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Corrupção Municipal e Efeitos do Alinhamento Político com o Governo Federal nas Eleições e nas Condenações* * As opiniões expressas neste estudo são de responsabilidade exclusiva do autor, não expressando necessariamente a posição do TCU. Quaisquer erros ou omissões são de responsabilidade exclusiva do autor.

Resumos

O presente trabalho se propõe a investigar se a posição partidária do chefe do executivo municipal teria alguma influência na probabilidade de condenação em um processo motivado por desvios de recursos públicos. Foram utilizados dados relativos aos 851 municípios de Minas Gerais, entre os anos de 2000 a 2008. As informações foram obtidas a partir de diversas fontes oficiais e públicas, a exemplo dos tribunais de justiça, ministério público e tribunais de contas. Para estimativa dos modelos, foram utilizados o Modelo de Probabilidade Linear (MPL), o Probit e o Logit.

Palavras-chave:
Corrupção; Eleições Municipais; Auditoria


This paper intends to investigate whether the partisan position of mayor would have some influence on the probability of conviction in a process driven by diversion of public funds. Have been used data concerning to the 851 districts of Minas Gerais between 2000 and 2008. The information on convictions mayors were obtained by the author through several official and public sources, like the courts, public prosecution and courts of accounts. To estimate the models, we used the Linear Probability Model (MPL), Probit and Logit.


1. INTRODUÇÃO

A motivação do presente trabalho surgiu a partir de notícias do judiciário que informavam sobre a condenação de ex-prefeitos do norte de Minas Gerais. Naquela situação específica, tratava-se de cidades localizadas em região de extrema pobreza, com os piores indicadores de desenvolvimento do país.

Os ex-prefeitos foram condenados em razão de desvios de recursos que tinham por finalidade amenizar a situação de miséria vivida por aquelas comunidades. Os recursos desviados eram destinados às áreas de saúde e educação.

A partir desta situação, procurou-se investigar quais seriam as variáveis estruturais relativas ao município e às características dos gestores que estariam relacionadas a ocorrências de irregularidades e, de alguma forma, poderiam explicar o fenômeno.

De maneira mais específica, procura-se investigar se a filiação partidária do chefe do executivo municipal teria alguma relevância neste contexto. Ademais, em caso de investigação em razão de desvios de recursos públicos, caberia avaliar se haveria alguma diferença de tratamento entre prefeitos de posição ou oposição.

Dito de outro modo, o objetivo seria investigar os possíveis efeitos do alinhamento do prefeito com o partido de situação em um processo de investigação promovido por autoridades administrativas ou judiciais. Ou, alternativamente, sob outro ponto de vista, investigar se esta afinidade partidária reduziria as possibilidades do gestor vir a ser investigado ou condenado em processo decorrente de procedimento de auditoria ou denúncia.

A questão basilar a ser respondida seria, portanto, avaliar se o alinhamento político entre o prefeito do município e o partido do Presidente da República teria algum efeito na freqüência de ocorrências relativas a irregularidades e desvios de recursos públicos.

Tal verificação mostra-se válida por diversas razões. Ressalta-se que o governante poderá utilizar mecanismos para fragilizar a oposição e manter-se no poder. De igual modo, sobram incentivos para proteger os prefeitos alinhados politicamente com o governo central.

Esta afirmativa torna-se ainda mais válida considerando o atual contexto político da América Latina onde, após anos de domínio de partidos de orientação de esquerda, percebe-se uma nítida intenção destes grupos de manutenção no poder. O exemplo mais emblemático desta situação é representado pela Venezuela, sob a orientação político-ideológica do denominado bolivarianismo.

Alguns destes incentivos, conforme apontados na literatura, se materializam por meio das transferências voluntárias do governo central que, ao decidir pela distribuição dos recursos, privilegiam os aliados.

Com relação ao resultado dos trabalhos efetuados pela Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de controle interno do Governo Federal, realiza-se breve avaliação quanto à possibilidade dos resultados das auditorias serem utilizadas intensivamente pelos candidatos durante a disputa eleitoral.

Ainda sobre os trabalhos da CGU, verifica-se que a possibilidade da seleção dos municípios a serem auditados possuir algum viés não pode ser descartada. Apesar do método mais conhecido de seleção basear-se em sorteio público, grande parte dos trabalhos do órgão de controle é realizado independentemente de sorteios, o que não afasta, portanto, a possibilidade de seleção e direcionamento das auditorias.

A este propósito, há diversas notícias de partidos de oposição que relatam suposta perseguição política por parte da CGU. Curioso que tal argumento dificilmente é utilizado ao tratarmos, por exemplo, de fiscalizações realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), órgão do Poder Legislativo e que, em tese, possui uma maior autonomia funcional.

Ao examinar questões marginais, o presente trabalho confirma constatações importantes presentes em outros trabalhos, com destaque para a menor probabilidade de reeleição para aqueles prefeitos envolvidos em casos de corrupção bem como em relação aos efeitos negativos da corrupção sobre a economia local.

Examina-se também a atuação do poder legislativo municipal, responsável pelo controle externo dos atos praticados pelo chefe do poder executivo. Ao exercer tal atribuição, a câmara de vereadores exerce papel decisivo na vida política do município.

No exercício deste poder, espera-se que o poder legislativo atue de maneira independente e imparcial. A possibilidade de captura do legislativo pelo poder executivo é uma variável que será examinada no presente trabalho. Com esse propósito, o presente trabalho está organizado conforme descrito a seguir. A segunda seção apresenta uma revisão da literatura acerca do fenômeno da corrupção visto sob o enfoque da economia.

São apresentadas as principais definições do problema e seus efeitos nas economias. Em particular, é feita uma breve investigação de um dos efeitos mais perversos do fenômeno: a relação perniciosa entre corrupção e pobreza.

Ainda na seção 2, sob o enfoque da Teoria dos Jogos, é apresentado um modelo matemático com o objetivo de avaliar a estrutura de decisão (pay-off) do agente (prefeito) quando se depara com a possibilidade de desviar ou não recursos.

A seção 3 apresenta a estratégia empírica adotada. Conforme será apresentado, foram utilizados dados relativos a 851 municípios mineiros entre os anos de 2000 a 2008. A investigação abrange, portanto, três eleições municipais.

O modelo utilizado para avaliar os efeitos das diversas variáveis de interesse foi o probit. Em relação ao modelo de probabilidade linear, apresenta a vantagem de avaliar de maneira mais precisa os efeitos marginais das variáveis de controle. Adicionalmente, são apresentados também os possíveis efeitos das variáveis de interesse sobre a possibilidade de reeleição dos incumbentes.

As seções 4 e 5 apresentam o exame dos resultados obtidos a partir dos modelos estimados.

Com relação à base de dados utilizada neste trabalho, esta foi elaborada pelo autor e possui características que a distinguem de trabalhos similares da literatura.

Constata-se que a maioria absoluta dos trabalhos sobre corrupção municipal se vale dos resultados da base de dados da CGU oriunda, principalmente, dos sorteios públicos. O principal problema ao utilizar esta base de dados consiste no fato de as irregularidades apontadas pela CGU não se referirem, exclusivamente, a desvios de recursos públicos.

Como diferencial, este trabalho utiliza base de dados que se refere a condenações efetivas decorrentes de processos judiciais ou administrativos, quando decorrente de tomada de contas especial julgada pelos tribunais de contas.

A principal diferença desta escolha consiste em tratarmos de condenações ocorridas após o devido processo legal. No caso das auditorias da CGU, o desfecho do processo é desconhecido. Deste modo, uma irregularidade apontada pelos auditores poderá ser desconstituída quando os gestores tiverem a oportunidade de apresentação de suas alegações de defesa.

Por estas razões, espera-se que o presente trabalho, ao utilizar de metodologia distinta da usual, contribua de alguma forma à literatura que trata da análise das causas e conseqüências da corrupção municipal no Brasil.

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1. Corrupção, desenvolvimento e pobreza

Diversos estudos indicaram o efeito pernicioso entre corrupção e desenvolvimento e suas implicações nos indicadores sociais. Mauro (1995)Mauro, P. (1995). Corruption and growth. The Quarterly Journal of Economics, 110(3), 681-712. doi: 10.2307/2946696
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mostrou que se o nível de corrupção em Bangladesh fosse idêntico ao de Cingapura a taxa de crescimento anual da economia seria 1,8 ponto percentual mais alta, o que resultaria em um aumento de 50% na renda per capita daquele país.

A corrupção afeta o crescimento econômico de diversas formas. Dentre outros aspectos, é possível citar:

  1. Criação de incentivos à economia informal em razão da estrutura burocrática criada para extração de renda, o que promove um crescimento do setor empresarial de modo distorcido;

  2. Baixos níveis de investimentos domésticos e estrangeiros;

  3. Gastos públicos e investimentos desviados para fins espúrios;

  4. Exagerada centralização das decisões governamentais;

  5. Captação da estrutura do estado por uma elite que, deste modo, consegue direcionar os gastos e investimentos públicos para satisfação de interesses restritos.

Os efeitos perversos do fenômeno da corrupção sobre os mais pobres decorrem, principalmente, da redução drástica dos investimentos em áreas essenciais como saneamento, saúde e educação.

Em estados corruptos, ocorrem desvios de investimentos em infraestrutura e serviços sociais, o que reduz as possibilidades das pessoas escaparem do nível de pobreza.

Gupta, Davoodi & Alonso-Terme (2002)Gupta, S., Davoodi, H. & Alonso-Terme, R. (2002). Does corruption affect income inequality and poverty? Economics of Governance, 3(1), 23-45. doi: 10.1007/s101010100039
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mostraram que a corrupção aumenta a desigualdade de renda e os índices de pobreza em razão da menor taxa de crescimento, da regressividade dos impostos, baixo efetividade dos programas sociais e acesso desigual a educação.

Verifica-se também um efeito perverso que atinge as camadas sociais mais baixas da população: aumento da mortalidade infantil e redução da expectativa de vida (Kaufmann, Kraay & Zoido-Lobatón, 1999Kaufmann, D., Kraay, A. & Zoido-Lobatón, P. (1999). Governance matters (Policy Research Working Paper No 2196). Washington, D. C.: The World Bank and World Bank Institute. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/en/665731468739470954/Governance-matters
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).

De acordo com estudos do Banco Mundial, a corrupção pode atuar como imposto regressivo Thomas et al. (2000)Thomas, V., Dailimi, M., Dhareshwar, A., Kaufmann, D., Kishor, N., Lopez, R. & Wang, Y. (2000). The quality of growth. Washington, D.C.: Oxford University Press (Published for the World Bank). Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/en/756531468780293668/The-quality-of-growth
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. Cita-se o exemplo do Equador onde famílias pobres chegam a despender, em relação às famílias mais ricas, até três vezes mais em propinas com parte de sua renda para obter acesso aos serviços públicos.

De modo similar, estudo realizado no final dos anos 1990 (World Bank, 2000World Bank. (2000). Bolivia, Ecuador, and Paraguay governance and anticorruption empirical diagnostic studies. Washington, D.C..), mostrou que os funcionários públicos na América Latina possuem como características principais o envolvimento em atos corruptos e a ausência de meritocracia como critério para ocupação da função, além de discriminar os pobres por meio da limitação aos serviços públicos básicos.

Em contraste, verificou-se que naqueles órgãos com menores índices de corrupção e critérios de meritocracia estabelecidos, o acesso aos serviços básicos pelas camadas mais pobres era nitidamente superior.

Os mecanismos por meio dos quais os governos afetam a pobreza são vários e complexos e ainda não totalmente compreendidos. A Tabela 1 sugere alguns dos mecanismos por meio dos quais o fenômeno da corrupção, presente nos governos, funciona como mecanismo de disseminação e manutenção da pobreza.

Tabela 1
Matriz-Síntese: corrupção e pobreza, causas e conseqüências.

2.2. Corrupção sob o enfoque da Teoria dos Jogos

Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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apresentam um modelo matemático com o objetivo de avaliar a estrutura de decisão (pay-off) do prefeito quando se depara com a possibilidade de desviar ou não recursos.

O modelo apresentado parte da consideração que o gestor municipal monopolista recebe um salário w (maior que o salário de reserva, suposto igual a w0) e tem a incumbência de intermediar a transferência de uma renda M do governo federal para os cidadãos municipais, podendo desviar recursos e reter uma parcela Md para si.

Admite-se que a probabilidade de o governo federal investigar os municípios será dada pela função de distribuição acumulada φ(Md/M), onde φ > 0. Observe que, quanto maior o montante de recursos desviados, maior será a probabilidade de investigação. Tal hipótese é bastante razoável uma vez que, nesta situação, maior será o nível de descontentamento da população com o gestor, o que acarretaria maiores chances de auditoria ou investigações na prefeitura municipal em razão de denúncias ou outros mecanismos.

Ocorrendo a fiscalização do município, detectadas irregularidades e, conseqüentemente, a condenação do gestor por desvios, este será obrigado a reparar as perdas ao erário público, o que inclui a obrigação de efetuar o pagamento de uma multa proporcional ao valor desviado ρMd, onde ρ > 0.1 * As opiniões expressas neste estudo são de responsabilidade exclusiva do autor, não expressando necessariamente a posição do TCU. Quaisquer erros ou omissões são de responsabilidade exclusiva do autor.

Supondo gestor avesso ao risco, a sua estratégia consistirá em maximizar uma função de utilidade U que represente os benefícios esperados do desvio e os custos associados a esta atividade:2 1 De acordo com a Lei 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União), em caso de débito, o valor da multa será, de no máximo, 100% do valor desviado. É o teor do Art. 57: "Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao Erário."

max 𝔼 U = max 1 φ M d M U M d + w + φ M d M U w 0 ρ M d .

A condição de primeira ordem do problema (CPO) será

U M d + w 1 φ M d M = φ M d M 1 M U M d + w U w 0 ρ M d + φ M d M U w 0 ρ M d ρ .

Ou seja, o indivíduo irá desviar recursos até o ponto em que o benefício esperado de um aumento marginal do desvio seja igual ao custo esperado desse mesmo aumento. O lado esquerdo da equação mostra o ganho de utilidade do indivíduo com um aumento da quantidade de recursos desviados do fundo público. O termo [l - φ(Md/M)] no lado esquerdo representa a probabilidade do indivíduo auferir o ganho ou, de outra forma, a probabilidade de não ser apanhado na prática ilícita. Os custos esperados pelo aumento dos desvios estão representados do lado direito da equação. Ele mostra que o custo esperado de um aumento marginal da corrupção se dá, principalmente, através do aumento da probabilidade de ser fiscalizado e pelo aumento do tamanho da punição aplicada (ρMd).

Considerando Md = 𝑓(w,w0,M,ρ), Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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demonstram que ∂Md/∂w ≤ 0 e ∂Md/∂ρ ≤ 0.

Ou seja, os sinais encontrados indicam que a quantidade de recursos desviados (Md) é negativamente correlacionada com os salários dos gestores e com a magnitude da punição imposta. É um resultado que confirma a constatação já exposta na seção anterior.

Uma última questão estaria relacionada à determinação do sinal de ∂Md/∂M, ou seja, haveria uma relação entre o montante de recursos transferidos aos municípios e a parcela desviada?

Para responder esta questão, Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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adicionam ao modelo as hipóteses adicionais relativas à função de utilidade do gestor avesso ao risco e à função de probabilidade de risco de investigação:

(1) U y = y 1 θ 1 θ e φ M d M = α M d M ,

onde θ é o coeficiente de aversão relativa ao risco e α ∈ [0,1] é um parâmetro que representa esforço do governo federal para fiscalizar as transferências. Este coeficiente pode representar a capacidade operacional do governo em levar a efeito as investigações ou ainda a disposição relativa em procedê-las, ainda que haja um grande número de denúncias.

Com a introdução destas premissas, Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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mostram que o sinal de ∂Md/∂M é positivo, ou seja, há um incremento nos valores desviados quando o montante de recursos é maior. Portanto, os prefeitos tendem a desviar uma quantidade maior de recursos quando se deparam com transferências mais volumosas.

Esta última constatação está de acordo com as conclusões de Brollo (2010)Brollo, F. (2010). Who is punishing corrupt politicians. Voters or the central government? Evidence from the Brazilian anti-corruption program (Working Paper No 336). Milano, It: IGIER, Università Bocconi. Disponível em: http://www.igier.unibocconi.it/folder.php?vedi=4226&tbn=albero
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. Segundo aqueles autores, um incremento nas transferências do governo federal em 10% aumentaria a incidência de corrupção, em sentido amplo, em cerca de 4,7 pontos percentuais (pp) enquanto que, considerando apenas situações definidas em um sentido mais estrito com relação à gravidade, o aumento resultante seria de 7,3pp.

No âmbito deste trabalho, tentaremos mostrar que existe uma diferença significativa entre α relativo a gestores alinhados com o governo federal e um outro fator que seria aplicado àqueles gestores de partidos de oposição.

Diferente do trabalho citado, que se baseou exclusivamente em banco de dados construído pela CGU, a presente dissertação valeu-se de base de dados própria onde a ocorrência de condenação do gestor corrupto foi comprovada pela justiça ou pelos tribunais de contas.

Com relação à função de distribuição que representa a possibilidade de condenação φ, este trabalho utiliza modelo similar representado pela função probit.

No que se refere à constante α, uma forma de estimá-la seria por meio de amostra de fiscalizações realizadas pela CGU. Neste propósito, o objetivo seria verificar se existe alguma diferença significativa entre as fiscalizações decorrentes de sorteios públicos e outras auditorias discricionárias. Espera-se que α seja constante em ambas as situações.Trata-se de um tema que poderia ser objeto de futuros trabalhos.

2.3. Fiscalizações de municípios no Brasil - A base de dados da CGU

A base de dados utilizada em trabalhos que avaliam a ocorrência de corrupção em municípios brasileiros baseia-se, majoritariamente, nos resultados dos trabalhos da Controladoria-Geral da União (CGU) efetuados no âmbito do Programa de Fiscalização de Municípios Pequenos e Médios através de Sorteios Públicos. Este programa foi criado em 2003 dentro da CGU com o objetivo de aumentar a transparência e melhorar a gestão da administração pública brasileira.

O objetivo principal da realização do sorteio e o foco na fiscalização em pequenos municípios era o de obrigar servidores públicos e políticos a considerar, no processo decisório de cometimento de um ato ilícito, a probabilidade mais elevada de serem auditados o que, conseqüentemente, iria desestimular o cometimento da irregularidade (Gomes, 2013Gomes, L. L. (2013). Avaliação do programa de fiscalização de municípios pequenos e médios a partir de sorteios públicos sobre corrupção e mau uso de recursos públicos (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP). doi: 10.11606/D.12.2013.tde-13022014-133031
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).

Com relação à fiscalização realizada pela CGU, os achados verificados pelos auditores referem-se, na maioria das vezes, a desconformidade documental e não a corrupção propriamente dita. Deste modo, uma irregularidade classificada como grave poderá ser saneada em uma fase posterior com a simples apresentação de prova documental ou esclarecimentos dos fatos.

Tal constatação é grave no que se refere à credibilidade da base de dados lastreada nos relatórios da CGU. Um achado classificado como grave poderá ser saneado e, portanto, ter a suspeita de prejuízo afastada. Ressalta-se que a crítica aqui apontada refere-se aos trabalhos que utilizaram os relatórios da CGU como base de dados e não aos trabalhos realizados por aquela instituição de controle.

Lopes (2011)Lopes, M. F. M. (2011). Corrupção. Estudo sobre as formas de mensuração, seus determinantes e perspectivas sobre as formas de combate (Tese de Doutorado). Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV). aponta que as constatações dos auditores da CGU já deram subsídio à proposição de ações judiciais, em que prefeitos se dizem alvo de perseguição política. Apesar da ressalva, o autor pondera que, uma vez que os julgamentos ainda não foram concluídos, pode-se considerar as constatações das auditorias "praticamente" inquestionáveis.

Ainda de acordo com Lopes (2011)Lopes, M. F. M. (2011). Corrupção. Estudo sobre as formas de mensuração, seus determinantes e perspectivas sobre as formas de combate (Tese de Doutorado). Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV)., apesar de não haver nenhuma evidência nesse sentido, algum tipo de ingerência política poderia ocorrer no desenho da fiscalização da CGU, após o sorteio de um município. Considerando o fato de que o mecanismo de sorteios é inviolável, um prefeito poderia tentar influenciar a especificação das ordens de serviço a serem fiscalizadas no seu município, bem como o número de auditores que serão designados para a fiscalização.

A base de dados utilizada neste trabalho baseou-se, primordialmente, em notícias veiculadas pelo judiciário informando sobre condenações transitadas em julgado. Afasta-se, portanto, a hipótese de estarmos caracterizando, indevidamente, como corrupção, uma simples ocorrência de desconformidade documental ou ainda uma Tomada de Contas Especial na qual foi afastada a irregularidade após o devido processo.

Gomes (2013)Gomes, L. L. (2013). Avaliação do programa de fiscalização de municípios pequenos e médios a partir de sorteios públicos sobre corrupção e mau uso de recursos públicos (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP). doi: 10.11606/D.12.2013.tde-13022014-133031
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, em trabalho que teve por objetivo a avaliação da eficácia do programa de sorteios da CGU no que se refere à redução de irregularidades cometidas por municípios na execução de programas federais, concluiu que a fiscalização não resultou em impacto significativo no que se refere à redução das irregularidades. Uma possível explicação decorre do fato de a probabilidade de ser auditado pelo programa ser inexpressiva, além de ter ocorrido redução no número de sorteios realizados. Se, por exemplo, em 2003 a probabilidade de um município do Acre ser auditado era de 44%, em 2006 esta probabilidade reduziu-se para menos de 6%.

Conforme modelo apresentado, a probabilidade do agente ser punido deve ser grande o suficiente para superar os benefícios do agente, de modo que este não decida pelo cometimento da irregularidade.

A literatura relativa aos efeitos da corrupção em gestões municipais concentra-se principalmente no exame dos efeitos das irregularidades em variáveis econômicas como renda, educação e saúde.

Com relação aos efeitos da corrupção na sucessão eleitoral, a literatura majoritária aponta que a probabilidade de reeleição de prefeitos acusados de corrupção é menor enquanto que prefeitos no segundo mandato tendem a desviar mais recursos do que aqueles que ainda não foram reeleitos. Deste modo, Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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verificou que um prefeito no segundo mandato eleva o número esperado de irregularidades em 14,2%, quando se mantém as outras variáveis constantes.

Lopes (2011)Lopes, M. F. M. (2011). Corrupção. Estudo sobre as formas de mensuração, seus determinantes e perspectivas sobre as formas de combate (Tese de Doutorado). Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV)., citando os trabalhos de Ferraz, Finan & Moreira (2008)Ferraz, C., Finan, F. & Moreira, D. B. (2008, dezembro). Corrupção, má gestão, e desempenho educacional: Evidências a partir da fiscalização dos municípios. In XXXVI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2008/artigos/200807211421560-.pdf
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, informa que, utilizando base de dados construída a partir dos relatórios de auditoria da CGU aqueles autores verificaram que os municípios em que casos de corrupção foram divulgados tiveram menores taxas de reeleição (a probabilidade de reeleição foi reduzida em sete pontos percentuais, indicando a clara relação de agência estabelecida entre eleitor e eleito, com o "principal" punindo o "agente-corrupto"), resultado este que foi mais significativo naqueles municípios que possuíam estações de rádio local.

Campos & Castelar (2013)Campos, F.d.A. O., & Castelar, L.I. d.M. (2013, dezembro). Avaliação da corrupção municipal a partir de microdados. In XLI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Foz do Iguaçu, PR. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro/2013/files_I/i5-e80f32da48a7648db2c4609785a7b8f9.pdf
http://www.anpec.org.br/encontro/2013/fi...
, entretanto, verificaram em seu trabalho que, comparados aos modelos que usam microdados, tais como os de Brollo (2010)Brollo, F. (2010). Who is punishing corrupt politicians. Voters or the central government? Evidence from the Brazilian anti-corruption program (Working Paper No 336). Milano, It: IGIER, Università Bocconi. Disponível em: http://www.igier.unibocconi.it/folder.php?vedi=4226&tbn=albero
http://www.igier.unibocconi.it/folder.ph...
e Ferraz et al. (2008)Ferraz, C., Finan, F. & Moreira, D. B. (2008, dezembro). Corrupção, má gestão, e desempenho educacional: Evidências a partir da fiscalização dos municípios. In XXXVI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2008/artigos/200807211421560-.pdf
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, os resultados obtidos mostram-se compatíveis com aqueles, embora tenha se encontrado que o status da reeleição não influencia a classificação do município como de alta ou baixa tendência à corrupção, ao contrário do que afirmam Ferraz et al. (2008)Ferraz, C., Finan, F. & Moreira, D. B. (2008, dezembro). Corrupção, má gestão, e desempenho educacional: Evidências a partir da fiscalização dos municípios. In XXXVI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2008/artigos/200807211421560-.pdf
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.

Durante o governo militar no Brasil e logo após o seu fim, tornou-se comum afirmar que os partidos de tradição de esquerda têm tendência a serem menos corruptos com relação aos de direita e centro. Conforme explica Campos & Castelar (2013)Campos, F.d.A. O., & Castelar, L.I. d.M. (2013, dezembro). Avaliação da corrupção municipal a partir de microdados. In XLI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Foz do Iguaçu, PR. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro/2013/files_I/i5-e80f32da48a7648db2c4609785a7b8f9.pdf
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, as razões dessa assertiva decorrem do fato de esses partidos terem sido ou serem oposição e denunciarem atos de corrupção, além de apresentarem em seus quadros pessoas cujas ações de lutas foram marcadas por atos em defesa pela igualdade de direito, distribuição de renda e pela moralidade de seus atos políticos. Contudo, os fatos atuais, em particular os reiterados escândalos de corrupção envolvendo figuras conhecidas de partidos supostamente de esquerda, põem em dúvida estas assertivas.

No que se refere à orientação do partido do chefe do executivo, os modelos estudados indicaram que não há uma correlação significativa entre a orientação do partido de situação e a ocorrência de irregularidades (Ferraz et al., 2008Ferraz, C., Finan, F. & Moreira, D. B. (2008, dezembro). Corrupção, má gestão, e desempenho educacional: Evidências a partir da fiscalização dos municípios. In XXXVI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2008/artigos/200807211421560-.pdf
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).

Segundo Campos & Castelar (2013)Campos, F.d.A. O., & Castelar, L.I. d.M. (2013, dezembro). Avaliação da corrupção municipal a partir de microdados. In XLI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Foz do Iguaçu, PR. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro/2013/files_I/i5-e80f32da48a7648db2c4609785a7b8f9.pdf
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, nas pesquisas já realizadas que consideraram essas variáveis, não há um consenso sobre os seus efeitos no nível de corrupção municipal. Além disso, o partido está contagiado por coligações que, normalmente, não estão fundamentadas em ideologias e diretrizes partidárias.

Campos & Castelar (2013)Campos, F.d.A. O., & Castelar, L.I. d.M. (2013, dezembro). Avaliação da corrupção municipal a partir de microdados. In XLI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Foz do Iguaçu, PR. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro/2013/files_I/i5-e80f32da48a7648db2c4609785a7b8f9.pdf
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ao tratar de base de base de dados com 1.623 municípios, verificou que 923, ou seja, 56,93%, foram classificados como de tendência a alta corrupção, sendo os Estados do Maranhão, Bahia, Roraima e Alagoas os que apresentaram o maior número de municípios tipificados nessa categoria. Os Estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul foram os que apresentaram menores números de municípios classificados como de alta tendência a corrupção.

As regiões Norte e Nordeste, em termos relativos, apresentaram a maior concentração de municípios classificados como de alta tendência à corrupção. De um total de 759 municípios fiscalizados, 569 foram classificados com alta tendência à corrupção. Portanto, as regiões menos desenvolvidas do país concentram um maior número de municípios classificados como de alta tendência à corrupção e os estados de maiores rendas detêm maior número de municípios de baixa tendência à corrupção.

O modelo apresentado por Campos & Castelar (2013)Campos, F.d.A. O., & Castelar, L.I. d.M. (2013, dezembro). Avaliação da corrupção municipal a partir de microdados. In XLI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Foz do Iguaçu, PR. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro/2013/files_I/i5-e80f32da48a7648db2c4609785a7b8f9.pdf
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utilizando a função logit mostrou resultados estatisticamente significantes para as variáveis explicativas índice de desenvolvimento municipal, controle social, densidade demográfica, volume de transferência dos recursos/despesa orçamentária e limítrofe corrupto. Conclui os autores que os municípios que apresentam tendência alta à corrupção são aqueles que recebem muitas transferências de recursos, o controle social tem fraca atuação, têm baixo nível de desenvolvimento municipal, apresentam alta densidade demográfica e são vizinhos de municípios com problemas de corrupção.

2.4. Características estruturais dos municípios - Modelos econométricos

Lopes (2011)Lopes, M. F. M. (2011). Corrupção. Estudo sobre as formas de mensuração, seus determinantes e perspectivas sobre as formas de combate (Tese de Doutorado). Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV). desenvolve um modelo econométrico com o objetivo de relacionar características estruturais dos municípios à ocorrência da corrupção. A base utilizada foi obtida a partir das fiscalizações efetuadas pela CGU e constituiu-se de 333 municípios.

O objetivo do trabalho, segundo o autor, foi o de formalizar uma metodologia de construção de indicadores para mensuração da corrupção que possa ser utilizada de maneira ampla na avaliação de políticas públicas na escala municipal no Brasil

Utiliza-se a corrupção como variável dependente. As variáveis explicativas foram divididas em duas categorias: as relativas às características estruturais dos municípios e aquelas intrínsecas aos prefeitos. Destaca o autor que as características estruturais dos municípios utilizadas no modelo foram extraídas de trabalhos que avaliam o grau de corrupção nos municípios utilizando a mesma base de dados (Ferraz et al., 2008Ferraz, C., Finan, F. & Moreira, D. B. (2008, dezembro). Corrupção, má gestão, e desempenho educacional: Evidências a partir da fiscalização dos municípios. In XXXVI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2008/artigos/200807211421560-.pdf
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; Ferraz & Finan, 2011Ferraz, C., & Finan, F. (2011). Electoral accountability and corruption: Evidence from the audits of local governments. The American Economic Review, 101(4), 1274-1311. doi: 10.1257/aer.101.4.1274
https://doi.org/10.1257/aer.101.4.1274...
).

Foram utilizadas as seguintes variáveis explicativas referentes a características estruturais dos 333 municípios utilizados na amostra: índice de desigualdade de Theil, densidade demográfica, percentual de alfabetizados, taxa de urbanização, renda per capita, percentual de domicílios com água encanada e dummy relativa à existência de água encanada.

Com relação às características dos gestores, foram utilizadas informações relativas à idade, sexo e anos de escolaridade.

Apesar da maioria das variáveis analisadas não apresentarem coeficientes estatisticamente significativos, o autor considerou que os indicadores propostos relacionam-se com as variáveis estruturais dos municípios no sentido previsto pela literatura.

Conclui que quanto maiores (ou melhores) o nível educacional médio da população habitante no município, a infraestrutura de serviços municipais, e o acesso à informação, menores os níveis observados de corrupção; e contrariamente, quanto maior a desigualdade de renda, maior o nível observado de corrupção, o que se alinha com trabalhos empíricos anteriores.

Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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ao estimarem modelo no qual utilizou como proxy da corrupção os registros de irregularidades apontados pelos auditores da CGU, concluiu que os gestores estão mais inclinados a serem corruptos quando se deparam com menores salários e maiores poderes discricionários.

O autor utilizou amostra com 503 municípios dos 556 sorteados nas 12 primeiras rodadas. Os relatórios associados a esses sorteios incluem em quase sua totalidade apenas transferências no período de 2001 a 2004 e, portanto, restringem-se a apenas um mandato eleitoral.

Para estimativa dos salários dos prefeitos, considerando que não se trata de informação disponível em banco de dados, foi utilizada a receita tributária municipal como proxy. Segundo o autor, essa aproximação encontra suporte no artigo de Wyckoff (2002)Wyckoff, P. G. (2002). Wage determination in the local public sector. Evidence from Oneida, Herkimer, Madison and Montgomery counties. Hamilton College., que achou evidências, para os municípios americanos, de que as receitas tributárias explicam os salários dos prefeitos mais do que qualquer outra variável.

No que se refere à reeleição, como os prefeitos se preocupam com seus ganhos futuros, a possibilidade de reeleição funciona como restrição a corrupção no primeiro mandato. Foi verificado uma correlação positiva entre as irregularidades e o status de segundo mandato.

No que se refere ao sexo do gestor municipal, com nível de significância de 99%, verificou-se que há fortes evidências de que municípios controlados por mulheres apresentam um nível de ilícitos esperado maior que os administrados por homens.

Confirmou-se uma correlação negativa entre a freqüência de irregularidades e o nível de instrução da população, onde se utilizou, como proxy, o percentual da população alfabetizada.

Para renda, utilizou-se como proxy o produto interno bruto do município. Igualmente negativa foi a correlação encontrada entre renda e irregularidades, o que indica que populações mais ricas e mais instruídas estão mais aptas a monitorar os administradores municipais e, por isso, limitam os desvios.

Da literatura pesquisada, somente Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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avaliam se escolaridade do prefeito poderia explicar alguma diferença em seu comportamento. Conclui o autor que uma vez que a variável de controle não foi estatisticamente significativa, isso implica que a variável dependente adotada foi capaz de excluir da amostra problemas relativos a erros administrativos não intencionais. Em outras palavras, se a medida adotada fosse correlacionada com incapacidade administrativa, era de se esperar que o nível educacional do prefeito como variável de controle fosse estatisticamente significativo.

Neste trabalho, conforme será apresentado, verificou-se que a variável escolaridade do prefeito possui significância estatística. E, similar ao trabalho de Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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, foi utilizada uma função que utiliza estimação de máxima verossimilhança para tratar variáveis dependentes binárias, o modelo probit.

3. ESTRATÉGIA EMPÍRICA

3.1. Introdução

Conforme mencionado na seção anterior, a maioria absoluta dos trabalhos empíricos que tratam da investigação do fenômeno da corrupção e seus efeitos na gestão municipal baseiam-se nos dados obtidos a partir de relatórios de fiscalização da CGU.

Uma das possíveis críticas à utilização destes dados refere-se ao fato das irregularidades relatadas pelos auditores da CGU não tratarem, exclusivamente, de situações envolvendo desvio de recursos ou outras tipologias de corrupção, sendo relatadas, muitas vezes, irregularidades de natureza formal passíveis de saneamento.

Por esta razão, uma desconformidade documental ocorrida durante um processo licitatório, a depender da natureza da falha formal, poderá ser classificada como irregularidade grave e não envolver, em absoluto, a ocorrência de desvio ou prejuízo aos cofres públicos. Conforme destaca Gomes (2013)Gomes, L. L. (2013). Avaliação do programa de fiscalização de municípios pequenos e médios a partir de sorteios públicos sobre corrupção e mau uso de recursos públicos (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP). doi: 10.11606/D.12.2013.tde-13022014-133031
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, em nenhum momento os auditores da CGU classificam as irregularidades em determinada categoria. O trabalho se limita a registrar ocorrências que estejam em desacordo com as normas aplicáveis.

Tentando corrigir este problema, o presente trabalho classificou como evento de corrupção somente aquelas situações nas quais o gestor foi condenado pelo judiciário após o devido processo legal.

Com este procedimento, julga-se que se está afastando aquelas situações nas quais a irregularidade detectada refere-se tão somente a uma desconformidade documental, por exemplo.

A fonte principal de pesquisa para montagem da base foi obtida junto à internet, por meio de notícias publicadas pelos sites dos tribunais de justiça, ministério público e imprensa em geral.

Por limitações de informações e espaço, os dados coletados referem-se somente ao Estado de Minas Gerais. A motivação desta escolha surgiu a partir de notícia publicada pelo Ministério Público Federal (MPF) em 17/3/2014 informando que 18 ex-prefeitos de cidades do norte de Minas Gerais foram condenados após 30 das 163 ações de improbidade que tramitam perante a Justiça Federal em Montes Claros, norte de Minas Gerais, terem sido apreciadas pela Justiça Federal.

Um destaque para a notícia era o fato dos municípios vítimas dos ex-gestores concentrarem os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país e, na época em que os fatos ocorreram, entre 1998 e 2004, 15 deles figurarem na pior categoria do IDH. A região no norte de Minas Gerais reúne alguns dos municípios mais pobres do país.

Utilizando a mesma metodologia de consulta à rede de computadores, a amostra foi ampliada e chegou-se ao número de 60 ocorrências nas quais houve gestores condenados.

O período analisado refere-se aos anos de 2000,2004 e 2008 e abrange, portanto, todas as eleições municipais ocorridas na primeira década deste século nos 841 municípios mineiros objetos da pesquisa.

Algumas características do Estado de Minas Gerais confirmam a amostra como adequada. Trata-se do estado brasileiro com o maior número de municípios, 853. O menor do país, Roraima, possui apenas 15.

Acrescente-se que se trata de estado da federação que apresenta uma heterogeneidade em termos de desenvolvimento econômico e social. Assim, apesar de possuir o 3° maior PIB do país, atrás somente de São Paulo e Rio de Janeiro, coexistem no mesmo estado municípios de alto desenvolvimento econômico, a exemplo daqueles localizados no Triângulo Mineiro, com micro regiões que concentram os menores níveis de desenvolvimento do país, a exemplo do Vale do Jequitinhonha no norte de Minas Gerais.

Para fins de uniformização da base, foram excluídos 12 municípios que, em razão de alguma peculiaridade, não constavam de todas as fontes utilizadas, em particular daquelas mantidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entendemos que esta exclusão não acarretou nenhum prejuízo aos objetivos propostos.

Com estes ajustes, foi criada estrutura na forma de agrupamento independente de cortes transversais (pooling independent cross sections) onde os modelos estimados consideraram, alternativamente, duas entidades de interesse, os municípios e os prefeitos. Para os municípios, utilizou-se como código de identificação aquele utilizado pelo TSE enquanto que, para os prefeitos, foi utilizado um código próprio.

3.2. Variáveis de interesse

Descreve-se a seguir as variáveis examinadas no presente trabalho, os critérios adotados e os sinais esperados. Dividimos as variáveis em duas categorias principais: as relativas ao município e aquelas referentes às características pessoais dos gestores.

3.2.1. Características estruturais dos municípios

i) Corrupção

Para os fins pretendidos, definimos a ocorrência de corrupção naquelas situações onde ocorreu desvio de recursos, fraude no emprego de materiais, superfaturamento e omissão no dever de prestar contas.

Com relação a esta última modalidade, não devemos confundir omissão na prestação de contas em razão da inexistência de comprovantes com a simples omissão em razão de atrasos ou desorganização administrativa. Apesar de se tratar de tema controverso no âmbito do judiciário, entendemos que, se não houve comprovação do emprego dos recursos transferidos ou da despesa realizada, presume-se que o interesse público foi prejudicado e houve, portanto, prejuízos aos cofres públicos.

Uma vez que a base de dados refere-se apenas aos anos nos quais houve eleições municipais (2000, 2004 e 2008), a partir da identificação do gestor condenado e o ano em que foi eleito, considerou-se ocorrência do fenômeno naquele município.

As medidas comumente utilizadas para aferir a corrupção se valem de métodos indiretos, por razões óbvias. Um dos índices mais conhecidos, o "Corruption Perception Index" (CPI) utiliza uma escala que varia entre 0 (alto nível de corrupção) e 100 (ausência de corrupção), onde os níveis são aferidos a partir da percepção da corrupção no setor público.

Neste trabalho utilizou-se uma medida direta para inferir sobre a ocorrência de corrupção. Considera-se que a condenação judicial confirma a atividade delituosa do agente público, a variável condenação é utilizada como proxy de corrupção. Por esta razão, as referências a ocorrências de condenação ou corrupção, no âmbito do presente trabalho, são equivalentes.

Utilizou-se uma variável binária (dummy) que, quando assume valor igual a um, indica a ocorrência de corrupção e, caso contrário, é igual a zero.

ii) Salário do Prefeito

Adotando a mesma estratégia formulada por Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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, consideraremos como proxy para os salários do chefe do executivo local, o valor do orçamento do município.

Conforme resultados encontrados na literatura, é esperada uma correlação negativa entre corrupção e salário. Ou seja, quanto menores os salários dos agentes, maior será a probabilidade de ocorrência de corrupção.

iii) Salário dos Vereadores (Captura do Legislativo)

O poder legislativo é de importância vital no acompanhamento das ações do chefe do executivo. O controle desta casa pelo gestor é de suma importância para que este consiga condições de governabilidade.

O art. 31 da Constituição Federal confere às câmaras municipais a prerrogativa de exercer o controle externo sobre os atos do poder executivo e emitir, anualmente, parecer prévio sobre as contas do Prefeito.

Não seria surpresa que gestores corruptos tentem, de alguma forma, capturar esta casa. De modo análogo ao procedimento utilizado para o salário do chefe do município, utilizaremos como proxy à captura do poder legislativo local o orçamento desta casa.

É de se esperar que, ocorrendo a captura do legislativo, as ações de fiscalização sejam enfraquecidas o que irá facilitar as ações delituosas do chefe do município. A parceria entre executivo e legislativo irá diminuir as chances de condenação de gestores corruptos. Temos, portanto, uma correlação negativa entre corrupção e o orçamento do legislativo.

iv) Renda da População

Adotaremos, como proxy, a renda per capita do município. Espera-se, conforme já apontado, que quão menor o nível de renda, maior a probabilidade de ocorrência da corrupção e vice-versa.

v) Nível Educacional da População

Para medida desta variável, foi utilizado o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de educação. Trata-se do índice sintético da dimensão educação, que é uma das três componentes do IDH. É obtido através da média geométrica do subíndice de frequência de crianças e jovens à escola, com peso de 2/3, e do subíndice de escolaridade da população adulta, com peso de 1/3.

Espera-se uma correlação negativa entre o sinal deste indicador e a freqüência de corrupção. Conforme apontado na literatura, quanto maior o nível educacional da população, maior o acesso à informação o que induz e facilita a formação de grupos de controle.

vi) Tamanho da População

Alguns trabalhos apontam que haveria uma correlação positiva entre a densidade demográfica do município e a ocorrência de irregularidades. Investigaremos neste trabalho esta relação utilizando, como proxy, o tamanho absoluto da população.

3.2.2. Características estruturais dos prefeitos

A base de dados utilizada para obtenção das informações relativas aos prefeitos foram aquelas disponibilizadas pelo TSE. O conjunto de variáveis utilizados neste trabalho passou a ser coletado pelo órgão da justiça eleitoral a partir da eleição do ano 2000. Anterior àquela data, não havia informações disponíveis sobre, por exemplo, nível de escolaridade dos candidatos. Esta foi uma das limitações para estabelecermos o ano de 2000 como ano-base.

vii) Sexo

As figuras 1 e 2 a seguir indicam, por gênero, a distribuição observada nas eleições de 2000, 2004 e 2008 quanto aos prefeitos eleitos.

Figura 1.
Perfil dos incumbentes do sexo feminino.

Figura 2.
Perfil dos incumbentes do sexo masculino.

Em 2004, o percentual de mulheres reeleitas foi duas vezes superior ao de prefeitos do sexo masculino.

Observa-se que apesar do percentual em 2008 de homens reeleitos ter sido maior, o resultado deveu-se ao fato das mulheres terem reduzido fortemente a participação entre as eleitas, passando de 14,06% em 2004 para menos da metade em 2008.

Com relação a gestores condenados por corrupção, verifica-se que o percentual de mulheres eleitas e condenadas foi superior somente na eleição de 2000, sendo inferior nos demais períodos examinados. Espera-se, portanto, que esta variável não seja significativa.

viii) Escolaridade do Prefeito

Da literatura pesquisada, Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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concluíram que a variável não influencia na ocorrência de irregularidades e que tal achado exclui, da amostra analisada, problemas relativos a erros administrativos não intencionais. Espera-se, portanto, que esta variável não seja significativa.

A base de dados do TSE informa o nível de escolaridade do prefeito utilizando designações não padronizadas e distintas entre uma eleição e outra. Deste modo, o ensino fundamental, por exemplo, ora é indicado por primário ora por 1° Grau. A solução adotada foi converter a informação em número de anos de estudo. Deste modo, fundamental completo corresponderia a oito anos de estudo. No caso do candidato que informou nível de estudo incompleto, adotou-se o número médio correspondente ao respectivo nível.

Para aqueles candidatos que informaram "Lê e escreve" considerou-se que possuíam um ano de estudo.

A Figura 3 resume, por ano de eleição, o perfil dos prefeitos eleitos quanto ao nível de instrução.

Figura 3.
Escolaridade dos prefeitos eleitos.

Verifica-se que a distribuição relativa ao longo das três eleições pouco se alterou. Observa-se uma tendência clara de aumento da escolaridade dos gestores. Este parece estar mais relacionado a um efeito generalizado na sociedade brasileira e não pode ser atribuído a uma característica particular de um grupo específico.

A Figura 3 indica que a maioria relativa dos prefeitos eleitos ou possuía curso superior ou estava cursando. Ou seja, independentemente de qualquer resultado, o nível de instrução dos prefeitos não parece ser algo que justifique eventuais irregularidades na gestão, é o que indica a Figura 4.

Figura 4.
Perfil dos prefeitos condenados por corrupção quanto ao nível de escolaridade.

A Figura 4 apresenta o perfil de escolaridade dos prefeitos nas três eleições objeto desta pesquisa. Nesta, destaca-se o fato de não haver nenhum prefeito condenado por corrupção dentre aqueles que se declararam apenas alfabetizado e, no entanto, a maioria absoluta dos condenados possuía nível superior. Ou seja, pode-se esperar, quanto ao perfil dos prefeitos, uma relação inversa entre o nível de escolaridade e a freqüência de irregularidades relativas a desvios de recursos públicos.

ix) Alinhamento com o Governo Federal

Esta variável teve por objetivo verificar eventuais correlações existentes entre o partido do prefeito e o partido de situação no âmbito federal.Evita-se, deste modo, a clássica divisão "direita" e "esquerda".

Autores que assim procedem justificam a metodologia com o objetivo de avaliar se haveria alguma diferença quanto a custos morais de se praticar a corrupção entre diferentes ideologias partidárias (Albuquerque & Ramos, 2006Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
http://www.anpec.org.br/encontro2006/art...
).

A maioria absoluta dos trabalhos, ao tratar do fenômeno da corrupção na história recente do Brasil, considera a clássica divisão que considera o Partido dos Trabalhadores (PT) e outros, como partido de esquerda, e PMDB, PSDB e outros como partidos de centro ou direita (Santos, 2001Santos, A. L. M. d. (2001). Sedimentação de lealdades partidárias no Brasil: Tendências e descompassos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 16(45), 69-83. doi: 10.1590/S0102-69092001000100004
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).

Entendemos, considerando o contexto político vivido atualmente, que esta divisão não tem razão de ser, sendo desprovida de qualquer importância. Após assumir o poder em 2002, o Partido dos Trabalhadores mudou completamente seu discurso, aliando-se com partidos e personagens políticos que, historicamente, foram considerados inimigos políticos daquele partido, a exemplo dos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor.

Para os objetivos deste trabalho, entendemos que o que realmente importa, para todos os efeitos, é a informação relativa quanto ao fato do partido pertencer à oposição ou à situação. O status de partido de posição faz toda a diferença. Desse modo, a variável utilizada neste trabalho, alinhamento com o partido do presidente, corrige este problema.

Bugarin & Ferreira (2004)Bugarin, M. S., & Ferreira, I. F. S. (2004). Transferências voluntárias no federalismo fiscal brasileiro: Efeito do ciclo fiscal de meio de mandato sobre as eleições municipais. In ESAF (Ed.), Finanças Públicas. IX Prêmio Tesouro Nacional (Vol. 9, pp. 221-278). Brasília: Editora Universidade de Brasília., em trabalho que teve por objetivo principal examinar os efeitos das transferências voluntárias provenientes do governo federal e dos estados sobre a política fiscal e o comportamento eleitoral nos municípios, demonstram que existe uma correlação positiva entre o alinhamento político de prefeitos com as coligações que elegeram os governadores e as transferências voluntárias recebidas pelos municípios.

Adicionalmente, verificaram também correlação positiva entre o alinhamento político de prefeitos com o Presidente da República e as transferências voluntárias.

O estudo sugere que a coligação de apoio nacional ao presidente não afeta tanto sua decisão de transferir recursos voluntários federais ao município quanto o fato do prefeito estar filiado ao partido do presidente. Ou seja, em nível federal (relação prefeito-presidente), o que realmente importa é a pertinência ao partido do presidente.

Esta última constatação do trabalho de Bugarin & Ferreira (2004)Bugarin, M. S., & Ferreira, I. F. S. (2004). Transferências voluntárias no federalismo fiscal brasileiro: Efeito do ciclo fiscal de meio de mandato sobre as eleições municipais. In ESAF (Ed.), Finanças Públicas. IX Prêmio Tesouro Nacional (Vol. 9, pp. 221-278). Brasília: Editora Universidade de Brasília., 2007) nos interessa de maneira direta e constitui um dos objetivos principais deste trabalho.

A questão agora colocada diz respeito à investigação de eventuais correlações entre o fato do chefe do executivo local pertencer ao partido do presidente e esta situação ter algum efeito sobre a probabilidade do gestor local vir a ser condenado em processo administrativo ou judicial.

Considerando que grande parte das fiscalizações realizadas nos municípios é de iniciativa da CGU, uma instituição pertencente ao Governo Federal e, portanto, com atuação limitada, resta questionar se o fato do chefe municipal pertencer ao mesmo partido do chefe do executivo federal teria algum efeito no resultado final da auditoria.

A Figura 5 resume os dados examinados e mostra, por ano de eleição, o número de prefeitos condenados, informando, dentre os condenados por corrupção, quantos pertenciam ao mesmo partido do Presidente da República.

Figura 5.
Prefeitos condenados e alinhamento com o Governo Federal.

Uma constatação imediata da Figura 5 é a de que, após a eleição do ano 2000, a última eleição brasileira na qual havia um partido "de direita" no poder, houve uma notável redução no número absoluto de condenações e, em particular, de prefeitos pertencentes ao mesmo partido do presidente. A questão que caberia responder é se, a partir de 2004, houve redução nos desvios de recursos observados nos referidos municípios. O exame da história recente parece contradizer este fato.

x) Reeleição

A literatura indica que a probabilidade de reeleição de prefeitos acusados de corrupção é menor enquanto que prefeitos no segundo mandato tendem a desviar mais recursos do que aqueles que ainda não foram reeleitos. Conforme apontado, Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
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verificou que um prefeito no segundo mandato eleva o número esperado de irregularidades em 14,2%, quando se mantém as outras variáveis constantes.

De acordo com Brollo, Nannicini, Perotti & Tabellini (2010)Brollo, F., Nannicini, T., Perotti, R. & Tabellini, G. (2010, janeiro). The political resource curse (Working Paper No 15705). National Bureau of Economic Research (NBER). doi: 10.3386/w15705
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, com relação às chances de reeleição do chefe do poder municipal, as transferências federais exercem papel fundamental. Aqueles autores mostraram que incrementos de 10% nas transferências federais aumentariam em até 4 pontos percentuais as chances de sucesso na reeleição.

A partir da amostra analisada não foi possível confirmar as constatações da literatura. É o que indica a Figura 6, relativa aos anos de 2004 e 2008, considerando, como ano-base, a eleição de 2000.

Figura 6.
Prefeitos reeleitos e condenados.

Conforme indicado, apesar do número de prefeitos reeleitos ter sido maior em 2008, a freqüência de condenações por corrupção foi menor. Não é possível afirmar se houve redução do fenômeno ou se, apesar do incremento da corrupção, houve uma redução no número de condenações.

3.3. Resultados empíricos

Apresenta-se a seguir os modelos utilizados para tentar responder à questão central do presente trabalho, ou seja, investigar se o fato do chefe do município pertencer ao partido do Presidente da República tem algum efeito sobre a probabilidade de ser condenado.

Uma vez que a variável de interesse é binária, foi utilizado o modelo probit para estimar os efeitos marginais das diversas variáveis de controle. Para avaliar a consistência dos resultados, é apresentada, também, uma estimativa utilizando modelo de resposta linear (LPM).

No modelo probit, analisa-se uma resposta binária do tipo

P y = 1 x = G β 0 + β 1 x 1 + + β k x k = G β 0 + x β ,

onde G é uma função estritamente positiva que assume valores entre zero e um, 0 < G(z) < 1, para todo z ∈ ℝ (Wooldridge, 2006Wooldridge, J.M. (2006). Introdução à econometria. Uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning.).

No modelo probit, G é a função de distribuição cumulativa (fdc) normal padrão que é expressa por

G z = Φ z z ϕ υ d υ ,

onde Φ(z) é a função densidade normal padrão.

As principais desvantagens do modelo LPM referem-se à possibilidade das probabilidades ajustadas serem menores que zero ou maiores que um e o efeito marginal das variáveis explicativas, aparecendo na forma de nível, ser constante.

Os modelos logit e probit corrigem estas questões. As probabilidades estimadas estão entre zero e um e os efeitos parciais decrescem. O principal custo refere-se à dificuldade de interpretação dos coeficientes logit e probit.

Wooldridge (2006)Wooldridge, J.M. (2006). Introdução à econometria. Uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning. apresenta uma regra prática para comparação dos coeficientes com o modelo LPM. Sugere o autor que as estimativas de inclinação probit devem ser divididas por 2,5 para serem comparáveis com os coeficientes LPM.

Em uma população na qual a variância dos fatores não-observáveis muda ao longo de diferentes segmentos (tamanho da população, renda dos municípios, etc.), a hipótese de homocedasticidade fica prejudicada:

Var u i x i = σ i 2 ,

onde o subscrito i indica que a variância do erro irá depender do valor particular de xi.

Para corrigir a presença de heterocedasticidade, comum em modelos com variável dependente binária, em todos os resultados indicados a seguir, foram utilizadas computações estatísticas robustas.

Modelos

Foram utilizadas sete especificações distintas. O modelo mais geral, utilizando especificação probit, pode ser representado na forma reduzida por

P corrup ç ao ˜ it x = G β 0 + β 1 alinh press it + β 2 cap leg it + β 3 instr pref it + β 4 renda pc it + β 5 pop it + β 6 sal pref it + β 7 educ pop it + Ano 2004 + Ano 2008 + u it .

Na expressão acima, os subscritos i e t indicam observações retiradas do município i no período t.

A variável alinh_pres é uma dummy com valor um quando o prefeito pertencer ao mesmo partido do chefe do executivo federal e zero caso contrário. A variável educ_pop é uma proxy para o nível de instrução da população.

A variável cap_leg é a proxy utilizada para avaliar o nível de captura do poder legislativo local pelo poder executivo. Foi utilizado o logaritmo natural do orçamento anual do legislativo.

Observe que o sinal da variável cap_leg (captura do legislativo) será negativo porque quanto maior esta, menor será a expectativa de ocorrência de condenações por corrupção. Ou seja, o fenômeno de captura diminui as expectativas de fiscalização pelo poder legislativo.

A variável instr_pref refere-se à escolaridade do prefeito, expressa em número de anos. Para expressar o salário do prefeito, foi utilizada como proxy, conforme recomendado pela literatura, o montante de recursos disponível no orçamento da prefeitura.

A variável renda_pc indica a renda per capita da população obtida a partir das informações sobre tamanho da população e PIB do município e pop indica o tamanho da população. Ambas as variáveis foram log-linearizadas.

Introduziu-se dummies temporais a fim de capturar possíveis tendências entre os anos de 2004 e 2008, considerando o ano 2000 como ano-base.

A Tabela 2 resume os sinais esperados dos coeficientes das variáveis independentes, enquanto as tabelas 3 e 4 apresentam as estatísticas básicas das variáveis consideradas.

Tabela 2
Sinais esperados dos coeficientes das variáveis de controle do Modelo 1.
Tabela 3
Estimativas Probit para corrupção.
Tabela 4
Estimativas MPL para corrupção.

Verifica-se que, o conjunto de variáveis de controle selecionado apresenta características estruturais dos municípios, bem como aspectos relativos aos prefeitos, a exemplo do nível de instrução e do salário.

As tabelas 3 e 4 resumem os resultados obtidos na estimação dos modelos. A opção robusta foi especificada de modo a obter a matriz de variância robusta a heterocedasticidade.

3.3.1. Exame dos efeitos da condenação na reeleição dos prefeitos

Apesar de se tratar de questão secundária, dentro dos objetivos estabelecidos, apresenta-se a seguir, para a amostra examinada, um modelo relativo aos efeitos da corrupção sobre as chances de reeleição.

Para efeitos de estimação, considera-se agora, como variável dependente a ocorrência de reeleição que será indicada por uma dummy.

Para comparação dos modelos, conforme regra prática apresentada por Wooldridge (2006)Wooldridge, J.M. (2006). Introdução à econometria. Uma abordagem moderna. Pioneira Thomson Learning., é necessário dividir os coeficientes probit por 25 e os coeficientes logit por 4.

Os modelos contêm, como variáveis explicativas à reeleição do prefeito, as variáveis corrupção, alinhamento com o presidente, montante das transferências voluntárias do governo federal, nível de instrução do prefeito e parcela de votos obtidos pelo prefeito (Share), renda per capita da população e tamanho absoluto da população. A variável Share pode ser uma considerada uma medida da disputa ocorrida quando da eleição do prefeito. Novamente, o modelo geral pode ser representado por

P reelei ç ao ˜ it x = G β 0 + β 2 corrup ç ao ˜ it + β 2 alinh pres it + β 3 instr pref it + β 4 share it + β 5 transf it + β 6 renda pc it + β 7 pop it + u it .

Os resultados encontrados, para os três modelos testados,estão indicados na Tabela 5.

Tabela 5
Estimativas MPL, Probit e Logit da Reeleição.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1. Descrição geral

As tabelas 3 e 4 resumem os resultados obtidos na estimação dos modelos utilizados para avaliar o fenômeno da corrupção a partir de variáveis relativas às características dos municípios e dos candidatos eleitos.

Verifica-se que, com exceção da variável "Captura Legislativo" no modelo 7, todos os demais sinais são idênticos em ambos os modelos. Os valores dos coeficientes são bastante próximos considerando, para fins de comparação, os fatores de multiplicação 25 e 40 para as estimativas probit e logit, respectivamente.

A variável utilizada para expressar o salário do prefeito não apresentou significância estatística nas especificações 5 e 6. Entretanto, confirmou o sinal esperado pela literatura na especificação 4, ou seja, uma correlação negativa entre salários dos gestores municipais e ocorrência de irregularidades.

A variável "Captura Legislativo" apresentou nível de significância de até 95% na especificação 3 e sinal esperado e uniforme em todos os modelos, com exceção do (7), indicando que uma redução das condenações por corrupção seria efeito de um aumento nos gastos do legislativo (captura).

Com relação ao nível de instrução dos prefeitos, os resultados encontrados confirmam a análise amostral indicada na Figura 4. Ou seja, há um incremento sensível dos casos de corrupção/condenação com o aumento da escolaridade média dos incumbentes. Este resultado difere daquele apresentado por Albuquerque & Ramos (2006)Albuquerque, B. E., & Ramos, F. S. (2006, dezembro). Análise teórica e empírica dos determinantes de corrupção na gestão pública municipal. In XXXIV Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Salvador, BA. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A030.pdf
http://www.anpec.org.br/encontro2006/art...
.

Por se tratar de tema ainda pouco explorado na literatura, certamente mereceria novos estudos para confirmação deste achado.

O modelo (7) indica que cada ano adicional de estudo aumenta em 1,3% a chance do prefeito se envolver em irregularidades associadas à corrupção.

Este resultado está de acordo com o sumário indicado na Tabela 2, que apresenta o perfil dos prefeitos condenados por corrupção quanto ao nível de escolaridade. Ou seja, é possível esperar, quanto ao perfil dos prefeitos envolvidos em casos de corrupção, uma relação direta entre o nível de escolaridade e a freqüência de irregularidades relativas a desvios de recursos públicos.

No que se refere a características estruturais do município, como renda, educação e tamanho da população, os sinais encontrados confirmam os achados de trabalhos anteriores.

A variável nível de escolaridade da população (IDH Educação), presente nas especificações (5) a (7), apresentou significância estatística de 99%, confirmando que existe uma correlação negativa entre estas variáveis.

A maior escolaridade da população tem impacto direto sobre a gestão local. Uma população com maior nível de instrução tem melhores condições de acompanhar, informar-se e cobrar dos gestores a devida prestação de contas das ações empreendidas por seus governantes. Ou seja, o nível de instrução da população favorece o fortalecimento do controle social.

A renda da população do município também é um fator importante. A variável Renda per capita indicada nos modelos 2 a 7 confirma, com nível de significância entre 95 e 99%, a constatação segundo a qual as populações mais pobres são as mais atingidas pelo fenômeno da corrupção.

Quão mais pobres os municípios e menores as taxas de desenvolvimento humano, maiores serão as chances dos gestores praticarem atos ilícitos e retroalimentarem os fatores que mantêm estas localidades em estado de precariedade.

Com relação ao tamanho da população, os modelos (3) a (7), confirmam o sinal esperado para a variável. As populações maiores e, portanto com maior densidade demográfica, estão mais sujeitas ao fenômeno. Este resultado está conforme a literatura, em particular com o trabalho de Campos & Castelar (2013)Campos, F.d.A. O., & Castelar, L.I. d.M. (2013, dezembro). Avaliação da corrupção municipal a partir de microdados. In XLI Encontro Nacional de Economia da ANPEC, Foz do Iguaçu, PR. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro/2013/files_I/i5-e80f32da48a7648db2c4609785a7b8f9.pdf
http://www.anpec.org.br/encontro/2013/fi...
.

Quanto à distribuição espacial da população entre os meios urbano e rural, não foi verificada nenhuma evidência estatística da correlação que aponte que determinada distribuição favoreça ou dificulte a ocorrência de irregularidades, razão pela qual não foi utilizada esta variável de controle.

4.2. Alinhamento com o governo federal

Destaca-se nos sete modelos o fato da variável dummy utilizada para indicar o alinhamento entre o partido do prefeito e aquele do chefe do poder executivo federal apresentar significância estatística de até 95% e sinal uniforme em todos os modelos estimados.

O sinal do coeficiente indica que prefeitos filiados ao partido do governo federal apresentam menor probabilidade de corrupção ou, alternativamente, menores chances de condenação.

Os resultados indicam que os prefeitos do partido do governo têm uma probabilidade de envolvimento em processo de corrupção reduzida em até 11pp.

Os valores dos coeficientes nos sete modelos utilizados foram bastante próximos, tanto utilizando função probit quanto MPL, o que sugere que os resultados são, de fato, robustos.

As reais razões que explicam tal achado fogem ao escopo deste trabalho e mereceriam um estudo aprofundado.

Um dos pontos principais a serem abordados refere-se à metodologia empregada pela CGU quando da realização das fiscalizações municipais.

Apesar de se tratar de método que afastaria, a priori, a presença de viés na escolha dos municípios a serem auditados, não se pode afirmar o mesmo quanto ao desenlace do processo após a fase de auditoria, uma vez que o processo envolve várias instâncias hierárquicas e decisórias.

Ademais, parcela considerável dos trabalhos da CGU é feita por iniciativa própria, desvinculada dos sorteios. Segundo Gomes (2013)Gomes, L. L. (2013). Avaliação do programa de fiscalização de municípios pequenos e médios a partir de sorteios públicos sobre corrupção e mau uso de recursos públicos (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP). doi: 10.11606/D.12.2013.tde-13022014-133031
https://doi.org/10.11606/D.12.2013.tde-1...
, até o ano de 2012 a CGU havia fiscalizado 1.965 municípios. O montante dos recursos submetidos à auditoria atingiu a cifra de R$18 bilhões.

No entanto, tal cifra corresponde a menos de 3% dos recursos transferidos aos municípios no período. De acordo com dados do IPEADATA, entre 2003 e 2011, o montante de recursos transferidos aos municípios brasileiros atingiu a soma de R$590 bilhões.

A literatura aponta que, por razões óbvias, existe um viés nas transferências voluntárias que se intensificam no período que antecede as eleições (Brollo et al., 2010Brollo, F., Nannicini, T., Perotti, R. & Tabellini, G. (2010, janeiro). The political resource curse (Working Paper No 15705). National Bureau of Economic Research (NBER). doi: 10.3386/w15705
https://doi.org/10.3386/w15705...
e Bugarin & Ferreira, 2004Bugarin, M. S., & Ferreira, I. F. S. (2004). Transferências voluntárias no federalismo fiscal brasileiro: Efeito do ciclo fiscal de meio de mandato sobre as eleições municipais. In ESAF (Ed.), Finanças Públicas. IX Prêmio Tesouro Nacional (Vol. 9, pp. 221-278). Brasília: Editora Universidade de Brasília.).

Há ainda a constatação de que a divulgação dos relatórios de auditoria no período imediatamente anterior à eleição, nos seis meses anteriores, pode servir de punição aos prefeitos em decorrência da redução dos votos. E, ainda, ao tratar de prefeitos alinhados com o presidente, eventual desgaste em razão de relatório de auditoria pode ser compensado com um aumento das transferências para aquela localidade (Brollo, 2010Brollo, F. (2010). Who is punishing corrupt politicians. Voters or the central government? Evidence from the Brazilian anti-corruption program (Working Paper No 336). Milano, It: IGIER, Università Bocconi. Disponível em: http://www.igier.unibocconi.it/folder.php?vedi=4226&tbn=albero
http://www.igier.unibocconi.it/folder.ph...
).

Fica evidente que a divulgação dos relatórios de auditoria pode servir a fins eleitorais ou ainda que a motivação de agir da CGU possa ser afetada por outros interesses ou por pressões políticas.

Qualquer investigação sobre o tema envolveria, necessariamente, o exame da base de dados da CGU bem como o acompanhamento das decisões decorrentes das fiscalizações.

Desconhecemos, no presente trabalho, a origem dos processos que motivaram a denúncia dos gestores junto ao Ministério Público e Poder Judiciário. Tais ações, muitas vezes, são oriundas de denúncias que, por sua vez, motivam um trabalho de investigação pelo Ministério Público e, simultaneamente, auditoria levada a efeito pela CGU ou pelo tribunal de contas competente.

De acordo com o modelo apresentado na seção 2, a função que indica a probabilidade de risco de investigação pode ser expressa por

φ M d M = α M d M ,

onde α é um parâmetro que representa o esforço do governo federal para realizar a fiscalização das transferências.

A questão que se coloca, ao tratarmos das fiscalizações efetuadas pelo órgão de controle interno do Governo Federal, é se este coeficiente possui o mesmo valor, independentemente da orientação política do prefeito.

Trata-se de trabalho que poderia ser realizado a partir do exame do histórico de fiscalizações efetuadas pela CGU desde o ano de 2003. Poderia incluir tanto as ações efetuadas em razão dos sorteios públicos como aquelas realizadas por iniciativa própria.

4.3. Reeleição

A Tabela 5 resume os resultados obtidos quando a variável dependente é uma dummy que indica a situação do prefeito quanto à reeleição.

A primeira variável, corrupção, que neste trabalho é a proxy que indica que o prefeito sofreu condenação judicial em razão de desvios de recurso apresentou sinal que está de acordo com a literatura.

O fato de o prefeito estar envolvido em processo de irregularidades reduz as suas chances de reeleição. Com nível de confiança de 90%, as possibilidades de reeleição do prefeito corrupto são reduzidas em até 13pp.

Este resultado está de acordo com a literatura que aponta uma tendência do eleitor punir os maus gestores.

Com relação à variável "Alinhamento Presidente", não havia uma expectativa quanto ao sinal esperado. O resultado encontrado indica que, com 99% de confiança, tudo o mais constante, o fato do prefeito pertencer ao mesmo partido do chefe do executivo federal reduz em até 119pp suas chances de reeleição.

A variável relativa à escolaridade do prefeito não se mostrou estatisticamente significativa e, de fato, não havia também nenhuma expectativa quanto ao sentido esperado.

Com relação à variável "Share", aqui utilizada para fins de avaliar o nível de disputa ocorrida quando da eleição do prefeito, o resultado informa que prefeitos eleitos com alta margem em relação aos candidatos possuem maiores chances de reeleição.

Uma possível explicação a este resultado pode ser explicada em razão das políticas de alianças que geralmente conduzem a eleições pouco disputadas. Mantida a coligação, as chances de manutenção deste acordo para a eleição seguinte são maiores, o que, conseqüentemente, aumenta as chances de sucesso no pleito seguinte

Bastante significativo e de acordo com a literatura foi o resultado encontrado para a variável "Transferências Voluntárias".

Confirma-se a hipótese de Brollo et al. (2010)Brollo, F., Nannicini, T., Perotti, R. & Tabellini, G. (2010, janeiro). The political resource curse (Working Paper No 15705). National Bureau of Economic Research (NBER). doi: 10.3386/w15705
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segundo a qual o montante de transferências voluntárias exerce papel importante nas chances do gestor vir a ser reeleito.

De acordo com aquela autora, incrementos de 10% nas transferências federais aumentariam em até 4 pontos percentuais as chances de sucesso na reeleição.

A variável renda per capita indica, com 95% de confiança no modelo probit, que prefeitos de municípios mais ricos tem maiores chances de reeleição.

A variável tamanho da população apresentou sinal que indica que prefeitos de cidades menores possuem chances maiores de serem reeleitos.

Em resumo, as variáveis determinantes para o sucesso da reeleição seriam aquelas apontadas na literatura: transferências do governo federal, base de apoio político do prefeito (share vote) e existência ou não de episódio envolvendo desvio de recursos públicos.

5. CONSIDERAçÕES FINAIS E CONCLUSÃO

A questão principal a que este trabalho se propôs a investigar referia-se aos possíveis efeitos, em nível municipal, de o incumbente pertencer ao mesmo partido do chefe do executivo federal quando da realização de uma investigação motivada por desvios de verbas públicas.

De maneira mais clara, procurou-se determinar se as chances de condenação por envolvimento em atos irregulares seriam idênticas tanto para gestores alinhados politicamente com o governo federal quanto para aqueles pertencentes a outros partidos.

Sob o enfoque apresentado no presente trabalho, trata-se de questão inexplorada na literatura brasileira. Os trabalhos anteriores, ao tratarem da questão da orientação relativa do partido do prefeito limitaram-se a indicar que tal variável não possuía sinal significativo.

Este trabalho além de enfrentar esta questão, valeu-se de base própria de dados, uma vez que a utilização das informações fornecidas pela CGU não serviriam aos propósitos deste trabalho.

Verifica-se que diversos trabalhos tratam da questão das transferências utilizadas como mecanismos de pressão política do governo federal sobre o municipal, bem como dos mecanismos utilizados para punir ou compensar gestores de acordo com a posição política destes (Bugarin & Ferreira, 2004Bugarin, M. S., & Ferreira, I. F. S. (2004). Transferências voluntárias no federalismo fiscal brasileiro: Efeito do ciclo fiscal de meio de mandato sobre as eleições municipais. In ESAF (Ed.), Finanças Públicas. IX Prêmio Tesouro Nacional (Vol. 9, pp. 221-278). Brasília: Editora Universidade de Brasília. e Brollo, 2010Brollo, F. (2010). Who is punishing corrupt politicians. Voters or the central government? Evidence from the Brazilian anti-corruption program (Working Paper No 336). Milano, It: IGIER, Università Bocconi. Disponível em: http://www.igier.unibocconi.it/folder.php?vedi=4226&tbn=albero
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).

Os resultados obtidos confirmam, com relação às variáveis estruturais dos municípios e aquelas relativas a características pessoais dos gestores, os achados registrados na literatura.

Dentre as evidências empíricas confirmadas no presente trabalho, destacam-se a relação perniciosa entre corrupção e pobreza que se retroalimentam em um círculo vicioso.

Ficou evidente que aqueles municípios de menor renda e baixo nível de escolaridade e, portanto, com fraco controle social, são os mais vulneráveis à ocorrência de irregularidades com recursos públicos.

Com relação a variáveis financeiras, confirma-se que o nível dos rendimentos dos integrantes do executivo e do legislativo influencia frontalmente a ocorrência de irregularidades.

Quanto menor o salário do prefeito, representado pelo orçamento do município, maiores as chances de ocorrência de corrupção.

Do mesmo modo, o orçamento do legislativo, que neste trabalho foi utilizado como proxy do salário daquele poder municipal, tem papel fundamental no modelo estimado.

Há duas interpretações possíveis para este resultado. O primeiro, conforme modelo apresentado, refere-se ao fato de que, uma vez que o salário reserva do poder legislativo é alto, a probabilidade de participação em atos irregulares é menor.

A segunda interpretação possível considera que, uma vez que o legislativo possui altos salários, o nível de cooperação com o poder executivo também será maior. É o que se denomina neste trabalho por "captura do poder legislativo".

Por meio desta aliança espúria, o executivo, cujas contas são fiscalizadas pelo legislativo, tem maior liberdade de ação. Seria um pacto pela ilegalidade nas ações.

A principal questão que justificou o presente trabalho referia-se às possíveis implicações, em nível municipal, decorrentes do fato do prefeito pertencer ao mesmo partido do chefe do executivo federal em um eventual processo de investigação administrativa ou judicial.

Para responder a esta questão foi criada estrutura na forma de agrupamento independente de cortes transversais (pooling independent cross sections) relativo aos anos de 2000,2003 e 2008. Os modelos estimados consideraram, alternativamente, duas entidades de interesse, os municípios e os prefeitos. Para os municípios, utilizou-se como código de identificação aquele utilizado pelo TSE enquanto que, para os prefeitos, foi utilizado um código próprio

A partir de informações divulgadas pelo poder judiciário, foi possível indicar a ocorrência de condenações motivadas por desvios de recursos públicos em 61 prefeituras.

Verificou-se que aqueles prefeitos alinhados com o governo federal que, no período considerado, correspondiam ao PSDB em 2000 e ao PT nos anos de 2004 e 2008 apresentaram menor freqüência de condenações.

Com p-valor inferior a 10% e sinal uniforme em todos os modelos estimados, constatou-se que prefeitos filiados ao partido do governo federal apresentam menor probabilidade de corrupção ou, alternativamente, menores chances de condenação.

Conforme apontado na literatura, quanto maiores as transferências de recursos do governo central, maiores as ocorrências de irregularidades. De igual modo, a literatura assinala que existe um viés nas transferências de recursos entre o governo central e os municípios administrados por aliados políticos.

Portanto, considerando como válidas ambas as premissas, viés nas transferências a aliados e aumento das irregularidades com o aumento das transferências, o resultado esperado seria contrário ao encontrado.

O exame das reais motivações que levam a este resultado foge ao escopo deste trabalho. Para exame desta questão seria fundamental verificar os critérios utilizados pela Controladoria-Geral da União quando da realização de fiscalizações nos municípios e examinar o histórico de trabalhos realizados pelo órgão de controle interno do Poder Executivo Federal.

No que se refere ao exame das conseqüências da corrupção na pretensão do gestor em reeleger-se, o presente trabalho confirmou resultados fundamentais da literatura, dentre os quais aquele segundo o qual os eleitores punem os maus gestores. Ou seja, o envolvimento do incumbente em atos de corrupção diminui as chances de reeleição.

Inesperado foi o resultado da variável "Alinhamento Presidente". O fato de pertencer ao partido de situação não garante reeleição. O resultado encontrado indica que, com 99% de confiança, tudo o mais constante, o fato do prefeito pertencer ao mesmo partido do chefe do executivo federal reduz suas chances de reeleição. Trata-se, portanto, de resultado que mereceria novas e aprofundadas análises.

Confirmou-se a relação positiva entre reeleição e incrementos nas transferências do governo central. Ou seja, é se de esperar que, em anos eleitorais, sejam intensificadas as transferências aos prefeitos pertencentes à base de apoio do governo.

  • *
    As opiniões expressas neste estudo são de responsabilidade exclusiva do autor, não expressando necessariamente a posição do TCU. Quaisquer erros ou omissões são de responsabilidade exclusiva do autor.
  • 1
    De acordo com a Lei 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União), em caso de débito, o valor da multa será, de no máximo, 100% do valor desviado. É o teor do Art. 57: "Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao Erário."
  • 2
    Supõe-se que o gestor otimize sobre uma função de utilidade quase côncava, com U' ≥ 0 e U" ≤ 0.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2014
  • Aceito
    17 Jul 2017
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