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Revisitando a Mobilidade Intergeracional de Educação no Brasil* * Agradecemos a Mauricio Furtado e Fábio Giambiagi pelos comentários e sugestões. Quaisquer erros ou omissões que possam ter se mantido no texto são de nossa responsabilidade.

Resumo

Neste artigo apresentamos evidências recentes acerca da mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Verificamos que o grau de persistência educacional se reduziu substancialmente desde os anos 1990, para todas as regiões, raças e situações de domicílio. Isso se explica pelo aumento da escolaridade de filhos dos pais pouco escolarizados e pela estabilização da escolaridade dos filhos de pais mais escolarizados em 11 anos de estudo. Apesar disso, a mobilidade ainda é menor para os filhos de pais menos escolarizados. Por último, atestamos um aumento da mobilidade educacional nas gerações mais jovens.

Palavras-chave
Mobilidade intergeracional; mobilidade educacional; educação; desigualdade

Abstract

In this article we present recent evidence about intergenerational mobility in Brazil. We verified that the degree of educational persistence has decreased substantially since the 1990s, for all regions, races and household situations. This is explained by the increase in educational attainment of the children of the schooled parents and by the stabilization of educational attainment of the children of more schooled parents around 11 years of schooling. Despite this, mobility is still lower for the children of less schooled parents. Finally, we report an increase in educational mobility among younger generations.

1. Introdução

A desigualdade de renda no Brasil vem sendo atribuída principalmente às disparidades educacionais entre os membros da força de trabalho, evidência que se tornou mais sólida sobretudo após a publicação do artigo clássico de Langoni (1973)Langoni, C. G. (1973). Distribuição da renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura.. Conforme foi apontado por Souza (1979)Souza, A. d. M. e. (1979). Financiamento da educação e acesso à escola no Brasil (Vol. 42). Rio de Janeiro: IPEA., a educação dos pais consiste em um determinante fundamental dessa desigualdade de educação. Ainda que não existam na literatura muitos estudos sobre o tópico da mobilidade intergeracional, os trabalhos construídos a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de Barros e Lam (1993)Barros, R. P. d., & Lam, D. (1993). Desigualdade de renda, desigualdade em educação e escolaridade das crianças no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 23(2), 191-218., Barros, Mendonça, Santos, e Quintaes (2001)Barros, R. P. d., Mendonça, R., Santos, D. D. d., & Quintaes, G. (2001). Determinantes do desempenho educacional no Brasil (Texto para Discussão No 834). Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4075
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?...
, Pastore (1979)Pastore, J. (1979). Desigualdade e mobilidade social no Brasil (Vol. 1). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. e Pastore e do Valle Silva (2000)Pastore, J., & do Valle Silva, N. (2000). Mobilidade social no Brasil. Makron Books. foram suficientes para confirmar o importante papel que a educação do pai exerce sobre o nível educacional do filho quando adulto.

Neste artigo, apresentamos evidências sobre mobilidade intergeracional de educação no Brasil, e a análise empírica terá como base a PNAD de 2014, que acrescentou um suplemento incluindo questões sobre a educação dos pais de parte da amostra.1 1 Em 2014, houve uma seleção aleatória para definir a parcela da amostra que responderia ao suplemento do questionário com perguntas sobre a escolaridade dos pais. Seguimos a metodologia proposta originalmente por Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. com dados da PNAD de 1996, o que possibilitará ao presente artigo lançar mão dos parâmetros estimados para traçar comentários a respeito de como se comportaram e quais as tendências verificadas nos indicadores de mobilidade educacional entre gerações desde então.

O estudo original de Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. se propôs a ter duas contribuições principais: primeiro, utilizou diferentes métodos para caracterizar padrões não-lineares no grau de mobilidade intergeracional; segundo, explorou as não-linearidades observadas para analisar a dinâmica da mobilidade intergeracional de educação entre coortes, um aspecto que não havia sido muito estudado na literatura. Uma das principais conclusões atestou que a mobilidade era menor para filhos de pais com pouca escolaridade do que para filhos de pais com escolaridade mais elevada, com exceção de pais no topo da distribuição educacional, que apresentavam mobilidade relativamente baixa. A contribuição adicional do presente artigo será uma comparação dos resultados alcançados com aqueles obtidos para o ano de 1996.

Os dados de 2014 confirmaram esse padrão verificado em 1996. Mas, apesar de manter essa configuração, houve mudanças significativas nos valores relativos das estimativas relacionadas à mobilidade entre gerações: conforme será explicado mais adiante, o coeficiente de persistência educacional passou de aproximadamente 0,7 em 1996 para cerca de 0,5 em 2014.

Tal como a versão original, será mostrado que as não-linearidades observadas ajudam a explicar as diferenças no padrão de mobilidade entre raças e regiões. Especificamente, a menor mobilidade entre os negros2 2 Os indivíduos reportam sua própria raça. O questionário define cinco grupos de raça/cor: índio, branco, amarelo, preto e pardo. Neste artigo, consideramos negros aqueles que se declaram pretos, pardos ou indígenas, e incluímos os amarelos no grupo denominado como brancos. continua fortemente associada à maior probabilidade, nesse grupo, de o filho de um pai sem escolaridade permanecer sem escolaridade. Enquanto a probabilidade de um filho negro de um pai sem escolaridade permanecer na mesma categoria de educação do pai é cerca de 23%, a probabilidade análoga para brancos é pouco abaixo de 11%.

Já a persistência de alta escolaridade é significativamente mais elevada entre indivíduos de cor branca, ainda que a diferença em relação a essa persistência entre os negros seja menos pronunciada hoje do que outrora.3 3 É possível que mudanças no reconhecimento e declaração de raças/cores que compõem o grupo que denominamos como negros possam gerar um viés de atenuação do coeficiente de persistência entre eles. Por exemplo, caso um aumento de escolaridade leve indivíduos a se reconhecerem mais como pretos, pardos ou indígenas, então políticas de expansão do acesso à escola fariam com que o coeficiente de atenuação diminuísse entre os negros. Comparando os dois anos estudados, a probabilidade de o filho de um pai com ensino superior completo também completar seus estudos universitários passou de 40% para cerca de 62%, se o indivíduo reporta ser negro, e de aproximadamente 62% para 74% para brancos.

A comparação entre a transmissão intergeracional de educação no Nordeste e a observada no Sudeste atesta que a discrepância entre as duas regiões está na mobilidade verificada no grupo de filhos de pais sem escolaridade. No Nordeste, tal como havia sido observado em 1996, a probabilidade em 2014 de o filho de um pai sem escolaridade permanecer na mesma categoria de educação do pai continua maior do que o dobro daquela verificada no Sudeste: na primeira região essa probabilidade é de cerca de 30%, enquanto na segunda ela é pouco acima de 11%.

Fazemos também a comparação do padrão dinâmico de mobilidade intergeracional no Brasil, examinando os padrões de 1996 e 2014 de evolução do grau de mobilidade educacional para cada coorte de cinco anos no intervalo entre 25 e 64 anos de idade. Os resultados mostram que a mobilidade tem se elevado substancialmente para as coortes mais jovens, para todas as regiões, raças e situação do domicílio.

Este artigo está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. A Seção 2 apresenta a metodologia empírica adotada, uma breve discussão da literatura e uma descrição da amostra. A Seção 3 mostra os resultados de mobilidade intergeracional de educação para toda a amostra e para diferentes regiões e raças. A Seção 4 apresenta resultados de mobilidade educacional entre coortes. A Seção 5 conclui o artigo.

2. Modelo Empírico e Base de Dados

O modelo econométrico que utilizamos para avaliar o grau de mobilidade intergeracional de educação é dado por:

(1) S fi = α + β S pi + ε i ,

onde Sfi representa a educação do filho da família i e Spi denota a educação do pai da família i quando seu filho tinha 15 anos.

O coeficiente 𝛽 mede o grau de persistência intergeracional de educação. Por exemplo, se 𝛽 é 0,5, então o filho de um pai cuja educação exceda em dois anos a média (da educação dos pais) terá uma educação cujo valor esperado será um ano acima da média (da educação dos filhos). A medida 1 − 𝛽 é chamada de grau de regressão à média, ou grau de mobilidade intergeracional de educação.

Outro método comumente usado no estudo de mobilidade intergeracional, também empregado neste artigo, baseia-se na análise de matrizes de transição, que fornecem a probabilidade de o filho pertencer a uma determinada categoria educacional dada a categoria de educação do pai.

A mobilidade educacional é um tema que geralmente aparece na literatura à medida que se investiga os possíveis determinantes da desigualdade de oportunidades. Essas investigações costumam admitir que os resultados econômicos dos indivíduos são determinados tanto por variáveis de esforço, quanto por variáveis de circunstância que fogem do controle dos agentes (Figueiredo, Silva, & Rego, 2012Figueiredo, E. A. d., Silva, C. R. d. F., & Rego, H. d. O. (2012). Desigualdade de oportunidades no Brasil: Efeitos diretos e indiretos. Economia Aplicada, 16(2), 237-254. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-80502012000200002
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). Em outras palavras, tal como é proposto na influente formalização de Roemer (1998)Roemer, J. E. (1998). Equality of opportunity. New York: Harvard University Press., a desigualdade de renda dos indivíduos é originada por fatores de responsabilidade, como nível educacional e horas trabalhadas por ano; e não responsabilidade, como background familiar (nível educacional e ocupação dos pais), raça, gênero e região de nascimento.

Além do conjunto de evidências empíricas apresentadas por Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513., atestando um elevado grau de persistência educacional entre as gerações brasileiras, Lam e Schoeni (1993)Lam, D., & Schoeni, R. F. (1993). Effects of family background on earnings and returns to schooling: Evidence from Brazil. Journal of Political Economy, 101(4), 710-740. http://dx.doi.org/10.1086/261894
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também demonstram que o nível de educação dos pais tem influência direta sobre os rendimentos dos filhos no mercado de trabalho, mesmo controlando para uma série de características sociodemográficas desses últimos. De fato, conforme detectado por Ferreira e Veloso (2006)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2006). Intergenerational mobility of wages in Brazil. Brazilian Review of Econometrics, 26(2), 181-211. http://dx.doi.org/10.12660/bre.v26n22006.1576
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, Dunn (2007)Dunn, C. E. (2007). The intergenerational transmission of lifetime earnings: Evidence from Brazil. The B.E. Journal of Economic Analysis & Policy, 7(2). http://dx.doi.org/10.2202/1935-1682.1782
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, Bourguignon, Ferreira, e Menéndez (2007)Bourguignon, F., Ferreira, F. H. G., & Menéndez, M. (2007). Inequality of opportunity in Brazil. Review of Income and Wealth, 53(4), 585-618. http://dx.doi.org/10.1111/j.1475-4991.2007.00247.x
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e Ramos e Reis (2008)Ramos, L., & Reis, M. C. (2008). A escolaridade dos pais e os retornos à educação no mercado de trabalho (Boletim Mercado de Trabalho - Conjuntura e Análise No 35). Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/ mercadodetrabalho/04Nota2_35.pdf
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, os rendimentos também apresentam alta persistência intergeracional no Brasil.

No que diz respeito à influência da educação dos pais sobre a dos filhos, distingue-se dois tipos de efeitos: os indiretos, por meio dos quais os anos de estudo dos pais determinam condições que por sua vez afetam a escolaridade de seus filhos, como o nível de renda; e os diretos, que sugerem uma relação direta de causalidade entre a educação de pais e filhos, por conta de fatores não observáveis como o ambiente familiar. A compreensão adequada da importância de cada um desses efeitos, como aponta Firmo e Soares (2008)Firmo, M. G., & Soares, R. (2008). Uma análise da transmissão intergeracional de capital humano no Brasil (Tese de doutorado não-publicada). PUC-Rio, Rio de Janeiro., é fundamental para uma análise precisa acerca das correlações intergeracionais de capital humano e riqueza observada nas sociedades.

Os trabalhos citados por Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. pareciam revelar que o grau de persistência intergeracional de educação, em geral, era mais elevado em países da América Latina do que nos demais países estudados, variando de 0,19 na Malásia a 0,70 no Brasil4 4 Em relação à evidência para o Brasil, Ferreira e Veloso (2003) usam os dados de Behrman, Gaviria, Székely, Birdsall, e Galiani (2001), os quais haviam fornecido o único cálculo do grau de persistência educacional comparável aos dos estudos que haviam apresentado esse índice para os demais países. e na Colômbia. A persistência educacional nos Estados Unidos era baixa, variando entre 0,25 e 0,35. Peru e México apresentavam um valor intermediário de persistência, em torno de 0,50 (Behrman et al., 2001Behrman, J. R., Gaviria, A., Székely, M., Birdsall, N., & Galiani, S. (2001). Intergenerational mobility in Latin America [with Comments]. Economía, 2(1), 1-44. http://www.jstor.org/stable/20065412
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).

A evidência mais recente que compara a transmissão intergeracional de educação entre os países foi apresentada por Hertz et al. (2007)Hertz, T., Jayasundera, T., Piraino, P., Selcuk, S., Smith, N., & Verashchagina, A. (2007). The inheritance of educational inequality: International comparisons and fifty-year trends. The B.E. Journal of Economic Analysis & Policy, 7(2). http://dx.doi.org/10.2202/1935-1682.177
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, reunindo dados de pesquisas realizadas entre 1994 e 2004.5 5 Exceto Peru (1985) e Paquistão (1991). Para o Brasil, particularmente, a base de dados é a mesma6 6 PNAD de 1996. da trabalhada por Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. e Behrman et al. (2001)Behrman, J. R., Gaviria, A., Székely, M., Birdsall, N., & Galiani, S. (2001). Intergenerational mobility in Latin America [with Comments]. Economía, 2(1), 1-44. http://www.jstor.org/stable/20065412
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, ainda que não se tenha empregado o mesmo método7 7 Hertz et al. (2007) utilizam como escolaridade dos pais a média entre a escolaridade do pai e da mãe. desses dois artigos. Além dos coeficientes de regressão, calculou-se também coeficientes de correlação; por considerarem estes últimos menos voláteis, Hertz et al. (2007)Hertz, T., Jayasundera, T., Piraino, P., Selcuk, S., Smith, N., & Verashchagina, A. (2007). The inheritance of educational inequality: International comparisons and fifty-year trends. The B.E. Journal of Economic Analysis & Policy, 7(2). http://dx.doi.org/10.2202/1935-1682.177
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optaram por utilizá-los como parâmetros para ordenar os países de acordo com as respectivas persistências educacionais. Assim, para efeito da comparação internacional, reproduzimos na Tabela 1 os países ranqueados conforme essa correlação entre a escolaridade de pais e seus filhos.8 8 A Tabela 1 reproduz somente os 15 primeiros países do ranking apresentado por Hertz et al. (2007). Os índices foram calculados para amostras de pessoas com 20 a 69 anos, exceto para a Itália, Eslovênia e Hungria, em que foi considerada somente a faixa de idade entre 20 e 64 ou 65 anos. Fica evidente que os países latino-americanos continuam a ocupar as posições de maiores índices de persistência.

Tabela 1
Grau de Persistência Intergeracional de Educação.

Nos dados da PNAD utilizados, a variável que representa o nível de escolaridade do pai tem o inconveniente de ser categórica. Em função disso, nos casos em que a análise exigia que a variável de educação do filho tivesse a mesma dimensão da educação do pai, tivemos de transformar a primeira em também categórica, para efeito da análise econométrica. A amostra resultante é composta de 9.707 homens entre 25 e 64 anos, cuja condição no domicílio era a de chefe de família ou cônjuge, que forneceram dados completos sobre a própria educação e a educação de seus pais. A restrição da amostra a esse grupo consiste em um procedimento padrão em estudos com mesmo tema.

De acordo com a Tabela 2, 36,4% dos filhos na amostra têm pais com menos de um ano de estudo, e cerca de 75% têm pais com quatro anos de estudo ou menos. Na PNAD de 1996, essas duas parcelas representavam, respectivamente, cerca de 41% e 89% da amostra, o que já indica que nesse período ocorreram mudanças significativas na configuração dos níveis de instrução entre cada geração.

Tabela 2
Características dos Filhos por Escolaridade dos Pais.

O número médio de anos de estudo do filho é positivamente correlacionado com a escolaridade do pai, e o aumento médio de anos de estudo é de 4,7 anos,9 9 O número médio de anos de estudo dos pais é de 3,8. superior ao de 1996, quando esse aumento era de 3,4 anos.

Negros continuam a pertencer a famílias com menor nível de instrução: 64,6% dos filhos de pais sem escolaridade são negros, embora esse grupo corresponda a apenas 49,9% da amostra. Em média, como já havia sido verificado para o ano de 1996, filhos que moram em áreas rurais continuam a descender de pais com baixa escolaridade: 24,4% dos filhos de pais sem escolaridade moram em áreas rurais, enquanto esse grupo corresponde a apenas 15,5% de toda a amostra. E o nível de escolaridade também continua consideravelmente menor no Nordeste: 37,4% dos entrevistados cujos pais não têm escolaridade moram no Nordeste, enquanto apenas 13,7% dos que mencionaram ter pais com nível superior completo moram nessa região.

3. Mobilidade Intergeracional de Educação

Nesta seção, primeiro será apresentado um quadro da mobilidade educacional para a amostra inteira. Depois, serão analisadas diferenças no padrão de mobilidade em subpopulações distintas, em particular raças e regiões.

3.1 Mobilidade na amostra inteira

Em primeiro lugar, estimamos (1) por MQO para a amostra completa. Utilizamos como controles a idade e a idade ao quadrado do filho, e variáveis dummies para áreas urbanas, raça negra e regiões.

Como mostra a Tabela 3, o grau de persistência (coeficiente 𝛽) no Brasil é de 0,48, inferior ao de 0,68 de 1996, o que significa que, se o pai tem 1 ano de estudo acima da média, seu filho tem um valor esperado de 0,48 ano de estudo acima da média.

Tabela 3
Persistência Intergeracional de Educação.

Para analisarmos com mais detalhe o padrão de mobilidade, avaliaremos o grau de mobilidade para diferentes níveis de educação dos pais.

A Figura 1 mostra a média condicional da educação do filho como função da educação do pai. Como podemos observar, a persistência educacional (que corresponde à inclinação, em cada ponto, da função da escolaridade do filho em relação à escolaridade do pai) é elevada para pais com quatro anos ou menos de escolaridade, atenuando-se à medida que aumenta a educação do pai. Pela comparação entre os dois períodos, fica evidente uma elevação na escolaridade dos filhos nos extremos da distribuição, sendo que a maior mobilidade nas faixas mais baixas de escolaridade do pai parece ser o motivo da redução no coeficiente de persistência educacional observado na Tabela 3.

Figura 1
Média Condicional da Educação do Filho.

O gráfico sugere que o padrão de mobilidade varia com o nível de escolaridade dos pais, e a Tabela 4 mostra evidências adicionais que corroboram isso. Dividindo a amostra, de acordo com a educação dos pais, entre aqueles abaixo e acima da mediana educacional (dois anos de estudo), obtemos um coeficiente de persistência de 0,88 para filhos de pais com dois anos ou menos de estudo, e 0,37 para filhos de pais com mais de três anos de estudo, como mostram as colunas (1) e (2).

Tabela 4
Relação entre Escolaridade do Pai e do Filho: Linear e Quadrático.

O resultado de uma regressão da educação do filho em um polinômio de ordem dois na educação do pai confirma a evidência de não-linearidade na transmissão da desigualdade de educação entre gerações. A coluna (3) mostra que o termo quadrático da regressão é negativo (-0,02) e significativo ao nível de 1%, o que denota que a persistência é menor para filhos de pais com maior escolaridade.

Com o objetivo de analisar em maiores detalhes a distribuição educacional dos filhos condicional à educação dos pais, apresentamos na Tabela 5 a matriz de transição de educação, que indica a fração de filhos em cada categoria de educação dada a categoria do pai.

Tabela 5
Matriz de Transição de Educação – Brasil (em %), 2014.

Como também foi verificado com dados de 1996, a Tabela 5 revela uma forte persistência nos extremos da distribuição . Mas enquanto a parcela de filhos de pais sem escolaridade que permaneceram na categoria de educação do pai sofreu redução de 34% em 1996 para 18,5% em 2014, a fração de filhos de pais que haviam concluído o ensino superior que repetiram o desempenho dos pais aumentou de 60% para 71% da amostra.

Além disso, constata-se que a mediana da distribuição educacional de indivíduos cujos pais tinham entre 4 e 11 anos de escolaridade é a mesma (11 anos de escolaridade completa). Em 1996, essa mediana assumia esse valor para filhos cujos pais tinham entre 8 e 11 anos de escolaridade. Esse é um importante indício da existência de um threshold nesse nível educacional, indicando a possível presença de uma barreira no acesso ao ensino superior, que se manteve desde 1996 apesar do notável aumento nos anos de escolaridade dos filhos em relação aos de seus pais.

Esse resultado explica o que observamos na Tabela 4: a menor persistência de educação observada anteriormente para filhos de pais com maior escolaridade é devida ao fato de que não existem diferenças significativas na distribuição educacional de filhos cujos pais têm entre 4 e 11 anos de escolaridade.

Outra forma de observar esse padrão de mobilidade é através da Figura 2, que mostra a probabilidade de o filho permanecer na mesma categoria educacional do pai. O gráfico segue uma configuração semelhante utilizando dados de 1996, também com máximos locais em zero, 11 e 16 anos de escolaridade, sendo o terceiro um máximo global. Além disso, é possível constatar uma tendência com o decorrer do tempo de uma pequena elevação na probabilidade de pais com 11 ou mais anos de estudo terem filhos que repitam esse desempenho, e de redução da chance de filhos de pais com escolaridade baixa repetirem o nível de escolaridade dos pais.

Figura 2
Probabilidade de Coincidência entre Educação do Pai e do Filho.

3.2 Comportamento da mobilidade em diferentes subpopulações

Como mostra a Tabela 6, o grau de persistência é mais alto no Nordeste (0,53) do que na região Sudeste (0,46), ainda que a defasagem tenha caído se compararmos com a de 1996, quando esses graus eram 0,79 e 0,64, respectivamente. Na comparação entre negros e brancos e entre residentes em áreas rurais e urbanas, os primeiros de cada par apresentavam graus de persistência levemente maiores em 1996; em 2014, essa discrepância entre as raças e as situações de residência tornou-se praticamente inexistente.

Tabela 6
Persistência Intergeracional de Educação em Diferentes Subpopulações.

As Tabelas 7 e 8 apresentam matrizes de transição para negros e brancos, que mostram que a probabilidade de um indivíduo que reportou ser negro “herdar” escolaridade zero do pai é consideravelmente maior (22,8%) do que a probabilidade análoga para brancos (10,6%), indicando uma persistência de baixa escolaridade mais elevada para negros. Para balancear essa discrepância, a persistência de alta escolaridade é mais elevada para brancos - o que explica que os coeficientes de persistência média entre as raças sejam próximos entre si. Em particular, a probabilidade de o filho de um pai com ensino superior completo também completar seus estudos universitários é de 62% se o indivíduo reporta ser negro, e de 73,7% para brancos.

Tabela 7
Matriz de Transição de Educação – Negros (em %).
Tabela 8
Matriz de Transição de Educação – Brancos (em %).

As Tabelas 7 e 8 mostram também a ocorrência de uma aglomeração de medianas condicionais em torno de 11 anos de escolaridade, conforme observado para a amostra integral. Isso indica a já mencionada barreira no acesso ao ensino superior, embora agora apareça como um pouco menos pronunciada para brancos. Em 1996, havia maior diferença nas medianas na comparação entre brancos e negros do que em 2014. Nesse ano, parece haver indício do ingresso significativo de negros nas universidades. Por outro lado, a mediana da escolaridade dos negros ser de onze anos de estudo para quatro faixas de escolaridade paterna ajuda a entender o aumento da mobilidade educacional para esse grupo: uma combinação de grande salto educacional para filhos de pais menos escolarizados, e pouco avanço para filhos de pais com ensino médio incompleto ou mesmo completo. Observa-se, pela Tabela 8, por sua vez, que o obstáculo de chegar à universidade, para brancos, é menos acentuado do que para negros (apenas três faixas educacionais dos pais apresentam filhos com mediana em 11 anos de escolaridade).

A Figura 3 baseia-se nas matrizes de transição para mostrar a probabilidade de que o filho tenha o mesmo nível educacional do pai, para negros e brancos. De um modo geral, a probabilidade de indivíduos de cor branca terem a mesma educação dos pais é inferior à dos negros para todas as categorias educacionais, exceto para a mais alta. As diferenças são particularmente pronunciadas nas categorias de zero, 6, 13 e 16 anos de estudo. Esses resultado se assemelham àqueles obtidos por Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. para 1996, porém as diferenças entre negros e brancos, que nos extremos chegavam a cerca de 20 pontos percentuais (pp), se reduziram para cerca de 10 pp. No grupo de pais com 13 anos de estudo, que em 1996 tinha proporção quase nula de negros, em 2014 apresenta percentual significativamente maior de negros.

Figura 3
Probabilidade de Coincidência entre Educação do Pai e do Filho, por Raça/Cor.

Como vimos na Tabela 6, o grau de persistência intergeracional da educação no Nordeste (0,53) é maior do que o do Sudeste (0,46). As Tabelas 9 e 10 apresentam matrizes de transição para o Nordeste e o Sudeste. A comparação entre a transmissão intergeracional de educação no Nordeste e no Sudeste mostra que a grande diferença entre as duas regiões está na persistência de educação no grupo de filhos de pais sem escolaridade, como mostra a Figura 4. No Nordeste, a probabilidade de o filho de um pai sem escolaridade permanecer sem escolaridade é de 29,8%, comparado a apenas 11,1% no Sudeste. Essa defasagem entre as regiões era ainda mais pronunciada em 1996, quando essas estatísticas eram 53,9% e 21,2%, respectivamente.

Tabela 9
Matriz de Transição de Educação – Nordeste (em %).
Tabela 10
Matriz de Transição de Educação – Sudeste (em %).

Figura 4
Probabilidade de Coincidência entre Educação do Pai e do Filho, por Regiões Selecionadas.

4. Evolução da Mobilidade: Análise de Coorte

Nesta seção será analisado o padrão dinâmico de mobilidade intergeracional no Brasil a partir do comportamento do grau de persistência da educação para cada coorte de cinco anos no intervalo entre 25 e 64 anos de idade.

O painel (a) da Figura 5 mostra que a persistência intergeracional de educação cai para todas as idades, entre 1996 e 2014. Por exemplo, enquanto em 1996 o coeficiente de persistência era de 0,51 para indivíduos com idade entre 25 e 29 anos na data da pesquisa (ou seja, nascidos em 1967 e 1971), em 2014 ele caiu para 0,37 para indivíduos com a mesma idade naquele ano (nascidos entre 1985 e 1989). O painel (b) traz um resultado semelhante, mostrando as estimativas por coorte de nascimento. Nesse painel, conforme avançamos para as coortes mais velhas, as estimativas vão aumentando.

Figura 5
Persistência Intergeracional da Educação.

Nota: As barras verticais nas figuras indicam o intervalo de confiança de 95% das estimativas, calculados a partir de erros padrão robustos.


É possível que haja um efeito de seleção conforme a idade avança: à medida em que os indivíduos envelhecem, é mais provável que os mais escolarizados sobrevivam mais, uma vez que a escolaridade é no geral correlacionada com a renda e as condições de vida. É esperado, além disso, que os mais escolarizados tenham menor nível de persistência educacional, uma vez que houve um crescimento do acesso à educação e mais indivíduos de pais menos escolarizados tiveram acesso a maiores níveis de educação. Esse efeito de seleção pode explicar a diferença entre as séries de estimativas das duas edições da PNAD no painel (b) da Figura 5, entre as gerações comuns nas duas edições (nascidos de 1950 a 1970), sendo menor em 2014 e entre as coortes mais antigas (nascidos entre 1950 e 1954). Além disso, é possível que esse efeito também contribua para o padrão de estabilidade das estimativas entre as coortes mais velhas da PNAD 1996. O viés atenuador devido à auto-seleção, no entanto, reforça nosso argumento de que o coeficiente de persistência está declinando ao longo do tempo, uma vez que deveríamos observar coeficientes maiores nas coortes mais velhas, caso o viés não existisse.

A desagregação por raça/cor e por área de residência trazem dois resultados principais. Em primeiro lugar, as Figuras 6 e 7 mostram que esse padrão de queda da persistência para coortes nascidos em anos mais recentes se mantém para negros e brancos, e também para áreas urbanas. Ou seja, quanto mais jovem for o indivíduo, menor a correlação entre a sua escolaridade e a escolaridade do pai, o que indica possíveis efeitos da universalização do ensino básico para as gerações mais recentes. Nas áreas rurais, no entanto, se observa uma relativa estabilidade das estimativas ao longo das faixas etárias, enquanto entre os negros, as estimativas pontuais se reduzem entre os mais velhos. É possível que o efeito de auto seleção mencionado anteriormente aja no sentido de reduzir as estimativas, especialmente entre as populações com menor média de renda. Além disso, como não sabemos se indivíduos em áreas rurais foram escolarizados em áreas urbanas, pode ser que a falta de progresso na mobilidade educacional reflita somente um viés de seleção que indivíduos que progridem menos em relação a seus pais escolham exercer atividades menos intensivas em qualificação, e por isso residir no meio rural.

Figura 6
Persistência Intergeracional da Educação por Raça.

Nota: As barras verticais nas figuras indicam o intervalo de confiança de 95% das estimativas, calculados a partir de erros padrão robustos.


Figura 7
Persistência Intergeracional da Educação por Situação de Residência.

Nota: As barras verticais nas figuras indicam o intervalo de confiança de 95% das estimativas, calculados a partir de erros padrão robustos.


O segundo resultado é de que há menor diferença entre os grupos no coeficiente de persistência em 2014 do que os resultados de Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. para 1996 entre raças e situações de residência, resultado que já havia sido adiantado pelos dados apresentados na Tabela 6. Além das estimativas pontuais serem mais próximas entre negros e branco, e entre as áreas rurais e urbanas, os intervalos de confiança indicam que a maioria delas não é estatisticamente diferente entre os grupos dentro de cada faixa etária. Mais do que isso, há uma redução das diferenças entre grupos das estimativas de persistência nos coortes de idade mais jovens, sobretudo na Figura 6, que faz a comparação entre negros e brancos. Essas duas Figuras também permitem atestar diferenças claras entre raças e situações de residência em certas coortes de idade, o que havia ficado ofuscado pela igualdade (ou proximidade) nos coeficientes médios de persistência intergeracional da Tabela 6.

Conforme foi lembrado por Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513., o grau de persistência de educação, 𝛽, fornece uma medida absoluta e não relativa de imobilidade. Por exemplo, se todos os filhos dobrarem seu nível de escolaridade em relação ao de seus pais, a diferença absoluta de cada indivíduo em relação à média dobrará (e, portanto, o valor de 𝛽 também dobrará), mas a diferença relativa permanecerá a mesma. Nesse sentido, é possível que a queda de 𝛽 para coortes mais jovens esteja refletindo uma queda da taxa de crescimento educacional dos filhos (em relação aos pais) e não uma melhoria relativa do nível educacional dos filhos de pais com menor escolaridade.

Para esclarecer a causa desse efeito de queda em 𝛽 nas coortes mais jovens, utilizaremos a seguir três abordagens distintas: partição da amostra, médias condicionais e matrizes de transição. Primeiro, dividimos a amostra em dois grupos, consistindo, respectivamente, em uma subamostra na qual os pais têm escolaridade igual ou abaixo da mediana (dois anos ou menos de estudo) e uma subamostra na qual os pais têm escolaridade acima da mediana. Então, estimamos (1) para cada grupo e cada coorte. A Tabela 11 apresenta os resultados.

Tabela 11
Grau de Persistência Educacional por Grau de Escolaridade do Filho.

Essa tabela sugere que a persistência educacional pode ter caído em função da combinação de dois fatores. Em primeiro lugar, os coeficientes médios de persistência educacional são menores entre os mais jovens, entre aqueles cujos pais têm escolaridade tanto acima, quanto abaixo da mediana. Além disso, a fração de pais com escolaridade superior a dois anos se eleva nas coortes mais jovens, ao mesmo tempo em que os coeficientes médios de persistência educacional entre os filhos de pais com maior escolaridade são menores. Realmente, na amostra como um todo, a proporção de pais com escolaridade superior a dois anos é de aproximadamente 47% (ver Tabela 2), sendo de 59,2% para a coorte com 30 a 34 anos de idade e somente 33,8% para aquela com 60 a 64 anos de idade.

Para nossa segunda abordagem, a Figura 8 apresenta o número médio de anos de estudo condicionado na educação do pai para duas coortes: uma relativamente antiga e outra relativamente jovem.Podemos observar que o aumento da mobilidade para as coortes mais jovens resulta, pelo menos parcialmente, do crescimento significativo da escolaridade média de filhos de pais sem nenhuma escolaridade. Para a coorte com 30 a 34 anos, a escolaridade média de filhos de pais sem escolaridade é de 6,8 anos de estudo, enquanto a mesma média para a coorte com 50 a 54 anos era de somente 5,2 anos de estudo.

Figura 8
Média Condicional da Educação do Filho por Coortes de Idade do Filho.

Uma terceira abordagem para analisar a dinâmica de mobilidade observa os padrões em outros quantis da distribuição condicional de educação através da análise de matrizes de transição. A Figura 9 baseia-se nas matrizes de transição para mostrar a probabilidade de que o filho tenha a mesma educação do pai, para duas coortes selecionadas. Essa figura sugere que a queda no coeficiente de persistência educacional deve-se, principalmente, ao substancial aumento de anos de estudo dos filhos de pais com menos de 10 anos de escolaridade. Em particular, a probabilidade de um filho de pai sem escolaridade com 50 a 54 anos permanecer sem escolaridade é de 22%, enquanto a probabilidade análoga para a coorte com 30 a 34 anos é de 7,8%. Não há praticamente mudanças substanciais na persistência intergeracional a partir da faixa de 10 anos de escolaridade do pai.

Figura 9
Probabilidade de Coincidência entre Educação do Pai e do Filho, por Coortes Selecionados.

Em conjunto, as três abordagens mostram que a queda do grau de persistência para as coortes mais jovens representou um aumento relativo da escolaridade, decorrente da elevação do nível educacional dos filhos de pais com baixa escolaridade em relação à média.

5. Conclusão

Neste artigo, replicamos as evidências detalhadas sobre mobilidade intergeracional de educação no Brasil apresentadas por Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. com dados de 2014, utilizando o suplemento de mobilidade da PNAD daquele ano. Em primeiro lugar, nossos resultados indicam uma redução do coeficiente de persistência educacional, que declinou de 0,68 em 1996 para 0,48 em 2014.

O principal resultado do artigo original, com dados de 1996, foi de que a persistência intergeracional de educação é significativamente mais elevada entre filhos de pais com baixa escolaridade do que para filhos de pais com maior escolaridade, exceto para os indivíduos que se encontram no topo da distribuição educacional. Os dados de 2014 apontam que essa conclusão continua válida. Mais do que isso, permitem verificar que, para além da forte persistência intergeracional constatada nos extremos da distribuição, é possível observar uma tendência de aumento dessa persistência no extremo superior, e de redução em seus níveis mais baixos. Em particular, entre filhos de pais com 4 a 6 anos de estudo, verificamos que em 2014 as medianas de anos de estudo aumentaram para 11 anos (o mesmo nível daqueles com pais com entre 8 e 11 anos de estudo), o que explica parte da redução do coeficiente de persistência, porém também indica uma possível barreiras à entrada no ensino superior.

A comparação da transmissão intergeracional de educação por raça/cor, região ou condição do domicílio (urbano ou rural) mostra que o nível de persistência se reduziu em todos os grupos e, além disso, as diferenças entre os grupos também diminuíram, tornando-se praticamente nulas entre brancos e negros, e entre áreas rurais e urbanas. Apesar da semelhança no nível do coeficiente, a comparação entre brancos e negros mostra que entre os últimos, os indivíduos cujos pais possuíam baixa escolaridade é que explicam a persistência educacional, enquanto entre os brancos, o extremo com maior escolaridade explica o resultado. A maior persistência observada no Nordeste em relação ao Sudeste também continua fortemente associada à maior probabilidade na primeira região de o filho de um pai sem escolaridade permanecer sem escolaridade.

Os dados analisados foram também suficientes para atribuir a elevação da mobilidade ao longo do tempo entre as coortes mais jovens, o que é decorrente de uma combinação de dois fatores principais, os quais já haviam sido verificados em 1996.

O primeiro fator é uma elevação da média educacional dos filhos de pais com menos anos de estudo, sobretudo aqueles com pais sem escolaridade, o que fez reduzir o coeficiente de persistência dentro do grupo cujos pais tinham baixa escolaridade. O segundo fator existe por conta da estabilização da mediana educacional dos filhos de pais com maior escolaridade, entre quatro e 11 anos em torno de 11 anos de estudo. Esse resultado é observado para a amostra como um todo e para praticamente todas as raças e regiões. Comparando essa distribuição das medianas com as matrizes de 1996, nas quais essa estabilidade em 11 anos de escolaridade era verificada apenas entre os filhos de pais com escolaridade entre oito e 11 anos, fica evidente a permanência de uma barreira ao acesso às universidades, apesar do aumento geral nos anos de estudos dos filhos. A combinação dos dois efeitos mencionados contribuiu para reduzir as diferenças educacionais nas coortes mais jovens e aumentar a mobilidade educacional.

Por último, verificamos que o coeficiente de persistência é menor para as gerações mais jovens e que parte desse padrão se deve ao fato de que os mais jovens possuem proporções maiores de pais mais escolarizados. Como esse grupo possui maior mobilidade educacional, esse canal de explicação sugere que há um efeito de transmissão de escolaridade importante entre as gerações, uma vez que os pais passam a ter maior escolaridade.

  • 1
    Em 2014, houve uma seleção aleatória para definir a parcela da amostra que responderia ao suplemento do questionário com perguntas sobre a escolaridade dos pais.
  • 2
    Os indivíduos reportam sua própria raça. O questionário define cinco grupos de raça/cor: índio, branco, amarelo, preto e pardo. Neste artigo, consideramos negros aqueles que se declaram pretos, pardos ou indígenas, e incluímos os amarelos no grupo denominado como brancos.
  • 3
    É possível que mudanças no reconhecimento e declaração de raças/cores que compõem o grupo que denominamos como negros possam gerar um viés de atenuação do coeficiente de persistência entre eles. Por exemplo, caso um aumento de escolaridade leve indivíduos a se reconhecerem mais como pretos, pardos ou indígenas, então políticas de expansão do acesso à escola fariam com que o coeficiente de atenuação diminuísse entre os negros.
  • 4
    Em relação à evidência para o Brasil, Ferreira e Veloso (2003)Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 481-513. usam os dados de Behrman, Gaviria, Székely, Birdsall, e Galiani (2001)Behrman, J. R., Gaviria, A., Székely, M., Birdsall, N., & Galiani, S. (2001). Intergenerational mobility in Latin America [with Comments]. Economía, 2(1), 1-44. http://www.jstor.org/stable/20065412
    http://www.jstor.org/stable/20065412...
    , os quais haviam fornecido o único cálculo do grau de persistência educacional comparável aos dos estudos que haviam apresentado esse índice para os demais países.
  • 5
    Exceto Peru (1985) e Paquistão (1991).
  • 6
    PNAD de 1996.
  • 7
    Hertz et al. (2007)Hertz, T., Jayasundera, T., Piraino, P., Selcuk, S., Smith, N., & Verashchagina, A. (2007). The inheritance of educational inequality: International comparisons and fifty-year trends. The B.E. Journal of Economic Analysis & Policy, 7(2). http://dx.doi.org/10.2202/1935-1682.177
    http://dx.doi.org/10.2202/1935-1682.177...
    utilizam como escolaridade dos pais a média entre a escolaridade do pai e da mãe.
  • 8
    A Tabela 1 reproduz somente os 15 primeiros países do ranking apresentado por Hertz et al. (2007)Hertz, T., Jayasundera, T., Piraino, P., Selcuk, S., Smith, N., & Verashchagina, A. (2007). The inheritance of educational inequality: International comparisons and fifty-year trends. The B.E. Journal of Economic Analysis & Policy, 7(2). http://dx.doi.org/10.2202/1935-1682.177
    http://dx.doi.org/10.2202/1935-1682.177...
    . Os índices foram calculados para amostras de pessoas com 20 a 69 anos, exceto para a Itália, Eslovênia e Hungria, em que foi considerada somente a faixa de idade entre 20 e 64 ou 65 anos.
  • 9
    O número médio de anos de estudo dos pais é de 3,8.
  • *
    Agradecemos a Mauricio Furtado e Fábio Giambiagi pelos comentários e sugestões. Quaisquer erros ou omissões que possam ter se mantido no texto são de nossa responsabilidade.

Apêndice. Definição das variáveis

Atribuímos os seguintes valores para as diferentes categorias de educação dos pais. A escolaridade do pai assume valor 0, se o filho reportou que o pai tem menos de 1 ano de estudo; 2, se ele completou a primeira, segunda ou terceira série do ensino fundamental, mas não completou a quarta; 4 se ele completou a quarta série; 6, se ele completou a quinta, sexta ou sétima série, mas não completou a oitava; 8, caso tenha completado a oitava série; 10, caso tenha ensino médio incompleto; 11, caso tenha completado o ensino médio; 13, caso tenha cursado mas não completado o ensino superior; e 16, caso tenha completado a graduação. As categorias de educação dos filhos são definidas de forma análoga, com uma importante diferença. As PNADs de 1996 e 2014 informam apenas se o indivíduo tem 15 anos ou mais de escolaridade. Contudo, é possível saber se ele completou ou não o ensino superior. Nesse caso, se o indivíduo reporta ter 15 anos ou mais de escolaridade e ensino superior completo, ou formação de pós-graduação, atribuímos 16 anos de escolaridade. Caso contrário, atribuímos 13 anos.

Figura A-1
Persistência Intergeracional da Educação, 1996.

Nota: As barras verticais nas figuras indicam o intervalo de confiança de 95% das estimativas, calculados a partir de erros padrão robustos.


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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2018
  • Aceito
    15 Ago 2018
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