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Indexação e Metas de Inflação* * O autor agradece o apoio financeiro do CNPq. O artigo se beneficiou dos comentários e sugestões de Eurilton Araújo, Fernando de Holanda Barbosa, Antonio Luis Licha, Viviane Luporini, de um parecerista anônimo e das audiências de apresentações no Departamento de Estudos e Pesquisa (Depep) do Banco Central do Brasil e no XL Encontro Brasileiro de Econometria.

Resumo

Realiza-se neste artigo uma investigação teórica de como a existência de indexação impacta o funcionamento do sistema de metas de inflação. Para tanto, utiliza-se um jogo repetido construído a partir da incorporação da indexação e do regime de metas no modelo de Kydland & Prescott e Barro & Gordon. Mostra-se que, ao contrário da visão tradicional sobre a questão, a indexação contribui para a implementação da meta estabelecida para a taxa de inflação. Essa conclusão levanta a possibilidade de que uma eventual redução do grau de indexação da economia brasileira pode inviabilizar o funcionamento do sistema de metas.

Palavras-chave
Indexação; metas de inflação; jogo repetido

Abstract

I carry out a theoretical investigation of the relation between price indexation and inflation targeting. The analysis is performed in the context of a repeated game in which the stage game is a modified version of the model of Kydland & Prescott and Barro & Gordon. I show that, contrarily to the conventional wisdom on the subject, indexation helps to achieve an equilibrium that implements the inflation target. This finding suggest that policy actions aimed at reducing the indexation of the Brazilian economy may hinder the functioning of the inflation targeting system to the point of making it ineffective.

1. Introdução

A indexação tem sido uma característica da economia brasileira pelos menos desde 1964, quando o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) instituiu a correção monetária. Com o Plano Real e a reforma monetária de 1994 ocorreu uma desindexação parcial, pois se proibiu a indexação de contratos com prazo de vigência inferior a um ano. Alguns economistas argumentam que o fato de ainda existir indexação, mesmo que restrita, faz com que a política monetária seja menos eficaz para controlar e/ou reduzir a taxa de inflação.

Estuda-se neste ensaio como a indexação pode afetar o funcionamento do regime de metas de inflação, o qual está em vigor no Brasil desde 1999. Mostra-se que a sabedoria convencional, na qual a existência da indexação dificulta a obtenção de taxas de inflação mais modestas, está, na melhor das hipóteses, incompleta. De fato, estivesse a relação estratégica entre o banco central e o setor privada restrita a uma única data no tempo, o entendimento tradicional estaria correto. Contudo, quando se leva em conta a natureza intertemporal da interação entre o banco central e os demais agentes, chega-se à conclusão oposta: a existência da indexação pode contribuir para a implementação de taxas de inflação mais baixas.

A ideia de que é desejável reduzir o grau de indexação da economia brasileira é expressa de forma inequívoca por diversos profissionais da área de Economia. Seguem-se alguns poucos exemplos representativos de declarações que externam tal entendimento. Marconi (2017)Marconi, N. (2017). O papel dos preços macroeconômicos na crise e na recuperação. Estudos Avançados, 31(89), 97-109. http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890011
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afirma que "reduzir a inflação no Brasil de forma mais acelerada e com menores custos sociais requer a desindexação da economia". Segundo Bresser-Pereira (2016)Bresser-Pereira, L. C. (2016, 27 de março). Onde foi que erramos? Quando e por que a economia saiu da rota. Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/03/1753528-onde-foi-que-erramos-quando-e-por-que-a-economia-saiu-da-rota.shtml
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, "Outra reforma urgente, que ainda não está na agenda do país, é a desindexação. Sem a desindexação completa o custo de combater a inflação é muito grande". Por sua vez, Oreiro (2014)Oreiro, J. L. (2014, 10 de janeiro). Muito além do tripé. Valor Econômico. https://www.valor.com.br/opiniao/3390674/muito-alem-do-tripe
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argumenta que "A estabilidade da inflação a médio-prazo será obtida pela combinação entre a austeridade gerada [por um] novo regime fiscal e pela desindexação total da economia".

O fato de a inflação presente ser parcialmente determinada, via indexação, pela inflação pretérita potencialmente dificulta a redução da taxa de inflação em uma dada data. Todavia, o processo de determinação das taxas de inflação possui uma natureza intertemporal. Há também que se levar em consideração a interação estratégica entre o banco central e os demais agentes econômicos. Em particular, o incentivo para que esses jogadores estejam dispostos a se comportar de maneira cooperativa de forma que se alcance uma taxa de inflação mais baixa depende do quão melhor é tal equilíbrio vis-à-vis um equilíbrio não cooperativo. E, conforme se discute no próximo parágrafo, é exatamente nesse ponto que o raciocínio subjacente à sabedoria convencional falha.

Suponha que um dado jogo base1 1 Quanto utilizada neste artigo, a expressão jogo base deve ser entendida como equivalente à inglesa stage game. possua um equilíbrio não cooperativo no qual uma redução do grau de indexação efetivamente leve a uma queda da taxa de inflação. Contudo, em um jogo intertemporal há espaço para que os jogadores cooperem de forma a atingir resultados que são superiores, sob o ponto de vista desses agentes, à solução não cooperativa do jogo base. Ora, se o banco central for avesso à inflação, então o resultado não cooperativo se torna menos desagradável para esse jogador. Consequentemente, ele estará menos propenso a implementar uma estratégia cooperativa necessária para que se alcance uma solução na qual a taxa de inflação seja menor do que aquela atingida no equilíbrio sem cooperação do jogo base.

O leitor familiarizado com a literatura de jogos repetidos possivelmente identificou nos parágrafos anteriores os elementos de um argumento que lhe é conhecido. Assuma que quanto mais indexada for uma economia, maior será a taxa de inflação de equilíbrio em um jogo base no qual a interação estratégica entre banco central e setor privado é exclusivamente intratemporal. Suponha agora que o payoff do banco central seja estritamente decrescente na taxa de inflação. Logo, quanto menor for o grau de indexação, melhor será esse equilíbrio sob o ponto de vista da autoridade monetária. Consequentemente, uma eventual desindexação da economia reduziria o incentivo desse jogador em agir de forma cooperativa de forma a atingir, em um jogo repetido infinita vezes, um resultado distinto do equilíbrio do jogo base.

Os resultados discutidos acima foram obtidos em uma variante do modelo utilizado por KP (Kydland & Prescott, 1977Kydland, F. E., & Prescott, E. C. (1977). Rules rather than discretion: The inconsistency of optimal plans. Journal of Political Economy, 85(3), 473-492. https://www.jstor.org/stable/1830193
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) e BG (Barro & Gordon, 1983aBarro, R. J., & Gordon, D. B. (1983a). A positive theory of monetary policy in a natural rate model. Journal of Political Economy, 91(4), 589-610. http://dx.doi.org/10.1086/261167
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, 1983bBarro, R. J., & Gordon, D. B. (1983b). Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy. Journal of Monetary Economics, 12(1), 101-121. http://dx.doi.org/10.1016/0304-3932(83)90051-X
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) para analisar o problema de regras versus discricionariedade na condução da política macroeconômica. O modelo em questão é bastante popular, sendo discutido em diversos livros, como Barbosa (2017)Barbosa, F. H. (2017). Macroeconomia. Rio de Janeiro: FGV Editora., Drazen (2000)Drazen, A. (2000). Political economy in macroeconomics. Princeton University Press., Gibbons (1992)Gibbons, R. (1992). Game theory for applied economists. Princeton: Princeton University Press., Modenesi (2005)Modenesi, A. d. M. (2005). Regimes monetários: Teoria e a experiência do Real. Barueri: Manole. e Walsh (2017)Walsh, C. E. (2017). Monetary theory and policy (4ª ed.). Cambridge, MA: MIT Press.. Adicionalmente, variantes do mesmo são adotada em artigos recentes, como Frankel e Kartik (2018)Frankel, A., & Kartik, N. (2018). What kind of central bank competence? Theoretical Economics, 13(2), 697-727. http://dx.doi.org/10.3982/TE2290
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e Griebeler (2015)Griebeler, M. d. C. (2015). The naive central banker. Revista Brasileira de Economia, 69(3), 355-372. http://dx.doi.org/10.5935/0034-7140.20150016
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. Possivelmente, o modelo de KP e BG é o ponto de partida mais comum para estudo de questões relacionadas à política monetária que envolvam a interação estratégica entre o banco central e o setor privado.

A análise contida neste artigo contém três passos principais. Inicialmente, estuda-se um jogo base similar ao analisado em Gibbons (1992)Gibbons, R. (1992). Game theory for applied economists. Princeton: Princeton University Press.. O setor privado seleciona a sua expectativa para a taxa de inflação πe. Após observar πe, o banco central seleciona a taxa de inflação π e o produto y. As escolhas da autoridade monetária são restritas por uma Curva de Phillips cujo coeficiente angular depende do grau de indexação da economia.2 2 Conforme é demonstrado na seção 2, uma Curva de Phillips com a propriedade em questão é obtida a partir da combinação de duas hipóteses: (i) alguns preços são reajustados de acordo com a inflação do período anterior e (ii) a inflação dos preços livres (i.e., preços não indexados) se relaciona o hiato do produto por meio de uma Curva de Phillips padrão. Quanto mais indexada for a economia, mais custoso será, em termos de redução do produto, para o banco central reduzir a taxa de inflação. No tocante às preferências, o setor privado simplesmente deseja acertar a sua previsão da taxa de inflação, ao passo que o payoff da autoridade monetária é uma função de perda quadrática na qual os objetivos subjacentes são atingir uma taxa de inflação nula e fazer com que o PIB da economia exceda o seu nível natural. Esse jogo possui um único equilíbrio. Em consonância com a visão convencional da relação entre indexação e inflação, o valor de equilíbrio π̂ dessa variável é uma função crescente do grau de indexação.

O segundo passo consiste em introduzir o regime de metas no jogo base. Assume-se que existe um alvo exógeno π* para a taxa de inflação. Se o valor realizado dessa variável for distinto do alvo, então o banco central incorre em uma penalidade positiva C. Mostra-se que se C for suficientemente alto, então existe um único equilíbrio no qual a inflação assume o valor π* . Se C for suficientemente baixo, então o sistema de metas é irrelevante e a inflação de equilíbrio é igual a π̂. Para valores intermediários de C, existem exatamente duas taxas de equilíbrio (π* e π̂).

Cabe aqui um breve comentário sobre a relação entre o valor da penalidade C e a robustez das instituições governamentais. No modelo adotado neste ensaio, C é o único instrumento que o governo3 3 Enfatiza-se que neste artigo a expressão governo é utilizada em um sentido amplo. Ou seja, esse conceito engloba executivo, legislativo e demais componentes do aparato estatal. possui para induzir o banco central a conduzir a política monetária de forma que a taxa de inflação realizada seja igual a π*. Assim sendo, pode-se interpretar C como uma medida da robustez das instituições que devem avaliar e/ou monitorar a atuação da autoridade monetária.

A terceira etapa consiste em analisar o jogo intertemporal constituído pela repetição infinita do jogo base com metas de inflação. Assume-se que C é suficientemente pequeno para que π* não seja um resultado do jogo base. Há pelo menos dois motivos para se adotar tal hipótese. Diversos autores destacam os impactos do regime de metas sobre a dimensão intertemporal da interação entre os agentes econômicos.4 4 Por exemplo, Bernanke, Laubach, Mishkin, e Posen (1999, p.24) afirmam que "inflation targeting requires an accounting to the public of the projected long-run implications of [the central bank's] short-run policy actions." De acordo com Svensson (2011, p.1250), "Inflation targetinghas stabilized long-run inflation expectations." Por sua vez, Walsh (2009, p.221) menciona "the importance of forward-looking expectations for current macroeconomic developments." Ora, se π* fosse um resultado do jogo base, então a sua implementação não requereria coordenação e cooperação, ao longo do tempo, entre os jogadores. Desta forma, excluir-se-ia do problema estudado justamente uma das suas mais importantes características. Segundo, conforme mencionado no parágrafo anterior, o valor de C pode ser interpretado como uma medida de robustez das instituições. E, na visão deste autor, seria irrealista assumir que as instituições brasileiras são sólidas o suficiente para garantir que a meta de inflação será implementada independentemente do feedback intertemporal entre as ações da autoridade monetária e do setor privado.

O estudo dos possíveis equilíbrios do jogo repetido revela que, ao contrário da sabedoria convencional, a indexação pode contribuir para a redução da taxa de inflação. A intuição por trás desta conclusão é aquela discutida alguns parágrafos acima. Quanto maior for o grau de indexação, maior será a taxa de inflação no equilíbrio do jogo base. Logo, pior será tal equilíbrio sob o ponto de vista do banco central. Consequentemente, maior será o incentivo desse agente em agir de maneira cooperativa e implementar a taxa de inflação π* no jogo repetido.

Uma simples extensão dos argumentos apresentados acima permite que se obtenha uma interessante conclusão: a indexação pode substituir, mesmo que de maneira imperfeita, instituições robustas. No jogo repetido, o banco central incorre em duas punições se ele não implementar a meta π*: (i) a penalidade C e (ii) a reversão para o equilíbrio do jogo base. A segunda delas é tão maior quanto maior for o grau de indexação. Consequentemente, a indexação impõe uma disciplina adicional à autoridade monetária. Desta forma, pode ocorrer que, dado o valor de C, o sucesso do regime de metas requeira a existência de indexação. Em outras palavras, a indexação pode viabilizar uma política pública que sozinhas as instituições não estariam aptas a implementar.

Afirmou-se no penúltimo parágrafo que a indexação pode contribuir para a redução da taxa de inflação. A utilização da expressão pode contribuir foi proposital. Conforme é discutido na seção 5.2, também pode ocorrer que π* seja um resultado do jogo repetido independentemente do grau de indexação da economia. Por tal motivo, a resposta para a pergunta "É possível reduzir o grau de indexação da economia brasileira sem que isso inviabilize o sistema de metas?" necessariamente requer uma investigação empírica. Assim sendo, a realização de uma análise econométrica desse ponto específico é uma possível via a ser seguida por aqueles que desejarem investigar a relação entre indexação e o sistema de metas.

Conforme mencionado previamente, a análise realizada neste artigo tomou como ponto de partida um modelo similar ao de KP e BG. Mais especificamente, a relação de Phillips é uma curva de oferta de Lucas. É natural que se indague se os resultados são válidos em outros contextos. Mostra-se na seção 6 do ensaio que, em linhas gerais, as conclusões também podem ser obtidas em um modelo no qual a Curva de Phillips seja, conforme é usual na literatura novo-keynesiana, do tipo forward-looking.

Em uma primeira leitura, as conclusões apresentadas no presente ensaio podem parecer inconsistentes com a experiência brasileira. Afinal de contas, uma das medidas do Plano Real consistiu em proibir que contratos com prazo inferior a um ano fossem indexados. Logo, é razoável supor que a medida em questão contribuiu para o sucesso do programa de estabilização. Por outro lado, argumenta-se neste texto que a desindexação da economia brasileira pode levar a uma elevação da taxa de inflação. Contudo, há uma explicação simples para esse aparente paradoxo. Nas vésperas da reforma monetária, todos ou quase todos os preços estavam referenciados à URV e esse indicador era corrigido diariamente; consequentemente, a desindexação contribuiu para a estabilização dos preços. O quadro atual é bem distinto. Vários preços não estão indexados; logo, uma redução do grau de indexação não contribuirá diretamente para que eles se estabilizem. E, conforme discutido acima, tal redução pode dificultar o funcionamento do sistema de metas de inflação, o qual não estava em vigor no momento da estabilização. Outro ponto a ser levado em consideração é a diferença entre os impactos da indexação em um cenário no qual a inflação excede 20% mensais e aquele no qual ela é inferior a 1 % ao mês. Em síntese, não há motivos para se assumir que a presente relação entre inflação e indexação seja similar à que prevaleceu até o advento do real.5 5 Curiosamente, a própria economia brasileira teve uma experiência na qual houve uma elevação do grau de indexação seguida por quedas nas taxas de inflação. De fato, conforme mencionado no primeiro parágrafo deste texto, a correção monetária foi introduzida em 1964, sendo que nos anos seguintes a inflação teve uma trajetória descendente. Ressalta-se que não se faz aqui qualquer inferência sobre uma possível relação de causalidade entre os dois eventos.

O restante deste texto está organizado da seguinte forma. Obtém-se na seção 2 uma Curva de Phillips na qual a relação entre inflação e hiato do produto depende do grau de indexação da economia. Discute-se na seção 3 o jogo base. O jogo repetido é estudado na seção 4. Os efeitos da indexação sobre o sistema de metas de inflação e as consequentes implicações para a política econômica são analisadas na seção 5. Mostra-se na seção 6 que os resultados são robustos a especificações alternativas da Curva de Phillips. As considerações finais são apresentadas na seção 7. Por fim, as provas dos lemas e das proposições estão disponíveis no Apêndice.

2. Curva de Phillips e indexação

Este breve seção tem dois objetivos. O primeiro é ilustrar como que a indexação pode afetar a relação entre inflação e produto intrínseca à Curva de Phillips. O segundo consiste em mostrar como mensurar o grau de indexação da economia no contexto do modelo analisado neste texto.

O tempo é mensurado de forma discreta. Seja πt a taxa de inflação na data t. Assume-se que aquela variável é uma média ponderada de duas outras. A primeira é a taxa de variação dos preços livres, os quais são determinados pelos mercados. A segunda é a taxa de variação dos preços administrados, os quais são corrigidos pela inflação do período anterior. Desta forma,

(1) π t = 1 a θ t + a π t 1 ,

onde θt é taxa de inflação dos preços livres e a é um número no intervalo [0,1). O parâmetro a corresponde ao grau de indexação da economia. Quanto mais próximo a estiver de 1, maior será a relevância dos preços indexados para a determinação da taxa de inflação contemporânea.

Sejam y o produto e y o produto natural. Essas duas variáveis se relacionam com a inflação dos preços livres de acordo com a relação de Phillips:

θ t = θ t e + η y t y ¯ , η > 0 .

Vale ressaltar que, conforme a notação usual na literatura, a combinação do sobrescrito e com o subscrito t denota a esperança matemática da variável em questão condicionada à informação disponível no início da data t.

A última igualdade é equivalente à

1 a θ t = 1 a θ t e + 1 a η y t y ¯ .

Pode-se então concluir que

(2) π t = 1 a θ t e + 1 a η y t y ¯ + a π t 1 .

Por outro lado, (1) implica que

1 a θ t = π t a π t 1 1 a θ t e = π t e a π t 1 .

Combine a última igualdade com (2). Esse procedimento estabelece que

(3) π t = π t e + 1 a η y t y ¯ .

Essa relação é, evidentemente, uma Curva de Phillips. Observe que quanto maior for o grau de indexação a da economia, maior é a queda do produto necessária para obter uma mesma redução na taxa de inflação. Assim sendo, a equação (3) satisfaz a condição de que um maior de grau de indexação torna mais custoso combater a inflação.

Para referência futura, convém expressar a Curva de Phillips acima na forma

(4) y t = y ¯ + μ π t π t e ,

onde

(5) μ = 1 1 a η .

Observe que µ é uma função estritamente crescente de a. Adicionalmente, µ ∈ [1/η, ∞), pois a ∈ [0,1).

3. O jogo base

O objetivo desta seção é introduzir um jogo base que tenha o sistema de metas de inflação como um dos seus elementos constituintes. Com intuito de tornar a exposição mais clara, estuda-se em um primeiro momento um jogo sem o sistema de metas. Em seguida, modificase aquele jogo de formar a incorporar o sistema em questão.

3.1 Um jogo base sem metas de inflação

O jogo estudado nesta subseção é extremamente similar àquele analisado por Gibbons (1992)Gibbons, R. (1992). Game theory for applied economists. Princeton: Princeton University Press. ao discutir a contribuição de BG. Existem dois jogadores: p (setor privado) e b (banco central). Em um primeiro momento, p escolhe a sua expectativa de inflação πe. Como a taxa de inflação precisa exceder -100%, impõe-se a restrição πeA, onde A = (-1, ∞). Após observar πe, o banco central seleciona um par (π, y) que satisfaça a Curva de Phillips (4).6 6 Vale ressaltar que o banco central não escolhe y diretamente. A hipótese subjacente é que esse jogador irá conduzir a política monetária de forma a alcançar o produto desejado e as suas escolhas são restritas pela igualdade (4). Adicionalmente, πA e y ∈ ℝ+. O payoff do setor privado é dado por

(6) u p π e , π = π e π 2 ,

ao passo que o payoff do banco central é descrito por

u b y , π = k π 2 y 1 + γ y ¯ 2 ,

onde k e y são parâmetros positivos.

A função de payoff especificada para p é tal que esse jogador tem como objetivo prever corretamente a inflação. No caso de b, o seu payoff é uma função de perda quadrática padrão. O agente em questão tem dois objetivos possivelmente conflitantes: (i) fazer com que a inflação fique o mais próxima possível de zero e (ii) fazer com que o produto supere o seu patamar natural em 100γ pontos percentuais. O parâmetro k define os pesos relativos atribuídos aos alvos (i) e (ii).

Seguindo o procedimento usualmente adotado ao se resolver esse tipo de jogo, o próximo passo consiste em simplificar a análise por meio da eliminação da variável y. Para tanto, utiliza-se a restrição (4) para reescrever o payoff do banco central como função de π e πe. Mais especificamente, defina a função F de forma que Fπe,π=uby¯+μππe,π. Assim sendo,

(7) F π e , π = k π 2 μ π π e γ y ¯ 2 .

Ressalta-se para referência futura que, fixado πe, a função F é estritamente côncava em π.

Feita a simplificação acima, tem-se o jogo descrito a seguir. O jogador p escolhe πeA; o seu payoff é dado por (6). Após observar πe, o agente b seleciona πA. O payoff desse jogador está especificado em (7). Uma estratégia para p é um elemento de A, ao passo que uma estratégia para b é uma função com domínio e contradomínio em A. Dada a ação πe, o problema do banco central é

(8) max π A F π e , π .

Seja R(πe) a solução desse problema. O setor privado seleciona πeA de forma resolver o problema

(9) max π e A u p π e , R π e .

Um equilíbrio para o jogo base sem metas de inflação é um par (π̂e, R) tal que R(πe) resolve, para todo πe, o problema de b e π̂e resolve o problema de p. Um resultado para esse jogo é um vetor (π̂, π̂e) para o qual existe uma função R tal que (π̂e, R) é um equilíbrio e R(π̂e) = π̂.

Mostra-se a seguir que o jogo possui um único resultado. Denote as derivadas parciais de F(πe, π) com respeito a πe e π por, respectivamente, F1 e F2. A concavidade estrita de F com respeito a π assegura que a condição de primeira ordem

(10) F 2 π e , R π e = 0

do problema (8) é necessária e suficiente para um máximo global. Assim sendo, a função R é dada por

(11) R π e = μ 2 k + μ 2 π e + μ γ k + μ 2 y ¯ .

Como p deseja prever a inflação de forma correta e R é própria taxa de inflação selecionada pelo banco central, a resolução do problema (9) requer que π̂e = R(π̂e). Logo, π̂e = (µγ/k)y. Em seguida, utilize o fato de que π̂ = π̂e para concluir que

(12) π ̂ = μ γ k y ¯ .

Essa igualdade combinada com (5) estabelece que

(13) π ̂ = γ 1 a η k y ¯ .

No tocante ao produto de equilíbrio , o fato de que π̂ = π̂e implica que ŷ = y. Ou seja, assim como nos modelos de KP e BG, a tentativa do banco central de utilizar o tradeoff inerente à Curva de Phillips gera tão somente inflação. Em equilíbrio, o produto não ultrapassa o seu valor natural.

A taxa de inflação de equilíbrio π̂ é uma função estritamente crescente do grau de indexação a. Essa propriedade é consistente com a visão de que um maior grau de indexação tende a gerar uma inflação mais elevada. Adicionalmente, lima→1 π̂ = ∞. Logo, à medida que o grau de indexação se aproxima do seu valor máximo, a taxa de inflação de equilíbrio se torna infinitamente grande.

Encerra-se esta subseção com uma breve discussão sobre o papel do coeficiente γ. Observe que esse é justamente o parâmetro que determina a propensão do jogador b em perseguir um nível de atividade econômica superior a y. De fato, se γ = 0, então π̂ = 0. Ou seja, se o banco central não tiver como um dos seus objetivos fazer com que o PIB exceda à taxa natural de produção, então a inflação de equilíbrio será nula. Como a análise desenvolvida a seguir somente faz sentido se a desigualdade π̂ > 0 for respeitada, a hipótese de que γ é positivo desempenha um papel central neste ensaio.

3.2 Introduzindo o sistema de metas de inflação

A tarefa a ser realizada nesta parte do artigo consiste em modificar o jogo da subseção anterior de forma a incorporar o sistema de metas de inflação. Certamente, existe mais de uma maneira de executar tal tarefa. O leitor poderá observar que a solução adotada tem a importante vantagem de incorporar o sistema de metas inflação de forma extremamente simples e intuitiva.

Suponha que existe uma meta de inflação exógena π*. Essa variável satisfaz as desigualdades

0 < π * < γ y ¯ η k .

Observe que (γy)/(ηk) é igual ao valor que π̂ assume quando a = 0. Como π̂ é uma função estritamente crescente de a, está se assumindo que a meta π* é menor que π̂ para todo e qualquer valor de a. Desta forma, não há como se atingir π* no jogo base da subseção anterior apenas alterando o grau de indexação da economia.7 7 A hipótese de que π* é um número positivo foi introduzida por ser consistente com a experiência brasileira. Os resultados obtidos neste artigo também são válidos caso se assuma que π* = 0.

A última modificação consiste em estabelecer uma penalidade para o banco central caso a meta de inflação não seja atingida. Defina a função indicadora I(π) de forma que I(π) = π se π = π* e I(π) = 1 se ππ*. Seja C > 0 uma constante. O payoff do banco central passa a ser dado por

G π e , π = F π e , π CI π .

Consequentemente, o jogador b incorre no custo C sempre que ele implementar uma taxa de inflação distinta da meta π*.8 8 Walsh (2017, p.272) sugere que, existindo uma meta para inflação, deve se assumir que o payoff do banco central é dado por Fπe,π=−kπ−π*2−μπ−πe−γy¯2. Tal abordagem tem a desvantagem de assumir que o governo é capaz de modificar as preferências de um dos jogadores. Por outro lado, a solução adotado neste ensaio está mais em linha com a visão geral da moderna ciência econômica, a qual toma elementos como preferências e possibilidades tecnológicas como dados.

Convém que sejam feitos dois comentários sobre a última hipótese. Primeiro, ela é similar à adotada por Obstfeld (1994)Obstfeld, M. (1994). The logic of currency crises. Cahiers Économiques et Monétaires, 43, 189-213. https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k64967087/f191.image
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ao estudar o fenômeno das crises cambiais. Aquele autor assume que o banco central incorre uma penalidade sempre que ele permite que a taxa de câmbio se modifique. Segundo, o valor da penalidade pode ser associado à solidez das instituições de um país. Mais especificamente, em uma nação com instituições frágeis o valor de C tende a ser menor do que a sua contrapartida em um país no qual as instituições sejam mais robustas.

Tendo em vista que a função G é descontínua, convém que se discuta como se resolve o problema de otimização do banco central. Assim como na subseção anterior, R(πe) continuará a denotar a solução do problema (8). Fixado o valor de πe, G possui uma única descontinuidade. Assim sendo, o problema em questão pode ser resolvido em dois estágios. Primeiro, computa-se R(πe). Segundo, comparam-se os valores de G(πe, R(πe)) e G(πe, π*); a solução será a ação que proporcionar o maior payoff. Desta forma, dada uma ação πe do setor privado, a ação ótima do banco central será igual a R(πe) ou a π*.

A despeito das modificações acima descritas, a estrutura do jogo é igual àquela que foi discutida na seção 3.1. Inclusive, as definições de equilíbrio e resultado não se alteram.

Discute-se a seguir a caracterização dos equilíbrios. O valor da penalidade C tem um papel central na análise. A idéia é relativamente simples. Se C for suficientemente alto, πe = π = π* será o único resultado; se C for suficientemente baixo, o único resultado será πe = π = π̂. Para valores intermediários de C, admitem-se aqueles dois resultados. Em outras palavras, uma penalidade suficientemente alta garante que o banco central implementará a meta π*; uma penalidade muito baixa é irrelevante e não impacta o equilíbrio identificado na subseção anterior; por fim, uma penalidade intermediária gera equilíbrios múltiplos.

O próximo passo consiste em caracterizar os valores de C para os quais pode se ter cada uma das situações descrita no parágrafo anterior. Defina o valor crítico c1 de acordo com

(14) c 1 = F π * , R π * F π * , π * .

Vale ressaltar que c1 é justamente o valor de C para o qual o banco central fica indiferente entre implementar π* ou R(π*) se p tiver jogado πe = π*. Adicionalmente, R(π*) maximiza F(π*, π) e R(π*) ≠ π* (pois π̂ é o único ponto fixo de R). Pode-se então concluir que Fπ*,Rπ*>Fπ*,π*. Assim sendo, c1 > 0. Agora, defina c2 deforma que

(15) c 2 = F π ̂ , R π ̂ F π ̂ , π * .

Observe que c2 corresponde ao valor de C para o qual o banco central fica indiferente entre implementar π* ou R(π̂) se p tiver jogado πe = π̂. Assim como c1, c2 é um número positivo.

Lema 1.Os valores críticos c1e c2satisfazem a desigualdade c1< c2.

As demonstrações desse e dos demais lemas e proposições deste artigo estão disponíveis no Apêndice. Dando continuidade a análise, a próxima proposição caracteriza completamente o conjunto de resultados.

Proposição 1.Se C < c1, então existe um único equilíbrio cujo resultado é πe = π = π̂. Se C > c2, então existe um único equilíbrio cujo resultado é πe = π = π*. Se C ∈ [c1, c2], então existem exatamente dois equilíbrios cujos resultados são πe = π = π̂ e πe = π = π*.

Conclui-se esta seção com um breve resumo da mesma. Inicialmente, estudou-se um jogo base similar àqueles estudados por KP e BG. Contudo, no modelo aqui analisado o tradeoff entre inflação e produto inerente à Curva de Phillips depende do grau de indexação da economia. Verificou-se que a taxa de inflação de equilíbrio π̂ é uma função estritamente crescente do grau em questão. Em seguida, o jogo base foi modificado de forma a incorporar o sistema de metas de inflação. Para tanto, realizaram-se duas alterações. Primeiro, introduziu-se uma meta exógena π* para a inflação. Segundo, assumiu-se que o banco central incorreria em uma penalidade (ou seja, uma redução no seu payoff) C sempre que a inflação realizada fosse distinta da meta. Se a penalidade for suficientemente baixa, ela é irrelevante e π̂ é a única taxa de inflação de equilíbrio. Se a penalidade for elevada o suficiente, existe um único resultado e π = π*. Para valores intermediários de C, há dois equilíbrios, nos quais π = π̂ e π = π*.

4. O jogo repetido

Esta seção tem como objetivo entender a maneira pela qual a indexação afeta a capacidade do banco central de implementar a meta de inflação em um contexto intertemporal. Para tanto, estuda-se o jogo constituído pela repetição infinita do jogo base com metas de inflação discutido na seção 3.2.

4.1 Descrição do jogo

Seja ht=π0e,π0,π1e,π1,,πte,πt uma história de ações. A cada data t, o setor privado escolhe uma ação πte como função da história ht-1. Denote essa escolha por ρt (ht-1). Após observar πte, o banco central seleciona uma taxa de inflação πt como função de (ht-1, πte). A escolha do banco central é denotada por σt {ht-1, πte). Uma estratégia para o setor privado é uma sequência ρ=ρtt=0, ao passo que σ=σtt=0 é uma estratégia para o banco central. Dado um par de estratégias (ρ, σ) e uma história ht-1, o vetor (πte, πt) é determinado de acordo com a lei de movimento

(16) π t e , π t = ρ t h t 1 , σ t h t 1 , ρ t h t 1 .

Sejam δp e δb duas constantes no intervalo (0,1). A cada data t, o payoff do setor privado é dado por

(17) s = t δ p s t u p π s e , π s ,

ao passo que o payoff do banco central satisfaz

(18) s = t δ b s t G π s e , π s .

Ou seja, o payoff de cada jogador é igual à soma descontada dos correspondentes payoffs no jogo base com metas de inflação.9 9 É irrelevante para os resultados obtidos neste artigo se os fatores intertemporais de desconto δp e δb são ou não iguais. Adicionalmente, utilizou-se δ para denotar esses parâmetros, ao invés da notação mais usual β, para enfatizar que o fator de desconto cada jogador não é necessariamente igual ao fator de desconto de uma família representativa que habite uma economia na qual à Curva de Phillips (3) se verifique.

Conclui-se a descrição do jogo apresentando o problema a ser resolvido por cada jogador. Dado um plano de ações σss=t para o banco central e uma história ht-1, a cada data t o setor privado escolhe ρss=t de forma a maximizar (17). Dado um plano de ações ρss=t.+1 para o setor privado e um par (ht-1, πte), o banco central escolhe σss=t de forma a maximizar (18). Ambos os jogadores levam em consideração que o vetor (πt, πte) é determinado de acordo com a regra (16).

4.2 Equilíbrio

Um equilíbrio para o jogo repetido é um par (ρ, σ) tal que: (i) dado σss=tρss=t resolve oproblema do jogador p para toda história ht-1; e (ii) dado ρss=t+1,σss=t resolve o problema do jogador b para todo par (ht-1, πte). Um resultado para o jogo repetido é uma sequência πte,πtt=0, para a qual existe um equilíbrio (ρ, σ) com a seguinte propriedade: se ht1=π0e,π0,π1e,π1,,πt1e,πt1, então ρtht1=πteeσtht1,πte=πt.

Denote por Π* a sequência πte,πtt=0 na qual πte = πt = π* para todo t. O próximo passo consiste em caracterizar sob que condições Π* é um resultado do jogo repetido. Seguindo o procedimento padrão, a caracterização é feita a partir do resultado do jogo base. Contudo, conforme estabelecido na Proposição 1, a existência e a caracterização do equilíbrio do jogo base depende dos valores C, c1 e c2. Entende-se que o único caso relevante é aquele em que C < c1. Há dois motivos para tanto. Primeiro, somente quando essa desigualdade é satisfeita que π* não é um resultado do jogo base; assim sendo, a implementação de π* requer uma coordenação intertemporal das ações do banco central e do setor privado. Tendo em vista que importantes efeitos do sistema de metas de inflação são de natureza intertemporal, 10 10 Ver citações na nota de rodapé 4 deste texto. não assumir que C < c1 permitiria que tais efeitos fossem ignorados. Segundo, tendo em vista que C pode ser interpretado como uma métrica de robustez institucional, assumir que π* é um equilíbrio do jogo base é equivalente a postular que as instituições são fortes o suficiente para garantir que a meta será implementada mesmo que não haja coordenação intertemporal entre a autoridade monetária e os demais agentes. Na visão deste autor, tal hipótese é inconsistente com a realidade brasileira.

Um pequena questão técnica decorre do fato de que π̂ e as expressões das funções F e R dependem de µ. Por sua vez, esse parâmetro depende do grau de indexação a. Assim sendo, (14) implica que c1 depende de a. Por outro lado, a análise desenvolvida à frente requer que a desigualdade C < c1 se verifique para todo a. Estabelece-se abaixo que existe um número positivo c3 tal que se C < c3, então a desigualdade C < c1 é respeitada seja qual for o valor de a.

Lema 2.Existe um número c3 > 0 com a propriedade que c3c1 para todo a ∈ [0,1).

Defina as estratégias ρ̂ e σ̂ de acordo com ρ̂tht1=π̂eσ̂tht1,πte=Rπte para todo ht-1. O lema abaixo formaliza, para o presente contexto, um bem conhecido fato da literatura de jogos repetidos. Mais especificamente, o resultado do jogo base se constitui em um resultado do jogo repetido.

Lema 3.Suponha que C < c3. O par (ρ̂, σ̂) é um equilíbrio do jogo repetido e o correspondente resultadoπtt=0é tal que πte = πt = π̂ para todo t.

Considere a desigualdade

(19) s = t δ b s t G π * , π * G π * , R π * + s = t + 1 δ b s t G π ̂ , π ̂ .

Esse tipo de condição é bastante comum na literatura de jogos repetidos. A expressão do lado esquerdo corresponde ao payoff do jogador b se ele e o agente p coordenarem as suas ações de forma que πte = πt = π* em t e todas as datas subsequentes. Com relação ao lado direito, a parcela G(π*, R(π*)) é igual ao payoff, na data t, que b desfrutará se ele optar por desviar de π*; o somatório corresponde ao payoff que esse jogador desfrutará se ele e p coordenarem no equilíbrio do jogo base em t + 1 e todas as datas posteriores. Enquanto essa desigualdade for satisfeita, não existe um incentivo para que o banco central desvie da sequência Π*. De fato, é possível mostrar que (19) é uma condição necessária e suficiente para que a meta π* seja implementada em todas as datas.

Lema 4.Suponha que C < c3. A sequência Π* é um resultado do jogo repetido se, e somente se, a condição (19) se verifica para toda data t.

5. O papel da indexação

Analisa-se nesta seção a forma pela qual a indexação afeta a implementação da meta de inflação no jogo repetido. Em sua primeira subseção, estabelecem-se alguns resultados teóricos. Mostra-se que o valor do grau de indexação a desempenha um importante papel para determinar se a desigualdade (19) é ou não respeitada; desta forma, a possibilidade de Π* ser ou não um resultado de equilíbrio depende do valor assumido por a. Na subseção seguinte são discutidas as implicações dos resultados em questão para a política macroeconômica. Argumenta-se que a indexação atua como um substituto, mesmo que imperfeito, para instituições sólidas.

5.1 Resultados teóricos

Primeiramente, observe que a condição (19) é equivalente à desigualdade

(20) C 1 δ b F π * , R π * F π * , π * δ b 1 δ b F π * , π * F π ̂ , π ̂ .

Logo, o problema de estabelecer se Π* é ou não um resultado de equilíbrio se resume a verificar se essa desigualdade é ou não satisfeita.

Denote por Z o lado direito de (20); evidentemente, Z é uma função de a, δb e dos demais parâmetros do modelo. Faça δb → 1-. Como Fπ*,π*Fπ̂,π̂>0,Z; adicionalmente, o lado esquerdo da desigualdade diverge para ∞. Desta forma, a condição em questão será respeitada para δb suficientemente próximo de 1. Vale ressaltar que isso é verdade mesmo que C seja igual a 0. Assim sendo, em consonância com bem-conhecidos resultados da literatura de jogos repetidos, é possível implementar Π* se o banco central for suficientemente paciente (mesmo que a penalidade C seja nula).

Considere agora exercício de política econômica descrito a seguir. Suponha que o governo de uma dada nação deseja que daqui em diante a taxa de inflação no país seja igual a π*. Contudo, os parâmetros da economia são tais que

0 < F π * , R π * F π * , π * δ b 1 δ b F π * , π * F π ̂ , π ̂ .

Desta forma, não há como atingir o objetivo desejado. Evidentemente, uma elevação do valor de δb poderia resolver o problema; todavia, esse parâmetro não é uma variável de política econômica. Uma possível solução consiste em implementar um sistema de metas de inflação no qual a penalidade C seja suficientemente alta para que a desigualdade (20) seja satisfeita.

O exercício do parágrafo anterior fornece um contexto para a Proposição 2, principal resultado deste artigo e que é apresentada imediatamente abaixo. Ela deve ser interpretada tendo em mente a situação de um país que, a exemplo do Brasil, deseja atingir taxas de inflação relativamente modestas. Contudo, os parâmetros da sua economia são tais que a consecução de tal objetivo requer a adoção de um sistema como o de metas de inflação.

Proposição 2.Suponha que C < c3. Assim sendo, existem valores a1 e a2 pertencentes ao intervalo [0,1) com as seguintes propriedades: (i) se a ∈ [a1, l), então a sequência Π* é um resultado do jogo repetido; (ii) se a ∈ [0, a2), então a sequência Π* não é um resultado do jogo repetido.

É possível utilizar uma abordagem tradicionalmente adotada na literatura de jogos repetidos para interpretar a Proposição 2. Inicialmente, observe que as condições (19) e (20) são equivalentes à

F π * , π * 1 δ b F π * , R π * C + δ b 1 δ b F π ̂ , π ̂ C .

O lado esquerdo dessa desigualdade não depende de a. Por outro lado, F(πe, π*) ≤ 0 e lima→1- F(π̂, π̂) = −∞. Desta forma, seja qual for o valor de δb, o seu lado esquerdo torna-se infinitamente negativo à medida que a se aproxima de 1. Por outro lado, a implementação de um dado resultado através da utilização de estratégias do tipo trigger que especificam reversão para o equilíbrio do jogo base envolve um mecanismo de punição para um jogador que desvie do resultado a ser implementado. Sob o ponto de vista de cada jogador, a utilização de estratégias tipo trigger pelos demais jogadores corresponde a promessa crível de que ele será punido pelos demais agentes com a reversão para o equilíbrio do jogo base. Evidentemente, quando menor for o payoff no equilíbrio do jogo base, mais propenso cada jogador estará em seguir o curso de ação que evita a punição. Tal mecanismo é a força motriz subjacente à Proposição 2. À medida que o grau de indexação a cresce, o payoff F(π̂, π̂) do banco central no equilíbrio do jogo base se torna menor. Ou seja, um maior valor para a implica uma punição mais forte para o banco central caso ele desvie da sequência Π*. Esse é motivo pelo qual a indexação contribui para a implementação da meta π* no jogo repetido. De forma similar, se a for muito pequeno, então a punição não será forte o suficiente para fazer com que o banco central não desvie de Π* . 11 11 Vale ressaltar que as conclusões da Proposição 2 permanecem válidas mesmo que se assuma que C = 0. Desta forma, a indexação pode contribuir para a implementação de uma taxa de inflação baixa mesmo que não o regime de metas não tenha sido adotado.

É um exercício simples mostrar que a2a1. Suponha que essa desigualdade se verifica na sua forma estrita (ou seja, a2 < a1). Em tal contexto, se a ∈ [a2, a1), então a Proposição 2 nada diz sobre a questão de Π* ser ou não um resultado de equilíbrio. Assuma agora que a1 e a2 assumem um valor comum, o qual é denotado por a3. Nesse caso, a Proposição 2 se torna muito mais precisa, pois a desiguldade aa3 será uma condição necessária e suficiente para que Π* seja um resultado do jogo repetido. Dito isto, é natural que se indague sob que condições a1 e a2 serão iguais. Isso ocorrerá sempre que a desigualdade

(21) δ b 1 2 + 1 η 2 k

for respeitada. Vale ressaltar que se δb ≥ 1/2, então (21) é satisfeita.12 12 Tendo em vista que no contexto de modelos de equilíbrio geral dinâmicos usualmente se estima que o fator intertemporal de desconto β dos consumidores excede 0,9, alguém pode se sentir tentado a assumir que a condição (21) é necessariamente verdade. Contudo, a questão não é tão simples. Não necessariamente o valor de δb deve ser próximo ao de β. No caso específico do Brasil, possivelmente isso não ocorre. A razão para tanto é simples. Se o valor de δb fosse próximo de 1, então muito provavelmente a desigualdade (20) seria satisfeita mesmo que C fosse igual a zero. Logo, não teria havido necessidade de implementar um sistema de metas de inflação.

Proposição 3.Suponha que as desigualdades C < c3 e (21) são satisfeitas. Assim sendo, existe um valor a3 ∈ [0,1) tal que a sequência Π* é um resultado do jogo repetido se, e somente se, a ∈ [a3,1).

O mecanismo por trás desse resultado é de fácil compreensão. O termo F(π*, R(π*)) é estritamente crescente em a. A razão para tanto decorre da igualdade (4). Quanto maior for o valor de µ, maior será o crescimento do produto gerado por uma elevação na taxa de inflação. Como µ é uma função estritamente crescente de a, então o ganho do banco central em desviar da sequência Π* é tão maior quanto maior for o valor de a. Por outro lado, o valor de F(π̂, π̂) diminui quando a cresce. Isso se deve aos fatos de π̂ ser estritamente crescente em a e F(π, π) ser estritamente decrescente em π. Se (21) for satisfeita, então o segundo efeito é mais forte que o primeiro e, consequentemente, o lado direito de (19) é uma função estritamente decrescente do grau de indexação a. Assim sendo, se a3 é o menor valor de a para o qual (19) é satisfeita, então essa desigualdade será satisfeita para todo a > a3 e desrespeitada para todo a < a3.

5.2 Implicações para a política econômica

Estuda-se neste parte do ensaio as implicações, referentes à política macroeconômica, dos resultados apresentados na subseção anterior. Tendo em vista que a Proposição 3 é essencialmente um refinamento daquela que a antecedeu, a discussão será restrita à Proposição 2.

Antes de iniciar a tarefa a ser executada nesta subseção, há que se fazer uma ressalva. Conforme previamente mencionado, é um exercício simples mostrar que a2a1. Contudo, exceto por essa desigualdade, a proposição em questão é muda sobre o valores assumidos por a1 e a2; em particular, ela não exclui a possibilidade de que ambos sejam nulos. A análise que se segue implicitamente assume que a1 e a2 são positivos. Encerrada tal análise, serão tecidas considerações de cunho teórico e empírico sobre a possibilidade de esses parâmetros serem iguais a zero.

Mais uma vez, considere a situação de um governo que deseja implementar um sistema de metas de inflação. Fosse esse governo um ente todo-poderoso, então lhe seria suficiente estabelecer um valor suficientemente elevado para a penalidade C de forma que desigualdade (20) fosse satisfeita. Contudo, os governos do mundo real são entidades com poderes limitados. Assim sendo, a sua capacidade de penalizar agentes, inclusive os gestores do banco central, não é irrestrita. No caso específico do parâmetro C, é razoável assumir que o seu valor depende da solidez institucional do país. Por exemplo, em uma nação na qual o legislativo tem poderes para tanto e os congressistas efetivamente atuam de forma a monitorar a atuação do ministro da fazenda e do presidente do banco central, o incentivo para que os formuladores e gestores da política macroeconômica implementem a meta de inflação tende a ser maior do que em uma sociedade na qual esses agentes somente se reportam ao chefe do executivo.

Dito isto, assuma que o governo estabeleceu o sistema de metas e, consequemente, há uma penalidade C implícita nos mecanismos de execução, controle e monitoramento da política econômica. O sucesso ou fracasso do novo regime de política econômica dependerá do parâmetro a. Se essa variável for alta o suficiente de forma que aa1, então Π* será um resultado de equilíbrio. Contudo, se a for menor que a2, então o sistema de metas fracassará.

Considere agora o caso de um país que já adotou o regime de metas e vem tendo sucesso em implementar a sequência Π*. Logo, pode-se inferir que aa1. Assuma agora que o seu governo realize reformas que levem a uma redução do grau de indexação.13 13 Não se pode descartar a possibilidade de que a economia brasileira seria menos indexada caso o país tivesse mantido a inflação em patamares mais baixos nos últimos anos. Logo, uma política macroeconômica que tenha a sucesso em manter a inflação sob controle talvez tenha mais sucesso em desindexar a economia do que um conjunto de normas legais. Seja ã o novo valor desse parâmetro. Se ã < a2, então Π* deixará de ser um resultado de equilíbrio. Isto é, uma redução do grau de indexação pode tornar o sistema de metas de inflação ineficaz.

Os exercícios acima ilustram um ponto importante: a indexação funciona como um substituto, mesmo que imperfeito, para um baixo valor de C. Se o leitor estiver disposto a atribuir esse baixo valor a uma relativa debilidade das instituições, ele pode então concluir que a indexação atua de forma a compensar tal fraqueza. Ou seja, se uma nação possui instituições fracas, então a indexação pode contribuir para o sucesso do sistema de metas de inflação.

Conforme mencionado no segundo parágrafo desta subseção, a discussão acima pressupõe que a1 > 0 e a2 > 0. Analisa-se a seguir o caso em ambos os parâmetros são iguais a zero.14 14 Estritamente falando, deveria também se estudar o que ocorre quando a1 > 0 e a2 = 0. Contudo, pequenas alterações nos argumentos aqui apresentados contemplam esse caso. Assim sendo, ele não será discutido explicitamente. Se isso ocorrer, então a Proposição 2 implica que Π* é um resultado do jogo repetido seja qual for o valor de a. Assim sendo, em tal contexto não há como uma reforma que reduza o grau de indexação da economia tornar o sistema de metas de inflação ineficaz.

Tendo em vista que as implicações do parágrafo anterior são opostas àquelas previamente obtidas, é natural que se indague se é possível fazer alguma inferência sobre os valores de a1 e a2. Esse é um problema de natureza essencialmente empírica. Este autor desconhece a existência de algum texto que tenha abordado tal questão. Presentemente, o máximo que se pode dizer é que, antes da implementação do sistema de metas de inflação, possivelmente os parâmetros da economia brasileira eram tais que a < a1.15 15 Vale ressaltar que os valores de a1 e a2 dependem da penalidade C. Afinal de contas, se desigualdade aa1 se verificasse antes mesmo da introdução do regime de metas, então não haveria motivos para a implantação do mesmo. Por outro lado, o relativo sucesso desse regime sugere que presentemente os parâmetros são tais que aa1.

Provavelmente é necessário que se realize uma investigação empírica para que seja possível tecer considerações adicionais sobre os valores de a, a1 e a2. Ressalta-se que modelo utilizado neste ensaio é excessivamente simples para ser utilizado em um exercício econométrico. Por exemplo, Aragón e Portugal (2009)Aragón, E. K. d. S. B., & Portugal, M. S. (2009). Central bank preferences and monetary rules under the inflation targeting regime in Brazil. Brazilian Review of Econometrics, 29(1), 79-109. http://dx.doi.org/10.12660/bre.v29n12009.2697
http://dx.doi.org/10.12660/bre.v29n12009...
e Palma e Portugal (2011)Palma, A. A., & Portugal, M. S. (2011). Preferences of the central bank of Brazil under the inflation targeting regime: Commitment vs discretion. Revista Brasileira de Economia, 65(4), 347-358. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71402011000400002
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71402011...
buscam obter estimativas de parâmetros das preferências do Banco Central do Brasil. Em ambos os trabalhos, os modelos estimados são consideravelmente mais complexos do que o utilizado neste ensaio. Por outro lado, a adoção de um modelo mais sofisticado não é desprovida de custos, pois isso tornaria necessário refazer toda a análise teórica realizada neste texto. Dito isto, este autor acredita que a realização de uma investigação empírica é um passo importante para que se tenha uma melhor compreensão da relação entre indexação e o funcionamento do sistema de metas de inflação.

6. Formulações alternativas da Curva de Phillips

Mostra-se nesta parte do artigo que os resultados similares àqueles obtidos nas seções anteriores também podem ser derivados em um contexto no qual a Curva de Phillips seja, a exemplo do que ocorre na abordagem dita novo-keynesiana, do tipo forward looking. Consequentemente, as implicações para a política econômica levantadas na seção 5.2 também são válidas nessa classe alternativa de modelos.

No momento em que se admite que as variáveis πt e πte+1 integram a expressão da relação de Phillips, a interação estratégica envolvendo o banco central e o setor privado necessariamente passa a ter uma natureza intertemporal. Desta maneira, não existe um jogo base cujo o resultado possa ser utilizado como ponto de partida para caracterizar o conjunto de resultados do jogo de horizonte infinito. Ainda assim, uma abordagem similar à adotada na seção 3.1 permite que se caracterize um primeiro equilíbrio; por sua vez, esse equilíbrio pode ser utilizado para caracterizar todos os demais.

Para facilitar a exposição, adota-se em um primeiro momento a mais simples possível variação de (3) na qual as expectativas de inflação se referem à data t+1. Mais especificamente, assume-se que que a relação de Phillips é dada por

π t = π t + 1 e + 1 a η y t y ¯ .

Assim sendo,

(22) y t = y ¯ + μ π t π t + 1 e .

Considere agora a seguinte variante do jogo da seção 4. A cada data t, o setor privado escolhe πte+1 como função da história (a qual agora deve também incluir πte). Após observar a ação do setor privado, o banco central escolhe a taxa de inflação πt. O payoff do setor privado é dado por (17). No tocante ao banco central, é preciso redefinir as funções F e G. De forma similar à relação (7), a primeira delas é dada por

F π t + 1 e , π t = k π t 2 μ π t π t + 1 e γ y ¯ 2 .

Agora, redefina G de forma que

(23) G π t + 1 e , π t = F π t + 1 e , π t CI π t ,

onde I é a função indicadora previamente definida. Por fim, o payoff do jogador b é tal que

s = t δ b s t G π s + 1 e , π s .

É possível adaptar a abordagem utilizada na seção 3 para construir um equilíbrio para esse jogo intertemporal. Seja S a função dada por

S π t + 1 e = μ 2 k + μ 2 π t + 1 e + μ γ k + μ 2 y ¯ .

Essa função corresponde à taxa de inflação πt que, dado o valor de πte+1, maximiza F(πte+1, πt). Ela desempenha um papel similar à função R, definida em (11), e π̂ é o seu único ponto fixo. É um exercício simples mostrar que, a exemplo do Lema 3, o par (ρ̂, σ̂) é um equilíbrio e que o correspondente resultado é πte+1 = πt = π̂ para toda data t. Adicionalmente, todos os lemas e proposições posteriores são válidos no presente contexto.16 16 Vale ressaltar que é necessário reinterpretar os parâmetros c1, c2 e c3. Ao invés de estarem relacionados às propriedades do equilíbrio do jogo base com metas de inflação, eles dizem respeito às propriedades do ponto fixo de S.

Suponha agora que a relação de Phillips seja dada por

π t = β π t + 1 e + 1 a η y t y ¯ ,

onde β ∈ (0,1) é o fator de desconto intertemporal de uma família representativa que habita uma economia na qual a relação acima se verifica. Essa igualdade pode ser interpretada como uma versão determinística, na qual o coeficiente angular depende do grau de indexação a, da Curva de Phillips em Galí (2015, p.129)Galí, J. (2015). Monetary policy, inflation, and the business cycle: An introduction to the new keynesian framework and its applications (2ª ed.). Princeton University Press.. Rearrajando os termos, obtém-se

y t = y ¯ + μ π t β π t + 1 e .

Se β fosse igual a 1, então a última igualdade seria idêntica à (22). Desta forma, é natural que se conjecture que se o valor de β estiver suficientemente próximo de 1, então será possível reproduzir alguns dos resultados previamente obtidos. De fato, mostra-se a seguir que em tal contexto é possível obter um resultado similar à Proposição 2.

Redefina F de forma que

F π t + 1 e , π t = k π t 2 μ π t β π t + 1 e γ y ¯ 2 .

A função G satisfaz (23). Seja S o valor de πt que maximiza F para um dado valor de πte+1.

Desta maneira,

S π t + 1 e = μ 2 k + μ 2 β π t + 1 e + μ γ k + μ 2 y ¯ .

Essa função tem um único ponto fixo π̃, o qual satisfaz

π ˜ = μ γ k + μ 2 1 β y ¯ .

É importante destacar que π̃ é estritamente crescente em µ para µ < µ, onde

μ ¯ = k 1 β ,

e decrescente para µµ. Por outro lado, π̂ é estritamente crescente em µ e essa propriedade tem um papel importante nas demonstrações dos resultados das seções anteriores. Assim sendo, de forma a assegurar que π̃ se comporta de forma similar à π̂, assume-se que µ < µ. Tendo em vista a relação entre a e µ imposta por (5), a última desigualdade é equivalente à a < a, onde

a ¯ = 1 1 η 1 β k .

Sejam ρ̃ e σ̃ a estratégias nas quais o setor privado e o banco central jogam, para toda história, πte+1 = π̃ e πt = S(πte+1). Se C for suficientemente pequeno,17 17 Lembre que a condição a condição C < c3 foi utilizada em diversas passagens da seção 4. Aqui ela é substituída pelo pressuposto de que o valor de C é suficientemente pequeno. Ao se adotar esse hipótese mais vaga, elimina-se a necessidade de se executar a longa análise dos parâmetros c1, c2 e c3 realizada na seção 3.2 e no Lema 2. o par (ρ̃, σ̃) é um equilíbrio e o correspondente resultado é πte+1 = πt = π̃ para toda data t. Esse equilíbrio pode ser utilizado para suportar, por meio de estratégias do tipo trigger, outros resultados. Desta forma, Π* será um resultado de equilíbrio se, e somente se,

(24) C 1 δ b F π * , S π * F π * , π * δ b 1 δ b F π * , π * F π ˜ , π ˜ .

Dito isto, é possível obter uma conclusão similar à Proposição 2.

Proposição 4.Suponha que o valor de C é suficientemente pequeno. Existe um número β0 ∈ (0,1) tal que se ββ0, então existem valores α1 e α2 pertencentes ao intervalo [0, a) com as seguintes propriedades: (i) se a ∈ [α1, a), então a sequência Π* é um resultado do jogo; (ii) se a ∈ [0, α2), então a sequência Π* não é um resultado do jogo.

Tendo em vista essa última proposição, a análise realizada na seção 5.2 também é valida no presente contexto. Evidentemente, há que se adicionar à discussão referente aos valores dos parâmetros a questão da condição ββ0 ser ou não consistente com a evidência empírica.

7. Considerações finais

Na visão de vários economistas brasileiros, o controle da inflação será tão mais difícil o quão mais prevalente for a indexação. Utilizou-se neste ensaio o ferramental da Teoria dos Jogos para verificar se essa concepção está correta no contexto do regime de metas de inflação. De forma contrária à sabedoria convencional, verificou-se que a indexação pode contribuir para que se implemente uma meta cujo o valor seja inferior àquela taxa de inflação que prevaleceria se tal regime de política monetária não estivesse em vigor.

O resultado acima descrito foi obtido em um jogo repetido no qual o jogo base (stage game) é similar àqueles estudados por Kydland e Prescott (1977) Kydland, F. E., & Prescott, E. C. (1977). Rules rather than discretion: The inconsistency of optimal plans. Journal of Political Economy, 85(3), 473-492. https://www.jstor.org/stable/1830193
https://www.jstor.org/stable/1830193...
e Barro e Gordon (1983aBarro, R. J., & Gordon, D. B. (1983a). A positive theory of monetary policy in a natural rate model. Journal of Political Economy, 91(4), 589-610. http://dx.doi.org/10.1086/261167
http://dx.doi.org/10.1086/261167...
, 1983b)Barro, R. J., & Gordon, D. B. (1983b). Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy. Journal of Monetary Economics, 12(1), 101-121. http://dx.doi.org/10.1016/0304-3932(83)90051-X
http://dx.doi.org/10.1016/0304-3932(83)9...
. O jogo aqui considerado difere dos daqueles autores em dois aspectos: (i) o tradeoff subjacente à Curva de Phillips entre inflação e hiato do produto depende do grau de indexação da economia e (ii) o banco central sofre uma penalidade (i.e., uma redução no seu payoff) caso ele falhe em implementar a meta de inflação.

A intuição por trás do resultado de que a indexação pode contribuir para o sucesso do sistema de metas de inflação é relativamente simples. Conforme é bem conhecido da literatura de jogos repetidos, a ameaça de que haverá um desvio para o equilíbrio do jogo base pode ser utilizada para induzir os jogadores a se comportarem de maneira cooperativa, viabilizando-se assim a implementação no jogo repetido de resultados superiores ao do jogo base. Exatamente esse mecanismo é utilizado para implementar a meta de inflação no jogo repetido. Contudo, a taxa de inflação no equilíbrio do jogo base é uma função crescente do grau de indexação da economia. Adicionalmente, o payoff do banco central decresce à medida que a inflação cresce. Assim sendo, o valor do payoff da autoridade monetária no ponto de equilíbrio se relaciona de forma decrescente com o grau de indexação. Logo, quanto menos indexada for a economia, menor será o incentivo do banco central para atuar de forma que a economia atinja um resultado distinto do equilíbrio do jogo base.

A sabedoria convencional referente à indexação tem as suas raízes no longo debate que antecedeu o Plano Real. Contudo, a atual situação da economia brasileira é completamente distinta daquela que prevalecia antes da estabilização. Atualmente, as taxas de inflação são muito menores, a indexação é menos disseminada e a política monetária é regida pelo sistema de metas de inflação. Assim sendo, não necessariamente a presente relação entre inflação e indexação é similar àquela que vigorou até julho de 1994. Novos estudos, teóricos e empíricos, são necessários para que se tenha uma boa compreensão dessa importante questão.

  • 1
    Quanto utilizada neste artigo, a expressão jogo base deve ser entendida como equivalente à inglesa stage game.
  • 2
    Conforme é demonstrado na seção 2, uma Curva de Phillips com a propriedade em questão é obtida a partir da combinação de duas hipóteses: (i) alguns preços são reajustados de acordo com a inflação do período anterior e (ii) a inflação dos preços livres (i.e., preços não indexados) se relaciona o hiato do produto por meio de uma Curva de Phillips padrão.
  • 3
    Enfatiza-se que neste artigo a expressão governo é utilizada em um sentido amplo. Ou seja, esse conceito engloba executivo, legislativo e demais componentes do aparato estatal.
  • 4
    Por exemplo, Bernanke, Laubach, Mishkin, e Posen (1999, p.24)Bernanke, B. S., Laubach, T., Mishkin, F. S., & Posen, A. S. (1999). Inflation targeting: Lessons from the international experience. Princeton: Princeton University Press. afirmam que "inflation targeting requires an accounting to the public of the projected long-run implications of [the central bank's] short-run policy actions." De acordo com Svensson (2011, p.1250)Svensson, L. E. O. (2011). Inflation targeting. In B. M. Friedman & M. Woodford (Orgs.), Handbook of monetary economics (Vol. 3B). Amsterdã: North-Holland., "Inflation targetinghas stabilized long-run inflation expectations." Por sua vez, Walsh (2009, p.221)Walsh, C. E. (2009). Inflation targeting: What have we learned? International Finance, 12(2), 195-233. http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-2362.2009.01236.x
    http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-2362.20...
    menciona "the importance of forward-looking expectations for current macroeconomic developments."
  • 5
    Curiosamente, a própria economia brasileira teve uma experiência na qual houve uma elevação do grau de indexação seguida por quedas nas taxas de inflação. De fato, conforme mencionado no primeiro parágrafo deste texto, a correção monetária foi introduzida em 1964, sendo que nos anos seguintes a inflação teve uma trajetória descendente. Ressalta-se que não se faz aqui qualquer inferência sobre uma possível relação de causalidade entre os dois eventos.
  • 6
    Vale ressaltar que o banco central não escolhe y diretamente. A hipótese subjacente é que esse jogador irá conduzir a política monetária de forma a alcançar o produto desejado e as suas escolhas são restritas pela igualdade (4).
  • 7
    A hipótese de que π* é um número positivo foi introduzida por ser consistente com a experiência brasileira. Os resultados obtidos neste artigo também são válidos caso se assuma que π* = 0.
  • 8
    Walsh (2017, p.272)Walsh, C. E. (2017). Monetary theory and policy (4ª ed.). Cambridge, MA: MIT Press. sugere que, existindo uma meta para inflação, deve se assumir que o payoff do banco central é dado por Fπe,π=kππ*2μππeγy¯2. Tal abordagem tem a desvantagem de assumir que o governo é capaz de modificar as preferências de um dos jogadores. Por outro lado, a solução adotado neste ensaio está mais em linha com a visão geral da moderna ciência econômica, a qual toma elementos como preferências e possibilidades tecnológicas como dados.
  • 9
    É irrelevante para os resultados obtidos neste artigo se os fatores intertemporais de desconto δp e δb são ou não iguais. Adicionalmente, utilizou-se δ para denotar esses parâmetros, ao invés da notação mais usual β, para enfatizar que o fator de desconto cada jogador não é necessariamente igual ao fator de desconto de uma família representativa que habite uma economia na qual à Curva de Phillips (3) se verifique.
  • 10
    Ver citações na nota de rodapé 4 deste texto.
  • 11
    Vale ressaltar que as conclusões da Proposição 2 permanecem válidas mesmo que se assuma que C = 0. Desta forma, a indexação pode contribuir para a implementação de uma taxa de inflação baixa mesmo que não o regime de metas não tenha sido adotado.
  • 12
    Tendo em vista que no contexto de modelos de equilíbrio geral dinâmicos usualmente se estima que o fator intertemporal de desconto β dos consumidores excede 0,9, alguém pode se sentir tentado a assumir que a condição (21) é necessariamente verdade. Contudo, a questão não é tão simples. Não necessariamente o valor de δb deve ser próximo ao de β. No caso específico do Brasil, possivelmente isso não ocorre. A razão para tanto é simples. Se o valor de δb fosse próximo de 1, então muito provavelmente a desigualdade (20) seria satisfeita mesmo que C fosse igual a zero. Logo, não teria havido necessidade de implementar um sistema de metas de inflação.
  • 13
    Não se pode descartar a possibilidade de que a economia brasileira seria menos indexada caso o país tivesse mantido a inflação em patamares mais baixos nos últimos anos. Logo, uma política macroeconômica que tenha a sucesso em manter a inflação sob controle talvez tenha mais sucesso em desindexar a economia do que um conjunto de normas legais.
  • 14
    Estritamente falando, deveria também se estudar o que ocorre quando a1 > 0 e a2 = 0. Contudo, pequenas alterações nos argumentos aqui apresentados contemplam esse caso. Assim sendo, ele não será discutido explicitamente.
  • 15
    Vale ressaltar que os valores de a1 e a2 dependem da penalidade C.
  • 16
    Vale ressaltar que é necessário reinterpretar os parâmetros c1, c2 e c3. Ao invés de estarem relacionados às propriedades do equilíbrio do jogo base com metas de inflação, eles dizem respeito às propriedades do ponto fixo de S.
  • 17
    Lembre que a condição a condição C < c3 foi utilizada em diversas passagens da seção 4. Aqui ela é substituída pelo pressuposto de que o valor de C é suficientemente pequeno. Ao se adotar esse hipótese mais vaga, elimina-se a necessidade de se executar a longa análise dos parâmetros c1, c2 e c3 realizada na seção 3.2 e no Lema 2.
  • *
    O autor agradece o apoio financeiro do CNPq. O artigo se beneficiou dos comentários e sugestões de Eurilton Araújo, Fernando de Holanda Barbosa, Antonio Luis Licha, Viviane Luporini, de um parecerista anônimo e das audiências de apresentações no Departamento de Estudos e Pesquisa (Depep) do Banco Central do Brasil e no XL Encontro Brasileiro de Econometria.

Apêndice. Demonstrações

Lema 1. Defina a função m(πe) de forma que mπe=Fπe,RπeFπe,π*.

Observe que m(π̂) = c2, m(π*) = c1 e

(A-1) c 2 c 1 = π * π ̂ m π e d π e .

Adicionalmente,

m π e = F 1 π e , R π e + F 2 π e , R π e R π e F 1 π e , π * .

Utilize (10) para mostrar que mπe=F1πe,RπeF1πe,π*. Tendo em vista que F1πe,π=2μμππeγy¯, conclui-se que mπe=2μ2Rπeπ*. Combine essa igualdade com (A-1). Esse procedimento estabelece que

(A-2) c 2 c 1 = 2 μ 2 π * π ̂ R π e π * d π e .

Por outro lado, (11) e (12) implicam que

(A-3) R π * π * = k k + μ 2 π ̂ π * > 0 .

Como R é estritamente crescente, conclui-se que R(πe) - π* > 0 para todo πeπ*. Logo, o lado direito de (A-2) é positivo. Desta forma, c2 > c1.

Proposição 1. Há três casos a serem considerados: (i) C < c1, (ii) C > c2 e (iii) C ∈ [c1, c2]. Inicia-se a demonstração pelo caso (i). Como C < c1, C < c2. Combine essa desigualdade com (15) para concluir que Fπ̂,π*<Fπ̂,Rπ̂C. Assim sendo, se setor privado jogar πe = π̂, então a ação ótima para o banco central consiste em jogar π = R(π̂) = π̂. Tendo em vista que πe = π, o payoff do setor privado será igual a zero. Assim sendo, πe = π = π̂ é um resultado de equilíbrio.

Para concluir a análise do caso (i), é preciso mostrar que não existe outro resultado. Suponha que o setor privado jogue πe = π*. Combine (14) com a desigualdade C < c1 para concluir que Fπ*,π*<Fπ*,Rπ*C. Como R(π*) ≠ π*, pode se concluir que o banco central não jogará π = π*. Assim sendo, πe será diferente de π, o que faz com que o payoff do setor privado seja negativo. Assim sendo, ação πe = π̂ domina estritamente a ação πe = π*. Logo, não há um resultado no qual πe = π*. Suponha agora que o setor privado implemente uma ação genérica π' distinta de ambas π* e π̂. Se a resposta ótima do banco central for π = π*, então o payoff do setor privado será negativo; logo, π' não pode ser uma escolha ótima para o jogador p. Se a resposta ótima do banco central for diferente de π*, então ela será igual a R(π'); como π'π̂ e π̂ é o único ponto fixo de R, R(π') ≠ π'. Assim, conclui-se novamente que o payoff do setor privado será negativo; mais uma vez, π' não pode ser uma escolha ótima para o jogador p. Desta forma, não existe um resultado no qual πe = π'.

Considere agora o caso (ii). Como C>c2>c1,Fπ*,π*>Fπ*,Rπ*C. Assim sendo, se p jogar πe = π*, b jogará π = π*. Desta forma, πe = π = π* é um resultado de equilíbrio. Resta mostrar que esse resultado é único. Suponha que p jogue πe = π̂. Como C>c2,Fπ̂,π*>Fπ̂,Rπ̂C. Logo, b jogará π = π*. Assim sendo, πe = π̂ não é uma escolha ótima para o setor privado. Ademais, se p jogar πe = π' ∉ {π*, π̂}, então banco central jogará π = π* ou π = R(π'). Mais uma vez, π' não é uma ação ótima para p.

Por fim, considere o caso (iii). Como c1C,Fπ*,π*Fπ*,Rπ*C. Assim sendo, πe = π = π* é um resultado do jogo. Adicionalmente, Cc2 implica que Fπ̂,π*Fπ̂,Rπ̂C. Desta forma, πe = π = π̂ também é um resultado. Para estabelecer que não há outros resultados, considere mais uma vez o que ocorre se p implementar uma ação π' ∉ { π*, π̂}. O raciocínio utilizado no final do parágrafo anterior estabelece que π' não é uma escolha ótima para o setor privado.

Lema 2. O primeiro passo da demonstração consiste em provar que c1 é uma função estritamente crescente de a. Tendo em vista a igualdade (5), é suficiente mostrar que c1 é estritamente crescente em µ. Denote a derivada da expressão de F(πe, π) com respeito à µ por Fµ. Atribua a Rµ um significado equivalente. Diferencie (14) com respeito à µ para concluir que

c 1 μ = F μ π * , R π * + F 2 π * , R π * R μ π * F μ π * , π * .

Observe que (A-3) estabelece que R(π*) - π* > 0. Ademais, (11) implica que

k + μ 2 R π * = μ 2 π * + μ γ y ¯ μ R π * π * γ y ¯ = k μ R π * < 0 .

Como

F μ π * , R π * = 2 R π * π * μ R π * π * γ y ¯ ,

conclui-se que Fµ (π*, R(π*)) > 0. É trivial mostrar que Fµ (π*, π*) = 0. Adicionalmente, (10) implica que F2(π*, R(π*)) = 0. Assim sendo, ∂c1/∂µ > 0.

Para enfatizar que c1 depende de a, escreva c1(a). Como c1 é estritamente crescente em a e a ≥ 0, pode se concluir que c1(0) ≤ c1(a) para todo a. Defina c3 = c1(0). Claramente, c3c1(a) para todo a ∈ [0,1]. Por fim, como c1(0) é positivo, o mesmo vale para c3.

Lema 3. Se o setor privado implementa a estratégia ρ̂, então σ̂ é a melhor estratégia para o banco central; similarmente, se o banco central joga σ̂, então ρ̂ é a estratégia ótima para o setor privado. Adicionalmente, σ̂tht1,π̂=Rπ̂=π̂; desta forma, o resultado induzido por (ρ̂, σ̂) é tal que πte = πt = π̂ para todo t.

Lema 4. Considere inicialmente a parte "se". Suponha que a sequência Π* satisfaz (19). É preciso construir estratégias que implementem Π* como resultado do jogo. Seguindo o padrão usual da literatura, são construídas estratégias do tipo trigger que especificam reversão para ρ̂ e σ̂ caso ocorra algum desvio de Π*. Formalmente, seja ht* a história na qual πse = πs = π* para todo st. Defina a estratégia ρ* de forma que ρt*ht1=π* se ht1=h*t1;eρt*ht1=π̂seht1=h*t1. Similarmente, σ* satisfaz σt*ht1,πte=π* se ht1,πte=h*t1,π* e σt*ht1,πte=Rπte se ht1,πteh*t1,π*. Claramente, o par ( ρ*, σ*) implementa a sequência Π*. Resta mostrar que (ρ*, σ*) é um equilíbrio. Suponha que o setor privado adota a estratégia ρ*. Seja ht-1 uma história qualquer. Se ht-1 = h*t-1, então (19) estabelece que implementar π* é uma ação ótima para o banco central; se ht-1h*t-1, então o melhor que o banco central pode fazer é jogar R(πte). Logo, σ* é uma melhor resposta para ρ*. Suponha agora que o banco central joga σ*. Em tal contexto, ao jogar ρ* o setor privado fará com que πte = πt seja lá qual for a história ht-1. Desta forma, ρ* é uma melhor resposta para σ* .

Com relação à parte "somente se", é suficiente mostrar que se (19) não é satisfeita para alguma data t, então Π* não é um resultado. Seja s a primeira data na qual a condição em questão é violada. Considere a situação do banco central. Esse jogador pode reverter para a estratégia σ̂. Se isso acontecer, a melhor resposta para o setor consistirá em jogar ρ̂. Isso fará com que πs = R(π*) e πt = π̂ para todo ts + 1. Como a desigualdade (19) não se verifica, a reversão para σ̂ faz com que o banco central tenha um payoff maior do aquele que ele desfrutaria se implementasse π* na data s. Logo, Π* não pode ser um resultado de equilíbrio.

Proposição 2. Inicialmente, observe que o problema de se estabelecer que Π* é ou não um resultado de equilíbrio se resume a verificar se a desigualdade (20) é ou não satisfeita. Lembre que Z foi previamente definido como sendo igual ao lado direito de desigualdade em questão. Considere o item (i). O primeiro passo da prova consiste em mostrar que se a → 1-, então Z → -∞. Rearranjando os termos, conclui-se que

Z = F π * , R π * + δ b 1 δ b F π ̂ , π ̂ 1 1 δ b F π * , π * .

Utilize (7) para concluir que Fπ,π=kπ2+γy¯2. Assim sendo,

(A-4) Z = F π * , R π * δ b 1 δ b k π ̂ 2 + γ y ¯ 2 + 1 1 δ b k π * 2 + γ y ¯ 2 Z = F π * , R π * + k π * 2 1 δ b + γ y ¯ 2 δ b 1 δ b k π ̂ 2 Z k π * 2 1 δ b + γ y ¯ 2 δ b 1 δ b k π ̂ 2 ,

onde a última desigualdade decorre do fato de que F(πe, π) ≤ 0. Como (13) implica que π̂ → ∞ à medida que a → 1-, o lado direito de (A-4) diverge para -∞ quando a → 1-. Assim sendo, lima→1- Z(a) = -∞. Logo, para todo C existe um número a1 ∈ [0,1) tal que se aa1, então C ≥ (1 - δb) Z(a). Desta forma, se aa1, então a condição (20) é satisfeita.

Considere agora o item (ii). Seja A' ⊆ [0,1) o conjunto de todos os números a' que satisfazem a desigualdade C ≥ (1 - δb) Z(a'). Como A' é limitado, esse conjunto possui um ínfimo. Defina a2 = inf A'. Suponha que a2 > 0. Seja a qualquer elemento de [0,1) tal que a < a2; logo, aA'. Assim sendo, C < (1 - δb) Z(a). Essa última desigualdade implica que a condição (20) não é satisfeita. Se a2 = 0, então [0, a2) = ∅ e, por tal motivo, não há o que mostrar.

Proposição 3. Esta prova é divida em três passos: (i) mostra-se que (21) implica que Z é uma função estritamente decrescente de a; (ii) caracteriza-se o valor a3; (iii) utilizam-se os dois passos anteriores para mostrar que a3 possui as propriedades desejadas.

No tocante ao passo (i), (5) implica que a e µ se relacionam de forma estritamente crescente. Logo, é suficiente mostrar que ∂Z/∂µ < 0. Observe que

Z μ = F μ π * , R π * + F 2 π * , R π * R μ π * F μ π * , π * δ b 1 δ b F μ π * , π * F μ π ̂ , π ̂ + F 1 π ̂ , π ̂ + F 2 π ̂ , π ̂ π ̂ μ ,

onde π̂µ denota a derivada de π̂ com respeito a µ. A condição de primeira ordem (10) implica que F2π*,Rπ*=0 e F2π̂,π̂=0, pois π̂ = R(π̂). Adicionalmente, Fμπ*,π*=0, Fμπ̂,π̂=0 e F1π̂,π̂+F2π̂,π̂=2kπ̂. Assim sendo,

Z μ = F μ π * , R π * δ b 1 δ b 2 k π ̂ π ̂ μ .

Além do mais, π̂=μγ/kŷ,π̂μ=γ/ky¯ e

F μ π * , R π * = 2 R π * π * μ R π * π * γ y ¯ .

Combine as quatro últimas igualdades e efetue alguns algebrismos. Esse procedimento estabelece que

Z μ = 2 μ R π * π * 2 + 2 γ y ¯ R π * π * δ b 1 δ b π ̂ .

Juntas, (A-3) e a última igualdade implicam que

(A-5) Z μ = 2 μ R π * π * 2 + 2 γ y ¯ k k + μ 2 δ b 1 δ b π ̂ k k + μ 2 π * .

Por outro lado, (21) implica que

δ b 1 2 + 1 1 a 2 η 2 k = 1 2 + μ 2 k = k 2 k + μ 2 δ b 1 δ b k k + μ 2 .

Combine a última desigualdade com (A-5) para concluir que ∂Z/∂µ < 0.

Com relação ao passo (ii), seja C uma penalidade genérica. Se C ≥ (1 - δb) Z(0), então faça a3 = 0. Suponha que agora que C < (1 - δb) Z(0). Como lima→1- Z(a) = -∞, existe um grau de indexação a'0 < 1 tal que C > (1 - δb) Z(a'0). Tendo em vista a continuidade de Z(a), existe um número a'1 ∈ (0, a'0) tal que C = (1 - δb) Z(a'1). Faça a3 = a'1.

Conclui-se a prova com o passo (iii). Considere a parte "se" da Proposição 3. Se aa3, então utilize o fato de que Z é estritamente decrescente em a para concluir que Z(a3) ≥ Z(a). Como C ≥ (1 - δb) Z(a3), C ≥ (1 - δb) Z(a). Logo, Π* é um resultado do jogo repetido. Com relação à parte "somente se", suponha que inicialmente a3 = 0; claramente, aa3. Se a3 > 0, então C = (1 - δb) Z(a3). Agora, utilize o fato de Π* ser um resultado para concluir que C ≥ (1 - δb) Z(a). Assim sendo, Z(a3) ≥ Z(a). Tendo em vista que Z é estritamente decrescente em a, conclui-se que aa3.

Proposição 4. De forma similar à Proposição 2, verificar se Π* é ou não um resultado de equilíbrio é equivalente a checar se (24) é ou não satisfeita. O primeiro passo da prova consiste em identificar o número β0. Denote o lado direito de (24) por z(µ, β); logo,

z μ , β = F π * , S π * + δ b 1 δ b F π ˜ , π ˜ 1 1 δ b F π * , π * .

Como Fπ*,Sπ*0eFπ,π=kπ2+μ1βπγy¯2, conclui-se que

z μ , β 1 1 δ b k π * 2 + μ 1 β π * γ y ¯ 2 δ b 1 δ b k π ˜ 2 + μ 1 β π ˜ γ y ¯ 2 .

Simples manipulações algébricas estabelecem que

z μ , β k + μ 2 1 β 2 π * 2 1 δ b + γ y ¯ 2 δ b 1 δ b k + μ 2 1 β 2 π ˜ 2 2 μ 1 β γ y ¯ π ˜ .

Faça µ = µ na última desigualdade. Após algumas simplificações, verifica-se que

z μ ¯ , β k 2 β π * 2 1 δ b + γ y ¯ 2 δ b 1 δ b 2 β 4 1 β 1 γ y ¯ 2 .

O lado direito dessa desigualdade diverge para -∞ à medida que β → 1-. Logo, existe um número β0 tal que se ββ0, então z(µ, β) ≤ 0.

O próximo passo consiste em mostrar que β0 possui as propriedades desejadas. Considere a propriedade (i). Observe que

β β 0 z μ ¯ , β 0 C 1 δ b > z . μ ¯ , β .

Como z é contínua em µ, existe µ1 tal que se µ ∈ [µ1, µ), então C/(1 - δb) ≥ z(µ, β). Tendo em vista a igualdade (5), podemos concluir que a última desigualdade é respeitada para a ∈ [α1, α), onde α1 é tal que µ1 = [(1 - α1)η]-1. Logo, (24) é satisfeita e consequentemente Π* é um resultado do jogo. Com relação à propriedade (ii), é suficiente aplicar o raciocínio utilizado na demonstração da Proposição 2.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2018
  • Aceito
    12 Nov 2018
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