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Evolução da distribuição dos financiamentos do PRONAF entre as unidades da federação, no período de 1999 a 2009

Resumos

Com a pesquisa, buscou-se analisar a evolução da distribuição dos financiamentos do Pronaf entre as unidades da federação, na última década. De início, constatou-se melhoria na distribuição desses recursos. Porém, como essa tendência se reverteu ao final do período, a distribuição dos financiamentos permanece concentrada em poucos estados, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais. Observou-se ainda que essa distribuição não reflete totalmente a distribuição da agricultura familiar entre os estados. Esses recursos têm sido direcionados, principalmente, para estados com maior participação no valor produzido pela agricultura familiar.

Agricultura Familiar; Pronaf; Distribuição


The objective of this study is to analyze the distribution of the Proanf resources between the Federation Units, during the last decade. The results show that, initially, the distribution of these resources became less concentrated. However, this trend changed at the end of the period, and, currently, the Pronaf resources remains concentrated in a few states, mainly Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná and Minas Gerais. It was also observed that the distribution of the resources does not reflect, completely, the distribution of familiar agriculture between the states. These resources have been directed, mainly, to states whose participation in the value produced by familiar agriculture is high.


Evolução da distribuição dos financiamentos do PRONAF entre as unidades da federação, no período de 1999 a 2009

Paulo Marcelo de SouzaI; Marlon Gomes NeyII; Niraldo José PoncianoIII

IProfessor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Av. Alberto Lamego, 2000, Parque Califórnia, 28013-600, Campos dos Goytacazes-RJ. E-mail: pmsouza@uenf.br

IIProfessor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). E-mail: marlongomes@hotmail.com

IIIProfessor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). E-mail: ponciano@uenf.br

RESUMO

Com a pesquisa, buscou-se analisar a evolução da distribuição dos financiamentos do Pronaf entre as unidades da federação, na última década. De início, constatou-se melhoria na distribuição desses recursos. Porém, como essa tendência se reverteu ao final do período, a distribuição dos financiamentos permanece concentrada em poucos estados, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais. Observou-se ainda que essa distribuição não reflete totalmente a distribuição da agricultura familiar entre os estados. Esses recursos têm sido direcionados, principalmente, para estados com maior participação no valor produzido pela agricultura familiar.

Palavras-chave: Agricultura Familiar, Pronaf, Distribuição.

Códigos JEL: Q14, Q18.

ABSTRACT

The objective of this study is to analyze the distribution of the Proanf resources between the Federation Units, during the last decade. The results show that, initially, the distribution of these resources became less concentrated. However, this trend changed at the end of the period, and, currently, the Pronaf resources remains concentrated in a few states, mainly Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná and Minas Gerais. It was also observed that the distribution of the resources does not reflect, completely, the distribution of familiar agriculture between the states. These resources have been directed, mainly, to states whose participation in the value produced by familiar agriculture is high.

1. INTRODUÇÃO

Segundo informações do Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar responde por cerca de 38% (ou R$ 54,4 bilhões) do valor total produzido pela agropecuária brasileira. Avulta, além disso, a importância do pessoal ocupado nesse segmento, equivalente a cerca de 12,3 milhões de pessoas, ou a 74,4% do pessoal ocupado no total dos estabelecimentos agropecuários. Não obstante, tradicionalmente os instrumentos de política agrícola relegaram a um segundo plano a agricultura familiar. O principal desses instrumentos foi o crédito rural subsidiado que, no contexto da "modernização conservadora", direcionou-se para as regiões mais ricas, como sul e sudeste, para os grandes produtores e para os produtos de exportação.

Assim, pode-se dizer que até meados da década de noventa não existia nenhum tipo de política pública, com abrangência nacional, voltada ao atendimento das necessidades específicas dos agricultores familiares. A partir de então, passou a vigorar o Programa nacional de Fortalecimento da agricultura Familiar – Pronaf, criado em resposta a uma antiga reivindicação das organizações dos trabalhadores rurais.

Desde sua implementação, esse programa tem sido analisado em vários estudos, que enfatizaram limitações como a baixa abrangência, a desigualdade na distribuição regional dos recursos, a concentração dos financiamentos nos agricultores mais capitalizados, o modelo de agricultura estimulado via concessão de financiamentos, dentre outras.1 1 Por outro lado, a importância do programa também tem sido evidenciada (Mattei, 2006, Guanziroli, 2007), com impactos positivos na área plantada, no nível de investimento, no uso de tecnologia e na produtividade agrícola, bem como no emprego e na renda familiar. Com relação à distribuição regional dos financiamentos, foi constatado que os estados da região Sul captam maior volume de recursos (Mattei, 2005, Guanziroli, 2007). Essa região, segundo Martins et alii (2006) concentrava cerca de metade do volume de crédito do Pronaf, embora representando apenas 18% da área total cultivada da agricultura familiar. Isso ocorre apesar de os produtores familiares destes estados possuírem, em média, maiores receitas.

Partindo das análises que apontam desigualdade na distribuição de recursos do Pronaf, a pesquisa tem como objetivo analisar a evolução dessa distribuição, entre as unidades da federação, no período de 1999 a 2009. Adicionalmente, busca-se verificar em que medida essa desigualdade está associada às diferenças na representatividade das unidades da federação na agricultura familiar, seja no número de estabelecimentos, na área cultivada, no pessoal ocupado ou no valor da produção.

2. METODOLOGIA E FONTE DOS DADOS

A análise da distribuição da agricultura familiar e dos recursos do Pronaf entre as Unidades da Federação foi feita com o emprego de indicadores de concentração e de desigualdade: a razão de concentração, o índice T de Theil e o índice Gini. Segue-se uma breve descrição desses índices, baseada em Costa (1979) e Hoffmann (1991).

A razão de concentração é usualmente utilizada para determinar o grau de concentração de firmas no mercado. Nesse contexto, a participação das m maiores firmas num mercado formado por n firmas, ou a razão de concentração dessas m firmas (CRm), é dada por:

em que X representa a variável de interesse, e Pi a participação da i-ésima firma no total do mercado. Esse índice é calculado a partir de uma ordenação decrescente da variável estudada. Normalmente, considera-se a participação das quatro ou oito maiores firmas no mercado de determinado bem ou serviço (CR4 ou CR8), envolvendo aspectos como produção, vendas, etc.

O índice T de Theil é obtido a partir do conceito de entropia de uma distribuição. Supondo uma população de n pessoas, cada qual recebendo uma fração não negativa de uma variável yi(yi > 0; i = 1; ...; n), define-se como entropia dessa distribuição, H(y):

Como representa o inverso da desigualdade. Caso a desigualdade seja absoluta, (yj = 1 e yi = 0, para todo ij), o índice de entropia atinge o valor H(y) = 0, que representa o limite inferior deste índice. Em caso de perfeita igualdade (yi = 1/n, para i = 1, ..., n), tem-se H(y) = log n. Subtraindo-se deste último valor a entropia da distribuição, obtêm-se o índice T de Theil:

Esse índice assume os valores T = 0, em caso de distribuição perfeitamente igualitária, e T = logn, no caso de máxima desigualdade.

O índice de Gini da distribuição de determinada variável é estimado através de:

em que Xi é a percentagem acumulada da população até o estrato i; Xi–1 é a percentagem acumulada da população até o estrato anterior ao estrato i; Yi é a percentagem acumulada da variável de interesse até o estrato i; Yi–1 é a mesma percentagem acumulada até o estrato anterior ao estrato i;e n é o número de estratos de renda, área, valor da produção, etc.

As informações utilizadas para caracterizar a distribuição do crédito foram obtidas dos Anuários do Crédito Rural, anos de 1999 a 2009, do Banco Central do Brasil. Para caracterizar a distribuição da agricultura familiar, foram utilizadas informações do Censo Agropecuário da Agricultura Familiar, ano 2006, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-FIBGE.

3. RESULTADOS

3.1. Distribuição dos financiamentos entre as unidades da Federação

A Figura 1 foi construída mediante ordenamento, em ordem crescente, dos receptores de crédito do Programa. No que concerne às linhas custeio e investimento, para fins de comparação, a abscissa das figuras seguiu a mesma ordenação dada para a distribuição do crédito total. A partir da figura, pode-se notar que os maiores receptores do crédito do programa são Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Essa constatação é válida tanto para o total de recursos quanto para os recursos de custeio, que são fortemente concentrados nos quatro estados mencionados. Porém, verifica-se que há alguma diferença na linha investimento, cuja distribuição parece ser mais inclusiva, já que outros estados, além dos quatro antes mencionados, passam a receber maior fatia desses recursos.


A predominância da região sul na distribuição do Pronaf crédito tem sido constatada por alguns autores (Abramovay e Veiga, 1999, Nunes, 2007, dentre outros). Segundo essas análises, ela está associada ao peso econômico e às pressões políticas das agroindústrias dessa região sobre os órgãos responsáveis pela alocação dos recursos financeiros, à melhor organização de seus agricultores familiares, bem como à tradição de luta pelo crédito rural.

As mudanças ocorridas na distribuição dos recursos de custeio podem ser percebidas na Tabela 1. Observa-se que a distribuição do crédito de custeio pouco se alterou no período abordado, encerrando-o com índices de Gini e de Theil próximos aos do início da série. Houve melhoria na distribuição dos recursos destinados ao financiamento da pecuária, cujos índices de desigualdade reduziram na maior parte do período, voltando a se elevar após 2007. Já o custeio agrícola, além de mais concentrado do que o pecuário, tendeu a piorar sua distribuição no período, com exceção dos anos de 2002 e 2003.

Quanto aos recursos na linha investimento, sua distribuição é, conforme Tabela 2, menos concentrada do que a dos recursos para custeio. Qualquer que seja o índice considerado, os valores dessa linha são inferiores aos observados para a linha custeio. Até o ano de 2005, houve significativa redução nos índices de desigualdade da distribuição dos recursos de investimento entre as unidades da federação. Porém, nos anos seguintes, em particular entre 2007 e 2008, a distribuição desses recursos volta a se concentrar. Tal como observado em relação ao custeio, a desconcentração dos recursos para investimento na pecuária foi a principal responsável pela melhoria na distribuição do crédito para investimento, observada até 2005, uma vez que a distribuição dos recursos para investimento na atividade agrícola tendeu a se concentrar no período.

Em síntese, como pode ser constatado na Tabela 3, a distribuição dos recursos de custeio, em todo o período, mostra-se mais concentrada do que a dos recursos da linha investimento. Ademais, enquanto os índices relativos à distribuição dos recursos para custeio pouco se alteraram, os índices associados à distribuição dos recursos para investimento tiveram significativa redução, sobretudo até o ano de 2005.

Foi, portanto, a desconcentração na distribuição dos recursos para investimento até o ano de 2005, a principal responsável pela ocorrência de alguma melhoria na distribuição do crédito nesse período. Entretanto, esse movimento de melhoria na distribuição dos recursos para investimento não perdura no período posterior a 2005, revertendo-se significativamente entre 2007 e 2008. Assim, permanecem altos os índices de desigualdade da distribuição do crédito do Pronaf entre as unidades da federação, ainda que inferiores aos do início da série.

Na Tabela 4, pode-se observar o comportamento da razão de concentração da distribuição do crédito do Pronaf. Nota-se redução da participação dos quatro maiores tomadores de crédito do programa, até o ano de 2006. Essa participação, que se aproximava de 70% no início do período, passa, em 2006, a representar pouco mais da metade do montante de crédito. Porém, a partir de 2007, eleva-se novamente a participação dos quatro maiores tomadores, que encerra o período em situação próxima à observada no início da série.

A tendência inicial de redução da concentração deveu-se, sobretudo, à desconcentração ocorrida na linha investimento. Nota-se ainda que a distribuição dos recursos provenientes dessa linha, que passou por um período de concentração entre os anos de 2000 e 2002, desconcentrou-se a partir daí, voltando após 2006 a um movimento concentrador. A participação dos quatro maiores tomadores dessa linha, equivalente à metade dos recursos no início da série, reduziu-se a pouco menos de 40% em 2006. Porém, ao final do período esses quatro estados respondiam por 55, 65% do total dos recursos.

Já a distribuição dos recursos da linha custeio é significativamente mais concentrada. Essa concentração, que vinha se reduzindo, voltou a se elevar ao final do período, particularmente após o ano de 2006. No último ano da série, os quatro maiores receptores dessa linha de financiamento responderam por cerca de 74% de seus recursos.

Seja na linha de custeio, seja na de investimento, os recursos para a pecuária vêm exibindo distribuição menos concentrada do que os recursos para a atividade agrícola. Além de mais concentrada, a distribuição dos recursos para a atividade agrícola pouco se alterou na maior parte do período, concentrando-se significativamente a partir de 2006.

Portanto, houve inicialmente redução da desigualdade na distribuição dos financiamentos do Pronaf. Esse movimento deve estar associado às mudanças na legislação, introduzidas em resposta às críticas que questionavam o excesso de burocracia e o menor acesso aos recursos por parte dos agricultores mais pobres, que culminaram na ampliação do público do programa (Silva, 2006). Porém, a partir de 2007 a distribuição do crédito voltou a se concentrar. Embora questões conjunturais possam ajudar a explicar essa mudança, a hipótese mais provável é que ela já reflita alterações recentes na operacionalização do Pronaf. Em particular, ressalta-se a crescente inclusão no programa de agricultores mais capitalizados.

Como destacado por Bruno e Dias (2004), a criação do grupo D, em 1996, permitiu a inserção de produtores com dois trabalhadores assalariados, e com maior capacidade de oferecer garantias aos bancos. Por pressão das organizações dos trabalhadores rurais, se estabeleceu, em 1997, um limite de renda bruta para enquadramento de agricultores no Grupo D, fixado em R$ 27.500,00. Porém, como destacado por Aquino e Schneider (2010), esse limite, que perdurou até a safra 1999/2000, ampliou-se significativamente na safra 2003/2004, com a criação do então grupo E, atingindo R$ 110.000,00 na safra 2007/2008. Conforme os autores, isso "abriu as portas" do programa para agricultores mais capitalizados e com capacidade de oferecer garantias aos bancos, possibilitando-lhes, bem como às regiões em que são predominantes, absorver crescente fatia dos recursos, principalmente os de investimento.2 2 Mais do que isso, essas mudanças revelam a influência dos segmentos mais capitalizados da agricultura sobre a estruturação do desenho normativo do Pronaf crédito, como destacam os autores.

3.2. Distribuição da agricultura familiar entre as Unidades da Federação

Até aqui, concluiu-se que a distribuição do Pronaf crédito mantém-se concentrada. Em princípio tal concentração pode ser decorrente das diferenças entre estados no que diz respeito à importância da agricultura familiar. Uma tentativa de captar essas diferenças é feita na Figura 2, na qual, para fins de comparação, mantém-se na abscissa a mesma ordenação dos estados feita para a distribuição do crédito, realizada na Figura 1.


Fica evidente que, quer se considere como medida da importância da agricultura a participação dos estados no total de estabelecimentos familiares, na área total desses estabelecimentos ou no pessoal ocupado pelos mesmos, tais distribuições não apresentam a mesma desigualdade observada para os recursos concedidos pelo Programa. Ou seja, se os recursos encontram-se, em sua maior parte, concentrados nos estados da região Sul, além de Minas Gerais, tal concentração não decorre apenas da maior representatividade desses estados na agricultura familiar. A Bahia, por exemplo, que nos quesitos considerados responde por parcela significativa da agricultura familiar, não tem participação no crédito compatível com essa importância. Fato semelhante pode ser observado em relação a outros estados.

Considerando-se a participação dos estados no valor da produção familiar, verifica-se que o perfil dessa distribuição é semelhante ao da distribuição dos financiamentos. De fato, o valor da produção familiar concentra-se nos três estados da região Sul, assim como em Minas Gerais, tal como ocorre com a distribuição dos recursos. Os índices de desigualdade, exibidos na Tabela 5, permitem concluir que a distribuição da agricultura familiar, qualquer que seja o critério para caracterizá-la, tem indicadores de desigualdade e de concentração semelhantes, exceto quanto ao valor da produção, cuja distribuição é a mais desigual.

Portanto, qualquer que seja o critério utilizado, a distribuição do Pronaf crédito entre os estados tem sido mais concentrada do que é a distribuição da agricultura familiar entre esses estados. Enquanto o índice de Gini e de Theil da distribuição do crédito, em 2009, atingiram os valores de 0,643 e 0,777, respectivamente, esses mesmos índices, quando utilizados para caracterizar a distribuição do número de estabelecimentos, da área e do pessoal ocupado, ficaram na faixa de 0,300 a 0,500. Mesmo considerando os índices da distribuição do valor da produção entre as unidades da federação, suas estimativas (0,572 e 564, para índices de Gini e Theil, respectivamente) são inferiores aos da distribuição do crédito.

No custeio a discrepância é maior, pois os índices de Gini e de Theil de sua distribuição atingiram, em 2009, valores de 0,731 e 1,058, respectivamente (0,766 e 1,199, no custeio agrícola), que são mais elevados do que os índices relativos à distribuição da agricultura familiar entre os estados. Mesmo a distribuição do investimento, cujos indicadores de desigualdade são mais baixos, não reflete a participação das distintas unidades da federação na agricultura familiar. Nesse caso, a distribuição dos recursos em 2009, com índices de 0,573 (Gini) e 0,586 (Theil), segue mais de perto apenas a distribuição do valor da produção da agricultura familiar entre as unidades da federação. Somente a distribuição dos recursos de investimento na pecuária apresenta índices (0,492, para o índice de Gini, e 0,414 para o índice de Theil) compatíveis com a distribuição da agricultura familiar nos estados.

Os quatro estados mais representativos respondem por aproximadamente 40% da área, dos estabelecimentos e do pessoal ocupado da agricultura familiar, e por cerca de 50% do valor de sua produção. Mesmo que fossem considerados os oito mais representativos, estes ainda responderiam apenas por 60-65% da agricultura familiar, nos critérios de área, estabelecimentos e pessoal ocupado. No entanto, os quatro maiores tomadores receberam, em 2009, cerca de 64% do crédito total e 74% do crédito para custeio (79% do agrícola e do 64% pecuário). Somente na linha investimento, sobretudo na atividade pecuária, há maior consonância entre a distribuição dos recursos e a representatividade dos estados na agricultura familiar, quando se consideram os critérios área, estabelecimentos e do pessoal ocupado.

Do que foi visto, pode-se concluir que a distribuição do Pronaf crédito entre os estados não tem refletido, necessariamente, a importância desses estados quanto à agricultura familiar, principalmente quando esta importância é medida pelos critérios área, número de estabelecimentos e pessoal ocupado. Por outro lado, há indícios de que a distribuição dos recursos, sobretudo os de custeio, tem sido orientada no sentido de atender aos estados com maior participação no valor da produção familiar. Isso pode ser inferido a partir da Tabela 6, que exibe os coeficientes de correlação entre a participação dos estados nas linhas de crédito e suas participações na agricultura familiar. Nela, observa-se que a participação dos estados no valor total dos financiamentos exibe maior coeficiente de correlação com a participação dos mesmos no valor da produção familiar, ainda que os coeficientes relativos às demais características da agricultura familiar sejam também significativos.

Essa correlação elevada entre a participação nos recursos e a participação no valor da produção só não ocorre no financiamento da pecuária, em particular na linha investimento. A participação dos estados nos recursos para investimento na pecuária, contrariamente às demais linhas de financiamento, está fortemente associada com a participação destes estados no total de estabelecimentos, da área e do pessoal ocupado na agricultura familiar.

4. CONCLUSÕES

Uma das críticas recorrentes sobre a operacionalização do Pronaf é a concentração dos financiamentos concedidos, que privilegiam especialmente o Sul do país. Os resultados da pesquisa permitiram observar, até o ano de 2006, tendência de desconcentração na distribuição do crédito entre as unidades da federação. Para isso contribuiu a melhoria na distribuição dos recursos para investimento, em especial na pecuária.

Porém, nos anos seguintes a distribuição do crédito voltou a se concentrar, em resultado, principalmente, da piora na distribuição dos recursos de investimento, ocorrida nos anos de 2007 e 2008. Ao final do período, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina continuam tomando a parte dos financiamentos. Embora uma análise mais aprofundada das razões para tal mudança fuja ao escopo deste texto, a hipótese mais provável é a de que o aumento do limite da renda bruta anual, para fins de enquadramento de agricultores no programa, vem facultando aos agricultores mais capitalizados, e também às regiões que os concentram, a apropriação de parcela crescente dos recursos.

Sabe-se que agricultura familiar não é uniformemente distribuída entre as regiões e, desse modo, parte da desigualdade observada na distribuição do crédito poderia, em princípio, estar associada a essa desuniformidade. Porém, a pesquisa permitiu concluir que a distribuição do Pronaf crédito entre estados não espelha a importância da agricultura familiar nesses estados, considerando-se os critérios área, número de estabelecimentos e pessoal ocupado. Conforme os resultados, a distribuição dos financiamentos, sobretudo os de custeio, vem privilegiando os estados com maior participação no valor da produção familiar.

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  • 1
    Por outro lado, a importância do programa também tem sido evidenciada (Mattei, 2006, Guanziroli, 2007), com impactos positivos na área plantada, no nível de investimento, no uso de tecnologia e na produtividade agrícola, bem como no emprego e na renda familiar.
  • 2
    Mais do que isso, essas mudanças revelam a influência dos segmentos mais capitalizados da agricultura sobre a estruturação do desenho normativo do Pronaf crédito, como destacam os autores.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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