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Escolaridade dos pais, desempenho no mercado de trabalho e desigualdade de rendimentos

Resumos

O nível de educação dos pais está bastante associado ao desempenho dos filhos no mercado de trabalho no Brasil. Com isso, a estrutura educacional da família pode desempenhar um papel importante na determinação da elevada disparidade de rendimentos observada. Utilizando dados do suplemento sobre mobilidade social da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1996, este artigo analisa a relação entre a distribuição de rendimentos do trabalho no Brasil e a escolaridade dos pais dos trabalhadores. De acordo com os resultados, a estrutura educacional da família, através tanto da sua influência sobre o nível educacional dos trabalhadores como, em menor escala, sobre os retornos para a escolaridade, parece um importante determinante da desigualdade nos rendimentos do trabalho.

Escolaridade; Rendimentos; Desigualdade


Parents' education is highly associated with workers' performance in the Brazilian labor market. Then, family background may play a role in determining the astonishing level of income inequality in Brazil. Using data from the social mobility supplement of the 1996 PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), this paper investigates the relationship between labor earnings inequality and schooling of the parents of the workers. The results show that parental education, both through its influence on the educational level of the workers and on the returns to schooling, is related to the unequal distribution of labor earnings in Brazil, although the former channel seems to be much more important.


Escolaridade dos pais, desempenho no mercado de trabalho e desigualdade de rendimentos

Mauricio Cortez ReisI; Lauro RamosII

IInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Av. Presidente Antonio Carlos, 51 (1409), Rio de Janeiro, RJ, Brasil - 20020-010. E-mail: mauricio.reis@ipea.gov.br

IIInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada. E-mail: lauro.ramos@ipea.gov.br

RESUMO

O nível de educação dos pais está bastante associado ao desempenho dos filhos no mercado de trabalho no Brasil. Com isso, a estrutura educacional da família pode desempenhar um papel importante na determinação da elevada disparidade de rendimentos observada. Utilizando dados do suplemento sobre mobilidade social da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1996, este artigo analisa a relação entre a distribuição de rendimentos do trabalho no Brasil e a escolaridade dos pais dos trabalhadores. De acordo com os resultados, a estrutura educacional da família, através tanto da sua influência sobre o nível educacional dos trabalhadores como, em menor escala, sobre os retornos para a escolaridade, parece um importante determinante da desigualdade nos rendimentos do trabalho.

Palavras-chave: Escolaridade, Rendimentos, Desigualdade.

Códigos JEL: J31, J62.

ABSTRACT

Parents' education is highly associated with workers' performance in the Brazilian labor market. Then, family background may play a role in determining the astonishing level of income inequality in Brazil. Using data from the social mobility supplement of the 1996 PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), this paper investigates the relationship between labor earnings inequality and schooling of the parents of the workers. The results show that parental education, both through its influence on the educational level of the workers and on the returns to schooling, is related to the unequal distribution of labor earnings in Brazil, although the former channel seems to be much more important.

1. INTRODUÇÃO

Para cada nova geração que ingressa no mercado de trabalho brasileiro, o nível médio de escolaridade é normalmente bastante superior em relação aos pais desses mesmos indivíduos. Nota-se, no entanto, que a posição relativa na distribuição de escolaridade mostra um grau elevado de persistência entre gerações no Brasil . Trabalhadores com pais mais escolarizados têm um nível médio de escolaridade bem mais alto do que os indivíduos com pais pouco educados. Essa limitada mobilidade educacional em termos relativos, somada aos elevados retornos à escolaridade, contribui para que o grau de mobilidade dos rendimentos no mercado de trabalho brasileiro também seja bastante baixo, como mostram Ferreira e Veloso (2006) e Dunn (2007).

Schultz (1988) descreve várias maneiras através das quais a estrutura educacional da família pode afetar os rendimentos dos indivíduos no mercado de trabalho. Crianças com pais mais escolarizados teriam um ambiente domiciliar mais favorável à absorção de conhecimentos e, com isso, os custos de aprendizagem seriam reduzidos, assim como a eficiência desse aprendizado seria aumentada. Além disso, é possível que crianças com pais mais educados e, portanto, mais ricos, se beneficiem de maiores investimentos na quantidade e na qualidade da educação recebida. Outro canal através do qual se daria esse efeito está associado a capacidade de pais mais ricos e com mais escolaridade alocarem seus filhos em melhores empregos. Schultz (1988) destaca também que a relação entre rendimentos do trabalho e estrutura familiar pode estar relacionada à transmissão genética da capacidade produtiva de pais para filhos.

Barros et alii (2006) mostram que o ambiente familiar é um determinante importante do nível educacional dos indivíduos no Brasil. Os autores classificam os recursos familiares em dois tipos:

a) a renda familiar per capita

b) e o nível de escolaridade dos pais.

Os resultados estimados mostram que o segundo fator é mais importante do que o primeiro. Barros et alii (2006) oferecem várias possíveis interpretações para esse resultado. Uma explicação se baseia no fato de que a escolaridade dos pais está mais relacionada à renda permanente da família do que à renda per capita corrente e a educação é resultado de investimentos acumulados ao longo de vários anos. O efeito também poderia ser consequência da redução nos custos da educação através de um estoque de livros mais amplo e de melhor qualidade ou pela ajuda com as tarefas escolares, por exemplo. Os autores consideram ainda a possibilidade de pais mais educados investirem mais na educação dos filhos por terem prazer em vê-los mais escolarizados. Lam e Schoeni (1993), por sua vez, apresentam evidências de que o nível de educação dos pais no Brasil tem influência direta sobre os rendimentos dos filhos no mercado de trabalho, mesmo controlando para uma série de características sócio-demográficas desses últimos. Portanto, diferenças no nível educacional das famílias devem desempenhar um papel importante na determinação do elevado nível e na persistência da desigualdade de rendimentos que se observa no Brasil.1 1 Para uma análise sobre a distribuição de renda no Brasil, ver Barros et alii (2006).

Esse artigo tem como objetivo analisar a relação no Brasil entre distribuição de rendimentos do trabalho e estrutura educacional da família. Para isso, são utilizados dados do suplemento sobre mobilidade social da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1996, que inclui informações sobre os pais dos entrevistados. Diferenças nos rendimentos entre grupos de trabalhadores definidos a partir da estrutura educacional da família são aqui atribuídas a três termos: características dos indivíduos em cada um desses grupos, a maneira como estas características são remuneradas no mercado de trabalho e fatores não-observados. A partir dessa decomposição, são construídas as seguintes distribuições contrafactuais:

(i) mantendo a distribuição educacional constante e variando os coeficientes referentes à educação na equação de rendimentos, e

(ii) mantendo os coeficientes e alterando a distribuição educacional. Em seguida, são analisados os efeitos dessas simulações sobre a distribuição de rendimentos do trabalho, enfatizando o papel do ambiente familiar.2 2 Embora a educação dos pais possa influenciar os rendimentos dos filhos através de vários canais, não é possível identificar a contribuição de cada um desses fatores, mas apenas o efeito agregado.

De acordo com os resultados estimados, trabalhadores com pais menos escolarizados têm as suas características individuais pior remuneradas no mercado de trabalho do que indivíduos cujos pais alcançaram níveis mais elevados de educação, diferenças essas que têm impacto sobre a distribuição de rendimentos. Importância muito maior, todavia, parece ter a enorme desigualdade educacional entre pessoas com diferentes níveis de ambiente familiar. Dadas as hipóteses adotadas na análise empírica, os resultados aqui apresentados indicam que os rendimentos do trabalho seriam substancialmente aumentados e a desigualdade diminuiria bastante caso a distribuição de educação entre indivíduos com pais pouco escolarizados fosse a mesma dos trabalhadores cujos pais obtiveram mais anos de estudo. Deve-se ressaltar que uma mudança desse tipo corresponderia a uma variação significativa no nível educacional dos trabalhadores. Ainda assim, os rendimentos do trabalho no Brasil continuariam sendo distribuídos de maneira bastante desigual, de acordo com os resultados estimados.

Resultados para a contribuição da estrutura educacional das famílias na distribuição desigual de rendimentos no Brasil também podem ser encontrados em Bourguignon et alii (2007). Usando um modelo de micro-simulações e dados da PNAD de 1996, os autores calculam a contribuição da desigualdade de oportunidades, representada no trabalho pela escolaridade e a ocupação dos pais, raça e região de nascimento, para a desigualdade de rendimentos. De acordo com as evidências apresentadas nesse estudo, o efeito total dessas variáveis, tanto direto quanto através da escolaridade dos trabalhadores, corresponde a uma parcela entre 10% e 37% da desigualdade total. A escolaridade dos pais se mostra a mais importante dessas variáveis, representando entre 65% e 70% do efeito total das circunstâncias. Evidências para outros países também destacam o papel da desigualdade de oportunidades, normalmente medida pela escolaridade dos pais, para a desigualdade de renda. Lefranc et alii (2008) mostram que nos Estados Unidos e na Itália a desigualdade de renda elevada para os padrões dos países desenvolvidos é acompanhada por um nível também alto de desigualdade na escolaridade dos pais. Já na Suécia os dois tipos de desigualdade apresentam valores baixos. A Alemanha pode ser considerada uma exceção, pois a desigualdade na escolaridade dos pais é baixa e a desigualdade de renda relativamente mais alta, mas normalmente essas duas variáveis apresentam uma relação positiva.

Esse artigo é composto de quatro seções, além dessa Introdução. Na próxima seção, é apresentada uma análise descritiva dos dados a serem utilizados nos exercícios. A seguir, na Seção 3, são mostrados os resultados empíricos da estimação de equações de rendimentos que incluem a educação dos pais, enquanto na seção seguinte o ambiente familiar é relacionado à desigualdade de rendimentos no Brasil por intermédio de simulações contrafactuais. A Seção 5 contém as principais conclusões.

2 DADOS

A análise empírica utiliza dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1996. Nesse ano, a pesquisa inclui um suplemento especial com informações sobre as características dos pais dos indivíduos entrevistados. Com isso, é possível obter, além das variáveis relacionadas ao mercado de trabalho e às características individuais, o nível de instrução dos pais dos chefes de domicílio e dos cônjuges.3 3 O nível de escolaridade dos pais investigado na PNAD é referente ao período em que os entrevistados possuíam 15 anos, quando se espera que os seus pais já tenham concluído os estudos. Foram excluídas da análise as pessoas nas condições de filhos ou filhas, parentes, agregados e outros.4 4 Para os filhos(as), é possível obter a escolaridade dos pais, mas não com certeza, pois o cônjuge não necessariamente é o pai ou a mãe do indivíduo. Além disso, a escolaridade dos pais para essas pessoas se refere a um período diferente do investigado no suplemento e é calculada com base em perguntas também diferentes. Regressões de rendimentos que incluem observações para esses indivíduos nas condições de filhos ou filhas, no entanto, mostram resultados bastante semelhantes aos encontrados com a amostra utilizada neste estudo. A amostra é restrita aos indivíduos ocupados e com rendimentos do trabalho positivos, com idade entre 25 e 45 anos5 5 A idéia ao estabelecer esses limites etários é analisar indivíduos que muito provavelmente já completaram seu ciclo educacional (apenas 3% dos indivíduos na amostra ainda frequentavam a escola) e minimizar a heterogeneidade da informação sobre a educação dos pais, que diz respeito a períodos de tempo muito distintos. e que trabalharam 20 horas ou mais na semana de referência, de tal forma que, ao final, a amostra é composta por cerca de 40.000 observações.

A Tabela 1 apresenta a distribuição educacional dos indivíduos na amostra condicionada na escolaridade dos pais. Percebe-se claramente que o nível educacional é muito mais elevado para pessoas cujo pai ou a mãe alcançaram um nível de escolaridade mais alto. Trabalhadores com pais que não completaram o antigo primário (menos de 4 anos de estudo) apresentam 5,3 anos de escolaridade, em média. Nota-se que quase 35% dos indivíduos nesse grupo também possuem menos de 4 anos de escolaridade e apenas 3% têm curso superior completo. Para os trabalhadores cujos pais alcançaram entre 4 e 7 anos de estudo, a média de escolaridade é igual a 9,1 anos, com apenas 6,5% sem pelo menos o primário completo e 13,5% com curso superior. Já para os trabalhadores cujos pais alcançaram pelo menos 8 anos de estudo, a escolaridade média é de 12,3 anos. Apenas 1,5% das pessoas nesse grupo não conseguiram completar o primário, enquanto a proporção dos que obtiveram curso superior é de 41,3%. Embora a tendência seja de aumento no nível de educação dos filhos em relação aos pais, a Tabela 1 mostra claramente um elevado grau de persistência, em termos relativos, na distribuição de educação entre gerações no Brasil. Além disso, percebe-se pela Tabela 1 que as diferenças são muito pequenas dependendo se a educação do pai ou da mãe é usada como referência, indicando elevado grau de assortative mating.

A Figura 1 mostra os resultados de regressões não-paramétricas de densidades Kernel para os rendimentos do trabalho em cada um dos três grupos educacionais das mães, conforme a classificação acima.6 6 As densidades foram estimadas usando uma função de Epanechnikov. As janelas ( ĥ 0) são escolhidas de maneira a minizar o erro quadrático médio, de tal forma que ĥ 0 = 1,06min onde = estimador para o desvio-padrão dos rendimentos, = diferença interquartil dos rendimentos e n = número de observações. Nota-se claramente que quanto maior a escolaridade das mães, mais a distribuição se desloca para a direita, aumentando o rendimento médio, e que a desigualdade de rendimentos é elevada dentro de cada grupo.


Pela Tabela 2, que mostra as médias dos rendimentos do trabalho por escolaridade dos pais, fica claro que, comparando indivíduos com o mesmo grau de instrução, a média de rendimentos aumenta de acordo com o nível de educação dos pais, com exceção apenas dos trabalhadores com escolaridade entre 4 e 7 anos. Para trabalhadores com 15 anos ou mais de escolaridade, por exemplo, a diferença entre os rendimentos daqueles com pais que estudaram entre 4 e 7 anos em relação aos indivíduos cujos pais não chegaram a completar 4 anos de estudo é de 15%. Ainda para o mesmo grupo de escolaridade dos trabalhadores, comparando aqueles com pais que alcançaram pelo menos 8 anos completos com os indivíduos cujos pais estudaram 3 anos ou menos, a diferença entre os rendimentos é de 54%. A Tabela 2 também mostra que, condicionando no nível de educação dos indivíduos, os rendimentos geralmente aumentam com a escolaridade das mães. Diferenças nesse padrão são novamente encontradas para o grupo com escolaridade entre 4 e 7 anos.7 7 Nota-se que a média de rendimentos para o grupo com escolaridade entre 1 e 3 anos com mães que completaram pelo menos 8 anos de estudo é bastante elevada. Deve-se ressaltar, porém, que uma proporção muito pequena de indivíduos com pais ou mães mais escolarizados apresenta baixo nível educacional, como mostra a Tabela 1. Nesses casos, as médias dos rendimentos na Tabela 2 são calculadas usando um número muito pequeno de observações. Por exemplo, são encontrados apenas 26 indivíduos na amostra com menos de 1 ano de educação e cujas mães alcançaram pelo menos 8 anos de estudo, com três pessoas com rendimento maior ou igual a R$ 2.000. Para o grupo com escolaridade entre 1 e 3 anos com mães que alcançaram pelo menos 8 anos de estudo, o número de observações é igual a 51, sendo que um indivíduo reportou rendimento igual a R$ 15.000.

Portanto, a análise descritiva indica que o nível de escolaridade dos trabalhadores está bastante associado ao nível educacional alcançado por seus pais. Além disso, quando indivíduos com escolaridade semelhante são comparados, os rendimentos são, em geral, mais elevados para aqueles com pais mais educados.

3. RETORNOS À EDUCAÇÃO E ESCOLARIDADE DOS PAIS

Nesta seção,8 8 Usamos o termo "retornos à educação" para representar a diferença média nos rendimentos para cada ano adicional de estudo. Um cálculo mais correto dos "retornos à educação" deveria considerar os custos associados à escolaridade . Para uma aplicação desse tipo de abordagem para o Brasil, ver Moura (2008) e Barbosa Filho e Pessôa (2008). são apresentadas regressões de rendimentos que incluem entre as variáveis explicativas o nível de escolaridade dos pais. Consideramos nas estimações que a influência do nível educacional dos pais sobre o desempenho dos filhos no mercado de trabalho pode ser representado tanto por mudanças no intercepto, quanto por diferenças nos retornos à educação. Ou seja, um ano adicional de estudo pode ter um impacto diferente sobre os rendimentos do indivíduo dependendo do nível de escolaridade dos seus pais. O primeiro efeito é captado por variáveis dummy para a escolaridade dos pais, enquanto o segundo é representado por interações entre essas dummies e a escolaridade do trabalhador.

A especificação básica adotada nas estimações pode ser representada pela seguinte equação minceriana:

onde, ln wi é o logaritmo do rendimento do trabalho principal,9 9 Os resultados são semelhantes usando os rendimentos por hora trabalhada. Escoli representa os anos de escolaridade do indivíduo i, enquanto Escp1i é uma dummy que assume o valor 1 para trabalhadores cujo pai (ou a mãe) obteve entre 4 e 7 anos de estudo e zero caso contrário. A variável Escp2i é uma dummy que é igual a 1 para indivíduos cujo pai (ou a mãe) alcançou 8 anos ou mais de estudo e zero caso contrário. No vetor X, são incluídas as seguintes variáveis de controle: idade, idade ao quadrado, dummies para região, gênero e raça e uma dummy para pessoas residindo nas áreas urbanas. O termo ui é o erro da regressão.

As regressões são estimadas pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) usando dados da PNAD de 1996, e os resultados são apresentados na Tabela 3. Na coluna (1) é incluída apenas a educação, em anos de estudo, além das demais variáveis de controle no vetor X. O resultado com essa especificação indica que os rendimentos aumentam cerca de 12,6% (100*[exp(0,118) – 1]) para cada ano adicional de estudo.

Na coluna (2), são acrescentadas variáveis dummy para o nível de escolaridade do pai. Nesse caso, o coeficiente correspondente aos anos de escolaridade do indivíduo é reduzido em relação ao resultado da coluna (1), passando o efeito de 12,6% para 11,2% (100*[exp(0,106) – 1]). Indivíduos cujos pais alcançaram entre 4 e 7 anos de estudo recebem, em média, rendimentos 12,4% (100*[exp(0,117) – 1]) maiores do que os trabalhadores cujos pais não chegaram a completar 4 anos de estudo. Já para os indivíduos cuja escolaridade dos pais é de 8 anos ou mais, o diferencial de rendimentos em relação ao grupo com pais pouco escolarizados (menos de 4 anos) é de 42,2% (100*[exp(0,352) – 1]). Isso, controlando para todos os outros fatores incluídos na regressão, inclusive a escolaridade do próprio trabalhador.

Na coluna (3), são incluídas dummies para a escolaridade da mãe ao invés da escolaridade do pai. Os resultados estimados são bastante semelhantes aos encontrados na coluna (2). Uma pequena diferença que pode ser notada é que o impacto da escolaridade da mãe sobre os rendimentos é ligeiramente maior do que o apresentado pela escolaridade do pai, principalmente no caso das mães com escolaridade entre 4 e 7 anos de estudo.

Nas equações das colunas (4) e (5) são incluídas, além da escolaridade do indivíduo e de dummies para a escolaridade dos pais, interações entre essas variáveis. Na coluna (4) é utilizada a escolaridade do pai, enquanto a coluna (5) reporta os resultados usando a escolaridade da mãe. Os coeficientes correspondentes aos anos de estudo do indivíduo são praticamente iguais aos reportados nas colunas (2) e (3). Já os coeficientes associados às dummies para escolaridade do pai se reduzem substancialmente, com a dummy para pais mais escolarizados (com 8 anos de estudo ou mais) passando a apresentar efeito negativo.10 10 Na verdade isso deve ser interpretado como uma evidência a mais da importância das interações vis-à-vis o puro deslocamento associado às dummies. Os resultados das variáveis interativas, entretanto, mostram que para cada ano adicional de estudo os rendimentos aumentam substancialmente mais quando o trabalhador tem pais com um nível educacional mais elevado. Cada ano adicional de escolaridade faz com que os rendimentos de indivíduos cujos pais completaram entre 4 e 7 anos de estudo aumente 0,8% mais em relação aos ganhos de indivíduos com pais pouco escolarizados. Comparando trabalhadores com pais mais educados (8 anos ou mais de estudo) com indivíduos cujos pais alcançaram educação mais baixa (menos de 4 anos), cada ano de escolaridade leva a um aumento dos rendimentos para o primeiro grupo 4,4% superior em relação aos indivíduos do segundo grupo. Essas constatações são basicamente as mesmas usando tanto a escolaridade do pai quanto a escolaridade da mãe.

Na coluna (6), são incluídas dummies para escolaridade da mãe e do pai. Nota-se que os coeficientes são reduzidos em relação aos resultados das colunas (2) e (3), mas estatisticamente diferentes de zero para o nível de significância de 1% em todos os casos. Já na coluna (7), são também incluídas conjuntamente as interações entre a escolaridade do indivíduo e as dummies para a escolaridade do seu pai e da sua mãe. De acordo com os resultados, a dummy para pais com educação entre 4 e 7 anos é não-significativa, assim como a interação entre essa variável e a escolaridade do indivíduo. A dummy para mães com educação entre 4 e 7 anos é positiva e significativa, mas a interação dessa variável com a escolaridade do indivíduo não se mostra significativamente diferente de zero. A dummy para pais com pelo menos 8 de estudo é negativa, como na coluna (4), enquanto a dummy para mães com 8 anos de estudo ou mais não é significativamente diferente de zero. No entanto, as interações entre essas dummies e a escolaridade do indivíduo são ambas positivas e significativas.

Os resultados estimados, portanto, mostram que a estrutura familiar parece importante não apenas para determinar a educação dos filhos, mas possivelmente também tem influencia direta sobre os rendimentos desses no mercado de trabalho. Esse efeito também parece ser maior quanto mais elevado o nível de escolaridade dos filhos.

As regressões reportadas na Tabela 3 podem ser adequadas para captar as diferenças nos impactos do ambiente familiar sobre os retornos educacionais de uma forma fácil de ser interpretada, principalmente nas 6 primeiras colunas, na medida em que é imposta uma estrutura simples e a estimação é feita para a amostra como um todo. No entanto, duas críticas importantes podem ser feitas a essa abordagem. Em primeiro lugar, a relação entre o logaritmo dos rendimentos e os anos de escolaridade pode não ser linear.11 11 Lam e Schoeni (1993), Ramos e Vieira (1996) e Crespo e Reis (2009) mostram evidências de que os retornos à escolaridade no Brasil apresentam um grau elevado de não-linearidade. Além disso, a escolaridade dos pais pode influenciar os rendimentos dos filhos não apenas através de efeitos captados por diferenças no intercepto e pelas interações entre os níveis de escolaridade de pais e filhos, como também através de impactos diferenciados das demais variáveis sobre os rendimentos. Para considerar essas questões, são estimadas, separadamente para os três diferentes grupos de educação dos pais, equações de rendimentos usando dummies para cada ano de escolaridade do trabalhador, de maneira a conferir maior flexibilidade na estimação da relação entre essas variáveis. Nesse caso, as equações estimada podem ser representadas por:

onde, Escolh é uma variável dummy igual a 1 caso o indivíduo tenha h anos de escolaridade, e igual a zero caso contrário. O subscrito j se refere ao grupo educacional a que o indivíduo pertence, definido pelo nível de escolaridade dos seus pais.

Os resultados dessas estimações são mostrados na Tabela 4. Nota-se que o intercepto aumenta quando as regressões são estimadas para subamostras de trabalhadores com pais mais escolarizados. Para trabalhadores com pais pouco educados (com menos de 4 anos de estudos completos), a relação entre anos de escolaridade e rendimentos do trabalho é crescente a partir do primeiro ano de estudo. O mesmo não se verifica para aqueles cujos pais alcançaram níveis intermediários ou mais altos de escolaridade, já que muitas vezes as dummies que indicam poucos anos de estudo não são significativas em relação ao grupo de referência, composto por trabalhadores que não chegaram a completar 1 ano de estudo. A Tabela 4 mostra, entretanto, que as dummies de educação são todas significativas e geralmente crescentes a partir de 4 anos para os indivíduos cujos pais alcançaram entre 4 e 7 anos de escolaridade e a partir de 11 anos para aqueles com pais que completaram pelo menos 8 anos de estudos.12 12 Outro aspecto que chama a atenção é que os valores do R 2 na Tabela 4 são ligeiramente inferiores aos da Tabela 3. Isso reforça a importância da educação dos pais para as diferenças de rendimentos dos seus filhos.

4 ESTRUTURA EDUCACIONAL DA FAMÍLIA E DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS

Essa seção tem por objetivo avaliar a importância para a distribuição de rendimentos do trabalho de diferenças entre as características e os retornos associados a essas características, para grupos de indivíduos definidos pelo nível de educação dos seus pais. Em particular, pretende-se analisar o papel desempenhado pelas diferenças na escolaridade dos trabalhadores, seja em termos de distribuição, seja em termos dos retornos associados à educação.

4.1 Decomposições das diferenças entre os rendimentos por grupos de escolaridade dos pais

Nesta subseção são mostrados os resultados de decomposições das diferenças entre os rendimentos de trabalhadores cujos pais alcançaram pelo menos 8 anos de escolaridade em relação a trabalhadores cujos pais obtiveram entre 1 e 3 anos de estudo ou entre 4 e 7 anos. Seguindo a abordagem proposta por [], as diferenças nos rendimentos são decompostas em diferenças nas características observadas, nos retornos associados a essas características e em diferenças relacionadas a fatores não-observados.

O logaritmo dos rendimentos de um indivíduo em um determinado grupo definido pela escolaridade dos seus pais pode ser representado, em uma versão abreviada de (2), por: yis = Xisβs+ uis, onde s indica o grupo a que pertence o indivíduo i, Xis as suas características,13 13 As seguintes variáveis são usadas nesse trabalho: nível educacional, idade, gênero, raça do indivíduo, região de residência e uma dummy para residência em área urbana. βs o vetor de coeficientes associados a essas características e uis representa fatores não-observados. Sendo (●/Xis) a inversa da função distribuição acumulada do termo não-observado condicionado em Xis e θis indica o centésimo do trabalhador i na distribuição desse termo não-observado dentro do seu próprio grupo, podemos representar os rendimentos desse trabalhador por:

De acordo com essa equação, diferenças nos rendimentos entre os grupos de educação dos pais podem ser devidas a três termos:

(i) diferenças nas características,

(ii) diferenças nos coeficientes associados a essas características e

(iii) diferenças nos fatores não-observados.

Pode-se, então, construir distribuições contrafactuais dos rendimentos imputando características ou coeficientes de um grupo no outro.

Podemos definir o grupo s como sendo formado por indivíduos cujos pais alcançaram 8 ou mais anos de estudo e o grupo k como sendo composto por indivíduos cujos pais obtiveram níveis mais baixos de educação, menos de 4 anos, por exemplo. Dessa forma, se os coeficientes e os fatores não-observados fossem aqueles do grupo k, enquanto as características fossem as do grupo s, teríamos:

Se os coeficientes também fossem referentes ao grupo s ao invés do grupo k, os rendimentos seriam representados pela equação:

Alterando características, coeficientes e fatores não-observados, temos exatamente os rendimentos observados para o indivíduo i no grupo s:

Depois de estimados os parâmetros βs e βk nas equações de rendimentos para cada grupo definido a partir da escolaridade dos pais e usando informações sobre as características individuais dos trabalhadores, podem ser calculadas as distribuições contrafactuais . Com isso, podem ser obtidas as médias dos rendimentos para cada uma dessas distribuições ( no caso da distribuição ). Os efeitos relacionados às diferenças nas características entre os grupos s e k podem ser calculados pela seguinte equação: – . Esse termo representa quanto receberiam os indivíduos no grupo s em relação ao grupo k, na situação em que a única diferença entre os dois grupos fosse representada pelas características dos trabalhadores. Já a diferença associada aos coeficientes pode ser calculada através da equação: [ - ] - [ - ], que capta a diferença entre os dois grupos referente ao papel dos coeficientes das equações de rendimentos. Com relação à diferença nos fatores não-observados, pode-se obter esse valor através do seguinte cálculo: [ - ] - [ - ]. Esse tipo de decomposição também pode ser aplicado para alterações em cada um dos componentes que compõem as características individuais, representadas em Xi.

Essa decomposição é implementada com base nas regressões reportadas na Tabela 4, usando as mães como referência, e os resultados são apresentados na Tabela 5.14 14 Os resultados da Tabela 5 são obtidos definindo o grupo de trabalhadores cujas mães alcançaram 8 ou mais anos de estudo como referência. Evidências semelhantes são encontradas usando como referência o grupo de trabalhadores com mães que não completaram 4 anos de estudo. A diferença observada entre o logaritmo da média de rendimentos para indivíduos com mães mais escolarizadas e trabalhadores cujas mães não alcançaram 4 anos de estudo é igual a 1,19. De acordo com o resultado da decomposição, diferenças nas características entre indivíduos nos dois grupos são responsáveis pela variação em 0,80, enquanto 0,39 do hiato de rendimentos pode ser atribuído a diferenças nos coeficientes estimados. A parcela correspondente a diferença entre fatores não-observados é próxima de zero. Já a diferença observada entre o logaritmo dos rendimentos dos trabalhadores com mães mais escolarizadas e aqueles cujas mães completaram entre 4 e 7 anos de estudo é igual a 0,55. Nesse caso, a diferença de 0,43 é atribuída às características dos indivíduos nos dois grupos, enquanto as diferenças nos coeficientes são responsáveis por 0,12. Mais uma vez, a diferença nos fatores não-observados se mostra irrelevante.

Portanto, a maior parte do diferencial entre os rendimentos de grupos definidos pelo nível de escolaridade dos pais parece estar associado a diferenças nas características produtivas dos indivíduos que compõem cada um desses grupos. Esse fato pode ser verificado principalmente para os resultados reportados no painel B, que compara trabalhadores com pais mais escolarizados e trabalhadores cujos pais adquiriram um nível intermediário de educação (entre 4 e 7 anos). Diferenças entre os coeficientes apresentam uma importância menor. Ou seja, se os indivíduos com pais mais escolarizados tivessem as suas características remuneradas como os indivíduos com pais menos escolarizados a diferença entre os dois grupos diminuiria, mas não de forma acentuada.

A Tabela 6 apresenta as decomposições das diferenças nas características para cada uma das variáveis separadamente (educação, idade, gênero, raça, região e residência em área urbana). Nota-se que praticamente toda variação associada às características pode ser representada por diferenças no nível educacional de indivíduos com pais mais escolarizados em relação aos demais. Esse efeito é mais intenso quando são comparados indivíduos cujos pais alcançaram 8 anos de estudo ou mais e trabalhadores cujos pais não chegaram a completar 4 anos de estudo. De acordo com os resultados dessas decomposições, portanto, diferenças educacionais entre trabalhadores cujos pais alcançaram diferentes níveis educacionais parecem fundamentais para entender as disparidades de rendimentos observadas entre esses grupos, e plausivelmente a desigualdade total de rendimentos no mercado de trabalho brasileiro.

4.2 Simulações contrafactuais para a distribuição de rendimentos

Para analisar o papel da educação de trabalhadores com diferentes estruturas familiares na desigualdade de rendimentos são implementadas algumas simulações para os efeitos de mudanças na distribuição dos anos de estudo e nos retornos à escolaridade entre os três grupos definidos pela educação das mães.

A primeira coluna da Tabela 7 mostra a média e algumas medidas de desigualdade para a distribuição observada de rendimentos do trabalho. A média dos rendimentos do trabalho observados é igual a R$ 641, sendo de R$ 446 para aqueles cujas mães não alcançaram 4 anos de estudos, subindo para R$ 825 entre os indivíduos cujas mães completaram entre 4 e 7 anos de estudos, aumentando ainda mais, para R$ 1.446, entre os indivíduos com mães mais escolarizadas. O coeficiente de Gini igual a 0,55 mostra que a desigualdade de rendimentos é bastante elevada. O mesmo pode ser verificado para os índices de Theil. Além disso, decomposições do T de Theil e do L de Theil mostram que a desigualdade intra-grupos é bem maior do que a desigualdade entre grupos de escolaridade das mães.15 15 Mesmo classificando os trabalhadores em 10 grupos de escolaridade das mães, a desigualdade intra-grupos é igual a 0,47 no caso do T de Theil e igual a 0,45 no caso do L de Theil, correspondendo a maior parte da desigualdade total.

A primeira simulação, na coluna (2), consiste em imputar aos trabalhadores cujas mães completaram menos de 8 anos de escolaridade os coeficientes estimados para a educação dos trabalhadores com mães mais escolarizadas, conforme os resultados das regressões reportadas na Tabela 4. Os seja, trabalhadores pertencentes aos grupos com mães menos escolarizadas teriam as suas características remuneradas no mercado de trabalho da mesma maneira que os indivíduos cujas mães completaram pelo menos 8 anos de estudo. Para trabalhadores com mães pouco escolarizadas, por exemplo, os rendimentos na distribuição contrafactual são dados pelas características desses indivíduos, pelos coeficientes estimados na coluna (4) da Tabela 4 para todas as variáveis, exceto as dummies educacionais e o intercepto. Para essas variáveis, são usados os coeficientes estimados para os indivíduos com mães mais escolarizadas na coluna (6) da Tabela 4. Os resíduos nesse caso são correspondentes à regressão na coluna (4) da Tabela 4. O mesmo procedimento é adotado para trabalhadores cujas mães completaram entre 4 e 7 anos de estudo. Os resultados dessa simulação mostram que a alteração nos coeficientes da educação levaria a um aumento na média dos rendimentos em torno de 6%. Para os trabalhadores cujas mães não completaram 4 anos de estudo o aumento seria de 16%, enquanto aqueles cujas mães completaram entre 4 e 7 anos teriam uma redução de 5% nos rendimentos. As medidas de desigualdade diminuiriam, principalmente o L de Theil, que passaria de 0,554 para 0,520. A queda no T de Theil se daria pela redução da desigualdade entre grupos, enquanto para o L de Theil são verificadas diminuições na desigualdade intra e entre grupos.16 16 As distribuições de rendimentos para cada simulação, para cada grupo e para o conjunto deles, são apresentadas no anexo, sempre contrastadas com a original.

Na coluna (3), os coeficientes de todas as variáveis são mantidos fixos, enquanto a distribuição educacional dos trabalhadores cujas mães completaram níveis mais altos de educação é aplicada aos indivíduos nos demais grupos. Para isso, é definida a posição de cada indivíduo com mães pouco escolarizadas no centésimo da distribuição educacional desse grupo. Em seguida, a escolaridade de cada trabalhador é substituída pela escolaridade no mesmo centésimo da distribuição educacional de indivíduos com mães mais escolarizadas. O mesmo é feito para os indivíduos cujas mães completaram entre 4 e 7 anos de estudo, que passam a apresentar com isso a mesma distribuição educacional daqueles com mães mais escolarizadas. Os resultados, nesse caso, mostram que os rendimentos do trabalho aumentariam substancialmente, com uma variação próxima de 70% em relação à distribuição original. Para o grupo com mães pouco escolarizadas o aumento seria de 120%, enquanto para aqueles com mães que completaram entre 4 e 7 anos de estudo o aumento seria de 45%. A desigualdade também reduziria bastante, principalmente para o T de Theil que passaria de 0,574 para 0,460. A desigualdade entre grupos de educação das mães, praticamente desapareceria, assim como a desigualdade intra-grupos também seria bastante reduzida para ambos os índices de Theil. Esse resultado revela que as diferenças na distribuição de educação entre os três grupos são relativamente bem mais importantes que as diferenças nos retornos à escolaridade para explicar esse componente da desigualdade de rendimentos.

A coluna (4) mostra os resultados do exercício em que é adicionado um ano de estudo aos trabalhadores com mães pouco escolarizadas ou com escolaridade intermediária. A média dos rendimentos aumentaria em cerca de 10% nesse caso, mas a desigualdade permaneceria praticamente constante, sendo que a desigualdade entre-grupos diminuiria enquanto a desigualdade intra-grupos aumentaria. Os resultados dessa simulação mostram que, de uma forma até certo ponto surpreendente, avanços marginais na redução das disparidades educacionais podem gerar, pelo menos no curto prazo, retrocessos na desigualdade de rendimentos. Assim os efeitos distributivos positivos associados à redução das diferenças de escolaridade exigiriam avanços significativos no encurtamento dos hiatos ou, alternativamente, progressos não apenas quantitativos, mas também qualitativos. Adicionando 1 ano de educação apenas para os indivíduos com mães pouco escolarizadas, na coluna (5), a média dos rendimentos aumentaria em 6,5%. As reduções na desigualdade seriam pequenas e resultariam de uma queda na desigualdade entre grupos para os índices de Theil.

Os resultados considerando um acréscimo de 1 ano de educação para todos os trabalhadores são apresentados na coluna (6).17 17 Como mostra Barros et alii (2006), a escolaridade média no Brasil vem aumentado 1 ano a cada década. Nota-se que a média dos rendimentos aumentaria em 14%, sendo verificado um aumento de 18% para os trabalhadores cujas mães alcançaram pelo menos 8 anos de estudo. A desigualdade, porém, seria ainda maior, de acordo com essa simulação.

A coluna (7) apresenta os resultados para a simulação que imputa aos trabalhadores cujas mães alcançaram menos de 8 anos de estudos a mesma estrutura educacional e os mesmos retornos dos trabalhadores cujas mães completaram 8 anos ou mais de estudo. Nesse caso, a média dos rendimentos aumentaria em 82%. Para os indivíduos com mães pouco escolarizadas o aumento nos rendimentos seria de 152%, enquanto para aqueles cujas mães completaram entre 4 e 7 anos de estudo o aumento seria de 42%. A desigualdade também seria bem reduzida como resultado dessa simulação. O coeficiente de Gini passaria de 0,550 para 0,506 e as reduções nos índices de Theil seriam ainda maiores. O T de Theil diminuiria de 0,574 para 0,470 e o L de Theil passaria de 0,554 para 0,472, como resultado de uma queda acentuada na desigualdade entre os grupos que seria praticamente eliminada.

5 CONCLUSÕES

Evidências na literatura mostram que as diferenças educacionais, assim como nos rendimentos, apresentam um elevado grau de persistência de uma geração para outra no Brasil. Os resultados apresentados nesse artigo indicam que a estrutura educacional da família parece ter um papel importante nesse processo de transmissão da desigualdade de rendimentos entre gerações. Trabalhadores cujos pais ou mães alcançaram níveis mais altos de educação tendem a apresentar não apenas mais anos de estudo em média, como também os retornos à escolaridade são maiores do que para aqueles cujos pais ou mães adquiriram poucos anos de escolaridade.

De acordo com os resultados obtidos, a média dos rendimentos do trabalho seria um pouco maior se todos os trabalhadores possuíssem os mesmos retornos à escolaridade que aqueles com mães mais escolarizadas, enquanto a desigualdade de rendimentos diminuiria ligeiramente. Um aumento em 1 ano na média de educação dos trabalhadores com mães pouco escolarizadas provocaria aumentos um pouco maiores nos rendimentos do que no caso anterior, mas a desigualdade permaneceria praticamente a mesma. Já no caso em que a distribuição educacional dos trabalhadores cujas mães alcançaram níveis mais baixos de escolaridade fosse a mesma dos indivíduos com mães escolarizadas, os rendimentos aumentariam substancialmente e a queda na desigualdade seria acentuada, conforme os resultados estimados neste artigo.

As evidências sugerem, portanto, que melhorar a quantidade e a qualidade da educação adquirida pelos indivíduos cujos pais ou mães possuem baixos níveis de educação, que possuem uma probabilidade maior de pertencer aos estratos mais pobres da população, deve ser um importante instrumento para diminuir a desigualdade. Além disso, avanços marginais na redução das disparidades não necessariamente se traduzem em progressos distributivos, sendo desejável que ocorram em conjunto com progressos qualitativos. Uma parcela importante da desigualdade de rendimentos parece estar relacionada às disparidades no acesso à educação de boa qualidade, o que torna políticas voltadas para a redução na desigualdade de oportunidades vitais para alcançar melhoras distributivas.

BIBLIOGRAFIA

A. APÊNDICE: RESULTADOS PARA AS DISTRIBUIÇÕES DE RENDIMENTOS DO TRABALHO NAS SIMULAÇÕES CONTRAFACTUAIS

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  • 1
    Para uma análise sobre a distribuição de renda no Brasil, ver Barros et alii (2006).
  • 2
    Embora a educação dos pais possa influenciar os rendimentos dos filhos através de vários canais, não é possível identificar a contribuição de cada um desses fatores, mas apenas o efeito agregado.
  • 3
    O nível de escolaridade dos pais investigado na PNAD é referente ao período em que os entrevistados possuíam 15 anos, quando se espera que os seus pais já tenham concluído os estudos.
  • 4
    Para os filhos(as), é possível obter a escolaridade dos pais, mas não com certeza, pois o cônjuge não necessariamente é o pai ou a mãe do indivíduo. Além disso, a escolaridade dos pais para essas pessoas se refere a um período diferente do investigado no suplemento e é calculada com base em perguntas também diferentes. Regressões de rendimentos que incluem observações para esses indivíduos nas condições de filhos ou filhas, no entanto, mostram resultados bastante semelhantes aos encontrados com a amostra utilizada neste estudo.
  • 5
    A idéia ao estabelecer esses limites etários é analisar indivíduos que muito provavelmente já completaram seu ciclo educacional (apenas 3% dos indivíduos na amostra ainda frequentavam a escola) e minimizar a heterogeneidade da informação sobre a educação dos pais, que diz respeito a períodos de tempo muito distintos.
  • 6
    As densidades foram estimadas usando uma função de Epanechnikov. As janelas (
    ĥ
    0) são escolhidas de maneira a minizar o erro quadrático médio, de tal forma que
    ĥ
    0 = 1,06min
    onde
    = estimador para o desvio-padrão dos rendimentos,
    = diferença interquartil dos rendimentos e
    n = número de observações.
  • 7
    Nota-se que a média de rendimentos para o grupo com escolaridade entre 1 e 3 anos com mães que completaram pelo menos 8 anos de estudo é bastante elevada. Deve-se ressaltar, porém, que uma proporção muito pequena de indivíduos com pais ou mães mais escolarizados apresenta baixo nível educacional, como mostra a
    Tabela 1. Nesses casos, as médias dos rendimentos na
    Tabela 2 são calculadas usando um número muito pequeno de observações. Por exemplo, são encontrados apenas 26 indivíduos na amostra com menos de 1 ano de educação e cujas mães alcançaram pelo menos 8 anos de estudo, com três pessoas com rendimento maior ou igual a R$ 2.000. Para o grupo com escolaridade entre 1 e 3 anos com mães que alcançaram pelo menos 8 anos de estudo, o número de observações é igual a 51, sendo que um indivíduo reportou rendimento igual a R$ 15.000.
  • 8
    Usamos o termo "retornos à educação" para representar a diferença média nos rendimentos para cada ano adicional de estudo. Um cálculo mais correto dos "retornos à educação" deveria considerar os custos associados à escolaridade . Para uma aplicação desse tipo de abordagem para o Brasil, ver Moura (2008) e Barbosa Filho e Pessôa (2008).
  • 9
    Os resultados são semelhantes usando os rendimentos por hora trabalhada.
  • 10
    Na verdade isso deve ser interpretado como uma evidência a mais da importância das interações
    vis-à-vis o puro deslocamento associado às
    dummies.
  • 11
    Lam e Schoeni (1993), Ramos e Vieira (1996) e Crespo e Reis (2009) mostram evidências de que os retornos à escolaridade no Brasil apresentam um grau elevado de não-linearidade.
  • 12
    Outro aspecto que chama a atenção é que os valores do
    R
    2 na
    Tabela 4 são ligeiramente inferiores aos da
    Tabela 3. Isso reforça a importância da educação dos pais para as diferenças de rendimentos dos seus filhos.
  • 13
    As seguintes variáveis são usadas nesse trabalho: nível educacional, idade, gênero, raça do indivíduo, região de residência e uma
    dummy para residência em área urbana.
  • 14
    Os resultados da
    Tabela 5 são obtidos definindo o grupo de trabalhadores cujas mães alcançaram 8 ou mais anos de estudo como referência. Evidências semelhantes são encontradas usando como referência o grupo de trabalhadores com mães que não completaram 4 anos de estudo.
  • 15
    Mesmo classificando os trabalhadores em 10 grupos de escolaridade das mães, a desigualdade intra-grupos é igual a 0,47 no caso do
    T de Theil e igual a 0,45 no caso do
    L de Theil, correspondendo a maior parte da desigualdade total.
  • 16
    As distribuições de rendimentos para cada simulação, para cada grupo e para o conjunto deles, são apresentadas no anexo, sempre contrastadas com a original.
  • 17
    Como mostra Barros et alii (2006), a escolaridade média no Brasil vem aumentado 1 ano a cada década.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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