipótese do eleito mediano. Seus resultados contribuem para reforçar a hipótese do eleitor mediano como uma aproximação útil de governança, em um contexto democrático. Em particular, Turnbull e Djoundourian (1994), usando um teste de especificação de Cox e dados de governos municipais gerais, mostraram que a hipótese do eleitor mediano é apropriada para explicar o comportamento agregado dos governos municipais, mas não se porta tão bem quando aplicada para serviços específicos.

No caso do Brasil, trabalhos recentes (Sampaio de Sousa e Stosic, 2005) que tratam da avaliação dos gastos públicos priorizam os aspectos de oferta e destacam os aspectos de eficiência desses gastos. Esses estudos aplicaram técnicas não-paramétricas de análise de eficiência para medir o nível de eficiência técnica dos municípios brasileiros usando múltiplos insumos e produtos. Constituem, assim, uma referência para calcular, de forma robusta, a eficiência na avaliação de municípios brasileiros com base nas informações do Censo 2000. Sob esta abordagem, a ênfase é colocada na determinação de uma fronteira de eficiência associada à produção de serviços públicos.

Porém, até o momento, nenhum estudo tentou investigar os determinantes da demanda por serviços públicos no Brasil, seguindo a tradição iniciada pelos estudos seminais de Borcherding e Deacon (1972) e Bergstrom e Goodman (1973). Esse tipo de análise é particularmente apropriado para explicar os níveis e a distribuição dos vários serviços públicos locais. O conhecimento das funções demanda para serviços públicos serve, também, para conhecer os resultados de métodos de decisão políticas e estruturas de impostos alternativos, em uma localidade particular. Essas funções revelam, ainda, a existência de economias de escala ao nível municipal e ajuda a avaliar os efeitos de mudanças nas variáveis demográficas e econômicas sobre a quantidade de serviços demandados. Por todos esses aspectos, analisar o lado da demanda pode adicionar informações relevantes sobre a provisão de serviços públicos complementando os estudos referidos anteriormente que enfatizam o lado da oferta.

O objetivo deste estudo é estimar a demanda por serviços públicos locais nos municípios brasileiros, no âmbito do modelo do eleitor mediano. Para tal serão empregadas técnicas de regressão tradicional, espacial (Anselin, 1988) e quantílica (Koenker e Bassett, 1978). Espera-se que este estudo possa contribuir no debate recente no Brasil sobre a descentralização de ações públicas ajudando a estabelecer parâmetros quantitativos para essa discussão.

Este estudo está composto da seguinte forma: a seção 2 descreve o modelo teórico baseado na abordagem do eleitor mediano; a seção 3 descreve os dados e as variáveis; as seções 4 e 5 apresentam o modelo e os resultados econométricos nos caso clássico e quantílico, respectivamente; e, finalmente, a seção 6 resume as principais conclusões.

2. O MODELO DO ELEITOR MEDIANO

Neste modelo, os indivíduos maximizam uma função utilidade quase-côncava sujeito a uma restrição orçamentária. O preço do bem privado (x) é normalizado e igual a 1. Todos os indivíduos dentro da localidade consomem o mesmo nível de serviço público, aqui denotado por z, cujo preço é pz. A quantidade ofertada de um serviço público por uma dada localidade é igual à quantidade mediana demandada por seus cidadãos com renda mediana. Assim, o problema individual consiste em maximizar sua função utilidade, dada por:

Sujeito a sua restrição orçamentária:

em que ym representa a renda do eleitor mediano, bm sua base de imposto e ti a parcela de imposto. As funções demandas individuais dependem também da restrição orçamentária do governo, dada por:

em que c é o custo médio ou marginal constante da produção do serviço público1 1 Bergstrom and Goodman (op. cit. p. 280) mostraram que isto é possível mesmo se as comunidades produzem serviços públicos usando alguns insumos locais cujos preços possam diferir de lugar pra lugar, se todas as comunidades têm funções de produção homotéticas idênticas e curvas de oferta totalmente elásticas para insumos. , tB corresponde às receitas totais de impostos e G representa a transferência intergovernamental recebida pela comunidade. Recalculando 2 resulta que:

Devido a presença de congestionamento (crowding out) no consumo, a qualidade do serviço público depende do tamanho da população da comunidade (N). Usando uma medida proporcional proposta por Borcherding e Deacon (1972), a função congestionamento escreve-se como:

em que g mede o efeito congestionamento ou efeito crowding out. Se g é igual a unidade, o serviço/bem é privado "puro" e não existe benefício de economias de escala para a comunidade: o consumo individual é igual a . Se g é igual a zero o serviço/bem é puramente público. Note que se g é maior que um o bem é, marginalmente, supercongestionado. Uma demanda adicional requer um aumento na oferta de Z de tal forma a manter z constante. Valores de g entre 0 and 1 remetem à possibilidade dos bens/serviços terem características mistas, parcialmente privada e pública, em que os efeitos congestionamento estão presentes, mas ainda existem economias de escala no consumo.

Usando 3 e 5 na restrição orçamentária do eleitor mediano resulta em:

em que ya corresponde a receita mediana aumentada por sua parcela das transferências intergovernamentais per capita, g = , e b = , em que B é a base do imposto total local. A renda total do eleitor mediano deve financiar suas despesas privadas bem como sua parcela de custo na aquisição do serviço público ()-1z. Reescrevendo 6 tem-se que:

Inserindo 7 em 1 resulta no seguinte problema de maximização:

Supondo-se que a maximização de 8 conduz a função demanda do eleitor mediano para um serviço público local, z, tem-se que:

Definindo-se o preço do serviço público (tax price) como o custo individual de se adquirir uma unidade monetária adicional de serviço público local, ele pode ser derivado diferenciando ya com relação a z. O preço do imposto é portanto:

Cada consumidor sabe seu próprio custo ou preço do imposto e é capaz de determinar a quantidade de serviço2 2 Reiter e Weichenrieder (1997, p. 21) mostram três razões do por que os eleitores podem perceber de maneira incorreta os custos dos serviços públicos: "ilusão fiscal"; "efeito flypaper"; e "complexidade de receita". para a comunidade. Supondo que a função demanda definida por 9 z = f(pi,ya) é caracterizada por elasticidades renda e preço constantes, essa demanda pode ser escrita como:

Usando 10, rearrumando os termos o modelo para demanda usado é:

Expressando 10 em termos de Z, por meio de 5 tem-se que:

Finalmente, adicionando um vetor W de características sócio-econômicas, que se espera influenciam a demanda, e multiplicando 13 por p resulta em uma função estimável da despesa local, E:

Dividindo a expressão anterior por n para obter a despesa média, temos que:

A equação representa, na forma logarítmica, a equação padrão para analisar a demanda média por serviços públicos locais3 3 O logaritmo da matriz sócio-econômica deve ser considerado como a soma de logaritmos de variáveis consideradas. :

em que b1 é a elasticidade-preço da demanda. A elasticidade-população, b4, satisfaz a seguinte equação:

3. DADOS E VARIÁVEIS

Os dados usados neste estudo foram obtidos do Censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com exceção dos dados sobre receita e despesa locais que foram obtidos da STN (Secretaria do Tesouro Nacional). A amostra compreende 3.427 do total de 5.507 municípios brasileiros existentes nesse ano. As localidades para as quais não dispúnhamos de informação foram excluídas do conjunto de dados. A Tabela 1 apresenta a lista completa das variáveis.

A variável dependente do modelo, e, representa o valor das despesas correntes municipais per capita. As variáveis explicativas descritas na tabela 1 consideram a parcela de imposto ("tax share" ou ) para o cidadão com renda mediana calculada como a receita de imposto local dividida pela receita total (receita total das municipalidades). Define-se o preço do imposto como a razão entre a renda mediana e média. A renda mediana é denotada ym e N é o número de cidadãos em um município ou população total. A estrutura etária da população é considerada dividindo a população com menos de 17 anos (demanda potencial até o ensino médio) e com mais de 60 anos. As variáveis sócio-econômicas consideram aspectos demográficos, sanitários e de educação dos municípios. As variáveis dummies consideram aspectos de organização, localização e políticos.

4. O MODELO ECONOMÉTRICO

Seja n o número de municípios, y = (y1,...,yn)' o vetor de despesa municipal, X uma matriz de dimensão n x p, contendo as características sócio-econômicas municipais, b um vetor de dimensão p de parâmetros desconhecidos e u um vetor de dimensão n de erros aleatórios. O modelo de regressão pode ser escrito como

yt = f(xt;b) + ut, t = 1, ...,n.

em que xt denota um vetor de dimensão p de características do t-ésimo município. Como não existe uma informação a priori sobre a forma funcional de f, é prática comum assumir linearidade, ou seja:

y = Xb + u

Outro aspecto importante de modelos de regressão clássica, neste caso particular, é a possibilidade de efeitos espaciais devido a existência de alguma relação entre as estruturas de eficiência municipal em dois pontos distintos no espaço. Quanto menor a área onde esses pontos estão localizados, maior a probabilidade de correlação geográfica. Anselin (1988) propôs o seguinte modelo de forma a considerar a dependência espacial:

y = rWy + Xb + u, com u = lWu + e,

em que W é uma matriz n x n que controla para a existência de efeitos vizinhança. Aqui, o parâmetro r mede a correlação especial que, se diferente de zero, implica que o resultado de eficiência calculada de um dado município é afetado diretamente pelos resultados de seus vizinhos. O parâmetro l capta a correlação especial entre os erros e e é um novo termo de erro.4 4 Note que não existe interesse direto na estimação de l e r.

Existem duas formas tradicionais de cálculo da matriz W: primeiro, o elemento (i,j) de W será um se os municípios i e j são vizinhos e zero caso contrário, com vizinhança sendo definida como a distância geográfica que não exceder 50 quilômetros; segundo, o elemento (i,j) de W será igual à distância entre municípios i e j dividida pela máxima distância encontrada; assim, tem-se uma medida entre zero e um para todos os pares de municípios e não apenas uma medida binária de vizinhança.

Como os municípios diferem significativamente sobre vários aspectos, é razoável esperar que os erros da regressão apresentem variâncias distintas. Então, levaremos em conta a existência de heterocedasticidade na estimação dos parâmetros.

5. RESULTADOS ECONOMÉTRICOS

Os resultados alternativos do modelo clássico de regressão usando os métodos OLS (Ordinary Least Square), 2SLS (Two-Stage Least Squares), GMM simples (Generalized Moments Model) e GMM espacial são apresentados em conjunto, nas tabelas 2 e 3, e servirão de contraponto àqueles obtidos por meio de regressão quantílica, mostrados mais adiante. Note-se que as estimativas mostradas estão corrigidas pela estatística de White, para heterocedasticidade por se tratar de dados em corte seccional (cross section).

Os resultados mostram que, com poucas exceções, todos os parâmetros são significativos e apresentam os sinais esperados. Observa-se, também, que eles apontam para a existência do efeito vizinhança na distribuição espacial dos padrões de gastos públicos locais. No modelo considerado encontra-se uma correlação espacial positiva, indicando que maiores níveis de despesa tendem a se espalhar, ao menos parcialmente, para localidades próximas, em um tipo de efeito demonstração (efeito spill over).

Os valores estimados para os coeficientes da variável preço, abaixo dos encontrados na literatura empírica (Reiter e Weichenrieder, 1997), sugerem a existência de inelasticidade da demanda. Note-se que apesar das grandes dificuldades em estimar o tax price, definido como a razão entre rendimento mediano e médio, esse resultado é robusto e verifica-se em todos as versões estimadas do modelo.

A elasticidade-renda das despesas municipais é positiva e inferior à unidade corroborando estudos anteriores (Reiter e Weichenrieder, 1997). O valor estimado, apesar das estimativas estarem claramente acima da média internacional para bens com padrões de "necessidades básicas", mostra que a despesa pública local no Brasil não é baseada em serviços de "luxo" As variáveis de escala exercem um efeito negativo sobre as despesas públicas, corroborando resultados anteriores encontrados em análises não-paramétricas (Sampaio de Sousa e Stosic, 2005). Note-se que a relação inversa entre a população e a demanda per capita dos serviços públicos contraria uma tradição em finanças públicas, de acordo com a qual áreas densamente povoadas acompanham-se de despesas públicas per capita elevadas - "lei de Brecht". Porém, mais recentemente, uma nova literatura propõe uma base teórica para esse resultado (Reiter e Weichenrieder, 1997), a partir da utilização de funções de congestionamento (crowding functions). De acordo com essa abordagem, o impacto da população sobre a despesa per capita depende da "tecnologia" de produção dos bens públicos (ou privados, disponibilizados pelo setor público). Assim, em virtude da existência de economias de escala, é possível que a despesa per capita se relacione inversamente com a população e com a densidade demográfica.

Nossos resultados estão de acordo com essas teorias. Em razão da proliferação de pequenas cidades, o tamanho sub-ótimo da maioria das municipalidades brasileiras restringe a exploração de economias de escala, que caracterizam a produção de serviços públicos limitando, assim, a redução dos custos médios dos serviços públicos e o uso eficiente desses recursos.6 6 No caso da educação, existe evidência que os custos de operação do serviço diminuem com o número de matrícula devido a existência de alto custo fixo. Conseqüentemente, grandes escolas tendem uma relação custo-eficiência melhor pois os custos fixos são diluídos entre um maior número de estudantes. Este fato discrimina claramente pequenos municípios com poucos alunos na média, que tendem a apresentar custos médios mais altos. Naquelas grandes cidades, o maior número de estudantes reduz o custo por estudante sem significante perda de qualidade educacional. Uma explicação similar pode ser aplicada para outros tipos de serviços públicos, como saúde. Nesse sentido, explica-se, também, a maior despesa per capita das cidades com menor densidade demográfica atribuída, como vimos, à presença de retornos crescentes de escala prevalecente entre esses municípios. Por fim, na mesma linha de argumentação, a relação inversa entre despesa pública e participação em consórcios intermunicipais pode ser atribuída ao fato que, ceteris paribus, a coordenação entre municípios na provisão de serviços públicos, caracterizados por altos custos fixos, como hospitais e escolas, contribui para otimizar a escala de operação e reduzir custos.

Esses impactos estão sumariados no efeito congestionamento, computado pelo valor do parâmetro g, que é de 0,696 (modelo OLS). Este valor é claramente inferior aos resultados encontrados em estudos recentes (Reiter e Weichenrieder, 1997), onde esse parâmetro tende a ser maior que um, implicando, assim, efeitos-congestionamento substanciais. O baixo efeito congestionamento obtido para os municípios brasileiros decorre, provavelmente, do efeito escala. Esse resultado é bastante robusto e é corroborado em diferentes estudos com distintas metodologias. Obviamente o valor desse parâmetro depende da definição do efeito preço. Porém, mesmo usando definições alternativas para esses efeitos, as estimativas mantêm-se abaixo da unidade.

No tocante ao impacto das características sócio-econômicas e regionais dos municípios sobre os padrões de despesa é interessante notar que o fato de ser capital exerce uma forte influência positiva sobre os gastos públicos. Este resultado confirma o papel exercido pelas capitais, que são os centros do poder político local, centralizando as pressões de demanda por serviços públicos. Note-se, também, que os municípios pertencentes às regiões Nordeste e Sudeste tendem a apresentar níveis maiores de despesas. Esse resultado é consistente com a idéia que, por razões distintas, essas regiões possuem as maiores demandas por serviços públicos. Na região Nordeste, os serviços públicos são, freqüentemente, os únicos disponíveis para uma população empobrecida substituindo, assim, os bens privados, aos quais eles não têm acesso em virtude dos baixos níveis de renda. Na região Sudeste relativamente mais rica, esse aumento na demanda por serviços públicos deve-se às características urbanas típicas de regiões mais ricas.

Contrariamente à evidência internacional, a maior proporção de pessoas com mais de 60 anos reduz as despesas públicas locais. Isso ocorre provavelmente devido ao fato que, no Brasil, pessoas mais velhas estão relativamente em melhor situação quando comparadas com jovens e, por essa razão, podem consumir bens privados, substitutos dos serviços públicos7 7 Ver a esse respeito, Neri (2000). . Por outro lado, o coeficiente associado à percentagem de jovens que, supostamente, deveria contribuir para aumentar os gastos públicos locais (principalmente com educação básica) não é significante.

O coeficiente negativo associado à variável esperança de vida sugere que a presença de melhores condições de saúde leva à redução da despesa por serviços de saúde. Com relação aos alunos em escolas particulares, o parâmetro negativo revela a existência de um "efeito-substituição" entre educação pública e privada.

A inexistência de referendos comunitários, no Brasil, para a provisão de serviços públicos traz a necessidade de investigar o papel político na definição dessa provisão, por meio das instâncias partidárias. Nesse sentido, apenas o coeficiente atrelado à coligação de oposição (Coligação 2: PT, PDT, PSB e PPS) foi significativo e positivo, ao nível de 5%, indicando que municípios com prefeitos desses partidos apresentaram uma despesa pública maior. Esse resultado é consistente com as características conhecidas desses partidos que apóiam mais fortemente o papel do governo na provisão de bens e serviços.

6. REGRESSÃO QUANTÍLICA

Para complementar a análise econométrica realizada na seção anterior, fizemos uma investigação mais detalhada usando métodos de regressão quantílica, introduzidos por Koenker e Bassett (1978). Enquanto a regressão clássica linear estima modelos para funções médias condicionais, o método de regressão quantílica oferece um mecanismo para estimar modelos para funções medianas condicionais e também para outros quantis condicionais. A estimativa OLS considera apenas o efeito de uma variável explicativa independente no ponto médio da distribuição condicional da variável dependente (despesa per capita, neste caso). O uso da técnica de regressão quantílica permite a análise do impacto de variáveis explicativas em diferentes pontos da distribuição condicional da variável dependente. Isso permite investigar os impactos das variáveis independentes sobre a despesa pública local ao longo de diferentes classes de despesas. Assim, pode-se examinar as diferenças devido a heterogeneidade estrutural das despesas em várias localidades e diferentes efeitos de cada variável dependendo da classe de despesas condicional levada em consideração. A idéia básica é estimar o t-ésimo quantil de eficiência condicional sobre as diferentes variáveis explicativas, assumindo que esse quantil pode ser expresso como um preditor linear baseado nessas variáveis.8 8 Para detalhes adicionais sobre o método ver Koenker e Bassett (1978).

Considere (yi, xi), i = 1,2,...,n uma amostra de uma dada população, em que xi é um vetor K × 1 de variáveis explicativas. O t-ésimo quantil de y, a variável dependente, com 0 < t < 1, é definido como: Qy(t) = F-1(t) = inf {y:F(y) > t}, em que F é a função de distribuição contínua (não-condicional) de y: F(y) = Prob (Y < y). No caso linear, a variável dependente y é uma função de x da forma: yi = xib+µi , em que b é o vetor de parâmetros e µi é o vetor de erros aleatórios. Configura-se o caso dos quantis condicionais da distribuição de y, definido pela distribuição dos erros dos quantis: Pr(yi < y | xi) = Fmt(y - x'ibt | xi), i = 1,2,...,n.

A função quantílica pode ser definida então, na forma: Qt(yi | xi) = x'i bt+ (t). O bt estimado da forma funcional quantílica, definido como um estimator da regressão quantílica, é encontrado da solução da seguinte função objetivo:

em que r é a função check definida: rt(z) = {t|z|, sez > 0; e (1 - t)|z|, sez < 0}.

Neste caso, a minimização dos valores absolutos para a função mediana convencional é observada, independente da minimização do quadrado dos resíduos. O modelo especifica a função quantílica condicional da variável dependente y, dada a matriz das variáveis explicativas X como: Qy(t|X) = Xb(t) + Q(t), t = [0,1], em que b é algum vetor de parâmetros e Q(t) é a função quantílica da distribuição de erros. A representação na forma de modelo de programação linear facilita a estimação dos parâmetros. A função-objetivo, apresentada previamente, é uma soma ponderada dos desvios absolutos, provendo uma medida local robusta, tal que o vetor de coeficientes estimado não é sensível a observações extremas da variável dependente. Quando os erros não seguem uma distribuição regular, os estimadores de regressão quantílica podem ser mais eficientes que os estimadores OLS. Diferentes soluções para diferentes quantis podem ser interpretadas como diferenças respostas da variável dependente a mudanças nos regressores em diferentes pontos da distribuição condicional da variável dependente.

O estudo do comportamento assintótico das estimativas de regressão quantílica, que conduz a inferência sobre os coeficientes estimados, requer as seguintes hipótese adicionais (Koenker e Bassett, 1982): a) (densidade): a distribuição do erro, Fµ, tem uma densidade contínua e estritamente positiva, fµ, para todo z, tal que: 0 < Fµ(z) < 1; b) (picture): a sequência {xi} satisfaz n-1åxixi'® D, uma matriz definida positiva; e c) (escala): a sequência das funções escala tem a forma sn(x) = 1 + xgn , em que gn = , para algum dado g0Î Rk.

Para erros independentes e identicamente distribuídos (i.i.d.): (n)(b(t) - b(t)) ® N(0,Lt), em que, Lt = D-1

Portanto, a precisão assintótica da estimativa de regressão quantílica para erros i.i.d. depende basicamente da quantidade: S(t) = [f(F-1(t))]-1, usualmente chamada de função densidade ou sparsity. Para erros não i.i.d., a matriz de covariância limite toma a forma: (n)(b(t) -b(t)) ® , em que Jn(t) = t(1 - t)n-1åxixi'; Hn(t) = limn-1åxixi'fi(xi(t)) e fi (xi(t)) é a densidade condicional da variável resposta yi estimada no t-ésimo quantil. No caso i.i.d., as funções fi(xi(t)) são idênticas e o estimador Huber Sandwich (matriz de covariância robusta) iguala a expressão dos erros i.i.d.

Para fazer inferências baseadas nas hipóteses gerais, usa-se o teste de Wald. Como considerado em Koenker e Bassett (1982), uma hipótese linear geral pode ser adotada sobre o vetor z = (b(t1)',...,b(tm)')' da forma: H0: Hz = h. O teste estatístico é: Tn = (Hz- h)'[H (WÄ(X'X)1) H']1(Hz- h), que é assintoticamente c2 sob a hipótese nula (H0). Essa formulação envolve uma grande variedade de situações, de testes simples sobre um único coeficiente a testes conjuntos envolvendo vários coeficientes e diferentes quantis. Portanto, é possível, por exemplo, testar a igualdade ou não das várias inclinações dos coeficientes nos vários quantis.

Assim, o modelo tratado anteriormente foi novamente estimado usando, agora, técnicas de regressão quantílica. Foram considerados os seguintes quantis: 0,10 (percentil 10%), 0,25 (lower quartile), 0,50 (mediana), 0,75 (upper quartile) e 0,90 (percentil 90%), isto é (t = 0,10; 0,25; 0,50; 0,75; 0,90). Utilizou-se o método de estimação "Barrodale-Roberts", adequado para o caso de amostras em torno de 3.500 observações e que permite rank test. Os erros foram considerados não-i.i.d., o que conduz à presença de heterocedastidade. Note-se também que este método satisfaz o critério de goodness-of-fit ("pseudo-R2") para a seleção de modelo. A Tabela 4 mostra os resultados obtidos.

Observa-se que, além de confirmar os resultados encontrados no modelo OLS, o uso do método de regressão quantílica permite captar a representatividade dessas mesmas variáveis em diferentes classes (ou quantis) de despesa média podendo-se, assim, detectar a heterogeneidade existente dos efeitos das várias variáveis explicativas nas diversas classes de despesa média local. Para testar a significância dos diferentes parâmetros estimados, usamos as estatísticas de Wald, que mostram se as diferenças nas inclinações entre os vários percentis são significativas.

Ao analisar a Tabela 4, nota-se, em primeiro lugar, que, a exemplo do encontrado na análise dos modelos clássico e espacial, os coeficientes positivos, atrelados à variável distância significa que os ganhos com as externalidades devido à proximidade com outras cidades diminuem com a distância fazendo com que, a demanda por serviços públicos aumente. Contudo, o teste das diferenças mostra que os valores encontrados nos vários quantis não podem ser considerados distintos, mostrando, assim, que nesse caso, o uso da regressão quantílica não apresenta informação adicional em relação aos modelos citados.

Confirmando, também, os resultados obtidos anteriormente, preços e renda são importantes determinantes da demanda de bem públicos locais. No tocante ao efeito preço, as elasticidades crescem ao longo dos diferentes quantis, sugerindo que nas municipalidades que apresentam maiores despesas per capita - via de regra9 9 De fato, existem evidências que o comportamento da despesa orçamentária per capita tem a forma de um U invertido. , as menores ou maiores localidades - os custos marginais (médios) de produção dos bens públicos locais são mais elevados em razão da subutilização ou da superutilização desses serviços. Já, as comunidades de porte médio, que financiam seus gastos por meio de outras fontes além do esforço fiscal direto da população residente, são menos sensíveis ao custo de provisão desses serviços. Note-se, porém, os coeficientes estimados são, significativamente, diferentes somente para os quantis 0,10 e 0,90, ou seja, entre a menor e a maior classe de despesa média (ou, via de regra, entre municípios de médio porte e aqueles de maior ou menor porte, respectivamente).

Com relação ao efeito-renda, vemos que as elasticidades crescem ao longo das classes de despesas per capita; esse resultado é confirmado pelo teste das diferenças nos valores estimados nos vários quantis. Ou seja, a elasticidade-renda da demanda dos serviços públicos é maior nos maiores quantis de despesa per capita - onde é razoável supor que se concentram as menores cidades. Isso se explica, em parte, pelo fato de, nessas localidades, os serviços públicos ocuparem um lugar elevado na hierarquia dos bens consumidos, sendo considerado, em termos relativos, como bens de "luxo", quando comparado àqueles de extrema necessidade, que responde por parte significante dos gastos dessas populações. Outro ponto que eventualmente explicaria esses resultados é o fato de as transferências de recursos das esferas superiores de governo (federal e estadual) estarem incorporadas como ganho de renda (Dahlberg e Johansson, 2000) criando, assim, maior poder de demanda. Isso porque se considera o ganho de renda da transferência (lump sum) não afetando o custo marginal do serviço, ou seja, independentes do esforço fiscal local, o que parece respaldar-se no caso brasileiro.10 10 A transferência de recursos do SUS ou da educação (FUNDEF) não entra na receita local reduzindo o custo do serviço provido localmente, mas representa uma maior capacidade do governo local melhor atender a demanda local. Portanto, essa transferência entra como uma "renda adicional" da comunidade. Ver, também, Rubinfeld 1987, p.604 e p. 611.

A relação inversa entre a população e a demanda per capita se mantém, sendo que esse efeito aumenta ao longo dos quantis e, essas diferenças entre parâmetros são significantes. O impacto negativo da densidade demográfica na demanda média local cresce até o segundo percentil e depois diminui a partir daí. Esse resultado também pode estar ligado à existência dos fortes subsídios, associados à provisão dos serviços públicos locais, principalmente nas pequenas cidades. As diferenças entre os coeficientes são confirmadas pelo teste das diferenças. Assim, o efeito escala é maior nas menores classes de despesas per capita, ou seja, nas cidades de porte médio.

Nossos resultados atestam, ainda, que a participação em consórcios municipais reduz a despesa média; isto porque a consorciação permite explorar as economias de escala e, portanto, cortar custos. Observe-se que, com exceção da primeira classe de despesa per capita (relacionada, em geral, às cidades de porte médio), a variável é significante em todas as classes de despesa. Esse resultado sugere que apenas as cidades de porte médio são capazes de atingir níveis adequados de escala, na provisão de serviços públicos. Nesse caso o consórcio não seria uma estratégia eficiente para a redução de despesas municipais. Note-se, porém, que os testes de diferença entre os parâmetros estimados nos vários quantis não validam a hipótese de coeficientes distintos para os diferentes quantis.

Esses efeitos de escala estão sintetizados nos parâmetros de congestionamento g, calculados para os diversos percentis: 0,676; 0,714; 0,712; 0,726; e 0,640. Note-se que o efeito crowding out é menor para classes de despesa per capita maiores, isto é, para cidades de maior (menor) porte. Embora esse seja um resultado esperado para os pequenos municípios, no que diz respeito aos grandes centros esse é um resultado surpreendente. Isto porque, o fato de os grandes centros oferecerem uma maior gama de serviços implica que suas maiores despesas refletem não apenas um custo de congestionamento, mas também o custo adicional dessa cesta mais diversificada de serviços. Porém, apesar das indivisibilidades11 11 A indivisibilidade não muda a lógica da medida, mas torna a decisão sobre a desejabilidade da provisão pública e privada mais complexa (Reiter and Weichenrieder, op.cit., p.10). que restringem a provisão desses serviços às maiores cidades e que, portanto, tendem a aumentar o efeito congestionamento, a redução desse efeito ao longo de classes de despesas (onde essas municipalidades se incluem) reflete a predominância de elementos de escala, não explorados adequadamente, mesmo nas grandes cidades.

As demais variáveis sócio-econômicas apresentam resultados compatíveis com aqueles obtidos pelos métodos clássico e espacial. A esperança de vida tem um efeito negativo na demanda por serviços públicos, porém ele é mais significante para classes de despesas per capita opostas (0,10 e 0,90), ou seja, para as cidades de médio porte ou de maior/menor porte. O teste da diferença de inclinações entre os quantis confirma esse fato. Esse resultado sugere que, uma política sanitária (saúde ou saneamento) que aumente a esperança de vida local terá um efeito redutor na despesa média local, respectivamente, tanto nas cidades de porte médio quanto nas maiores ou menores localidades.

A parcela da população até 17 anos, que está relacionada com a demanda potencial por educação fundamental e média ou a população mais diretamente usuária desse serviço de educação, tem um efeito parcial positivo sobre a despesa média nas cidades de menor porte (0,75), em que a estrutura etária até 17 anos é predominante. O número de alunos na rede privada reduz a demanda pelo serviço público, como esperado, mas esse efeito é significante apenas na faixa de despesa média de 0,75, ou seja, para as menores cidades onde a estrutura etária até 17 anos é preponderante, reforçando o efeito da variável anterior. Já o impacto positivo sobre a despesa do indicador ponderado de educação (IDH-M educação), associado às taxa de alfabetização e de escolaridade, é decrescente até o quantil mediano e depois crescente para os quantis superiores (0,75 e 0,90). Os testes de diferença entre os quantis confirmam esse comportamento, mostrando que o impacto desse serviço é, via de regra, maior nas menores cidades.

Consistente com o fato de que a população com mais de 60 anos, por ser relativamente "próspera", nos pequenos municípios, pode consumir os substitutos privados dos serviços públicos, o coeficiente negativo atrelado a essa variável não é significante, para as maiores classes de despesas médias (que congrega, particularmente, as pequenas cidades).

O fato de uma cidade ser capital aumenta a demanda por serviços, de maneira óbvia, tendo em vista o papel de centro administrativo de cada estado. Porém, apesar de significantes, os valores dos parâmetros estimados nos vários quantis não podem ser considerados diferentes.

As variáveis dummy de localização, por razões anteriormente explicitadas, contribuem para elevar a despesa média. Esse impacto é menor para os municípios das regiões Sul e Centro-Oeste, ou por possuírem uma característica local mais desenvolvida (caso da região sul) ou por conter uma característica mais rural (caso da região centro-oeste). No caso da Região Sul, especificamente, os parâmetros estimados são maiores para as cidades de médio porte. Nas demais regiões as diferenças encontradas nas estimativas das inclinações entre os quantis não são significativas.

Note-se que à exemplo do sugerido pelos modelos clássico e espacial, os partidos de oposição (coligação 2) tem um impacto positivo na demanda, refletindo uma maior despesa média de serviços públicos providos localmente. Porém esse efeito é significativo apenas para o penúltimo percentil (0,75), associado na sua maioria com cidades de menor porte.

7. CONCLUSÕES

Neste estudo estimamos a demanda por serviços públicos locais para os municípios brasileiros utilizando como referencial a abordagem do eleitor mediano. Os resultados obtidos são consistentes com a estrutura teórica, sugerindo que essa abordagem pode ser útil para descrever a demanda por serviços públicos locais no Brasil. Vários métodos de estimação foram utilizados - OLS, 2SLS, GGM simples, GMM espacial e regressão quantílica. Em particular, o uso da regressão quantílica permitiu investigar os impactos das variáveis explicativas sobre diferentes classes de despesa pública local permitindo, assim, considera a heterogeneidade de efeitos entre municípios, caracterizados por diferentes classes de despesa. Os vários testes realizados e as correções nas auto-correlações existentes asseguram maior robustez aos resultados.

As variáveis principais do modelo - preço, renda e população - foram significativas e tiveram os sinais esperados. Embora acima da média internacional, as elasticidades-renda estimadas para os serviços públicos municipais estão dentro dos padrões esperados, para serviços que constituem necessidades básicas. No tocante ao efeito congestionamento, inclusive nos vários percentis, nossas estimativas mostram que o parâmetro crowding out é inferior a unidade, claramente abaixo dos valores encontrados em estudos recentes, onde esse parâmetro tende a ser maior que a unidade. Esse resultado decorre, provavelmente, do efeito escala. Isto porque o reduzido tamanho dos municípios brasileiros aumenta o custo marginal (tax price) do serviço público e impede que as pequenas municipalidades explorem as economias de escala inerentes à provisão desses serviços.

Note-se, ainda, que o efeito congestionamento decresce ao longo das classes de despesa. Esse é um resultado surpreendente já que se esperava que o efeito congestionamento fosse maior nas grandes cidades. Apesar das indivisibilidades12 12 A indivisibilidade não muda a lógica da medida, mas torna a decisão sobre a desejabilidade da provisão pública e privada mais complexa (Reiter and Weichenrieder, op.cit., p.10). que restringem a provisão de certos serviços às maiores cidades e que, portanto, tendem a aumentar o efeito congestionamento, a redução desse efeito ao longo de classes de despesas (onde essas municipalidades se incluem) reflete a predominância de elementos de escala, não explorados adequadamente, mesmo nas grandes cidades.

A extensão natural deste estudo será incluir uma descrição mais detalhada dos efeitos "spillover" que caracterizam a demanda por serviços públicos, particularmente nas áreas metropolitanas. Isso dará uma percepção mais completa da demanda por serviços públicos locais nos municípios brasileiros.

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  • 1
    Bergstrom and Goodman (op. cit. p. 280) mostraram que isto é possível mesmo se as comunidades produzem serviços públicos usando alguns insumos locais cujos preços possam diferir de lugar pra lugar, se todas as comunidades têm funções de produção homotéticas idênticas e curvas de oferta totalmente elásticas para insumos.
  • 2
    Reiter e Weichenrieder (1997, p. 21) mostram três razões do por que os eleitores podem perceber de maneira incorreta os custos dos serviços públicos: "ilusão fiscal"; "efeito flypaper"; e "complexidade de receita".
  • 3
    O logaritmo da matriz sócio-econômica deve ser considerado como a soma de logaritmos de variáveis consideradas.
  • 4
    Note que não existe interesse direto na estimação de l e r.
  • 5
    Foram utilizados cutoff de 0.5, 1 e 2 que equivalem, respectivamente, a distâncias de 50, 100 e 200 Km, aproximadamente, com
    os resultados não sendo alterados fundamentalmente.
  • 6
    No caso da educação, existe evidência que os custos de operação do serviço diminuem com o número de matrícula devido a existência de alto custo fixo. Conseqüentemente, grandes escolas tendem uma relação custo-eficiência melhor pois os custos fixos são diluídos entre um maior número de estudantes. Este fato discrimina claramente pequenos municípios com poucos alunos na média, que tendem a apresentar custos médios mais altos. Naquelas grandes cidades, o maior número de estudantes reduz o custo por estudante sem significante perda de qualidade educacional. Uma explicação similar pode ser aplicada para outros tipos de serviços públicos, como saúde.
  • 7
    Ver a esse respeito, Neri (2000).
  • 8
    Para detalhes adicionais sobre o método ver Koenker e Bassett (1978).
  • 9
    De fato, existem evidências que o comportamento da despesa orçamentária
    per capita tem a forma de um U invertido.
  • 10
    A transferência de recursos do SUS ou da educação (FUNDEF) não entra na receita local reduzindo o custo do serviço provido localmente, mas representa uma maior capacidade do governo local melhor atender a demanda local. Portanto, essa transferência entra como uma "renda adicional" da comunidade. Ver, também, Rubinfeld 1987, p.604 e p. 611.
  • 11
    A indivisibilidade não muda a lógica da medida, mas torna a decisão sobre a desejabilidade da provisão pública e privada mais complexa (Reiter and Weichenrieder, op.cit., p.10).
  • 12
    A indivisibilidade não muda a lógica da medida, mas torna a decisão sobre a desejabilidade da provisão pública e privada mais complexa (Reiter and Weichenrieder, op.cit., p.10).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006
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