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Incompatibilidade escolaridade-ocupação e salários: evidências de uma empresa industrial brasileira

Resumos

As duas últimas décadas forneceram uma vasta literatura empírica sobre a incompatibilidade escolaridade-ocupação e salários. Evidências sobre a incidência de over e undereducation e retornos sobre ORU (overeducation, educação requerida e undereducation) são amplamente disponíveis para vários países desenvolvidos em diferentes períodos de tempo. Uma segunda onda de trabalhos empíricos tem focado sobre questões pouco exploradas na literatura: (1) Seriam os retornos sobre ORU um firm wage effect?; (2) Seriam tais retornos significativos após o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores?; (3) Overeducation decorre de um investimento deliberado dos trabalhadores em suas carreiras? Os resultados deste trabalho sugerem que overeducation decorre da decisão de investimento de jovens trabalhadores em suas carreiras.

Educação; Salários; Overeducation


Job-schooling mismatch and wages have received extensive attention from economists in developed countries over the last two decades. Empirical evidence reveals incidence of ORU (overeducation, required education, and undereducation) across countries in different periods, as well as estimates of their returns. This paper, using personnel records of a large Brazilian manufacturing plant, joins a recent wave of empirical work that focus on deeper questions: (i) Are ORU returns a firm wage effect? (ii) Do ORU returns remain significant after controlling for unobserved workers heterogeneity? (iii) Is overeducation a deliberate investment decision of workers in their careers? Our outcomes suggest that overeducation is an investment decision of young workers in their careers.

Education; Wages; Overeducation


Universidade Federal do Paraná E Università di Siena E-mail: esteves@ufpr.br

RESUMO

As duas últimas décadas forneceram uma vasta literatura empírica sobre a incompatibilidade escolaridade-ocupação e salários. Evidências sobre a incidência de over e undereducation e retornos sobre ORU (overeducation, educação requerida e undereducation) são amplamente disponíveis para vários países desenvolvidos em diferentes períodos de tempo. Uma segunda onda de trabalhos empíricos tem focado sobre questões pouco exploradas na literatura: (1) Seriam os retornos sobre ORU um firm wage effect?; (2) Seriam tais retornos significativos após o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores?; (3) Overeducation decorre de um investimento deliberado dos trabalhadores em suas carreiras? Os resultados deste trabalho sugerem que overeducation decorre da decisão de investimento de jovens trabalhadores em suas carreiras.

Palavras-chave: Educação; Salários; Overeducation.

Códigos JE1: J31;J41.

ABSTRACT

Job-schooling mismatch and wages have received extensive attention from economists in developed countries over the last two decades. Empirical evidence reveals incidence of ORU (overeducation, required education, and undereducation) across countries in different periods, as well as estimates of their returns. This paper, using personnel records of a large Brazilian manufacturing plant, joins a recent wave of empirical work that focus on deeper questions: (i) Are ORU returns a firm wage effect? (ii) Do ORU returns remain significant after controlling for unobserved workers heterogeneity? (iii) Is overeducation a deliberate investment decision of workers in their careers? Our outcomes suggest that overeducation is an investment decision of young workers in their careers.

Keywords: Education; Wages; Overeducation.

1. INTRODUÇÃO

A literatura sobre a incompatibilidade entre a escolaridade dos trabalhadores e a educação requerida para o exercício das funções ou ocupações nas quais estes estejam empregados vem sendo amplamente explorada nas últimas duas décadas, principalmente nos países desenvolvidos.

A importância de tal literatura deve-se ao fato que as últimas décadas são caracterizadas por um elevado aumento dos níveis educacionais entre a população dos países ocidentais desenvolvidos. Este aumento na oferta de mão-de-obra qualificada foi acompanhado por um aumento da demanda por postos de trabalho qualificados. A incidência de overeducation é um resultado esperado no caso da oferta de mão-de-obra qualificada superar sua demanda.

Desdobramentos destes estudos implicaram também na análise dos retornos (prêmios salariais) sobre ORU (overeducation, required education e undereducation). O artigo seminal desta abordagem deve-se a Duncan e Hoffman (1981). Estes autores substituíram a variável escolaridade pela especificação ORU em uma regressão de salários Minceriana. O objetivo dos autores era verificar a incidência de prêmios salariais sobre incompatibilidades entre escolaridade obtida pelos trabalhadores e educação requerida de suas ocupações.

A literatura sobre capital humano advoga que os rendimentos dos trabalhadores seriam basicamente determinados por fatores relacionados à oferta de mão-de-obra. A especificação ORU, por sua vez, introduz um fator de demanda na determinação dos salários ao analisar as diferenças entre a escolaridade obtida e a educação requerida das ocupações. Basicamente, o objetivo de Duncan e Hoffman (1981) era fornecer resposta para a seguinte questão: trabalhadores com atributos similares de capital humano seriam diferentemente remunerados por conta das diferenças de educação requerida (compatibilidade e incompatibilidade) de suas ocupações?

Uma grande variedade de trabalhos empíricos foi desenvolvida posteriormente com o objetivo de testar tal hipótese 1 Groot e van den Brink (2000) e Hartog (2000) fornecem uma ampla discussão dos resultados empíricos, fatos estilizados, teorias e metodologias econométricas utilizadas na literatura. 1 1 Groot e van den Brink (2000) e Hartog (2000) fornecem uma ampla discussão dos resultados empíricos, fatos estilizados, teorias e metodologias econométricas utilizadas na literatura. . Há na literatura vasta evidência de que os retornos sobre ORU são significativos - o que implica dizer que trabalhadores sobre-educados (sub-educados) percebem prêmios salariais (penalidades) por exercerem uma ocupação com educação requerida inferior (superior) aos seus níveis educacionais.

Embora haja na literatura uma vasta evidência de retornos sobre ORU, uma segunda onda de trabalhos empíricos tenta esclarecer algumas questões ainda pouco exploradas (inclusive entre os países desenvolvidos). As questões relevantes para esta segunda onda de testes empíricos são: (1) seriam os retornos sobre ORU um firm wage effect?; (2) seriam os retornos sobre ORU ainda significativos após o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores?; (3) overeducation decorre de um investimento deliberado dos trabalhadores em suas carreiras?

Os resultados apresentados ao longo deste trabalho reforçam os fatos estilizados da literatura de retornos sobre ORU e não corroboram os argumentos de que tais retornos seriam decorrentes de um wage firm effect. O controle de efeitos fixos para os trabalhadores praticamente eliminou a significância estatística dos retornos sobre ORU. Finalmente, verificou-se que trabalhadores jovens e sobre-educados apresentam grande probabilidade de obtenção de taxas de crescimento de salários acima da média, quando comparados com seus pares sub-educados e com educação compatível às suas funções

O presente trabalho divide-se, incluindo a introdução, em seis seções. A segunda seção é destinada à descrição da base de dados utilizada, bem como para reportar estatísticas descritivas. A terceira seção é destinada a analisar os retornos sobre ORU para o caso de uma única empresa industrial - verificar-se-á que tal procedimento possibilita a obtenção de retornos sobre ORU não enviesados pelo firm wage effect. A quarta seção é destinada a analisar os retornos sobre ORU após controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores. A quinta seção é destinada a analisar os retornos de investimento sobre overeducation. A sexta e última seção é destinada às conclusões e considerações finais.

2. DADOS

Os dados utilizados para os testes empíricos deste trabalho foram obtidos junto aos registros de funcionários de uma grande empresa industrial brasileira, para os anos de 1996, 1997 e 1998. Por motivo evidente de sigilo a razão social da empresa objeto deste estudo não é divulgada (será aqui denominada de "empresa X"). A amostra dispõe de informações individuais de salário, gênero, idade, escolaridade, tempo de emprego e ocupação (3 dígitos CBO) para 16.292 observações de trabalhadores durante todo o período analisado. Estas observações referem-se a uma amostra de 7077 trabalhadores diferentes, sendo que apenas 3749 trabalhadores estão presentes em todos os anos da amostra.

As estatísticas descritivas das variáveis utilizadas neste trabalho são reportadas nas tabelas 1, 2 e 3 (anos de 1996, 1997 e 1998, respectivamente). Para fins de análise comparativa, as estatísticas descritivas estão disponibilizadas para o conjunto de todos os trabalhadores e por distinção de gênero.

As variáveis overeducation e undereducation foram obtidas através dos excedentes e déficits de escolaridade dos trabalhadores sobre a educação requerida para suas ocupações. A educação requerida foi obtida pelo método de realized matches, ou seja, para cada uma das ocupações da empresa (3 dígitos CBO) foi calculada a média e o desvio padrão dos anos de escolaridade dos trabalhadores alocados nas respectivas ocupações. Os trabalhadores sobre-educados (sub-educados) correspondem àqueles cujos anos de escolaridade superam (não superam) a educação requerida calculada através da soma (subtração) da média e um desvio padrão.

Os resultados das estatísticas descritivas correspondem aos fatos estilizados do mercado formal de trabalho brasileiro: os homens constituem a maior fração da mão-de-obra empregada, apresentam maior tempo de emprego, são mais velhos e dispõem de menos anos de escolaridade. Um resultado inusitado é que as mulheres apresentaram maiores rendimentos médios no ano de 1998.

No que diz respeito as variáveis de overeducation e undereducation, novamente as estatísticas descritivas correspondem aos fatos estilizados da literatura sobre o tema: as mulheres apresentam maiores (menores) percentuais de overeducation (undereducation). Também é reportada a média da variável overeducation (undereducation) em anos de excedente (déficit) sobre a educação requerida. Observa-se para esta variável, em geral, uma média de 0,21 anos de excedente (déficit) de escolaridade para o caso de overeducation (undereducation).

Um ponto importante a ser mencionado aqui é quanto à análise da incidência de overeducation e undereducation ao longo do tempo. A análise da variabilidade temporal da incidência de over e undereducation podem fornecer evidência de deslocamentos da demanda por conta de fatores tecnológicos. Para tanto, seria necessária a utilização de uma medida exógena de educação requerida, tal como as medidas obtidas por meio de dicionários de ocupações (dicionários que estabelecem os requisitos mínimos de escolaridade para cada ocupação). O método de realized matches não constitui uma medida exógena de educação requerida, pois tanto os fatores relacionados à oferta quanto à demanda estão influenciando este cálculo.

Uma medida endógena, tal como o realized matches, seria de pouca valia para a análise intertemporal de deslocamentos da demanda por trabalho qualificado. Na realidade, as interpretações sobre over e under-education seriam bem diferentes a partir do tipo de medida utilizado. As medidas exógenas capturariam melhor a noção dos requerimentos tecnológicos de uma ocupação, já as medidas endógenas estariam relacionadas a interpretações de job assignment do que de variações de demanda.

Um segundo ponto importante a ser mencionado aqui é quanto à análise comparativa da incidência de overeducation e undereducation entre países. A utilização do realized matches conduz, na grande maioria dos casos, a incidência simétrica de overeducation e undereducation em torno de 15% cada. Na realidade, o procedimento de realized matches parece utilizar as caudas de uma distribuição normal como medidas de incidência de over e under-education. No caso das ocupações apresentarem distribuição normal ano a ano, o argumento da ineficiência de tal medida para análise de deslocamentos da demanda é reforçado.

Embora haja diferenças entre as medidas de obtenção de educação requerida e, consequentemente, na incidência de over e undereducation, Hartog (2000) fornece evidências de que os retornos sobre ORU não são sensíveis ao método de obtenção de educação requerida - tanto as medidas exógenas quanto as endógenas implicam em valores de retornos sobre ORU muito similares.

A próxima seção é dedicada a analisar os retornos sobre ORU.

3. SÃO OS RETORNOS SOBRE ORU UM WAGE FIRM EFFECT?

Introduzo esta seção discutindo os aspectos da metodologia econométrica utilizada pela grande maioria dos trabalhos empíricos sobre ORU, bem como o padrão de resultados verificados na literatura.

Na realidade os trabalhos empíricos utilizam duas especificações diferentes para as equações de salários com fins de obtenção de cálculo de retornos sobre over e undereducation. A primeira abordagem, aqui denominada DH Duncan e Hoffman (1981), especifica a equação de salários da seguinte maneira:

Onde representa a educação requerida pela ocupação do trabalhador i, representa o excedente (em anos) de escolaridade do trabalhador i sobre a educação requerida para a sua ocupação, representa o déficit (em anos) de escolaridade do trabalhador i sobre a educação requerida para a sua ocupação, e é um vetor de atributos observáveis de capital humano do trabalhador i. A segunda abordagem, aqui denominada VV (Verdugo e Verdugo (1989)), especifica a equação de salários da seguinte maneira:

Onde representa a escolaridade do trabalhador i, é uma dummy igual a um caso haja excedente de escolaridade do trabalhador i sobre a educação requerida para a sua ocupação, é uma dummy igual a um caso haja déficit de escolaridade do trabalhador i sobre a educação requerida para a sua ocupação, e é um vetor de atributos observáveis de capital humano do trabalhador i.

Embora aparentemente similares, as interpretações dos resultados obtidos a partir destas duas especificações são completamente diferentes, como veremos a seguir.

No que diz respeito aos trabalhos empíricos utilizando a especificação DH (equação1), Hartog (2000) observa o seguinte padrão de resultados:

1. Retornos sobre overeducation são positivos, porém menores que os retornos sobre educação requerida.

2. Retornos sobre undereducation são negativos, porém a penalidade para undereducation é sempre menor do que o retorno sobre a educação requerida.

3. Estas conclusões não são sensíveis ao tipo de medida de educação requerida utilizada.

Tais resultados propiciam dois tipos de comparações: (1) Em uma dada ocupação, com um dado nível de educação requerida, ganhos para trabalhadores sub-educados (sobre-educados) são menores (maiores) quando comparados àqueles trabalhadores com nível educacional compatível com a educação requerida; (2) Trabalhadores com uma dada educação, que tenham uma ocupação que requeira maiores níveis educacionais, são contemplados com maiores ganhos que àqueles trabalhadores com similar educação, porém empregados em ocupações compatíveis. Por outro lado, estes trabalhadores percebem remunerações menores que àqueles trabalhadores que desempenham a mesma ocupação, porém com nível educacional compatível.

No que diz respeito aos resultados obtidos através da especificação VV (equação 2) cabe mencionar algumas diferenças da abordagem DH: (i) VV utilizam escolaridade obtida ao invés de educação requerida na função de ganhos; (ii) overeducation e undereducation são especificadas através de dummies. Os fatos estilizados para esta especificação são os seguintes 2 2 Todos os fatos estilizados aqui mencionados são também corroborados por trabalhos empíricos desenvolvidos para a economia brasileira. Santos (1995) utiliza especificações VV com dados da PNAD e Martins e Esteves (2007) utilizam as especificações VV e DH com dados RAIS e PNAD. :

1. Retornos sobre overeducation são negativos.

2. Retornos sobre undereducation são positivos.

Devido ao fato de condicionar as especificações sobre a educação obtida, o efeito negativo da dummy de overeducation simplesmente implica que trabalhadores sobre-educados estão em menor nível ocupacional do que aqueles sem sobre-educação. A magnitude destes coeficientes não pode ser comparada com o coeficiente de anos de educação obtida: não são claros quantos anos de overeducation o coeficiente da dummy se refere.

Trabalhos empíricos que utilizam as duas especificações apresentam o seguinte padrão de resultados: "Os retornos sobre educação requerida são maiores que os retornos sobre escolaridade obtida."

Após tais considerações, o principal ponto a ser explorado nesta seção é: São estas evidências resultantes de um wage firm effect? As regularidades acima mencionadas foram obtidas a partir de estudos para os mercados de trabalho como um todo, logo é concebível inferir que tais resultados, em alguma extensão, sejam influenciados pela seletividade do matching entre trabalhadores e firmas. Gautier et alii (2002) sugerem que os retornos sobre ORU são devidos às especificidades da seleção de trabalhadores entre as diversas firmas. Estes argumentam ainda que a introdução de efeitos fixos firma-ocupação na equação de salários eliminaria a significância de tais retornos.

Dependendo da disponibilidade da medida de educação requerida ao pesquisador, o teste da hipótese mencionada acima é inviável. Suponhamos que o pesquisador utilize um dicionário de ocupações para mensurar a educação requerida, neste caso o problema da seletividade do matching entre trabalhadores e firmas permaneceria sem solução, pois a medida seria homogênea para todos os trabalhadores de uma determinada ocupação, independentemente da filiação empresarial.

O mesmo problema se estende para o caso da base de dados disponível ao pesquisador. Caso o pesquisador disponha de uma base de dados similar a PNAD (pesquisa nacional por amostra de domicílios) e efetue o cálculo da educação requerida pelo método de realized matches, o problema da seletividade permaneceria sem solução, pois não há qualquer informação sobre o empregador, além do setor de atividade, que possa ser utilizado como controle de efeito firma.

Groeneveld e Hartog (2004) fornecem uma solução bem consistente ao problema. Estes autores utilizam informações individuais de trabalhadores de uma única empresa européia do setor de energia. As informações dos padrões de seleção de trabalhadores pelo departamento de RH da empresa são utilizadas para mensurar a educação requerida por ocupação. Os resultados obtidos pelos autores não corroboram a hipótese de Gautier et alii (2002), uma vez que, estes resultados reproduzem, sem exceções, os fatos estilizados da literatura.

O presente trabalho, a exemplo de Groeneveld e Hartog (2004), propõe solucionar o problema da seletividade de matching mediante a utilização de informações de uma única empresa. Diferentemente destes autores, este trabalho não utiliza (devido à indisponibilidade da informação) os padrões de seleção de trabalhadores da empresa como medida de educação requerida. Alternativamente, o método de realized matches é aplicado especificamente, por ocupação, para o conjunto de trabalhadores desta empresa. Medida esta que seria enviesada caso o cálculo contemplasse todo o conjunto de trabalhadores do mercado de trabalho ou, até mesmo, o conjunto de trabalhadores de uma indústria específica.

Os resultados obtidos por este trabalho estão reportados na tabela 4. Foram estimadas seis regressões diferentes - uma especificação VV e DH para cada ano da amostra. Todos os coeficientes obtidos são significativos e coerentes com os fatos estilizados da literatura: (i) as especificações VV apresentaram sinais negativos (positivos) para os coeficientes de overeducation (undereducation); (ii) as especificações DH apresentaram sinais positivos (negativos) para os coeficientes de overeducation (undereducation); (iii) os retornos sobre overeducation são positivos, porém menores que os retornos sobre educação requerida; (iv) os retornos sobre undereducation são negativos, porém a penalidade para undereducation é sempre menor do que o retorno sobre a educação requerida; (v) os retornos sobre educação requerida são maiores que os retornos sobre escolaridade.

Os resultados aqui apresentados, em conjunto com os resultados obtidos por Groeneveld e Hartog (2004), reforçam os fatos estilizados da literatura de retornos sobre ORU e não corroboram os argumentos de que tais retornos perderiam significância após o controle do wage firm effect.

4. RETORNOS SOBRE ORU E HETEROGENEIDADE NÃO OBSERVADA DOS TRABALHADORES

Esta seção é dedicada a analisar a significância estatística dos retornos sobre ORU após o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores.

Uma questão intrigante surge a partir da farta evidência de retornos sobre ORU: Por que as empresas contratariam trabalhadores sobre-educados? Por que estas empresas pagariam a estes trabalhadores um prêmio salarial para a execução de tarefas que poderiam, perfeitamente, ser executadas por trabalhadores com educação compatível a salários menores?

Bauer (2002) argumenta que um potencial problema da literatura repousa sobre o fato de que a vasta quantidade de evidências empíricas disponíveis sobre o assunto é, em sua grande maioria, obtida através de análises cross-section. Este autor argumenta que o controle da heterogeneidade não observada poderia ser de grande importância caso a probabilidade de mismatch educacional fosse correlacionada com as habilidades inatas dos trabalhadores.

Mediante a utilização de um grande painel de empregadores - empregados da economia alemã para o período de 1984-1998, Bauer (2002) demonstra que os retornos sobre ORU são fortemente reduzidos e, na grande maioria das especificações, perdem significância estatística após o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores.

Este trabalho, a exemplo de Bauer (2002), busca verificar se o controle dos efeitos fixos dos trabalhadores também reduz a significância estatística, bem como os próprios valores dos coeficientes dos retornos sobre ORU.

Há de se considerar uma fragilidade nos resultados a serem reportados neste trabalho: como já mencionado, Bauer (2002) utiliza um painel para o período 1984-1998, já o presente trabalho utiliza apenas três anos (1996-1998) de amostra. Devido à curta duração do painel aqui utilizado, pode-se inferir que os regressores não sofram variabilidade suficiente para identificar corretamente os efeitos fixos. Esclarecido o problema da limitação imposta pelo período da amostra, sugere-se cautela na interpretação dos resultados a serem reportados a seguir.

As estimativas de dados de painel apresentadas nesta seção são especificadas em ambas as abordagens, a saber, VV e DH. Os resultados das estimativas de efeitos fixos para trabalhadores são reportados na tabela 5.3 3 O Teste de Hausman foi utilizado para verificar a especificação correta dos modelos obtidos com dados de painel, a saber, efeitos fixos ou randômicos. As estatísticas 2 para os modelos VV e DH foram de 1.747 (0,000), respectivamente, em favor dos modelos obtidos com efeitos fixos.

Verifica-se que os resultados aqui obtidos são muito similares àqueles obtidos por Bauer (2002) para a economia alemã, ou seja, o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores reduz significativamente os valores dos retornos sobre ORU e escolaridade. Observa-se que no caso da estimativa para a especificação DH nenhum dos parâmetros ORU são estatisticamente significativos. Já no caso da especificação VV observa-se que apenas o parâmetro para undereducation é significativo e apresenta sinal coerente com os fatos estilizados, embora seu retorno seja bem inferior ao obtido pelas estimativas cross section. Os retornos sobre a idade dos trabalhadores e o tempo de emprego são positivos, significativos e idênticos nas duas especificações.

Os resultados aqui apresentados corroboram o argumento de Bauer (2002), ou seja, os consideráveis retornos sobre ORU verificados na literatura são, em grande medida, resultantes do viés de variável omitida e, após o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores, tais prêmios são muito reduzidos ou, até mesmo, não significativos.

Embora os resultados aqui apresentados sejam muito similares aos obtidos por Bauer (2002) (mesmo considerando a grande diferença no período de tempo disponível para cada trabalho), sugere-se, mais uma vez, cautela na interpretação dos mesmos. Considerando a disponibilidade crescente de dados longitudinais para vários países, sugere-se ainda que futuras pesquisas venham contemplar de forma mais efetiva esta lacuna da literatura.

5. OVEREDUCATION COMO INVESTIMENTO?

Uma última questão a ser endereçada neste trabalho é: por que um trabalhador com um dado nível educacional estaria disposto a ser alocado em uma ocupação que requeira menores níveis de escolaridade?

Uma resposta plausível refere-se ao efeito do desemprego sobre o racionamento de postos de trabalho de melhor qualidade. As especificidades da amostra e da medida de educação requerida utilizadas neste trabalho não propiciam um teste adequado para tal hipótese. Porém, Groot e van den Brink (2000), através de um estudo de meta-análise, fornecem evidências dos efeitos da taxa de crescimento da força de trabalho sobre uma maior incidência de overeducation - a variável desemprego não foi significativa nestes testes.

Um segundo argumento refere-se às oportunidades de investimento na carreira destes trabalhadores: proponentes da teoria do capital humano argumentam que tais trabalhadores optariam deliberadamente por ocupações com menores requerimentos de escolaridade, uma vez que, tal situação proporcionaria a estes oportunidades de ascensão profissional acima da média.

A literatura empírica sobre este tema é muito incipiente e poucos trabalhos foram desenvolvidos com o objetivo de testar tal hipótese: Sicherman (1991), Robst (1995) e Groeneveld e Hartog (2004) fornecem evidências de que trabalhadores sobre-educados (sub-educados) apresentam maiores (menores) probabilidades de promoções do que trabalhadores com educação requerida; Buchel e Mertens (2000) analisam a taxa de crescimento dos salários ao invés das promoções - estes encontram evidências de que os trabalhadores sobre-educados (sub-educados) apresentam menor (maior) probabilidade de obtenção de crescimento médio de salários acima da média - o que contradiz a hipótese testada; Groeneveld e Hartog (2004) também utilizam a taxa de crescimento de salários como medida de retornos sobre investimentos em overeducation e encontram resultados completamente distintos daqueles fornecidos por Buchel e Mertens (2000), ou seja, trabalhadores sobre-educados apresentam maiores probabilidades de obtenção de retornos acima da média.

O objetivo desta seção é verificar se os trabalhadores sobre-educados da "empresa X" apresentam maior probabilidade de obtenção de retornos acima da média nos períodos 1996-1997, 1997-1998 e 1996-1998, ou seja, testamos a hipótese de futuros benefícios para a presente situação de sobre-educação.

Este trabalho, a exemplo de Groeneveld e Hartog (2004), testa a versão forte da teoria de investimentos, ou seja, utiliza-se uma variável dummy para a mensuração dos retornos acima da média. Na realidade, esta dummy recebe valor igual a um para os retornos que excedam a média mais um desvio padrão das taxas de crescimento dos salários da empresa no período t e t + 1 (o cálculo é obtido apenas para os trabalhadores que estejam presentes nos dois períodos da análise).

Seguindo a especificação padrão da literatura, utiliza-se a variável dummy acima mencionada (e aqui denominada de CRS) como variável dependente de um modelo logístico, as variáveis explicativas do modelo referem-se ao período base da análise. Utilizam-se duas especificações distintas para cada período analisado, sendo a primeira com a variável explicativa escolaridade e a segunda com a variável educação requerida. Em todos os modelos são utilizadas as variáveis overeducation e undereducation em anos, bem como suas interações com a variável idade dos trabalhadores.

Os resultados dos testes empíricos são reportados na tabela 6. Em todas as regressões a variável overeducation apresentou coeficientes positivos, superiores a um e estatisticamente significativos. Verifica-se na comparação das taxas de crescimento de salários entre 96 e 97 que todas as variáveis ORU + escolaridade apresentam coeficientes significativos, porém o coeficiente de overeducation sempre implicou em maiores probabilidades de retornos acima da média. Já nos períodos restantes, 1997-1998 e 1996-1998, apenas o coeficiente da variável overeducation apresentou significância estatística.

Outro ponto a mencionar é sobre os resultados da interação da variável idade com a variável overeducation: em todas as especificações/períodos esta interação apresentou coeficientes com sinais negativos e significativos. Este resultado é similar àqueles obtidos por Groeneveld e Hartog (2004), a saber: os retornos acima da média são mais prováveis entre os trabalhadores jovens e sobre-educados.

Os resultados acima mencionados corroboram a hipótese de que overeducation seja um investimento na carreira dos trabalhadores, principalmente entre aqueles mais jovens. Observou-se aqui que os trabalhadores nestas condições estão mais propensos a obter retornos acima da média que seus pares sub-educados e com educação compatível às suas funções. Tais resultados são muito similares aos obtidos por Groeneveld e Hartog (2004).

Verificou-se que trabalhadores sobre-educados em 1996 apresentaram maior probabilidade de obtenção de retornos acima da média nos anos de 1997 e 1998. Uma sugestão para futuros trabalhos na área é analisar a extensão de tais retornos para um maior período de tempo, ou seja, verificar até que ponto no tempo os investimentos em overeducation apresentam probabilidades de retornos acima da média.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidências sobre a incidência de overeducation, undereducation e retornos sobre ORU são amplamente disponíveis para vários países desenvolvidos em diferentes períodos de tempo. Uma segunda onda de trabalhos empíricos tem focado sobre questões ainda pouco exploradas nesta literatura: (1) Seriam os retornos sobre ORU um firm wage effect?; (2) Seriam os retornos sobre ORU ainda significativos após o controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores?; (3) Overeducation decorre de um investimento deliberado dos trabalhadores em suas carreiras? O objetivo deste trabalho foi fornecer algumas evidências para tais questões utilizando informações individuais de trabalhadores empregados em uma grande empresa industrial brasileira.

Este trabalho contribui para literatura ao fornecer as seguintes evidências:

1. Os resultados aqui apresentados reforçam os fatos estilizados da literatura de retornos sobre ORU e não corroboram os argumentos de que tais retornos perderiam significância após o controle de wage firm effect.

2. O controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores implicou em uma forte redução dos retornos sobre ORU e, na maioria das especificações, eliminou a significância estatística destes retornos.

3. Trabalhadores jovens e sobre-educados apresentam uma grande probabilidade de obtenção de retornos (taxa de crescimento de salários) acima da média quando comparados com seus pares sub-educados e com educação compatível às suas funções.

Mencionou-se neste trabalho a necessidade de que futuras pesquisas venham a explorar tais questões utilizando amostras longitudinais com maior disponibilidade de períodos de tempo. Tais trabalhos apresentariam maior robustez ao analisar o impacto do controle da heterogeneidade não observada dos trabalhadores sobre os retornos sobre ORU e verificariam até que ponto do tempo os investimentos em overeducation apresentam probabilidades de retornos acima da média.

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  • Incompatibilidade escolaridade-ocupação e salários: evidências de uma empresa industrial brasileira

    Luiz A. Esteves
  • 1
    Groot e van den Brink (2000) e Hartog (2000) fornecem uma ampla discussão dos resultados empíricos, fatos estilizados, teorias e metodologias econométricas utilizadas na literatura.
  • 2
    Todos os fatos estilizados aqui mencionados são também corroborados por trabalhos empíricos desenvolvidos para a economia brasileira. Santos (1995) utiliza especificações VV com dados da PNAD e Martins e Esteves (2007) utilizam as especificações VV e DH com dados RAIS e PNAD.
  • 3
    O Teste de Hausman foi utilizado para verificar a especificação correta dos modelos obtidos com dados de painel, a saber, efeitos fixos ou randômicos. As estatísticas 2 para os modelos VV e DH foram de 1.747 (0,000), respectivamente, em favor dos modelos obtidos com efeitos fixos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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