Acessibilidade / Reportar erro

Incentivos fiscais são efetivos na melhoria dos serviços educacionais? Cota-parte do ICMS no acesso à educação

Resumo

Este estudo analisa o impacto da mudança da lei da cota-parte do ICMS na acessibilidade educacional no curto e longo prazo. Para isso, utilizou-se um modelo de mínimos quadrados com efeitos fixos em dados de corte transversal. Encontrou-se que esta política pública amplia o percentual de matrículas na pré-escola e Ensino Fundamental. Um aumento de 1 ponto percentual na variação da cota-parte do ICMS aumenta em 0,0036 e 0,0021 ponto percentual a acessibilidade educacional no curto e longo prazo, respectivamente. Entretanto, este efeito positivo ocorre sobre municípios menos vulneráveis e que já possuem taxas mais elevadas de acesso educacional.

Palavras-chave
Cota-parte do ICMS; Educação; Efeito causal; Incentivos fiscais

1. Introdução

No campo das ciências econômicas, os agentes reagem a incentivos e punições, e isso abre espaço para discutir a ideia de que gestores públicos respondem a estímulos via necessidades orçamentárias. A materialização dessa premissa pode ser observada no repasse de recursos financeiros entre entes de uma federação por intermédio de mecanismos de incentivo.

Nessa esteira, a transferência de recursos baseada em desempenho, entre outros fatores, está relacionada com uma competição intensa por impostos estaduais e um foco maior em resultados (McKeown-Moak et al., 2013McKeown-Moak, Mary P et al. (2013): “The “new” performance funding in higher education,” Educational Considerations, 40 (2), 3–12. [1]). Logo, ao condicionar essas transferências a desempenho, espera-se um maior esforço dos agentes. É, portanto, um indicativo de que agentes reagem a incentivos.

No Brasil, entre as transferências constitucionais direcionadas aos municípios, apenas uma parte da arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é distribuída conforme critérios estaduais discricionários. Esta parcela é conhecida como cota-parte do ICMS.

A Emenda Constitucional nº 108, de 2020, modificou o modo de rateio da fração do ICMS destinada aos municípios. Os estados têm dois anos a partir da promulgação da Emenda para aprovarem lei estadual com novos critérios que incluem: i) pelo menos 65% de acordo com o Valor Adicionado Fiscal (VAF)1 1 Segundo a Lei Complementar nº 123 de 2006, o VAF corresponde, para cada município ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil. Assim, a parcela impositiva referente ao VAF na distribuição do ICMS aos municípios, se configura em um meio de devolução tributária pela contribuição do município na formação do ICMS. , cujo valor mínimo anterior era de 75%; ii) o restante (no máximo 35%) rateado de acordo com o que dispuser lei estadual; iii) obrigatoriedade em distribuir 10 pontos percentuais (p.p.), dentre os 35% baseados em indicadores de aprendizagem e equidade (Brasil, 1988Brasil, Senado Federal (1988): “Constituição da república federativa do Brasil,” Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. [2]). De todo modo, é possível o estado atrelar determinados critérios à transferência da receita do ICMS.

Pesquisas mais recentes estudam em conjunto os diversos estados brasileiros para identificar os potenciais critérios que melhoram desempenho, em especial, na área de educação (Simões e Araújo, 2019Simões, Armando Amorim e Erika Amorim Araújo (2019): “O ICMS e sua potencialidade como instrumento de política educacional,” Cadernos de estudos e pesquisas em políticas educacionais, 3, 48–48. [2,3]; Simões et al., 2021Simões, Armando Amorim, Erika Amorim Araujo, Adolfo Samuel de Oliveira, e Fabiana de Assis Alves (2021): “ICMS-educacional: simulação de alternativas para criação de incentivos fiscais à melhoria do desempenho escolar municipal,” Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, 3 (4), 36–36. [2]; Sasso et al., 2021Sasso, Maiara, Patrícia Siqueira Varela, e Patricia Righetto (2021): “Distribuição da cota-parte do ICMS: como pode ser utilizada para promover melhores resultados na educação?” Revista Brasileira de Educação, 26. [2]). O aumento de 25% para 35% do rateio discricionário do ICMS subentende que políticas públicas podem ser melhoradas a depender do que for estabelecido em lei. Entretanto, a diversidade de critérios com diferentes objetivos para cada estado leva a conclusões ambíguas sobre o impacto do mecanismo de incentivo via ICMS.

Dada a heterogeneidade das leis de rateio de ICMS em âmbito nacional, este trabalho contribui para a literatura ao analisar as leis de distribuição do ICMS e os seus resultados na acessibilidade educacional fazendo uma análise de curto e longo prazo. Como algumas leis estaduais foram alteradas na década de 1990, o objetivo é entender se há efeitos de curto e de longo prazo dessas políticas sobre a acessibilidade educacional, especificamente, na educação infantil e fundamental.

Na tentativa de fazer um melhor uso da cota-parte do ICMS na área de políticas públicas, diversos estados brasileiros promoveram leis estaduais que atrelam essa transferência intergovernamental a resultados específicos. A mudança de lei da cota-parte do ICMS procura induzir os prefeitos a buscarem melhorias em determinadas áreas a fim de garantir uma maior fatia da receita do ICMS.

Entretanto, a implementação de uma reforma educacional pode gerar efeitos indesejáveis, como a perda de produtividade (Allen e Burgess, 2020Allen, Rebecca e Simon Burgess (2020): “The future of competition and accountability in education,” Public Services Trust at the RSA. [2]), ou causar nenhum efeito evidente (Lü, 2015Lü, Xiaobo (2015): “Intergovernmental transfers and local education provision—Evaluating China’s 8-7 National Plan for Poverty Reduction,” China Economic Review, 33, 200–211. [2]). Além disso, pode ocorrer uma resistência da população envolvida nessa reforma (Bonesrønning, 2013Bonesrønning, Hans (2013): “Public employees and public sector reform implementation,” Public Choice, 156, 309-327. [2]).

Para mitigar essas adversidades das reformas educacionais, é possível fazer com que o estado, por meio de um desenho de mecanismo adequado, aumente a qualidade da educação, sem aumento de gasto, apenas realocando recursos de forma eficiente (Shirasu et al., 2013Shirasu, Maitê Rimekká, Guilherme Diniz Irffi, e Francis Carlo Petterini (2013): “Melhorando a qualidade da educação por meio do incentivo orçamentário aos prefeitos: o caso da Lei do ICMS no Ceará,” VI Caen-EPGE, Fortaleza. [2, 3, 4]). Além disso, pode-se fazer com que a sistemática de rateio da cota-parte do ICMS favoreça municípios com pouca expressão econômica, por meio da equalização da distribuição das receitas públicas (Júnior et al., 2009Júnior, Antônio Carlos Brunozi, Luiz Antônio Abrantes, Marco Aurélio Marques Ferreira, e Adriano Provezano Gomes (2009): “Efeitos da Lei Robin Hood sobre os critérios de transferência do ICMS e avaliação de seu impacto nos municípios mineiros,” Revista de Informação Contábil, 2 (4), 82–101. [3, 4, 11, 12]).

Alguns pesquisadores consideram a cota-parte do ICMS um mecanismo relevante para se obter níveis educacionais adequados, embora este instrumento econômico seja pouco utilizado e explorado no Brasil, (Simões e Araújo, 2019Simões, Armando Amorim e Erika Amorim Araújo (2019): “O ICMS e sua potencialidade como instrumento de política educacional,” Cadernos de estudos e pesquisas em políticas educacionais, 3, 48–48. [2,3]; Mascarenhas e Ribas, 2019Mascarenhas, Caio Gama e Lídia Maria Ribas (2019): “Financiamento de políticas públicas educacionais e fundos orientados por desempenho: eficiência e equidade na gestão da educação pública,” Revista de Direito Brasileira, 24 (9), 17–49. [3, 4]). Essa evidência é ratificada por Brandão (2014)Brandão, Júlia Barbosa (2014): “O rateio de ICMS por desempenho de municípios no Ceará e seu impacto em indicadores do sistema de avaliação da educação,” Tese de Doutorado. [3, 4, 8, 18, 23], que classificou os critérios de rateio não-tradicionais do ICMS em três categorias: econômica-fiscal; geográfica, demográfica, equitativa e compensatória; e políticas públicas – com alguns critérios vinculados a resultados. No entanto, a participação média desta última categoria ficou em apenas 7,63%.

No Ceará, o foco da lei do ICMS deixou de estar centrado nos gastos em educação e passou a incentivar o aumento do desempenho educacional a partir de 20072 2 Ver em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=122702. . Essa mudança teve impacto positivo sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e Prova Brasil (Brandão, 2014Brandão, Júlia Barbosa (2014): “O rateio de ICMS por desempenho de municípios no Ceará e seu impacto em indicadores do sistema de avaliação da educação,” Tese de Doutorado. [3, 4, 8, 18, 23]), melhorou a proficiência dos alunos das redes municipais em exames padronizados de língua portuguesa e de matemática (Petterini e Irffi, 2013Petterini, Francis Carlo e Guilherme Diniz Irffi (2013): “Evaluating the impact of a change in the ICMS tax law in the state of Ceará in municipal education and health indicators,” Economia, 14 (3-4), 171–184. [3, 4]) e aumentou a proficiência média dos estudantes de 4 a 6 pontos na escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) (Shirasu et al., 2013Shirasu, Maitê Rimekká, Guilherme Diniz Irffi, e Francis Carlo Petterini (2013): “Melhorando a qualidade da educação por meio do incentivo orçamentário aos prefeitos: o caso da Lei do ICMS no Ceará,” VI Caen-EPGE, Fortaleza. [2, 3, 4]). Esta alteração também impactou no aumento das proficiências dos alunos do 5º ano das escolas públicas municipais em torno de 4% em Português e Matemática (Carneiro e Irffi, 2017Carneiro, Diego e Guilherme Irffi (2017): “Avaliação comparativa das leis de incentivo à educação no Ceará,” ENCONTRO REGIONAL DE ECONOMIA, 22. [3, 4]).

As evidências para o Ceará apontam melhoras em indicadores educacionais, no entanto, considerando o período analisado neste estudo (entre 1995 e 2010), mais três estados brasileiros possuíam como critério de rateio a área de educação, são eles: Amapá, Pernambuco e Minas Gerais. Não obstante, a forma como o critério referente à educação é implementada entre estes estados se difere, assim como o peso dado a esse critério.

Dos 25% referentes à cota-parte do ICMS, o Amapá destinava 2,6% à educação3 3 Com a Lei Complementar nº 0120 de 02 de dezembro de 2019 o estado de Amapá destina 18% conforme o Índice de Desenvolvimento Escolar de cada município. . Nesse estado, esse critério era constituído de acordo com a relação entre o total de alunos de escola municipal e a capacidade mínima de atendimento do município. Já o estado de Pernambuco fixava em 3% o peso do critério educação4 4 Com a Lei nº 16.616, de 15 de julho de 2019 o peso do critério educação formado pelo Índice de Desempenho da Educação irá de 8% a 18% com passo de 2% anualmente entre 2021 e 2026. , que era formado pela relação direta ao resultado do IDEB.

Em Minas Gerais, o critério educação possuía um peso de 2%5 5 A Lei n.º 18.030, de 12 de janeiro de 2009 de Minas Gerais determina 2% para educação conforme lei anterior. e era caracterizado de forma semelhante ao que ocorria em Amapá. Entretanto, em Minas Gerais, só recebiam recursos os municípios que possuíam 90% ou mais da relação entre o total de alunos atendidos pela rede municipal e a capacidade mínima de atendimento, ao passo que a lei estadual do Amapá não estipulava um valor mínimo dessa relação. Em comum, os estados de Amapá, Pernambuco e Minas Gerais especificavam o critério educação em termos de acesso educacional, ao passo que Ceará aborda o critério educação com base na qualidade educacional.

A necessidade em maximizar o uso dos recursos da cota-parte do ICMS faz com que seja importante compreender todas as especificidades das leis e o impacto delas nos municípios abrangidos. Em se tratando de educação, muitos trabalhos se debruçaram no cenário cearense, apontando em melhorias nos indicadores educacionais dos municípios deste estado (Petterini e Irffi, 2013Petterini, Francis Carlo e Guilherme Diniz Irffi (2013): “Evaluating the impact of a change in the ICMS tax law in the state of Ceará in municipal education and health indicators,” Economia, 14 (3-4), 171–184. [3, 4]; Shirasu et al., 2013Shirasu, Maitê Rimekká, Guilherme Diniz Irffi, e Francis Carlo Petterini (2013): “Melhorando a qualidade da educação por meio do incentivo orçamentário aos prefeitos: o caso da Lei do ICMS no Ceará,” VI Caen-EPGE, Fortaleza. [2, 3, 4]; Brandão, 2014Brandão, Júlia Barbosa (2014): “O rateio de ICMS por desempenho de municípios no Ceará e seu impacto em indicadores do sistema de avaliação da educação,” Tese de Doutorado. [3, 4, 8, 18, 23]; Carneiro e Irffi, 2017Carneiro, Diego e Guilherme Irffi (2017): “Avaliação comparativa das leis de incentivo à educação no Ceará,” ENCONTRO REGIONAL DE ECONOMIA, 22. [3, 4]). Por outro lado, não é vasta a literatura sobre o critério de acesso à educação dos estados de Minas Gerais e, principalmente, Amapá e Pernambuco.

Para Minas Gerais, os estudos empíricos sugerem que o modo como o estado distribui a cota-parte do ICMS não se reverte em benefícios para a educação dos municípios mineiros, (Mascarenhas e Ribas, 2019Mascarenhas, Caio Gama e Lídia Maria Ribas (2019): “Financiamento de políticas públicas educacionais e fundos orientados por desempenho: eficiência e equidade na gestão da educação pública,” Revista de Direito Brasileira, 24 (9), 17–49. [3, 4]). Ademais, os indicadores de conclusão de série, atendimento aos alunos e aprovação decaíram, respectivamente, 10%, 12% e 1% com a inclusão do critério de educação (Júnior et al., 2009Júnior, Antônio Carlos Brunozi, Luiz Antônio Abrantes, Marco Aurélio Marques Ferreira, e Adriano Provezano Gomes (2009): “Efeitos da Lei Robin Hood sobre os critérios de transferência do ICMS e avaliação de seu impacto nos municípios mineiros,” Revista de Informação Contábil, 2 (4), 82–101. [3, 4, 11, 12]). Baião et al. (2012)Baião, A.L., L.A. Abrantes, e CF. Souza (2012): “A política de distribuição do ICMS através do critério de educação em Minas Gerais,” Encontro Da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 36. [4] concluíram que, para um mesmo número de matrículas, municípios mineiros que receberam mais recursos do ICMS Educação não tiveram sua taxa de educação mais elevada. Souza et al. (2016)Souza, Adriana Cláudia Teixeira de, Celina de Souza Teixeira, e Gustavo Rafael da Silva Faria (2016): “Critério educação,” Avaliação de impacto da Lei do ICMS Solidário: Lei, (18.030). [4, 18] afirmam que o critério educacional de Minas Gerais contribui abaixo do esperado para a redução da desigualdade educacional dos municípios mais ricos e mais pobres do estado.

Em relação a Pernambuco e Amapá, os estudos empíricos sobre os impactos de suas respectivas leis de distribuição de ICMS na educação são exíguos (Mascarenhas e Ribas, 2019Mascarenhas, Caio Gama e Lídia Maria Ribas (2019): “Financiamento de políticas públicas educacionais e fundos orientados por desempenho: eficiência e equidade na gestão da educação pública,” Revista de Direito Brasileira, 24 (9), 17–49. [3, 4]). Para o Amapá, Tavares e dos Santos (2021)Tavares, Eduardo Corrêa e Kátia Paulino dos Santos (2021): “O ICMS do amanhã: a cota parte como estratégia para o engajamento dos municípios do Amapá com a melhoria da educação,” Brazilian Journal of Development, 7 (4), 36572–36593. [4] indicam em estudo qualitativo que os baixos resultados educacionais não sustentam a efetividade ou até mesmo existência de priorização da educação como resposta ao critério do novo modelo de ICMS aprovado pela Lei Complementar nº 120 de 2019. Em relação a Pernambuco, foram avaliados os componentes socioeconômicos da política de ICMS socioambiental, a saber: educação, saúde e receita tributária própria. A menor mobilidade dos municípios em busca de maiores benefícios da política é apresentada pelo critério educacional (Sobral e da Silva Junior, 2014Sobral, Eryka Fernanda Miranda e Luiz Honorato da Silva Junior (2014): “O ICMS socio-ambiental de Pernambuco: uma avaliação dos componentes socioeconômicos da política a partir do processo de Markov,” Planejamento e políticas públicas, (42). [4]).

O que não se observou em todos estes estudos foi uma análise conjunta do efeito causal da alteração da lei do ICMS em estados que usam o critério educação com base em acesso, e não em qualidade, e o comportamento deste efeito no longo prazo. Por meio de modelos com efeitos fixos, foram analisadas três variáveis de tratamento, tendo como municípios tratados aqueles sob a legislação de rateio de ICMS de Minas Gerais e Amapá, considerando impacto de curto prazo e de longo prazo. Neste último caso, adiciona-se Pernambuco.

Vale registrar que, embora a alteração das leis de cota-parte do ICMS de Minas Gerais e Amapá tenham ocorrido em 1995 e 1996, respectivamente, essas leis passaram a incentivar os gestores municipais um ano após serem decretadas e sancionadas. Assim, para análise de curto prazo (2000), o efeito da mudança da lei é verificado após quatro anos e três anos das leis de Minas Gerais e Amapá passarem a incentivar os gestores. Já na análise de longo prazo (2010), o efeito é verificado quatorze e treze anos após o início dos incentivos promovidos pela alteração da legislação mineira e do Amapá, respectivamente, e oito anos da mudança na lei do ICMS para Pernambuco. Este último estado passou a incentivar os gestores a partir de 2002.

Os resultados apontam que estas legislações têm impacto de curto e longo prazo sobre o acesso educacional, quando considerado o modelo principal, mas o efeito é ignorável em termos de magnitude. As análises sobre a heterogeneidade do impacto indicam que a política pública favorece municípios menos vulneráveis e que os incentivos são percebidos naqueles municípios que já possuem maior percentual de acesso educacional, ou seja, no extremo superior da distribuição de acessibilidade à educação.

2. Base de dados e procedimentos metodológicos

Esta seção traz o detalhamento do processo metodológico, com informações sobre a base de dados utilizada, as variáveis que constituem os modelos econométricos, a estratégia amostral usada na pesquisa e a formação dos grupos de controle e tratamento. Ainda é descrita a hipótese de ignorabilidade como estratégia de identificação e as regressões com efeitos fixos.

2.1 Base de dados

Para verificar se a modificação das leis de cota-parte do ICMS incentivou prefeitos e gestores a melhorarem o acesso à pré-escola e Ensino Fundamental (população de 4 a 14 anos), foram utilizadas variáveis de três bases de dados: i) o Censo Escolar, fornecido anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); ii) o Censo Demográfico, fornecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE); e iii) o Ipeadata, fornecido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA).

Vale destacar que, embora as leis de distribuição sejam estaduais, o nível de observação é o município, portanto, as variáveis coletadas estão em nível municipal. Além disso, o estudo trata os dados de acesso educacional em 2000 como curto prazo, indicando quatro e três anos de implementação das leis estaduais em Minas Gerais e no Amapá, respectivamente. Para os municípios destes estados, os dados de acesso educacional em 2010 indicam o longo prazo de atuação das leis. Em relação à Pernambuco, o longo prazo (2010) indica oito anos de vigência da lei do ICMS, não havendo, neste caso, análise de curto prazo.

A Tabela 1 traz a descrição das variáveis utilizadas nos modelos. A variável de resultado, que representa o acesso educacional, é caracterizada pela relação entre o quantitativo de matrículas municipais de alunos de 4 a 14 anos, compreendidas entre a pré-escola e o ensino fundamental, e a quantidade total da população de 4 a 14 anos por município. Ela é adequada para esta pesquisa, uma vez que é uma proxy para o critério de educação contido nas leis de Amapá, Minas Gerais e Pernambuco. Os dados referentes ao número de matrículas foram retirados dos Censos Escolares de 2000 e 2010, ao passo que, os dados sobre a população total foram extraídos dos Censos Demográficos.

Tabela 1
Descrição das variáveis

A razão pela escolha dos anos de 2000 e 2010 é decorrente do uso do Censo Demográfico, que é decenal, e foi usado para coleta da população. Uma alternativa, seria usar os dados da população estimada, calculada anualmente, exceto em anos de Censo e contagem da população. Contudo, as informações do Censo são preferíveis, uma vez que esta base é a mais importante fonte demográfica de um país (Borges, 2015Borges, Gabriel Mendes (2015): “A investigação da saúde nos censos demográficos do Brasil: possibilidades de análise, vantagens e limitações,” BIS. Boletim do Instituto de Saúde, 16 (2), 6–14. [5]).

Em relação às variáveis de tratamento, foram utilizadas duas variáveis que formam três tipos de tratamento: i) uma dummy que toma valor igual a 1, se o município pertence a um estado cuja lei do ICMS tem critério de distribuição de recursos com base no acesso educacional e zero, caso contrário; ii) a variação percentual da cota-parte entre o período anterior à implementação da lei e após a vigência (curto e longo prazo), com base nos valores da cota-parte do ICMS extraídos do Ipeadata. Para 2000, foram considerados os valores recebidos pelos municípios oriundos da cota-parte do ICMS entre 1995 e 2000, haja vista que este intervalo engloba as mudanças legislativas ocorridas em 1995 e 1996 para Minas Gerais e Amapá, respectivamente. No longo prazo, a variação foi mensurada entre 1995 e 2010, com exceção de Pernambuco, cujo período inicial para o cômputo da variação foi 2000, período este mais próximo da alteração da lei deste estado (2002). O terceiro tratamento é uma interação entre as duas variáveis anteriores, indicando se a variação das cotas-partes nos municípios tratados afetou o acesso à educação.

As variáveis pré-determinadas são dados sobre as despesas dos municípios em 1995; sobre a economia local, ao utilizar variáveis de Produto Interno Bruto (PIB) referente ao ano de 1996; assim como variáveis para desigualdade e renda, referentes a 1991. Essas variáveis são utilizadas tanto na análise de curto quanto de longo prazo. Entretanto, para Pernambuco, as variáveis datam de 2001, com exceção de desigualdade e renda, que são referentes a 2000.

As variáveis pré-determinadas foram deflacionadas utilizando o deflator implícito do PIB retirado do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), considerando-se 2000 e 2010 como anos bases para os modelos de curto e longo prazo, respectivamente. Além disso, a variação da cota-parte se deu em termos reais, ao deflacionar a cota-parte do ICMS de 1995 para valores de 2000 (curto prazo) e de 2010 (longo prazo). A inserção das variáveis pré-determinadas é relevante para controlar características dos municípios que possam ter impacto sobre o acesso educacional.

2.2 Estratégia da amostra

A Figura 1 ilustra a estratégia para construção dos grupos de controle e tratados por meio de um diagrama. Observa-se que, para a construção do grupo de municípios tratados, foram considerados apenas estados brasileiros que, dentre os critérios usados para distribuir o ICMS entre seus municípios, fazem uso do critério pertencente a área de educação centrado no acesso educacional.

Figura 1
Estratégia de construção dos grupos de tratamento e controle

O grupo de controle foi definido com base em dois critérios: i) os municípios de controle devem estar em unidades da federação que possuem leis tradicionais de rateio do ICMS e, ii) tais leis não sofreram mudanças durante o período analisado, 1995 a 2010. A distinção entre estados com leis tradicionais e não tradicionais seguiu a abordagem de Brandão (2014)Brandão, Júlia Barbosa (2014): “O rateio de ICMS por desempenho de municípios no Ceará e seu impacto em indicadores do sistema de avaliação da educação,” Tese de Doutorado. [3, 4, 8, 18, 23]. Os estados com leis tradicionais geralmente distribuem a cota-parte do ICMS com base em: i) um componente ligado ao VAF; ii) um componente igualitário; e, iii) em alguns estados, usando critérios relacionados a dados demográficos ou territoriais.

Sob outra perspectiva, os estados com leis não-tradicionais passam a usar também critérios que incentivam os gestores municipais a melhorarem desempenho em áreas estratégicas para captarem mais recursos do ICMS. Assim sendo, os estados não-tradicionais optam pela inserção de indicadores sociais, econômicos, financeiros e/ou ambientais para divisão dos 25% dos recursos sobre os quais cabe a eles definir as regras de divisão.

Com isso, enquadram-se no grupo de tratados: Amapá e Minas Gerais nas análises de curto prazo e é adicionado Pernambuco na análise de longo prazo. Este estado passou a usar o critério educação com base na Lei nº 11.899, de 21 de dezembro de 2000, mas o uso efetivo deste critério ocorreu em 2002. Do outro lado, compreendendo o grupo de controle, tem-se: Maranhão, Sergipe6 6 Sergipe criou recentemente o ICMS-Social, por meio da Lei 8628 de 05 de dezembro de 2019, que tem a finalidade de promover uma melhor colaboração entre os municípios e o estado para melhorar a educação básica e a saúde de Sergipe. No entanto, essa mudança não está englobada no período analisado neste trabalho. , São Paulo, Roraima, Paraná e Santa Catarina.

Dessa forma, cria-se um contrafactual para o grupo de municípios tratados, identificando o que teria acontecido com o acesso educacional desses entes, caso não tivesse ocorrido a mudança de lei da cota-parte do ICMS.

2.3 Estratégia de identificação

A estimativa causal da mudança de lei da cota-parte do ICMS sobre a acessibilidade à educação é obtida por meio da diferença entre dois possíveis resultados: o primeiro, que seria obtido caso o município pertença a um estado que utilize um componente de educação, com ênfase na acessibilidade, para ratear o ICMS (tratados), e o segundo, caso o município pertença a um estado com leis tradicionais e que não alterou sua lei entre 1995 e 2010 (controle).

De maneira formal, considerando uma amostra composta por n observações retiradas de uma população de N observações com n ≤ N. Sendo Ti a variável indicadora de tratamento para o município i, com valor igual a um se este pertencer ao grupo de tratados e, zero caso contrário. A variável de resultado potencial é dada por Yi(t) em que, Yi(1), e Yi(0), correspondem ao valor da variável de acesso à educação que seriam observadas caso o município fosse tratado e caso não fosse tratado, respectivamente. Dessa forma, os possíveis resultados entre tratados e não tratados pode ser representado por: Yi(t)=TiYi(1)+(1Ti)Yi(0).

Em virtude disso, o efeito causal da alteração da lei sobre o acesso à educação é dado pela diferença entre Yi(1) e Yi(0) para cada município. Entretanto, as possíveis inferências de causalidade para a população são obtidas a partir do efeito médio causal definido como E[Yi(1)Yi(0)].

Contudo, este procedimento não é factível, pois cada município é observado sob apenas uma das situações, logo, a comparação necessária envolve valores não observáveis. Nessa conformidade, se Yi(1) ocorrer, Yi(0) não será observado para o município i. Além do mais, em razão da heterogeneidade entre os municípios, a estimação das médias populacionais de Yi(1) e Yi(0) pelas médias nas subpopulações em que são observadas sofre viés de seleção (Hong, 2015Hong, Guanglei (2015): Causality in a social world: Moderation, mediation and spill-over, John Wiley & Sons. [9]). Assim, a identificação do parâmetro que representa o efeito causal da mudança da lei sobre o acesso à educação depende de hipóteses sobre o relacionamento entre as variáveis não observadas e as observadas (Firpo e Pinto, 2013Firpo, Sergio Pinheiro e Rafael de Carvalho Cayres Pinto (2013): “Combinando estratégias para estimação de efeitos de tratamento,”. [9]).

Para contornar essa dificuldade serão utilizadas informações adicionais sobre os municípios, chamadas de variáveis pré-determinadas. Neste estudo, estas variáveis são caracterizadas pelos aspectos econômicos e sociais dos municípios, contendo variáveis relacionadas ao PIB, despesas, receitas, desigualdade e renda.

Sob a Hipótese de Ignorabilidade (Hl), é possível comparar os valores da variável de acesso à educação entre os municípios de mesmas características representadas pelas pré-determinadas, porém submetidos a diferentes tratamentos. Isso é equivalente à afirmação de que as heterogeneidades são captadas pelas variáveis pré-determinadas (Firpo e Pinto, 2013Firpo, Sergio Pinheiro e Rafael de Carvalho Cayres Pinto (2013): “Combinando estratégias para estimação de efeitos de tratamento,”. [9]). Mais especificamente, considera-se a Hl Forte definida a partir da Independência Condicional como:

(1) T i ( Y i ( 1 ) ; Y i ( 0 ) ) | X i

Isso significa que o tratamento é randomizado em relação aos resultados potenciais da variável de acesso à educação, dadas as variáveis pré-determinadas (Xi). Em outros termos, a atribuição do tratamento por parte do estado não tem relação com os resultados de acessibilidade educacional dos municípios. Para validar a eficácia do efeito causal do tratamento sobre o acesso à educação, considera-se também a Hipótese de Suporte Comum:

(2) 0 < ε < p ( X ) < 1 ε < 1 , x

Essa hipótese determina um limite uniforme, maior que zero, para a probabilidade de seleção e de não seleção, ou seja, a probabilidade de o município receber o tratamento varia de 0 a 1 e existe uma área do vetor das variáveis pré-determinadas que indica o grupo de tratamento e controle (Frio, 2020Frio, Gustavo Saraiva (2020): “Avaliação de políticas públicas: ensaios em economia da saúde e da educação,”. [9]). Segundo Firpo e Pinto (2013)Firpo, Sergio Pinheiro e Rafael de Carvalho Cayres Pinto (2013): “Combinando estratégias para estimação de efeitos de tratamento,”. [9], a identificação do parâmetro que expressa o efeito causal, β, sob a Hl é originada pela seguinte aplicação da Lei das Expectativas Iteradas:

(3) β = E [ Y i ( 1 ) Y i ( 0 ) ] = E [ E [ Y i ( 1 ) | X i ] E [ Y i ( 0 ) | X i ] ] = E [ m 1 ( X i ) m 0 ( X i ) ]

Por conseguinte, o efeito causal da alteração da legislação que reparte o ICMS entre os municípios sobre a variável de acesso educacional pode ser representado como a média populacional de uma diferença entre funções das variáveis pré-determinadas. Logo é possível reescrever m1(·) e m0(·). utilizando, respectivamente, os dados referentes às observações tratadas e de controle:

(4) β = E [ m 1 ( X i ) m 0 ( X i ) ] = E [ E [ Y i | X i , T i = 1 ] E [ Y i | X i , T i = 0 ] ]

Dessa maneira, observando Hl, os efeitos causais do tratamento são verificados.

2.4 Modelo de regressão de efeitos fixos

Para estimar a influência da mudança de lei da distribuição da cota-parte do ICMS e da variação percentual dessa cota-parte sobre o acesso escolar, utilizou-se um modelo de mínimos quadrados com variáveis dummy para efeitos fixos em dados cross-section. Esse modelo é expresso estatisticamente da seguinte forma:

O subscrito i, representa os municípios considerados na pesquisa. A variável dependente, Yi, é a variável de acesso educacional. O parâmetro de interesse é β2, que representa o impacto da alteração da lei da cota-parte do ICMS sobre a variável de acesso à educação. β3 é um vetor dos coeficientes das variáveis pré-determinadas, sendo estas identificadas pelo vetor Xi e expressas em logaritmo, exceto as variáveis de renda do trabalho e desigualdade. As variáveis Dni são as dummies dos estados e funcionam como efeitos fixos não-observados. Os efeitos fixos são para os estados, muito embora as variáveis pré-determinadas e as de tratamento estejam em nível municipal. Finalmente, μit, é o erro. O modelo proposto é aplicado na análise de curto prazo e também na análise de longo prazo.

O modelo leva em consideração a heterogeneidade entre os estados. Gujarati e Porter (2011)Gujarati, Damodar N e Dawn C Porter (2011): Econometria básica-5, Amgh Editora. [10] salientam que, ao deixar de lado as particularidades de cada indivíduo, o termo de erro conteria tais especificidades, incorrendo em autocorrelação do termo de erro com alguns regressores. Caso isso se verificasse, os coeficientes estimados seriam inconsistentes e tendenciosos.

Além disso, o identificador escolhido para os efeitos fixos foram os estados para ser obtido um número menor de variáveis, pois dummies municipais iriam gerar um excesso de variáveis, causando problemas relacionados a escassez de graus de liberdade e possibilidade de multicolinearidade. O resultado seria problemas na estimação exata de um ou mais parâmetros (Gujarati e Porter, 2011Gujarati, Damodar N e Dawn C Porter (2011): Econometria básica-5, Amgh Editora. [10]).

A Equação (5) é usada nos três modelos propostos neste trabalho. O que difere cada modelo é a variável de tratamento. No primeiro modelo é usada uma dummy que indica um para o município tratado e zero, caso contrário; no segundo modelo, utiliza-se o percentual de variação da cota-parte; e, o terceiro modelo traz uma interação entre as duas primeiras variáveis de tratamento.

(5) Y i = α 1 + β 2 T r a t i + β 3 X i + n = 2 9 α n D n i + μ i

Por fim, todas as equações foram clusterizadas para os estados. O uso de clusters é necessário para agrupar naturalmente os estados com base nas semelhanças de suas características (Valli, 2002Valli, Márcio (2002): “Análise de cluster,” Augusto Guzzo Revista Acadêmica, (4), 77–87. [10]).

3. Resultados

A implementação de leis não-tradicionais com critérios educacionais referentes ao acesso à educação surte efeito na acessibilidade educacional dos estados, em comparação aos que utilizam leis tradicionais? O objetivo desta análise é encontrar evidências de que a mudança de lei de distribuição do ICMS, incorporando fatores educacionais, implicam em um aumento na relação entre o número de matrículas e a quantidade populacional do município no curto e longo prazo.

3.1 Estatística descritiva

A Tabela 2 apresenta o teste t das variáveis usadas nos modelos de curto e longo prazo. Em 2000, os municípios de Minas Gerais e Amapá, possuíam, em média, um acesso educacional 5 p.p. a mais que aos municípios dos estados que distribuíam a cota-parte do ICMS com critérios tradicionais. Quando se inclui o estado de Pernambuco para avaliação de longo prazo, o acesso educacional do grupo de municípios tratados se torna ainda maior se comparado ao do grupo de controle (7,5 p.p.).

Tabela 2
Teste t das variáveis para o curto e longo prazo

Entre os municípios tratados e de controle, as médias são semelhantes, em termos estatísticos, para as variáveis de transferência de capital, despesa com educação e PIB de indústria, tanto para o curto quanto para o longo prazo, e para a variável de PIB agropecuária, para o curto prazo. As médias da despesa com educação é influenciada diretamente pelo município de São Paulo, o que levou também a um elevado desvio padrão. Para as demais variáveis, a diferença das médias é estatisticamente significante.

3.2 Resultados Econométricos

Foram analisados três modelos de regressão com efeitos fixos, para cada período de tempo: i) a variável de tratamento é binária e busca mensurar o impacto da mudança da lei do ICMS sobre o acesso educacional; ii) a variável de tratamento é contínua e representa a variação da cota-parte do ICMS, verificando se o ganho ou perda de recursos teve efeito sobre a variável de acesso; iii) a variável de tratamento é uma interação entre as duas variáveis anteriores e busca medir se o ganho ou perda de recursos da cota-parte para os municípios tratados tem impacto no acesso educacional.

3.2.1 Efeitos fixos com tratamento dummy.

A Tabela 3 expressa os resultados da regressão com efeitos fixos considerando uma dummy para os municípios dos estados tratados no curto e no longo prazo. A mudança de lei de cota-parte do ICMS de Amapá e Minas Gerais reduziu em 46,57 p.p. o acesso educacional, após três e quatro anos do início dos incentivos, respectivamente. No longo prazo, o início dos incentivos educacionais promovido pelas leis de cota-parte do ICMS de Minas Gerais em 1996, Amapá em 1997 e Pernambuco em 2002 reduziu o acesso educacional em 12,6 p.p.. Portanto, a política reduz o impacto negativo sobre o acesso educacional com o passar do tempo. Contudo, tais resultados devem ser interpretados com cautela como será visto na seção de robustez.

Tabela 3
Resultados da regressão de efeitos fixos com variáveis dummies para os estados tratados sobre o acesso à educação

De modo similar, Júnior et al. (2009)Júnior, Antônio Carlos Brunozi, Luiz Antônio Abrantes, Marco Aurélio Marques Ferreira, e Adriano Provezano Gomes (2009): “Efeitos da Lei Robin Hood sobre os critérios de transferência do ICMS e avaliação de seu impacto nos municípios mineiros,” Revista de Informação Contábil, 2 (4), 82–101. [3, 4, 11, 12], analisando os efeitos da lei Robin Hood em indicadores educacionais dos municípios mineiros, verificaram que os indicadores de conclusão de séries, atendimento aos alunos e aprovação, decaíram, respectivamente, 10%, 12% e 1%, no período de 2000 a 2005. Isso reforça a ideia de que a mudança de lei da cota parte do ICMS apresentou um efeito negativo em indicadores educacionais e no acesso à educação. Como não há obrigação de investir os repasses do ICMS no sistema educacional, os municípios podem, na realidade, alocar os recursos em outras áreas (Júnior et al., 2009Júnior, Antônio Carlos Brunozi, Luiz Antônio Abrantes, Marco Aurélio Marques Ferreira, e Adriano Provezano Gomes (2009): “Efeitos da Lei Robin Hood sobre os critérios de transferência do ICMS e avaliação de seu impacto nos municípios mineiros,” Revista de Informação Contábil, 2 (4), 82–101. [3, 4, 11, 12]).

O modelo aponta que, no curto prazo, um aumento de 10% nas despesas com transferências de capital ou no PIB industrial reduz em 0,074 p.p. ou 0,098 p.p. o acesso à educação, respectivamente. Além disso, se a razão entre a renda dos 10% mais ricos e os 40% mais pobres aumentar em 1 p.p., o impacto sobre a acessibilidade educacional reduzirá em 0,4 p.p., no curto prazo. No longo prazo, um aumento de 10% na despesa educacional reduz em 0,3 p.p. o acesso à educação, indicando que a elevação no gasto não necessariamente aumenta o percentual da população atendida por escolas e creches municipais.

3.2.2 Efeitos fixos com tratamento contínuo.

Os resultados do modelo 2 são apresentados na Tabela 4. Neste exercício foi verificado se a variação da cota-parte do ICMS teve impacto sobre o acesso à educação no curto e no longo prazo. Como resultado, uma variação de 1 p.p. na cota-parte elevou em 0,0027 p.p. o acesso educacional de 2010 dos municípios de Minas Gerais, Amapá e Pernambuco. Tomando-se uma diferença na variação da cota-parte do ICMS de 714 p.p, observada na Tabela 2 dos resultados, o impacto seria de 1,9 p.p. sobre o acesso à educação. No curto prazo, o efeito é nulo.

Tabela 4
Resultados da regressão de efeitos fixos da variação da cota-parte sobre o acesso à educação

Assim como no modelo anterior, as variáveis de transferência de capital, PIB industrial e desigualdade parecem robustas, mantendo a significância estatística no curto prazo. O modelo aponta que um aumento de 10% nas despesas com transferências de capital e no PIB industrial reduz em 0,075 p.p. e 0,1 p.p. o acesso à educação, respectivamente. Para a variável de desigualdade, se a razão entre a renda dos 10% mais ricos e os 40% mais pobres aumentar em 1 p.p, o impacto sobre a acessibilidade educacional reduzirá em 0,37 p.p.. Ou seja, municípios mais desiguais dão menos acesso à educação fundamental.

No longo prazo, um aumento de 10% na despesa educacional reduz em 0,3 p.p. o acesso à educação da população atendida por escolas e creches municipais.

3.2.3 Efeitos fixos com tratamento contínuo para os estados tratados.

O modelo 3 avalia o impacto da variação da cota-parte do ICMS dos municípios tratados no curto e longo prazo, usando a interação entre as duas variáveis de tratamento dos modelos anteriores. Os resultados são apresentados na Tabela 5. Os ganhos e perdas percentuais do valor da cota-parte no curto prazo, que engloba os municípios do Amapá e Minas Gerais, geram um impacto positivo sobre o acesso educacional.

Tabela 5
Resultados da regressão de efeitos fixos da variação da cota-parte para os estados tratados sobre o acesso à educação

Os resultados apontam que uma variação positiva de 1 p.p. dos recursos da cota-parte do ICMS para os estados tratados resulta em um aumento de 0,0036 p.p. no acesso à educação, em comparação aos municípios de controle, no curto prazo. Tomando-se como exemplo a diferença na variação da cota-parte apresentada na Tabela 2 (308 p.p.), o modelo de curto prazo indica um aumento de 1,1 p.p. sobre a acessibilidade educacional.

Ainda no modelo de curto prazo, as variáveis de transferência de capital, PIB industrial e desigualdade impactam negativamente o aceso à educação. A magnitude dos coeficientes se mantém robusta, variando o impacto entre – 0,743 e – 0,762 para transferência de capital; – 0,983 e – 1,043 para PIB industrial e; – 0,362 e – 0,372 para desigualdade, observando os resultados dos três modelos.

No longo prazo, o efeito positivo da variação da cota-parte para os tratados sobre o acesso educacional se mantém, embora com magnitude menor do que no modelo de curto prazo. Nesse ponto, encontrou-se que, para cada aumento de 1 p.p. na variação da cota-parte do ICMS aumenta-se 0,0021 p.p. o acesso educacional. Portanto, a diferença de 714 p.p. observada entre municípios tratados e de controle levaria a um aumento de 1,49 p.p. no acesso educacional. Isto indica que esta política pública traz os incentivos corretos para ampliação do acesso educacional nas redes municipais, embora tenha um impacto limitado. Ressalta-se que o aumento das despesas com educação não garante, no longo prazo, a ampliação do acesso.

3.3 Heterogeneidade dos resultados

A análise da seção anterior levou em consideração o impacto médio sobre o acesso educacional, mas não avaliou possíveis diferenças de efeito sobre grupos específicos de municípios. Afinal, a política pública pode atingir de maneira assimétrica os diferentes entes federativos a depender, por exemplo, do porte do município e de seu nível de vulnerabilidade. Nesta seção também se verifica o efeito da mudança da lei ao longo da distribuição do percentual de acesso educacional por meio de uma regressão quantílica.

3.3.1 Porte dos municípios.

Seguindo a definição de porte municipal dada pelo IBGE7 7 Municípios de pequeno porte têm até 50 mil habitantes; de médio porte, entre 50 mil e 100 mil habitantes, e de grande porte, acima de 100 mil habitantes. , os três modelos, sendo um para cada variável de tratamento diferente, foram aplicados dentro de cada subamostra de porte municipal, tanto para curto quanto longo prazo. As três primeiras colunas na Tabela 6 replicam os modelos 1, 2 e 3 para municípios de pequeno porte e apontam que as alterações das leis estaduais de cota-parte do ICMS não afetaram o acesso educacional municipal no curto prazo.

Tabela 6
Análise por porte de município para o curto prazo

Para os municípios de médio porte, a política pública de incentivo ao acesso educacional por meio da cota-parte do ICMS também não gerou impacto, não importando o modelo utilizado. As três últimas colunas da Tabela 6 se referem à subamostra para os municípios de grande porte. A variação da cota-parte para os tratados (modelo 3) gerou um impacto negativo, indicando que um aumento de 1 p.p. na variação da cota-parte do ICMS produz uma redução de 0,2 p.p. no acesso educacional.

Entre as variáveis pré-determinadas, as despesas com educação têm efeito positivo para municípios de médio porte com impacto entre 0,98 e 1,04 p.p. para cada 10% de aumento nas despesas educacionais no que refere aos modelos 3 e 1, respectivamente. O PIB industrial gerou impacto positivo de 0,12 p.p. sobre o acesso à educação para os municípios de médio porte para um aumento de 10%, observando os resultados do modelo 3. Os municípios de pequeno e médio porte com maior PIB agropecuário são impactados de forma negativa, reduzindo o acesso educacional, enquanto, para os municípios de grande porte, um aumento de 10% no PIB agropecuário gera uma elevação de 0,18 p.p. no acesso educacional (modelo 3).

A análise de longo prazo apresentou um efeito positivo das alterações de incentivo ao acesso educacional pela lei da cota-parte do ICMS nos municípios de pequeno porte. Na primeira coluna dos resultados da Tabela 7 (modelo 1), tem-se que o fato de haver uma lei de cota-parte que destine um maior percentual de recursos para municípios com maior acesso à educação gera-se um impacto positivo de longo prazo de 12 p.p. em relação àqueles municípios com leis tradicionais de rateio do ICMS. Entretanto, é preciso analisar com cautela este resultado como será discutido na seção de robustez dos modelos. Em relação aos municípios de médio e grande portes, as políticas públicas do ICMS sobre educação geram impactos negativos de longo prazo entre 0,016 e 0,02 p.p..

Tabela 7
Análise por porte de município para o longo prazo

Entre as variáveis pré-determinadas, somente o PIB agropecuário tem um efeito negativo sobre o acesso educacional nos municípios de pequeno e médio porte. O aumento de 10% no PIB agropecuário leva a uma redução entre 0,204 e 0,268 p.p. no acesso à educação infantil e fundamental, considerando-se todos os modelos aplicados.

3.3.2 Vulnerabilidade social.

Com base no Atlas da Vulnerabilidade Social, publicado pelo IPEA em 2015, os municípios foram divididos em duas subamostras para avaliar se há diferença no impacto da política pública do ICMS entre os 25% mais vulneráveis e os 25% dos municípios menos vulneráveis. O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS)8 8 Maiores informações em Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros. Brasília: IPEA, 2015. Disponível em: http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoes/lvs/publicacao_atlas_ivs.pdf varia entre 0 e 1, indicando que o município é menos vulnerável quanto mais próximo a zero. Na análise de curto prazo (Tabela 8), os municípios menos vulneráveis têm IVS abaixo de 0,322 e os municípios mais vulneráveis possuem IVS acima de 0,512.

Tabela 8
Análise por vulnerabilidade dos municípios para o curto prazo

A política pública de ICMS aumentou o hiato no acesso educacional entre regiões mais vulneráveis e menos vulneráveis. Entre os municípios menos vulneráveis, as mudanças nos critérios de rateio do ICMS aumentaram o acesso educacional para os três modelos analisados. Entretanto, efeito contrário foi gerado sobre os municípios mais vulneráveis.

Este resultado converge com os resultados de Souza et al. (2016)Souza, Adriana Cláudia Teixeira de, Celina de Souza Teixeira, e Gustavo Rafael da Silva Faria (2016): “Critério educação,” Avaliação de impacto da Lei do ICMS Solidário: Lei, (18.030). [4, 18], que analisaram os efeitos da mudança na lei do ICMS em Minas Gerais e identificaram pouco impacto na redução das desigualdades educacionais entre as regiões mais ricas e as mais pobres. Já no Ceará, a política pública de ICMS que leva em consideração a qualidade da educação gerou redução nas desigualdades educacionais entre regiões ricas e pobres (Brandão, 2014Brandão, Júlia Barbosa (2014): “O rateio de ICMS por desempenho de municípios no Ceará e seu impacto em indicadores do sistema de avaliação da educação,” Tese de Doutorado. [3, 4, 8, 18, 23]).

No modelo principal (colunas 3), um aumento de 1 p.p. na variação da cota-parte do ICMS para os municípios regidos por leis que consideram o acesso à educação gera uma redução 0,01 p.p. no acesso à educação dos mais vulneráveis enquanto produz um impacto positivo de 0,06 p.p. naqueles menos vulneráveis no curto prazo.

A elevação da desigualdade de acesso educacional perdura no longo prazo (Tabela 9), uma vez que a alteração na lei não tem impacto significante para os municípios mais vulneráveis enquanto o efeito permanece positivo para os menos vulneráveis. No modelo principal (coluna 6), um aumento de 1 p.p. na variação da cota-parte do ICMS dos municípios tratados eleva o acesso educacional em 0,02 p.p..

Tabela 9
Análise por vulnerabilidade dos municípios para o longo prazo

No longo prazo, os 25% menos vulneráveis incluem os municípios com IVS abaixo de 0,219, enquanto os 25% com maior vulnerabilidade têm IVS acima de 0,369. Ainda assim, municípios com IVS entre 0,301 e 0,400 são considerados de média vulnerabilidade (IPEA, 2015IPEA (2015): Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros, Brasília: Ipea. [18]).

3.3.3 Distribuição de acesso educacional.

Outra maneira de observar o impacto da política pública de rateio do ICMS sobre a desigualdade educacional é analisar se a mudança das leis gerou efeito ao longo da distribuição do percentual de acesso à educação. Assim, a Tabela 10 mostra os resultados das regressões quantílicas para os três modelos analisados. O modelo 1 indica que, no curto prazo, os municípios com os 10% menores níveis de acesso educacional (quantil 10) tiveram impacto da mudança da lei menor do que aqueles municípios com os 10% melhores níveis de acesso à educação (quantil 90).

Tabela 10
Regressão quantílica para o longo prazo

Em relação aos modelos 2 e 3, o impacto da política pública do ICMS é significante somente para os municípios com os 25% e os 10% melhores níveis de acesso, não gerando impacto sobre os municípios com menor acesso. Portanto, no curto prazo, um aumento de 1 p.p. na variação da cota-parte do ICMS (modelo 2) produz um aumento de 0,009 p.p. no acesso à educação para os municípios que já possuem maior acesso. No modelo 3, um aumento de 1 p.p. na variação da cota-parte do ICMS dos municípios tratados leva a 0,01 p.p. de aumento no acesso educacional. Isso indica que o efeito da mudança da lei do ICMS afeta somente a cauda superior da distribuição do percentual de acesso educacional, beneficiando os municípios que têm melhor acesso, sem incentivar os municípios com menor percentual de acesso.

No longo prazo (Tabela 11), o padrão de impacto para os modelos 2 e 3 é semelhante aos resultados de curto prazo, gerando efeito nulo para os quantis mais baixos da distribuição do percentual de acesso educacional e impacto positivo para os quantis mais altos. O efeito da mudança das leis de ICMS no modelo 3 leva a um aumento de 0,0078 p.p. do acesso à educação para cada p.p. a mais na variação da cota-parte dos tratados entre os municípios com 10% melhores níveis de acesso. Tomando como exemplo a diferença observada na variação da cota-parte para o longo prazo (Tabela 2), isto poderia significar um aumento de 5,5 pontos percentuais sobre a acessibilidade educacional.

Tabela 11
Regressão quantílica para o longo prazo

Em suma, o efeito positivo observado pela política pública de rateio do ICMS ocorre sobre aqueles municípios menos vulneráveis em termos sociais e que já possuem taxas de acesso à educação maiores, o que eleva o hiato educacional para os municípios. Entretanto, o porte do município não parece ser um fator importante no impacto da mudança nas leis de ICMS.

4. Robustez

Dois testes de robustez foram realizados para checar a confiabilidade dos resultados dos três modelos propostos. O primeiro teste é um placebo, usando como variável dependente o acesso educacional de 1991 dos municípios, ou seja, em um período anterior à modificação das leis de ICMS. O segundo teste leva em consideração apenas os municípios de fronteira entre Minas Gerais e São Paulo, de forma a aproximar as características entre os municípios tratados e os de controle.

4.1 Teste placebo

Construiu-se a variável de acesso à educação de 1991, caracterizada como a relação entre o número de matrículas municipais da pré-escola ao ensino fundamental de alunos de 5 a 14 anos e a população total de 4 a 14 anos, com os dados obtidos do Censo Demográfico de 1991 e do Censo Escolar9 9 No Censo Escolar não havia informações de matrículas de alunos de 4 anos para nenhum dos nove estados de interesse. Por isso, a faixa etária utilizada para o número de matrículas foi de 5 a 14 anos. . Espera-se que as variáveis de tratamento não exerçam efeito na variável de acesso à educação de 1991.

A Tabela 12 apresenta os resultados para os três modelos, considerando-se como tratados os municípios de Minas Gerais e Amapá, equivalente aos modelos de curto prazo. Posteriormente, consideraram-se também os municípios de Pernambuco como tratados, o que seria equivalente aos modelos para longo prazo.

Tabela 12
Regressão de efeitos fixos para variáveis de tratamento sobre o acesso à educação de 1991

O modelo 1, cuja variável de tratamento é binária, apontando apenas se os municípios são tratados ou não, não se mostrou robusta dado que a variável de tratamento foi estatisticamente significante. Os modelos 2 e 3 apresentam-se robustos, uma vez que as variáveis de tratamento não foram estatisticamente significantes, ou seja, a variação da cota-parte do ICMS como política pública não afeta o percentual de acesso educacional antes da política ser implementada (1991).

4.2 Fronteira entre Minas e São Paulo

O segundo teste de robustez analisa uma subamostra de municípios na divisa entre Minas Gerais e São Paulo que, em tese, possuem características semelhantes. O objetivo é minimizar o viés de seleção entre grupos de controle e tratados no estudo de efeito causal. Foram identificados 45 municípios mineiros e 54 municípios de São Paulo na divisa entre os dois estados. A partir disso, foram aplicados os três modelos propostos tanto no curto como no longo prazo. Espera-se resultados semelhantes aos já encontrados, embora os modelos não tenham efeito fixo, uma vez que não faria sentido para somente dois estados.

A Tabela 13 apresenta os resultados para os municípios da fronteira entre Minas Gerais e São Paulo. Nos três modelos analisados, a mudança de lei mineira não afeta o acesso educacional dos municípios no curto e longo prazo, sendo o grupo de controle formado pelos municípios de São Paulo que fazem fronteira com Minas Gerais.

Tabela 13
Resultados para subamostra de municípios na divisa de Minas Gerais com São Paulo

Este exercício de robustez deve ser visto com cautela, pois envolve apenas a mudança na lei mineira, sem levar em consideração o Amapá e, no longo prazo, Pernambuco. Além disso, o tamanho da amostra é bastante reduzido.

5. Considerações finais

A cota-parte do ICMS é um importante instrumento de política pública capaz de promover melhorias em áreas estratégicas, como a área de educação. Nesse contexto, Amapá, Minas Gerais e Pernambuco inseriram em suas leis de repartição do ICMS um componente de educação voltado para a acessibilidade educacional. Assim, melhorias nesse campo da educação garantiriam mais recursos aos municípios e, portanto, com a mudança de lei, haveria incentivos aos prefeitos para melhorarem o acesso à educação municipal.

Para analisar o impacto da mudança de lei da cota-parte do ICMS no acesso educacional dos municípios no curto e no longo prazo, foi construída uma variável de acesso à educação caracterizada pela relação entre o quantitativo de matrículas municipais de alunos de 4 a 14 anos, compreendidas entre a pré-escola e o ensino fundamental, e a quantidade total da população de 4 a 14 anos por município, semelhante ao critério de educação contido nas leis de Amapá, Minas Gerais e Pernambuco.

Além disso, fez-se uso de três variáveis de tratamento que diferem entre os três modelos propostos: no primeiro modelo foi usada uma dummy que identifica os municípios tratados; no segundo modelo a variável de tratamento representa a variação percentual da cota-parte do ICMS; e no último modelo, o tratamento é uma interação entre as variáveis de tratamento dos dois primeiros modelos. Em todos estes modelos foram usadas variáveis pré-determinadas relacionadas às receitas, despesa, PIB, renda e desigualdade dos municípios, em regressões com efeitos fixos no curto prazo (2000) e no longo prazo (2010) para identificar a influência da mudança da lei no acesso à educação.

No primeiro modelo, a mudança de lei de cota-parte do ICMS dos estados de Amapá e Minas Gerais causou um efeito negativo no acesso educacional. Esse efeito negativo perdura, uma vez que, ao considerar a variável de acesso educacional em 2010, há evidência de redução do percentual de acesso à educação para os estados de Amapá, Minas Gerais e Pernambuco.

No segundo modelo, a variável de interesse mostrou-se positiva e significante no longo prazo, indicando que uma variação de 1 p.p. na cota-parte elevaria em 0,0027 p.p. o acesso educacional. Entretanto, a variação da cota-parte não causou efeito no acesso à educação no curto prazo.

O principal modelo considerado neste estudo, em termo de robustez, aponta que os ganhos e perdas do valor da cota-parte do ICMS dos municípios tratados geram um impacto positivo na variável de acesso educacional tanto no curto prazo como no longo prazo, com magnitude de impacto menor com o passar do tempo. Uma variação no valor da cota-parte para os tratados de 1 p.p. levaria a um aumento de 0,0036 e 0,0021 p.p. sobre o acesso educacional no curto e no longo prazo, respectivamente. Portanto, a política pública de distribuição da cota-parte do ICMS traz os incentivos corretos para ampliação do acesso educacional nas redes municipais, embora tenha um impacto limitado e desigual.

A análise de heterogeneidade de impacto aponta que o efeito positivo observado pela política pública de rateio do ICMS ocorre sobre aqueles municípios menos vulneráveis em termos sociais e que já possuem taxas de acesso à educação maiores, o que eleva o hiato educacional para os municípios. A literatura indica que critérios de distribuição dos recursos de ICMS ligados à qualidade educacional reduzem as desigualdades educacionais (Brandão, 2014Brandão, Júlia Barbosa (2014): “O rateio de ICMS por desempenho de municípios no Ceará e seu impacto em indicadores do sistema de avaliação da educação,” Tese de Doutorado. [3, 4, 8, 18, 23]), enquanto critérios ligados ao percentual de acesso parecem ter efeito contrário.

  • 1
    Segundo a Lei Complementar nº 123 de 2006, o VAF corresponde, para cada município ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil. Assim, a parcela impositiva referente ao VAF na distribuição do ICMS aos municípios, se configura em um meio de devolução tributária pela contribuição do município na formação do ICMS.
  • 2
  • 3
    Com a Lei Complementar nº 0120 de 02 de dezembro de 2019 o estado de Amapá destina 18% conforme o Índice de Desenvolvimento Escolar de cada município.
  • 4
    Com a Lei nº 16.616, de 15 de julho de 2019 o peso do critério educação formado pelo Índice de Desempenho da Educação irá de 8% a 18% com passo de 2% anualmente entre 2021 e 2026.
  • 5
    A Lei n.º 18.030, de 12 de janeiro de 2009 de Minas Gerais determina 2% para educação conforme lei anterior.
  • 6
    Sergipe criou recentemente o ICMS-Social, por meio da Lei 8628 de 05 de dezembro de 2019, que tem a finalidade de promover uma melhor colaboração entre os municípios e o estado para melhorar a educação básica e a saúde de Sergipe. No entanto, essa mudança não está englobada no período analisado neste trabalho.
  • 7
    Municípios de pequeno porte têm até 50 mil habitantes; de médio porte, entre 50 mil e 100 mil habitantes, e de grande porte, acima de 100 mil habitantes.
  • 8
    Maiores informações em Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros. Brasília: IPEA, 2015IPEA (2015): Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros, Brasília: Ipea. [18]. Disponível em: http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoes/lvs/publicacao_atlas_ivs.pdf
  • 9
    No Censo Escolar não havia informações de matrículas de alunos de 4 anos para nenhum dos nove estados de interesse. Por isso, a faixa etária utilizada para o número de matrículas foi de 5 a 14 anos.
  • Classificação JEL. H52, 121, J18.

Referências Bibliográficas

  • Allen, Rebecca e Simon Burgess (2020): “The future of competition and accountability in education,” Public Services Trust at the RSA. [2]
  • Baião, A.L., L.A. Abrantes, e CF. Souza (2012): “A política de distribuição do ICMS através do critério de educação em Minas Gerais,” Encontro Da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 36. [4]
  • Bonesrønning, Hans (2013): “Public employees and public sector reform implementation,” Public Choice, 156, 309-327. [2]
  • Borges, Gabriel Mendes (2015): “A investigação da saúde nos censos demográficos do Brasil: possibilidades de análise, vantagens e limitações,” BIS. Boletim do Instituto de Saúde, 16 (2), 6–14. [5]
  • Brandão, Júlia Barbosa (2014): “O rateio de ICMS por desempenho de municípios no Ceará e seu impacto em indicadores do sistema de avaliação da educação,” Tese de Doutorado. [3, 4, 8, 18, 23]
  • Brasil, Senado Federal (1988): “Constituição da república federativa do Brasil,” Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. [2]
  • Carneiro, Diego e Guilherme Irffi (2017): “Avaliação comparativa das leis de incentivo à educação no Ceará,” ENCONTRO REGIONAL DE ECONOMIA, 22. [3, 4]
  • Firpo, Sergio Pinheiro e Rafael de Carvalho Cayres Pinto (2013): “Combinando estratégias para estimação de efeitos de tratamento,”. [9]
  • Frio, Gustavo Saraiva (2020): “Avaliação de políticas públicas: ensaios em economia da saúde e da educação,”. [9]
  • Gujarati, Damodar N e Dawn C Porter (2011): Econometria básica-5, Amgh Editora. [10]
  • Hong, Guanglei (2015): Causality in a social world: Moderation, mediation and spill-over, John Wiley & Sons. [9]
  • IPEA (2015): Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros, Brasília: Ipea. [18]
  • Júnior, Antônio Carlos Brunozi, Luiz Antônio Abrantes, Marco Aurélio Marques Ferreira, e Adriano Provezano Gomes (2009): “Efeitos da Lei Robin Hood sobre os critérios de transferência do ICMS e avaliação de seu impacto nos municípios mineiros,” Revista de Informação Contábil, 2 (4), 82–101. [3, 4, 11, 12]
  • Lü, Xiaobo (2015): “Intergovernmental transfers and local education provision—Evaluating China’s 8-7 National Plan for Poverty Reduction,” China Economic Review, 33, 200–211. [2]
  • Mascarenhas, Caio Gama e Lídia Maria Ribas (2019): “Financiamento de políticas públicas educacionais e fundos orientados por desempenho: eficiência e equidade na gestão da educação pública,” Revista de Direito Brasileira, 24 (9), 17–49. [3, 4]
  • McKeown-Moak, Mary P et al. (2013): “The “new” performance funding in higher education,” Educational Considerations, 40 (2), 3–12. [1]
  • Petterini, Francis Carlo e Guilherme Diniz Irffi (2013): “Evaluating the impact of a change in the ICMS tax law in the state of Ceará in municipal education and health indicators,” Economia, 14 (3-4), 171–184. [3, 4]
  • Sasso, Maiara, Patrícia Siqueira Varela, e Patricia Righetto (2021): “Distribuição da cota-parte do ICMS: como pode ser utilizada para promover melhores resultados na educação?” Revista Brasileira de Educação, 26. [2]
  • Shirasu, Maitê Rimekká, Guilherme Diniz Irffi, e Francis Carlo Petterini (2013): “Melhorando a qualidade da educação por meio do incentivo orçamentário aos prefeitos: o caso da Lei do ICMS no Ceará,” VI Caen-EPGE, Fortaleza. [2, 3, 4]
  • Simões, Armando Amorim, Erika Amorim Araujo, Adolfo Samuel de Oliveira, e Fabiana de Assis Alves (2021): “ICMS-educacional: simulação de alternativas para criação de incentivos fiscais à melhoria do desempenho escolar municipal,” Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, 3 (4), 36–36. [2]
  • Simões, Armando Amorim e Erika Amorim Araújo (2019): “O ICMS e sua potencialidade como instrumento de política educacional,” Cadernos de estudos e pesquisas em políticas educacionais, 3, 48–48. [2,3]
  • Sobral, Eryka Fernanda Miranda e Luiz Honorato da Silva Junior (2014): “O ICMS socio-ambiental de Pernambuco: uma avaliação dos componentes socioeconômicos da política a partir do processo de Markov,” Planejamento e políticas públicas, (42). [4]
  • Souza, Adriana Cláudia Teixeira de, Celina de Souza Teixeira, e Gustavo Rafael da Silva Faria (2016): “Critério educação,” Avaliação de impacto da Lei do ICMS Solidário: Lei, (18.030). [4, 18]
  • Tavares, Eduardo Corrêa e Kátia Paulino dos Santos (2021): “O ICMS do amanhã: a cota parte como estratégia para o engajamento dos municípios do Amapá com a melhoria da educação,” Brazilian Journal of Development, 7 (4), 36572–36593. [4]
  • Valli, Márcio (2002): “Análise de cluster,” Augusto Guzzo Revista Acadêmica, (4), 77–87. [10]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023
Fundação Getúlio Vargas Praia de Botafogo, 190 11º andar, 22253-900 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 3799-5831 , Fax: +55 21 2553-8821 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@fgv.br