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Uma Nota Sobre o Impacto da Presença de um Idoso Aposentado na Saúde das Famílias no Brasil

Resumo

Este estudo analisa o impacto da presença de um idoso aposentado na saúde de sua família. Usamos dados do Suplemento Especial de Saúde da PNAD 2008 e a regra de aposentadoria por idade para construir os grupos de tratamento e controle, necessários para usar a metodologia de regressão com descontinuidade (RDD). Encontramos evidências de que ter um idoso aposentado na família melhora a percepção de seus integrantes a respeito da sua condição de saúde e da sua capacidade de realizar atividades habituais, além de reduzir a incidência de um conjunto de doenças. Esse efeito se dá, ao menos parcialmente, através do maior tempo disponível que os aposentados têm para cuidar de si mesmos e de seus familiares.

Palavras-chave
Aposentadoria; saúde da família; regressões com descontinuidade

Abstract

This study analyzes the impact of the presence of a retired elderly on family health. We consider The Special Health Supplement of the National Household Sample Survey (Suplemento Especial de Saúde da PNAD-IBGE), conducted on 2008, and the retirement age rule to construct the treatment and control groups, necessary to implement the regression discontinuity design (RDD) methodology. We find evidence that having a retiree in the family improves the perception of family members about their own health conditions and their capacity to perform daily activities, in addition to reducing the incidence of a set of diseases. This positive effect can be explained, at least partially, by the extra time that retired people gain to take care of themselves and their relatives.

1. Introdução

Este estudo tem como objetivo analisar o impacto da presença de um idoso aposentado na saúde dos integrantes da família deste idoso, ou seja, na decisão familiar de alocação de recursos na saúde, buscando também evidências sobre os mecanismos através dos quais ocorre esse possível impacto. Além de prováveis variações de estabilidade e nível de renda, a aposentadoria proporciona, a princípio, maior disponibilidade de tempo por parte do idoso para cuidar de si mesmo e daqueles que o cercam, possivelmente trazendo também mais tranquilidade e oportunidades de lazer e descanso.

Bound e Waidmann (2007)Bound, J., & Waidmann, T. (2007,outubro). Estimating the health effects of retirement (Working Paper Nº 2007-268). University of Michigan Retirement Research Center. http://hdl.handle.net/2027.42/57430
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estimaram a magnitude de efeitos diretos da aposentadoria sobre a saúde e encontraram algumas evidências de efeito positivo, pelo menos para os homens. Gorry, Gorry, e Slavov (2015)Gorry, A., Gorry, D., & Slavov, S. (2015,julho). Does retirement improve health and life satisfaction? (Working Paper Nº 21326). National Bureau of Economic Research (NBER). http://dx.doi.org/10.3386/w21326
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, por sua vez, concluem que a aposentadoria impacta positivamente tanto a saúde quanto o bem-estar, porém esse efeito não é imediato. Para o bem-estar ele ocorre nos primeiros quatro anos após a aposentadoria e para a saúde a partir de quatro anos de aposentadoria.

Dentre os estudos desenvolvidos sobre o Brasil, Ponczek (2011)Ponczek, V. (2011). Income and bargaining effects on education and health in Brazil. Journal of Development Economics, 94(2),242-253. http://dx.doi.org/10.1016/j.jdeveco.2010.01.011
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analisa especificamente o impacto de uma alteração na legislação brasileira referente à aposentadoria rural sobre a educação e a saúde dos membros das famílias. Conclui que a mudança na legislação da aposentadoria rural em 1991 teve resultados significativamente positivos sobre a saúde dos residentes com um aposentado do gênero masculino. Mountian, Diaz, Lebrão, e Duarte (2016)Mountian, A.G., Diaz, M.D.M., Lebrão, M.L., & Duarte, Y.A.d.O. (2016, dezembro). Os efeitos da aposentadoria na saúde dos idosos de São Paulo. In 44° Encontro Nacional de Economia. https://www.anpec.org.br/encontro/2016/submissao/files_I/i12-b78dc4f37f7082f7c55dfa801ed39bb2.pdf
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, por sua vez, investigaram o impacto da aposentadoria na saúde dos idosos na cidade de São Paulo e concluíram que a aposentadoria melhora os indicadores de mobilidade e a saúde dos homens e, portanto, qualquer alteração que for sugerida na legislação voltada à aposentadoria deve ser acompanhada de mudanças no sistema de saúde para evitar o aumento dos gastos neste setor.

Utilizando os dados do Suplemento Especial de Saúde da PNAD de 2008, este estudo adota a metodologia de regressão com descontinuidade (RDD) como principal estratégia de identificação, usando a regra de aposentadoria por idade para determinar pontos de corte (cutoff points) e construir grupos de tratamento e controle. Essa estratégia é semelhante às adotadas por Bound e Waidmann (2007)Bound, J., & Waidmann, T. (2007,outubro). Estimating the health effects of retirement (Working Paper Nº 2007-268). University of Michigan Retirement Research Center. http://hdl.handle.net/2027.42/57430
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e Ponczek (2011)Ponczek, V. (2011). Income and bargaining effects on education and health in Brazil. Journal of Development Economics, 94(2),242-253. http://dx.doi.org/10.1016/j.jdeveco.2010.01.011
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Este artigo está organizado em quatro seções ,além desta introdução. A seção 2 apresenta as principais normas da aposentadoria no Brasil e a seção 3 apresenta os dados utilizados no desenvolvimento deste trabalho, bem como a estratégia empírica, construção das variáveis e o modelo econométrico proposto. Finalmente, a seção 4 apresenta os resultados e a seção 5 traz as conclusões e considerações finais.

2. Previdência Social no Brasil

No Brasil, o estatuto do idoso define que uma pessoa é caracterizada como idosa a partir dos 60 anos e a legislação vigente para a aposentadoria possui três grandes regimes previdenciários: Regime Geral de Previdência Social (RGPS), Regime Próprio dos Servidores Públicos (RPSP), e o Regime Complementar (RG). Os dois primeiros são públicos e possuem regras de elegibilidade diferentes. O RGPS, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), atende apenas os empregados (incluindo domésticos e trabalhadores rurais), empregadores e autônomos do setor privado, que são contribuintes do sistema. A contribuição é compulsória, a aposentadoria pode ser concedida por idade ou tempo de contribuição e o cálculo do benefício é baseado nesses dois fatores, sendo segregado por gênero. Homens podem se aposentar a partir de 65 anos de idade e as mulheres a partir de 60 anos, se estes residirem e atuarem na área urbana. No caso de área rural os homens com 60 anos e as mulheres com 55 anos podem pedir a aposentadoria. O tempo de contribuição é aplicado apenas na área urbana, sendo de 35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres e não há idade mínima para efetuar a solicitação de aposentadoria por tempo de contribuição.1 1 A reforma da previdência de 1998 instituiu a regra do fator previdenciário, que na prática é um redutor do valor da aposentadoria por tempo de contribuição (quanto mais cedo a pessoa se aposentar menos irá receber se comparado com a aposentadoria por idade). Em 2015 foi atrelada ao fator previdenciário a regra 85/95 que determina que, no ano que se aposentar o indivíduo deve somar sua idade ao tempo de contribuição. Em 2015, 85 eram os pontos necessários para a não aplicação do fator previdenciário para mulheres (95 para homens).O número de pontos necessários previstos para afastar a aplicação do fator previdenciário começa em 85/95 e evolui a partir de 2017 até 2026, chegando a 90/100. Por fim, os segurados filiados só podem solicitar a aposentadoria por idade após terem feito pelo menos 180 contribuições mensais.

O RPSP é o regime que atende os servidores públicos e é compulsório com teto e subteto definidos na emenda constitucional nº 41/2003. Por esse regime é possível requerer a aposentadoria por idade, sendo 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, não tendo a divisão entre região urbana e rural e tendo aposentadoria compulsória aos 70 anos para ambos os sexos. Já o RG é voluntário e sua administração não é do INSS, é privada, ficando as escolhas a critério do cidadão. Tanto os funcionários do setor público quanto privado podem optar por fazê-lo.

3. Estratégica empírica e dados

Os dados utilizados provêm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, de responsabilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A PNAD de 2008 inclui a Pesquisa Suplementar de Saúde, que traz informações referentes à utilização de serviços de saúde, indicadores de saúde e mobilidade física dos moradores e sobre a realização de exames preventivos da saúde das mulheres. “Na PNAD (2008) foram pesquisadas 391.868 pessoas em 150.591 unidades domiciliares, distribuídas por todas as Unidades da Federação” (IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008).

Para possibilitar a adoção da estratégia empírica a ser apresentada na próxima seção, alguns tratamentos da base de dados foram essenciais. O primeiro tratamento foi a segregação da base total das famílias em aquelas que possuem idosos com idade suficiente para se aposentar (elegíveis) versus as famílias que possuem idosos próximos da idade de se aposentar (quase elegíveis). As famílias que possuem pelo menos um idoso elegível formam o grupo de Tratamento e o grupo de Controle é formado por famílias que possuem apenas idoso(s) próximo(s) da aposentadoria.

A Figura 1 ilustra como foram separados os diferentes grupos de tratamento e controle, visando a estimação de regressões. Conforme já foi destacado, as famílias que possuem pelo menos um idoso com idade para se aposentar (elegíveis) formarão os grupos de Tratamento; e os grupos de Controle são formados por famílias que possuem idosos próximos da aposentadoria (quase elegíveis). Contudo, a definição do que seria um período suficientemente próximo da idade de aposentadoria é arbitrária. Com isso, as estimações serão feitas considerando diferentes distâncias à idade de aposentadoria, o que gera diferentes sub amostras.

Figura 1
Cinco grupos de tratamento e controle.

Como pode ser visto no gráfico da Figura 1, cinco definições diferentes de grupos de tratamento e controle foram especificadas inicialmente, gerando cinco sub amostras. Na primeira definição (grupo T1), o grupo de tratamento corresponde aos domicílios em que reside um homem idoso com idade de 65 anos ou uma mulher com idade de 60 anos (e nenhum homem ou mulher mais velhos), enquanto o grupo de controle é formado por domicílios em que o residente mais velho é um homem com 64 anos ou uma mulher com 59 anos. Nas demais sub amostras, o grupo dos tratados vai incluindo idosos com idade um pouco maior que a idade mínima para se aposentar, enquanto o grupo de controle, definido por indivíduos com idade menor do que a idade de aposentadoria, vai incluindo indivíduos gradativamente mais jovens, chegando a 60 para homens e 55 para mulheres no grupo 5.2 2 Importante notar que a definição dos grupos é baseada na identificação do integrante mais velho da família, levando em consideração o gênero deste. Isto é, para o grupo 1, por exemplo, primeiramente identifica-se o integrante mais velho da família. Se este tiver 65 anos e for homem, ou se tiver 60 anos e for mulher, o domicílio é selecionado como pertencendo ao grupo de tratamento do grupo T1. Em seguida, dentre os domicílios restantes (não classificados), toma-se novamente o integrante mais velho. Se este for homem e tiver 64 anos, ou se for mulher e tiver 59 anos, o domicílio é selecionado como pertencendo ao grupode controle do grupo T1. A partir de então o grupo T1 faz parte dos demais grupos e vão sendo acrescentados domicílios gradativamente, dentre aqueles ainda não classificados, observando sempre a idade do integrante mais velho e seu gênero. Desse modo, a classificação do domicílio depende sempre de um só integrante da família, que mais adiante chamaremos de “idoso de referência” do domicílio.

Com base na divisão dos grupos de tratamento e controle descritos na Figura 1, são apresentados na Tabela 1 a quantidade de domicílios incluídos em cada grupo de tratamento/controle (para grupos T1, T2, T3, T4 e T5), bem como sua proporção com relação ao total de domicílios participantes da pesquisa PNAD (2008). Vale destacar que, como a regra de idade utilizada no estudo baseou-se na regra de elegibilidade do RGPS para a área urbana, mantivemos na base apenas os domicílios urbanos.

Tabela 1
Quantidade e proporção de domicílios por grupos de tratamento e controle.

A Tabela 2 apresenta estatísticas descritivas comparando os domicílios selecionados no grupo T5 (mas incluindo os rurais, que foram excluídos da análise econométrica) com os demais domicílios entrevistados para a PNAD (2008). Em uma primeira análise desta tabela é possível verificar que a sub amostra selecionada para este artigo (considerando a maior - grupo T5) é formada por domicílios com chefes de família mais velhos, com maior renda per capita, maior incidência de doenças crônicas e maior investimento em seguro de saúde em comparação aos demais domicílios entrevistados para a PNAD (2008), diferindo, portanto, em fatores que contribuem para a determinação da alocação da renda na saúde. Portanto, a Tabela 2 revela que os resultados obtidos neste estudo deverão ser considerados com cautela, uma vez que não se pode afirmar com certeza como a presença de um idoso aposentado afetaria um domicílio só com residentes jovens, sem nenhum integrante que esteja próximo da idade de aposentadoria, pois nas nossas amostras todos os domicílios possuem pelo menos uma pessoa com 55 anos ou mais.

Tabela 2
Comparativo entre grupo T5 e demais domicílios entrevistados pela PNAD 2008.

Já para a validação interna dos modelos de RDD, é preciso que, dentro da amostra selecionada, as observações à esquerda e à direita do cutoff point tenham características médias iguais. Os modelos de RDD clássicos não incluem controles (apenas a running variable e o tratamento). Contudo, nem sempre é possível obter balanceamento da amostra em torno do cutoff point com relação a todas às demais características dos indivíduos investigados (domicílios neste caso). Assim sendo, na seção 3.2 serão apresentados alguns testes de validade interna, comparando os domicílios dos grupos de controle e de tratamento no que diz respeito a características observadas que podem afetar indicadores de saúde.

Finalmente, a Tabela 3 apresenta uma breve descrição das 17 variáveis dependentes que foram construídas com base no questionário da PNAD (2008) para verificação do impacto da presença de um idoso aposentado na saúde das famílias no Brasil. Todas as variáveis dependentes correspondem a proporções e são referentes às unidades domiciliares (à família em conjunto). Na sua construção foram consideradas questões ligadas diretamente a indicadores de saúde, além de cuidados com a saúde e percepção de bem-estar e estado geral de saúde.

Tabela 3
Variáveis dependentes utilizadas nas regressões estimadas.

A organização da Tabela 3 mostra que as 17 variáveis dependentes foram divididas em 6 categorias.

3.1 Modelo Empírico

Ponczek (2011)Ponczek, V. (2011). Income and bargaining effects on education and health in Brazil. Journal of Development Economics, 94(2),242-253. http://dx.doi.org/10.1016/j.jdeveco.2010.01.011
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argumenta que as características não observadas das famílias podem ser correlacionadas não apenas com a renda, mas também com o investimento em educação e saúde. Com isso o autor destaca a importância do uso de um modelo de painel (diferenças em diferenças), mesmo usando a metodologia de regressão com descontinuidade (RDD) e observando apenas domicílios com idosos elegíveis e quase elegíveis. Como o presente estudo não possui dados de painel disponíveis, na próxima subseção será analisada e discutida a necessidade de controlar características observáveis dos domicílios que possam afetar investimento/cuidados em saúde, de modo a minimizar/eliminar fatores que possam implicar viés nas estimações.3 3 Ponczek (2011) também adota a estratégia de intent-to-treat, mas utiliza como variáveis de saúde da família a ocorrência de doença na família e a utilização de algum serviço de saúde pública nas duas semanas anteriores à entrevista. Dentre as variáveis utilizadas neste artigo, também serão utilizadas as propostas por Ponczek, porém neste estudo foi possível investigar muitos outros indicadores de saúde (conforme ilustra a Tabela 3).

Este estudo usa a estratégia de intent-to-treat através da adoção de um modelo RDD cujo cutoff point, determinado por idade, separa quase elegíveis de elegíveis. Isso é desejável porque os efetivamente tratados (domicílios com idosos efetivamente aposentados) podem ter características próprias (a decisão de pedir a aposentadoria e o timing do pedido podem ser variáveis endógenas), portanto o modelo RDD deve usar uma atribuição de tratamento para a determinação do cutoff point decorrente de uma regra exógena. O uso de famílias com idosos elegíveis na construção do grupo dos tratados visa solucionar esse possível problema de endogeneidade.

Em modelos de regressão com descontinuidade, a abordagem mais simples para estimar o efeito marginal médio do tratamento é estimar uma regressão linear local na vizinhança do ponto de corte (cutoff point), com a variável dependente (outcome variable) sendo regredida sobre a variável de tratamento, um polinômio sobre a variável que determina o ponto de corte (running variable) e a interação dessas variáveis. Contudo, como coloca Pustejovsky (2016)Pustejovsky, J.E. (2016). Regression discontinuities with covariate interactions in the rdd package. https://www.jepusto.com/rdd-interactions/
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, na prática é bastante comum a inclusão de covariadas adicionais na regressão linear local.

Para o desenvolvimento do estudo empírico e a identificação causal entre a aposentadoria e os indicadores de saúde familiar, foram realizadas estimações utilizando o seguinte modelo RDD sharp geral:

(1) Saude i = β 0 + β 1 * tratamento _ domicilios i + f Id i + β 2 * controles i + µ i ,

Em que Saude𝑖 é um indicador de saúde ou cuidados com a saúde do domicílio 𝑖; tratamento_ domicilios𝑖 é uma variável binária indicando se o domicílio pertence ao grupo dos tratados (valor igual a 1) ou ao grupo de controle (valor igual a 0); controles𝑖 corresponde a um vetor de variáveis de controle do domicílio 𝑖, a serem discutidas e apresentadas na próxima subseção; e Id𝑖 é a variável a partir da qual os grupos de tratamento e controle foram construídos (running variable4 4 Como colocam Lee e Lemieux (2010), outros termos, como assignment variable ou forcing variable, são usados na literatura para designar essa variável. Neste artigo usaremos o termo running variable. ). Melhor explicando, todos os domicílios considerados nas regressões têm um residente (comida de igual ou próxima à idade mínima de aposentadoria) cuja idade foi usada para construir os grupos de tratamento e controle, integrante esse que chamaremos de “idoso de referência do domicílio” (ver nota de rodapé 2 na página 374). Se o idoso de referência do domicílio 𝑖 for um homem, a variável Id𝑖 é igual à diferença entre a idade desse idoso e o valor 65. Se o idoso de referência do domicílio 𝑖 for uma mulher, a variável Id𝑖 é igual à diferença entre a idade dessa mulher e o valor 60. Assim sendo, para o grupo T5 (ver Figura 1), Id𝑖 varia de −5 a 4. Finalmente, a função 𝑓(Id𝑖)corresponde a uma função polinomial calculada com a variável Id𝑖.5 5 Diferentes funções polinomiais serão usadas.

Neste ponto vale destacar que, para o grupo T1 (ver Figura 1), Id𝑖 assume apenas dois valores (−1 e 0), ou seja, Id𝑖 corresponde a uma variável binária, assim como a variável de tratamento. Para o grupo T2 (Figura 1) a running variable Id𝑖 não é binária, porém assume apenas 4 valores (−2, −1, 0 e 1), o que ainda causa problemas de colinearidade em algumas regressões. Por esse motivo os grupos T1 e T2 não foram usados nas regressões.

As variáveis dependentes já foram descritas na Tabela 3 e foram classificadas em seis categorias, mas vale ressaltar alguns detalhes sobre alguns dos indicadores de saúde/cuidados com a saúde. As variáveis da categoria “saúde da mulher” (p_exames, p_exames_041 e p_exames_41) correspondem a proporções de mulheres adultas (de diferentes faixas etárias) que realizaram o exame preventivo do câncer de mama. Assim sendo, para essas variáveis foram considerados apenas os domicílios em que reside alguma mulher adulta dentro dessas faixas etárias.

A categoria “doenças crônicas” tem apenas uma variável (p_doenças_dom), que corresponde à proporção de indivíduos da família que tem pelo menos uma doença dentre um conjunto de doenças consideradas como crônicas no questionário (problema na coluna/costas, artrite, reumatismo, câncer, diabetes, bronquite/asma, hipertensão, coração, renalcrônica, depressão, tuberculose, tendinite/tenossite e cirrose). Considerou-se a somatória de pessoas com alguma dessas doenças por família e com isso calculou-se a proporção de incidência dessas doenças por família. Apesar de serem consideradas doenças crônicas, vale notar que algumas delas claramente podem ser causadas/agravadas por excesso de trabalho, como problema na coluna/costas e depressão.

A ideia então é estimar a equação (1) para cada variável dependente descrita na Tabela 3, separadamente para três dos cinco grupos ilustrados no Figura 1 (grupos T3 a T5). Para cada grupo T𝑖, com 𝑖 variando de 3 a 5, a variável de tratamento, dom_t_i(T𝑖)corresponde a uma variável dummy igual a 1 para domicílios em que o “idoso de referência do domicílio” (ver nota de rodapé 2) é um homem com idade entre 65 e 65 +(𝑖−1)anos ou uma mulher com idade entre 60 e 60 +(𝑖−1) anos, e igual a zero para domicílios em que o “idoso de referência do domicílio” é um homem com idade entre 65 −𝑖 e 64 anos ou uma mulher com idade entre 60 −𝑖 e 59 anos. Cada variável de tratamento dom_t_i foi utilizada para o grupo T𝑖, composto apenas por domicílios cujo “idoso de referência” tem uma dessas características.

3.2 Validade Interna e variáveis de controle

O modelo empírico deste artigo testa a hipótese de que, na equação (1), o parâmetro 𝛽1 seja positivo e significante para as variáveis ligadas à melhora da saúde e/ou negativo e significante para as variáveis que demonstram a deterioração da saúde. Ou seja, o objetivo é testar se o fato de um residente do domicílios e aposentar melhora a saúde (ou o cuidado com a saúde) da família, em comparação a grupos muito parecidos que se diferenciam apenas pela idade do idoso que está próximo da aposentadoria (idoso de referência do domicílio - se elegível ou não elegível).

Espera-se que aqueles domicílios que estão abaixo do cutoff point sejam muito similares aos que estão um pouco acima deste. Contudo, o modo como os grupos de tratamento e controle foram construídos tende a gerar uma diferença na proporção de idosos da família à esquerda e à direita do cutoff point, em grande parte porque mulheres entre 55 e 59 anos, apesar de estar em próximas da idade de aposentadoria (quase elegíveis) não são classificadas como idosas, passando a ser classificadas como tal só a partir de 60 anos, mas também porque é possível que a presença de um idoso elegível em um domicílio esteja relacionada positivamente à probabilidade de que outro idoso seja residente.

Além disso, também é possível que a forma de construção dos grupos de tratamento e controle esteja relacionada a alguma diferença de expectativa de vida (mesmo que pequena) em torno do cutoff point. Isto é, é possível que os domicílios à direita do cutoff point representem domicílios com expectativa de vida ligeiramente mais elevada, na média. Isto, por sua vez, pode estar relacionado à renda per capita domiciliar.

Para testar essas hipóteses, algumas variáveis chave, como proporção de idosos no domicílio, renda per capita domiciliar e variáveis de acesso a saneamento (relacionadas à renda per capita e à expectativa de vida), foram analisadas em torno do cutoff point. Para isso foram rodadas regressões em que essas variáveis chave foram colocadas como variáveis dependentes numa equação similar à equação (1), porém sem controles adicionais. Isto é, cada uma dessas variáveis foi regredida contra a variável de tratamento e um polinômio linear em Id𝑖, sem nenhuma variável de controle adicional.

As variáveis testadas são: p_idoso, que corresponde ao total de moradores de 60 anos ou mais dividido pelo número de moradores do domicílio, isto é, a proporção de idosos do domicílio; renda, que corresponde à Renda per capita do domicílio medida em reais (2008); lixo, que é uma variável dummy indicando se o domicílio possui coleta de lixo; esgoto, variável dummy indicando se o domicílio possui tratamento de esgoto; e finalmente agua, variável dummy indicando se o domicílio possui água encanada.

Os resultados para o grupo T5 podem ser vistos na Tabela 4.6 6 Os resultados são semelhantes para os demais grupos.

Tabela 4
Testes de Validade Interna.

Conforme esperado, os resultados indicam que os domicílios tratados (à direita do cutoff point) têm uma proporção maior de integrantes idosos e, além disso, esses domicílios têm maior renda per capita. A diferença de renda per capita pode ser relacionada ao fato desses domicílios apresentarem, possivelmente, uma expectativa de vida ligeiramente maior na média, ou então pode decorrer justamente do fato desses domicílios terem aposentados como residentes.7 7 Contudo, vale ressaltar que não se sabe ao certo qual o efeito da aposentadoria sobre a renda do aposentado e de sua família, pois pode ocorrer tanto uma queda dos rendimentos quanto um aumento, se o aposentado continuar trabalhando. No que se refere às variáveis de saneamento, os domicílios à esquerda e à direita do cutoff point são semelhantes com relação à coleta de lixo e tratamento de esgoto, mas os tratados têm uma proporção ligeiramente maior de domicílios que contam com abastecimento de água.

Dados esses resultados, todas as regressões serão estimadas primeiramente incluindo a proporção de idosos como variável de controle e, em seguida, incluindo também como controles a renda per capita e as variáveis de saneamento.

A inclusão da renda per capita como uma variável de controle nas regressões tem a vantagem de contribuir para a análise dos mecanismos através dos quais a aposentadoria pode afetar a saúde da família. Com o controle da renda per capita, saberemos que qualquer possível efeito encontrado da aposentadoria sobre a saúde familiar não terá sido causado por variações de renda e sim por outros canais.

3.3 Canais de relação entre aposentadoria e saúde

Uma vez controlado o possível efeito de variações de renda sobre a saúde da família, a pergunta que surge é: quais são os mecanismos a partir dos quais a aposentadoria de um idoso poderia ter impacto sobre a saúde dos membros de sua família? Para buscar evidências sobre essa questão, este estudo analisará duas variáveis.

Conforme já foi colocado na introdução deste artigo, além de possíveis variações de nível e estabilidade de renda, a aposentadoria proporciona, a princípio, maior disponibilidade de tempo por parte do idoso para cuidar de si mesmo e daqueles que o cercam, possivelmente trazendo também mais tranquilidade e oportunidades de lazer e descanso. Essas mudanças podem afetar as decisões de alocação de recursos (pecuniários e não pecuniários) entre os membros da família.

Assim sendo, a primeira variável a ser investigada será o número de horas semanais de trabalho do idoso de referência do domicílio. Isto é, o número de horas por semana que o idoso de referência do domicílio declarou trabalhar por semana (em média), na semana de referência da entrevista da PNAD (horas_trab). Com a aposentadoria espera-se que o idoso (aquele com idade elegível) deixe de trabalhar, ou ao menos reduza significativamente suas horas de trabalho, provocando com isso alterações na dinâmica familiar. Assim sendo, a ideia é verificar se esse pressuposto de redução de horas de trabalho é verdadeiro, e para isso será estimada uma regressão usando um modelo RDD semelhante ao da equação (1), porém usando a variável horas_trab como variável dependente. Espera-se uma queda significativa no valor dessa variável à direita do cutoff point.

A outra variável a ser investigada é o investimento da família em seguro de saúde particular, medido pela proporção de pessoas do domicílio cobertas por seguro de saúde particular (p_seguro_saúde_part). Considerando o ato de pagar seguro saúde como um investimento, a ideia é investigar se essa decisão de investimento é influenciada pela aposentadoria e com isso avaliar se esta poderia ser um dos mecanismos pelos quais a aposentadoria poderia influenciar as condições de saúde da família. Para isso utilizou-se a mesma estratégia empírica adotada para a variável horas_trab.

4. Resultados

Esta seção apresenta os resultados das regressões estimadas com base na estratégia empírica apresentada na seção anterior, primeiramente buscando avaliar o impacto da aposentadoria de um idoso sobre alguns indicadores de saúde da família e, em seguida, buscando investigar alguns possíveis mecanismos que poderiam explicar tal impacto.

4.1 Efeito da aposentadoria em indicadores de saúde do domicílio

O modelo (1) apresentado na seção 3.1 foi estimado utilizando polinômio linear e quadrático sobre a running variable (Id𝑖) e diferentes funções kernel: uniforme, triangular e parabólica (Epanechnicov), que são as três funções kernel disponíveis como opções no comando rdrobust do software utilizado (Stata). Os resultados obtidos para os diferentes graus de polinômio e diferentes funções kernel foram sempre os mesmos no que diz respeito ao sinal dos parâmetros estimados e quase sempre iguais com relação ao nível de significância estatística, sendo estes parâmetros também bastante semelhantes em magnitude. Ao usar o comando rdrobust, a largura dos intervalos à esquerda e à direita do cutoff point (bandwidths) foi especificada de acordo com o grupo utilizado na regressão (dom_T_3 a dom_T_5, ver Figura 1).

Para cada grau de polinômio/kernel function/grupo, foram estimadas duas regressões para cada uma das 17 variáveis dependentes de saúde (Tabela 3), conforme apresentado no modelo (1) , totalizando 34 (duas vezes 17) regressões para cada um dos grupos/grau de polinômio/kernel function. As primeiras 17 regressões de cada grupo/grau depolinômio/kernel function incluem apenas a proporção de idosos no domicílio (p_idoso) como variável de controle, e as outras 17 incluem também a renda per capita e as variáveis de saneamento8 8 Também foram estimadas regressões incluindo outras variáveis de controle, como idade e anos de estudo do chefe da família e dummies de região geográfica. Os resultados foram os mesmos: mesmo sinal e significância estatística dos coeficientes e magnitude semelhante. Os resultados podem ser solicitados aos autores. (renda, lixo, esgoto e agua). Isso resultou finalmente em 204 (2 × 34 × 3) regressões para cada uma das três funções kernel.

Na Tabela 5 são apresentados os resultados para as regressões com polinômio linear e função kernel uniforme. Os resultados para as regressões com polinômio quadrático e para polinômio linear com funções kernel triangular e parabólica (Epanechnicov) podem ser solicitados aos autores.9 9 Usando polinômio linear e função kernel triangular ou parabólica (Epanechnicov), algumas regressões referentes ao grupo 3 (T3) com apenas uma variável de controle (p_idosos) não foram estimadas porque apresentaram problemas de invertibilidade da matriz de variância e covariância. Aconteceu o mesmo nas regressões com polinômio quadrático e função kernel triangular ou parabólica (Epanechnicov) para os grupos 3 e 4 (T3 e T4).

Tabela 5
Resultados Regressões RDD 00 Polinômio linear e Uniform Kernel function.

Como podemos observar na Tabela 5, para a primeira categoria de variáveis dependentes, auto avaliação de saúde, temos que nos domicílios do grupo de tratamento (com idosos elegíveis para a aposentadoria) os moradores consideram que seu estado geral de saúde é melhor em comparação com os moradores de domicílios do grupo de controle (quase elegíveis). Em todas essas regressões observamos que no grupo de tratamento há uma maior proporção de pessoas que auto avaliaram sua saúde como muito boa ou boa, e uma menor proporção de pessoas que auto avaliaram seu estado de saúde como regular, ruim ou muito ruim. O efeito foi estatisticamente significativo a 1%,comexceçãoapenasde duas regressões associadas à proporção de pessoas que auto avaliaram sua saúde como boa.

Além disso, ao observarmos a terceira categoria (atividades habituais) e a quarta (doenças crônicas), temos que todos os parâmetros estimados são negativos e significantes a 1%. Isto quer dizer que para os domicílios que possuem idosos elegíveis temos uma proporção menor de pessoas que deixaram de realizar alguma atividade habitual e também uma proporção menor de pessoas que deixaram de realizar alguma atividade habitual por motivo de doença, além de observarmos uma proporção menor de pessoas que declararam ser portadoras de alguma das doenças consideradas crônicas no questionário da PNAD (ver descrição da variável p_doencas_dom na seção 3.1).

De um modo geral, para os demais indicadores de saúde da família não foram encontrados efeitos significativos para a presença de um idoso aposentado. Porém, para algumas das regressões referentes aos grupos T4 e T5, observa-se que nos domicílios do grupo de tratamento os indivíduos procuraram menos os serviços de saúde, tanto de internação quanto outros serviços, principalmente no setor público (serviços como um todo ou somente o público). Contudo, o nível de significância dos parâmetros nessas regressões nunca é maior que 5%, sendo de 10% na maioria dos casos.

Por fim, no que se refere aos indicadores de saúde da mulher (categoria 2), em geral não foram encontrados efeitos significantes. Em apenas duas regressões observa-se uma proporção significativamente maior de mulheres (acima de 25 anos ou entre 25 e 40) que realizaram o exame preventivo do câncer de mama. Por outro lado, para quatro regressões referentes à proporção de mulheres com idade superior a 40 (p_exames_041), observa-se, no grupo de tratamento, que uma proporção significativamente menor dessas mulheres declara ter realizado o exame preventivo. Este último é o único resultado encontrado que foi contrário ao esperado, com a presença de um idoso elegível tendo impacto negativo em um indicador que mede cuidados preventivos com a saúde. Mas vale ressaltar que para essas regressões a amostra é menor do que para as demais, pois só são considerados os domicílios que tinham pelo menos uma mulher com idade superior a 40 anos.

De um modo geral, pode-se dizer com segurança que o fato de um domicílio ter um idoso aposentado afeta de modo positivo e significativo a avaliação que a família tem de sua condição de saúde e de sua capacidade de realizar atividades habituais, seja por motivo de doença ou não. Além disso, a presença de um aposentado tem o efeito de reduzir a proporção de pessoas da família que declaram ter alguma das doenças consideradas crônicas no questionário da PNAD.10 10 Foram construídos gráficos plotando as variáveis dependentes (indicadores de saúde) sobre a running variable e ilustrando o ajuste de um polinômio do primeiro grau de cada lado do cutoff point. Esses gráficos fornecem evidência visual da descontinuidade de cada variável dependente à esquerda e à direita do cutoff point, quando controladas as variáveis p_idoso, renda per capita e de saneamento. De um modo geral, as variáveis para as quais é possível visualizar uma quebra (ou salto descontínuo) no cutoff point são justamente as variáveis para as quais foram encontrados efeitos significativos do tratamento.

4.2 Análise dos canais de relação entre aposentadoria e saúde da família

Nesta subseção são apresentados os resultados da análise (descrita na seção 3.3) sobre os mecanismos a partir dos quais a aposentadoria de um idoso poderia ter impacto sobre a saúde dos membros de sua família.

Conforme explicado na seção 3.3, para buscar evidências sobre essa questão este estudo analisou duas variáveis: número de horas por semana que o idoso de referência do domicílio declarou trabalhar (em média) na semana de referência da entrevista da PNAD (horas_trab); e proporção de pessoas do domicílio cobertas por seguro de saúde particular (p_seguro_saúde_part). Foram estimadas regressões usando um modelo RDD semelhante ao da equação (1), porém usando as duas variáveis citadas acima como variáveis dependentes.

A Tabela 6 apresenta os resultados dessas regressões para os grupos T3 a T5 e para as formas funcionais uniforme e triangular.11 11 Também foram estimadas regressões usando a forma funcional parabólica e foram obtidos os mesmos resultados, que podem ser solicitados aos autores. Em todas as regressões foram incluídas as variáveis p_idoso, renda e as variáveis de saneamento (lixo, esgoto e agua) como controles.

Tabela 6
Resultados Regressões com variáveis dependentes horas_trab e p_seguro_saude_part.

Os resultados da Tabela 6 corroboram fortemente a hipótese de que com a aposentadoria o idoso reduz fortemente o número de horas semanais de trabalho, uma vez que todos os coeficientes estimados para a variável horas_trab são negativos e significativos a 1%, o que já era esperado. Não parece ser surpresa o fato de observamos mais tempo de lazer para os aposentados e consequente aumento de seu bem-estar. O que torna o resultado interessante é que a família como um todo apresenta melhora em seu bem-estar. Com isso, ganha força a ideia de que um dos mecanismos a partir dos quais a aposentadoria de um idoso se relaciona positivamente com a saúde familiar pode ser o maior tempo disponível deste idoso, que pode ser dedicado a diversos cuidados com o bem-estar e saúde de seus familiares.

Por outro lado, constatamos que o investimento em seguro de saúde privado não é um canal a partir do qual a aposentadoria influencia positivamente a saúde da família, dado que os coeficientes estimados para a variável p_seguro_saúde_part não foram estatisticamente significativos.

5. Conclusões

A partir da utilização dos dados da PNAD (2008), queinclui um suplemento especial de saúde, o presente estudo analisou empiricamente o impacto da presença de um idoso aposentado na saúde dos integrantes da família do idoso. Para isso foram estimadas regressões a partir do modelo de regressão com descontinuidade (RDD), usando a regra de aposentadoria por idade para determinar pontos de corte (cutoff points) e construir os grupos de tratamento e controle.

Foram encontradas evidências robustas de que ter um idoso aposentado na família melhora alguns indicadores ligados à saúde, especialmente os indicadores que dizem respeito à autoavaliação de saúde e à percepção que os membros da família têm da própria capacidade de realizar atividades habituais. Além disso, a presença deum aposentado reduza incidência na família de um conjunto de doenças.

Também foi observado que a aposentadoria reduz consideravelmente as horas de trabalho semanais do idoso, dando suporte à ideia de que um dos mecanismos a partir dos quais a aposentadoria de um idoso se relaciona positivamente com a saúde familiar deve ser o maior tempo disponível deste idoso, de forma direta. Este tempo adicional pode ser dedicado a diversos cuidados com o seu bem-estar e de seus familiares, já que observamos uma melhora significativa em indicadores de saúde e bem-estar de toda a família.

  • 1
    A reforma da previdência de 1998 instituiu a regra do fator previdenciário, que na prática é um redutor do valor da aposentadoria por tempo de contribuição (quanto mais cedo a pessoa se aposentar menos irá receber se comparado com a aposentadoria por idade). Em 2015 foi atrelada ao fator previdenciário a regra 85/95 que determina que, no ano que se aposentar o indivíduo deve somar sua idade ao tempo de contribuição. Em 2015, 85 eram os pontos necessários para a não aplicação do fator previdenciário para mulheres (95 para homens).O número de pontos necessários previstos para afastar a aplicação do fator previdenciário começa em 85/95 e evolui a partir de 2017 até 2026, chegando a 90/100. Por fim, os segurados filiados só podem solicitar a aposentadoria por idade após terem feito pelo menos 180 contribuições mensais.
  • 2
    Importante notar que a definição dos grupos é baseada na identificação do integrante mais velho da família, levando em consideração o gênero deste. Isto é, para o grupo 1, por exemplo, primeiramente identifica-se o integrante mais velho da família. Se este tiver 65 anos e for homem, ou se tiver 60 anos e for mulher, o domicílio é selecionado como pertencendo ao grupo de tratamento do grupo T1. Em seguida, dentre os domicílios restantes (não classificados), toma-se novamente o integrante mais velho. Se este for homem e tiver 64 anos, ou se for mulher e tiver 59 anos, o domicílio é selecionado como pertencendo ao grupode controle do grupo T1. A partir de então o grupo T1 faz parte dos demais grupos e vão sendo acrescentados domicílios gradativamente, dentre aqueles ainda não classificados, observando sempre a idade do integrante mais velho e seu gênero. Desse modo, a classificação do domicílio depende sempre de um só integrante da família, que mais adiante chamaremos de “idoso de referência” do domicílio.
  • 3
    Ponczek (2011)Ponczek, V. (2011). Income and bargaining effects on education and health in Brazil. Journal of Development Economics, 94(2),242-253. http://dx.doi.org/10.1016/j.jdeveco.2010.01.011
    http://dx.doi.org/10.1016/j.jdeveco.2010...
    também adota a estratégia de intent-to-treat, mas utiliza como variáveis de saúde da família a ocorrência de doença na família e a utilização de algum serviço de saúde pública nas duas semanas anteriores à entrevista. Dentre as variáveis utilizadas neste artigo, também serão utilizadas as propostas por Ponczek, porém neste estudo foi possível investigar muitos outros indicadores de saúde (conforme ilustra a Tabela 3).
  • 4
    Como colocam Lee e Lemieux (2010)Lee, D., & Lemieux, T. (2010). Regression discontinuity designs in economics. Journal of Economic Literature, 48(2),281-355. http://dx.doi.org/10.1257/jel.48.2.281
    http://dx.doi.org/10.1257/jel.48.2.281 ...
    , outros termos, como assignment variable ou forcing variable, são usados na literatura para designar essa variável. Neste artigo usaremos o termo running variable.
  • 5
    Diferentes funções polinomiais serão usadas.
  • 6
    Os resultados são semelhantes para os demais grupos.
  • 7
    Contudo, vale ressaltar que não se sabe ao certo qual o efeito da aposentadoria sobre a renda do aposentado e de sua família, pois pode ocorrer tanto uma queda dos rendimentos quanto um aumento, se o aposentado continuar trabalhando.
  • 8
    Também foram estimadas regressões incluindo outras variáveis de controle, como idade e anos de estudo do chefe da família e dummies de região geográfica. Os resultados foram os mesmos: mesmo sinal e significância estatística dos coeficientes e magnitude semelhante. Os resultados podem ser solicitados aos autores.
  • 9
    Usando polinômio linear e função kernel triangular ou parabólica (Epanechnicov), algumas regressões referentes ao grupo 3 (T3) com apenas uma variável de controle (p_idosos) não foram estimadas porque apresentaram problemas de invertibilidade da matriz de variância e covariância. Aconteceu o mesmo nas regressões com polinômio quadrático e função kernel triangular ou parabólica (Epanechnicov) para os grupos 3 e 4 (T3 e T4).
  • 10
    Foram construídos gráficos plotando as variáveis dependentes (indicadores de saúde) sobre a running variable e ilustrando o ajuste de um polinômio do primeiro grau de cada lado do cutoff point. Esses gráficos fornecem evidência visual da descontinuidade de cada variável dependente à esquerda e à direita do cutoff point, quando controladas as variáveis p_idoso, renda per capita e de saneamento. De um modo geral, as variáveis para as quais é possível visualizar uma quebra (ou salto descontínuo) no cutoff point são justamente as variáveis para as quais foram encontrados efeitos significativos do tratamento.
  • 11
    Também foram estimadas regressões usando a forma funcional parabólica e foram obtidos os mesmos resultados, que podem ser solicitados aos autores.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2018
  • Aceito
    17 Set 2018
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