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Uma nota sobre análise benefício-custo de uma política de redução de homicídios no Brasil: o caso do Espírito Santo

Resumo

Após reestruturação do sistema penitenciário e implementação do programa “Estado Presente”, focado na redução de mortes intencionais, o Espírito Santo observou redução de 10,2% no número de homicídios, entre 2010 e 2014. Avaliamos causalidade e benefíciocusto dessas políticas. Utilizamos controle sintético ao estimar impacto sobre o número de homicídio e, comparamos o valor estatístico das vidas poupadas ao valor presente dos dispêndios financeiros associados à implementação das políticas. Os resultados encontrados sugerem que na ausência das políticas, o número de homicídio ao invés de diminuir aumentaria 28,8%. Cada real investido trouxe ganho de bem-estar social equivalente a R$2,36.

JEL Codes O10, K42, C40

Palavras-chave
controle sintético; homicídio; segurança pública; Espírito Santo; Brasil; análise benefício-custo

1. Introdução

No Brasil ao longo dos últimos anos os agentes estaduais de segurança pública executaram diversas intervenções buscando reverter histórica tendência de crescimento do número de homicídios. Em geral, tais intervenções apresentaram débil planejamento institucional e financeiro, fraco apoio político e foco no encarceramento. Os resultados são efêmeros e externalidades negativas recorrentes, sugerindo ganhos de bem estar social inferiores aos custos econômicos incorridos. Por exemplo, de acordo com Montes e Lins (2018)Montes, G.C., & Lins, G.O. (2018). Deterrence effects, socio-economic development, police revenge and homicides in Rio de Janeiro. International Journal of Social Economics, 45(10), 1406-1423. http://dx.doi.org/10.1108/IJSE-09-2017-0379
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, ocupação policial de territórios controlados por traficantes de drogas na cidade do Rio de Janeiro espalhou a criminalidade violenta às cidades vizinhas e o reduzido impacto do encarceramento em massa na dinâmica criminal parece não justificar sua prática. No entanto, a redução na violência observada no Estado do Espírito Santo (ES) sugere existir alternativa. Após investimentos no sistema penitenciário e programa de segurança multisetorial, realizando ações na área de segurança pública, saúde e educação, o ES reverteu tendência de crescimento dos homicídios.

Entre 1980 e 2010 o ES experimentou crescimento anual médio da taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 4,0%, portanto, superior a média nacional de 2,8%. Ao final de 2010, o estado registrou taxa de homicídios de 50,9 (quase o dobro da média nacional naquele ano, de 27,8), simultaneamente o déficit de vagas no sistema penitenciário era 46,1% superior ao número de vagas e o descontrole nos presídios era denunciado por instituições de controle (Ribeiro, Tamburini, & Machado, 2009Ribeiro, E., Tamburini, P.d.T., & Machado, R.D., Filho. (2009, maio). Inspeção em estabelecimentos penais e sócio-educativos do Estado do Espírito Santo [Mutirão Carcerário, Relatório de Inspeções]. Brasília: Conselho Nacional de Justiça (CNJ). https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2009/06/relatrio%20es%20-%20verso%20final%20cnj%20-%20aberta.pdf
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).

A partir de 2010, após reestruturação fiscal do estado e troca do comando político, ocorreu à modernização e ampliação do sistema penitenciário e execução de amplo programa de segurança. A partir de 2010 o governo estadual investiu no saneamento do sistema prisional, expandindo o número de vagas, através da construção de 26 unidades prisionais e aumento da capacidade de administração do sistema, contratando e treinamento agentes penitenciários, assim, permitindo realização de políticas de segurança prisional e de ressocialização de presos (Ricas, 2017Ricas, E.C. (2017). O nascimento de um sistema prisional: O processo de reforma no estado do Espírito Santo. Revista Brasileira de Segurança Pública, 11(2), 65-76. http://dx.doi.org/https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/download/858/263
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). Em seguida, em maio de 2011, o governo estadual implementou o programa de segurança pública “Estado Presente: Em defesa da vida” (PEP), investindo R$523 milhões, em diversas secretarias estaduais. Contrário ao tradicionalmente observado em programas de segurança pública no Brasil foi criado aparato institucional responsável pela coordenação de esforços governamentais intersetoriais e articulação com a sociedade civil, monitoramento de resultados e direcionamento das instituições estaduais na redução da criminalidade violenta. O programa pretende redução de crimes letais e propõe política transversal e multisetorial, através de repressão qualificada (baseada na investigação, inteligência e respeito aos direitos de cidadania) e prevenção primária focalizada em territórios socialmente vulneráveis. Assim ações plurais foram empreendidas, tais como, expansão de efetivo policial, qualificação profissional de desempregados e oferta de atividades esportivas.

A partir destas intervenções, a tendência de expansão dos homicídios foi revertida, entre 2010 e 2014 houve retração de 18,2% na taxa de homicídios por 100 mil habitantes, em contraste ao crescimento nacional de 7%, e o estado observou cinco anos seguidos de crescente diminuição na violência, resultado inédito na série histórica. Por sua vez, o custo de oportunidade incorrido parece elevado. Por exemplo, entre 2010 e 2014, houve expansão da população carcerária em 45,0%, a superlotação nos presídios permaneceu e despesas em segurança pública representam 10% dos gastos estaduais.

Na ausência de prévia investigação empírica da causalidade das intervenções na retração dos homicídios e do custo de oportunidade incorrido torna-se necessário investigar a trajetória criminal na ausência das intervenções (i.e., no sistema penitenciário e Estado Presente) e comparar ganhos econômicos de vidas poupadas aos custos econômicos incorridos. Assim, o objetivo deste estudo é produzir evidências acerca da causalidade e efeito total das intervenções na evolução dos homicídios e estimar comparação dos ganhos em bem estar social relativamente aos custos econômicos incorridos. Inovando ao produzir evidências empíricas dos ganhos sociais de política baseada em repressão qualificada e prevenção primária, elaborando evidências ao policy maker interessados em política de segurança.

Assim, utilizando dados das Unidades Federativas (UFs) e método de controle sintético de Abadie, Diamond, e Hainmueller (2015Abadie, A., Diamond, A., & Hainmueller, J. (2015). Comparative politics and the synthetic control method. American Journal of Political Science, 59(2), 495-510. http://dx.doi.org/10.1111/ajps.12116
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), investigamos o efeito causal destas intervenções no número de homicídios no ES entre os anos de 2010 e 2014, isto é, foi construída trajetória contrafactual do número de homicídios, na ausência das intervenções. Testes de placebo e modelo Bayesiano de série temporal estrutural de Brodersen, Gallusser, Koehler, Remy, e Scott (2015) dão robustez aos achados. Através do método de Propensão marginal a pagar, utilizando preferências reveladas, estimado em Cerqueira e Soares (2016)Cerqueira, D., & Soares, R.R. (2016). The welfare cost of homicides in Brazil: Accounting for heterogeneity in the willingness to pay for mortality reductions. Health Economics, 25(3), 259-276. http://dx.doi.org/10.1002/hec.3137
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auferimos ganhos em bem estar social.

O resultado encontrado indica causalidade das intervenções na reversão da tendência histórica de crescimento dos homicídios. Isto é, a evidência contrafactual sugere 99,3% de chance de efeito causal no período de intervenção e crescimento de 28,8% no número de homicídios entre 2010 e 2014, na ausência das intervenções. Portanto, 1.695 vidas foram salvas por causa das intervenções. Com ganhos de bemestar social na ordem de R$2,36 a cada real aplicado nas intervenções e benefício líquido de 338 milhões, a evidência indica ganho social e viabilidade econômica decorrente do saneamento prisional e programa de segurança baseado em repressão qualificada e prevenção primária.

2. Metodologia e dados utilizados

Considerando a ausência de aleatorização do território objeto das intervenções, utilizamos metodologia de controle sintético de Abadie et al. (2015)Abadie, A., Diamond, A., & Hainmueller, J. (2015). Comparative politics and the synthetic control method. American Journal of Political Science, 59(2), 495-510. http://dx.doi.org/10.1111/ajps.12116
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. Em função da limitação dos dados, utilizamos informações anuais das UFs entre os anos de 1999 e 2014. O PEP foi formalmente promulgado em maio de 2011, porém, investimentos em segurança pública vigoram desde 2010 (e.g. saneamento no sistema penitenciário). Portanto, o período pré-intervenção de 1999 a 2009 foi utilizado na construção do controle sintético. Este serve como aproximação do contrafactual pós-tratamento não observado entre 2010 e 2014. Seguindo restrição metodológica, excluímos Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo do conjunto de UFs de controle, devido a intervenções semelhantes àquela observada no ES durante o período analisado.1 1 Em 2011 foi implementado o Paraíba Unida pela Paz; em 2008 Pernambuco deu início ao Pacto Pela Vida; São Paulo sofreu diversas intervenções ver (Freire, 2018); e, em 2008, o Rio de Janeiro iniciou o Programa de Unidade de Polícia Pacificadora (Montes & Lins, 2018).

O PEP orienta-se na redução de crimes contra a vida, portanto, a variável de interesse será o número de homicídios. As características pré-intervenção da unidade tratada e dos Estados de controle são captadas através de tradicionais previsores da criminalidade violenta: a proporção de domicílios extremamente pobres, a taxa de desocupação, logaritmo da Renda média de todos os trabalhos, escolaridade média de pessoas de 25 anos ou mais, percentual de homens entre 15 a 29 anos de idade, logaritmo natural da população residente (a Tabela 1 apresenta a fonte e a descrição das variáveis utilizadas) e, seguindo Ferman e et al (2018)Ferman, B., & et al, . (2018). Cherry picking with synthetic controls. São Paulo. https://econpapers.repec.org/paper/fgveesptd/420.htm
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busca-se atenuar o specification searching utilizando defasagem de homicídios em anos impar do período de pré-tratamento.

Tabela 1
Descrição das variáveis e fonte de dados

3. Resultados e análises

A Figura 1 apresenta a evolução do número de homicídios no Espírito Santo e controle sintético estimado entre 1999 e 2014. O resultado sugere controle sintético com adequado ajuste a trajetória de homicídios ao longo do pré-tratamento, capturando a observada tendência de crescimento e criando adequado contrafactural. Acerca do contra factual da dinâmica criminal, a evidência encontrada sugere manutenção da tendência de crescimento de homicídios na ausência das intervenções.2 2 O controle sintético é elaborado através da combinação das UFs de controle cujos previsores de homicídios mais assemelham-se àqueles do ES antes das intervenções. Neste sentido, os previsores mais importantes são: Homicídios 2005 (0,3), Homicídios 2009 (0,173), População na extrema pobreza (0,166), Homicídios 1999 (0,127), Anos de escolaridade (0,125), Homicídios 2007 (0,034), Logaritmo da População residente (0,032), Homicídios 2001 (0,023), Homicídios 2003 (9), Taxa de desemprego (0,008), Logaritmo da Renda média de todos os trabalhos (0,003) e Proporção de homens de idade 15-24 (0,0). Por sua vez, o ES sintético utiliza cinco das vinte e duas UFs de controle. Sendo construído através da média ponderada do Rio Grande do Sul (0,635), Mato Grosso (0,294), Paraná (0,046), Ceará (0,016) e Roraima (0,008).

Figura 1
Trajetória dos homicídios: Espírito Santo e Controle Sintético

A Figura 2 apresenta a diferença entre o número de homicídios observados no ESe seu controle sintético, isto é, a magnitude do efeito total das intervenções. Os achados indicam crescente efeito das intervenções, ou seja, efeitos de tratamento variantes no tempo, através de monótona redução no número de homicídios, sugerindo efeito causal destas na dinâmica criminal. Em 2010 deixaram de ocorrer 27 homicídios, em 2014, 734 homicídios foram evitados, em função das intervenções. Desta forma, entre 2010 e 2014, observamos redução de 10,2% no número absoluto de homicídios.3 3 Neste período houve redução de 18,7% na taxa de homicídios do ES, enquanto o país apurou aumento de 7,0%. No mesmo período, o Brasil observou aumento de 26,0% nos homicídios.

Figura 2
Hiato entre número de homicídios no Espírito Santo e seu Controle Sintético

A Tabela 2 resume os principais resultados do exercício contrafactual. Enquanto o resultado observado indica diminuição de 10,2% no número de homicídios, entre 2010 e 2014, o contrafactural sugere crescimento de 28,8% no número de mortes no período, na ausência das intervenções. Observando o hiato entre valor observado e sintético, o crescente efeito das intervenções fica evidente. Considerando apenas 2014, o número de homicídio seria 45,6% maior do que o observado. Em valores acumulados entre 2010 e 2014, o contrafactural sugere aumento de 20,3% de homicídios no período, portanto, 1.695 vidas foram salvas em função das intervenções.

Tabela 2
Número de Homicídio Observado e Contrafactual no ES entre 2010 e 2014

Em seguida, testou-se a hipótese nula de ausência de efeito de tratamentoatravés do teste de “placebo in space”, conforme a metodologia proposta por Abadie et al. (2015)Abadie, A., Diamond, A., & Hainmueller, J. (2015). Comparative politics and the synthetic control method. American Journal of Political Science, 59(2), 495-510. http://dx.doi.org/10.1111/ajps.12116
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. A Figura 3 apresenta o teste de placebo in space ao excluir unidades cujo RMSPE é 2 vezes superior ao observado na unidade tratada durante o pré-tratamento. A crescente divergência do contrafactual da unidade tratada relativamente à distribuição empírica dos placebos indica rejeição da hipótese nula e indica robustez as evidências anteriores de causalidade das intervenções na redução dos homicídios no ES.

Figura 3
Hiato do teste de placebo inspace (excluindo RMSPE 2× maior que a unidade tratada)

Na ausência de consenso acerca da adequada maneira de determinar a especificação ótima do controle sintético e buscando atenuar problemas relacionados a specification-searching, seguimos o sugerido em Christensen e Miguel (2018)Christensen, G., & Miguel, E. (2018). Transparency, reproducibility, and the credibility of economics research. Journal of Economic Literature, 56(3), 920-980. http://dx.doi.org/10.1257/jel.20171350
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e

Ferman e et al (2018)Ferman, B., & et al, . (2018). Cherry picking with synthetic controls. São Paulo. https://econpapers.repec.org/paper/fgveesptd/420.htm
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e reportamos o efeito médio de tratamento de diferentes especificações conjuntamente ao teste placeboinspace. Especificamente testamos oito diferentes especificações. Do primeiro exercício de controle sintético, alternamos o conjunto de combinações lineares da variável de interesse durante o pré-tratamento utilizadas como previsora e incluímos por rodada, todo o período de pré-tratamento, a primeira metade do período de pré-tratamento, períodos pares do pré-tratamento e períodos impares de pré-tratamento, e alternadamente, incluímos ou não a varável proporção de mortes por arma de fogo. Apresentado na Figura 4, o resultado foi qualitativamente igual ao obtidos no principal exercício de controle sintético, ou seja, o efeito de tratamento médio diverge da distribuição empírica dos placebos, sugerindo rejeição da hipótese nula de ausência de efeito de tratamento.

Figura 4
Efeito de Tratamento médio e Placebo in space

Em seguida realizamos o exercício de robustez leave one out. O objetivo será verificar se alguma UF domina a construção do controle sintético. Excluímos um por vez, UFs de peso positivo na construção do contra factual e estimamos o controle sintético. O resultado encontrado na Figura 5 sugere continuidade, embora de maneira suavizada, da tendência de aumento dos homicídios na ausência das intervenções. No leave one out de menor redução do número absoluto de homicídios, ao excluir o estado de Mato Grosso, o número de vidas salvas totalizou 749 ou média de 150 vidas poupadas por ano. Em 2014, o número de homicídios do controle sintético é 11% superior ao observado. Portanto, a evidência de redução nos homicídios após intervenções é robusta a exclusão de qualquer UF.

Figura 5
Teste de robustez leave one out

De maneira a verificar os resultados anteriores acerca da causalidade e efeito das intervenções na evolução dos homicídios, o modelo Bayesiano de série temporal estrutural de Brodersen et al. (2015)Brodersen, K.H., Gallusser, F., Koehler, J., Remy, N., & Scott, S.L. (2015). Inferring causal impact using Bayesian structural time-series models. The Annals of Applied Statistics, 9(1), 247-274. http://dx.doi.org/https://www.jstor.org/stable/24522418
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serve como exercício de robustez.

De acordo com os resultados apresentados na Figura 6, existe 99,3% de chance de efeito causal, pois anos pós-tratamento apresentam número de homicídios esperado superior ao observado. Isto é, o valor médio (acumulado) de homicídios no pós-tratamento foi de 1.672 (8.362) homicídios, enquanto na ausência do PEP, o valor médio (acumulado) esperado foi 2.150 (10.750) homicídios, ou seja, o número médio (acumulada) de vidas poupadas foi na ordem de 478 (2.388), resultados similares aos observados no exercício de controle sintético. Portanto, os resultados do modelo estrutural dão robustez às evidências empíricas anteriores acerca da causalidade e efeito total das intervenções na redução dos homicídios no Espírito Santo.

Figura 6
Trajetória do modelo Bayesiano estrutural

De forma a utilizar o resultado do exercício de controle sintético na avaliação dos benefícios públicos das intervenções, é necessário confrontar ganho em bem estar social advindo da redução dos custos do crime infligido a sociedade relativamente às despesas econômicas incorridas pela sociedade, através do Estado, na execução das intervenções. Custos diretos do crime (e.g., despesas em segurança pública) são, em geral, de fácil mensuração e entendimento, entretanto, custos indiretos (e.g., redução na qualidade de vida) estão sujeitos à complicada subjetividade. A evidência sugere não existir medida única capaz de capturar todas as dimensões do custo econômico do crime (Soares, 2015Soares, R.R. (2015). Welfare costs of crime and common violence. Journal of Economic Studies, 42(1), 117-137. http://dx.doi.org/10.1108/JES-05-2012-0062
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). Portanto, limitamos os ganhos em bem estar social ao objetivo das intervenções, isto é, ao valor estatístico do número de vidas poupadas. Assim, até onde sabemos, de maneira inédita na literatura, extraímos o benefício das intervenções através do valor monetário das vidas poupadas utilizando o método propensão marginal a pagar de indivíduos para evitar o risco de morte prematura por homicídio, elaborado por (Cerqueira & Soares, 2016Cerqueira, D., & Soares, R.R. (2016). The welfare cost of homicides in Brazil: Accounting for heterogeneity in the willingness to pay for mortality reductions. Health Economics, 25(3), 259-276. http://dx.doi.org/10.1002/hec.3137
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).

A Figura 7 apresenta o valor presente líquido do principal controle sintético e do exercício de efeito médio de tratamento, considerando diferentes taxas de desconto intertemporal. O benefício corresponde ao valor monetário das vidas poupadas em cada ano, enquanto o custo corresponde ao valor médio dispendido durante o período de tratamento.4 4 Tabela com descrição das despesas está disponível mediante solicitação aos autores. O resultado sugere viabilidade econômica das intervenções em diferentes taxas de desconto intertemporal, sugerindo robustez aos achados. Considerando taxa de desconto intertemporal de 5%, cada real investido trouxe ganho de bem estar social equivalente a R$2,36, ou seguindo Whitehead e Blomquist (2006)Whitehead, J.C., & Blomquist, G.C. (2006). The use of contingent valuation in benefit-cost analysis. In A. Alberini & J. R. Kahn (Orgs.), Handbook on contingent valuation (cap. 4). Edward Elgar Publishing. http://dx.doi.org/10.4337/9781845427917.00009
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as intervenções produziram benefício líquido de 338 milhões. Isto é, a evidência indica ganhos em bem estar social e maior eficiência relativamente ao status quo, decorrente do saneamento prisional e programa de segurança baseado em repressão qualificada e prevenção primária.

Figura 7
Valor presente líquido das intervenções

4. Considerações finais

Desde 1980 o Brasil assiste escalada da criminalidade violenta. As consequências desse fenômeno em termos de perda de bem-estar econômico e social e para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito são dramáticas. Não obstante, as políticas de segurança pública, via de regra, seguem num mesmo itinerário, marcado pela falta de diagnósticos e planejamentos precisos, improvisação e replicação de práticas de sistema de segurança pública obsoleto.

Nesse cenário o estado do Espírito Santo trouxe novidades alvissareiras ao campo das políticas públicas. A continuidade e o aprimoramento da política prisional responsável pelo saneamento do sistema, a partir de 2010, foram mantidos nos anos subsequentes. Em seguida, se inaugurou um programa de segurança pública baseado em planejamento prévio através de evidências empíricas e ações multifacetadas. O principal propósito deste artigo era avaliar o impacto dessas políticas na redução dos homicídios no Espírito Santo e sua viabilidade econômica. Com este fito, conforme proposto por Abadie et al. (2015)Abadie, A., Diamond, A., & Hainmueller, J. (2015). Comparative politics and the synthetic control method. American Journal of Political Science, 59(2), 495-510. http://dx.doi.org/10.1111/ajps.12116
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empregamos a metodologia do controle sintético.

As evidências obtidas indicam 99,3% de chance de efeito causal, pois na ausência de saneamento do sistema prisional e adoção do programa Estado Presente, haveria aumento de 28,8% no número de homicídios entre 2010 e 2014, ou seja, 1.695 homicídios não ocorreram em função das intervenções. Considerando os gastos com sistema prisional e implementação do PEP, e levando em conta o valor estatístico da vida, estimado por Cerqueira e Soares (2016)Cerqueira, D., & Soares, R.R. (2016). The welfare cost of homicides in Brazil: Accounting for heterogeneity in the willingness to pay for mortality reductions. Health Economics, 25(3), 259-276. http://dx.doi.org/10.1002/hec.3137
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, concluímos que cada real investido trouxe ganho de bem-estar social, apenas ao número de vidas poupadas, equivalente a R$2,36 ou benefício líquido de 338 milhões.

Conhecido o arcabouço institucional das intervenções e o ganho em bem estar social da redução nos homicídios e a luz da incapacidade de outras políticas de segurança apresentarem resultados justificáveis (e.g., Montes & Lins, 2018Montes, G.C., & Lins, G.O. (2018). Deterrence effects, socio-economic development, police revenge and homicides in Rio de Janeiro. International Journal of Social Economics, 45(10), 1406-1423. http://dx.doi.org/10.1108/IJSE-09-2017-0379
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), as intervenções estudadas aparecem com alternativa ao policy maker interessado na redução da criminalidade. Naturalmente, pesquisadores interessados nos resultados apresentados deverão investigar efeitos indivíduas das políticas abarcadas nas intervenções, sendo necessário ao policy maker conhecer os mecanismos de transmissão dos efeitos desejados.

  • 1
    Em 2011 foi implementado o Paraíba Unida pela Paz; em 2008 Pernambuco deu início ao Pacto Pela Vida; São Paulo sofreu diversas intervenções ver (Freire, 2018Freire, D. (2018). Evaluating the effect of homicide prevention strategies in São Paulo, Brazil: A synthetic control approach. Latin American Research Review, 53(2), 231-249. http://dx.doi.org/10.25222/larr.334
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    ); e, em 2008, o Rio de Janeiro iniciou o Programa de Unidade de Polícia Pacificadora (Montes & Lins, 2018Montes, G.C., & Lins, G.O. (2018). Deterrence effects, socio-economic development, police revenge and homicides in Rio de Janeiro. International Journal of Social Economics, 45(10), 1406-1423. http://dx.doi.org/10.1108/IJSE-09-2017-0379
    http://dx.doi.org/10.1108/IJSE-09-2017-0...
    ).
  • 2
    O controle sintético é elaborado através da combinação das UFs de controle cujos previsores de homicídios mais assemelham-se àqueles do ES antes das intervenções. Neste sentido, os previsores mais importantes são: Homicídios 2005 (0,3), Homicídios 2009 (0,173), População na extrema pobreza (0,166), Homicídios 1999 (0,127), Anos de escolaridade (0,125), Homicídios 2007 (0,034), Logaritmo da População residente (0,032), Homicídios 2001 (0,023), Homicídios 2003 (9), Taxa de desemprego (0,008), Logaritmo da Renda média de todos os trabalhos (0,003) e Proporção de homens de idade 15-24 (0,0). Por sua vez, o ES sintético utiliza cinco das vinte e duas UFs de controle. Sendo construído através da média ponderada do Rio Grande do Sul (0,635), Mato Grosso (0,294), Paraná (0,046), Ceará (0,016) e Roraima (0,008).
  • 3
    Neste período houve redução de 18,7% na taxa de homicídios do ES, enquanto o país apurou aumento de 7,0%.
  • 4
    Tabela com descrição das despesas está disponível mediante solicitação aos autores.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2021
  • Aceito
    28 Mar 2022
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