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Uma nota sobre a avaliação do Programa Agroamigo através de Modelos Autoregressivos Vetoriais em Painel

Resumo

O objetivo do estudo é verificar a relação entre a concessão do Agroamigo e o desenvolvimento e crescimento econômico, representados pelo IFDM e pela taxa de crescimento do PIB per capita, respectivamente. Para isso, estimamos um Vetor Autorregressivo para Dados em Painel (PVAR), abrangendo 1.626 municípios do Nordeste e norte de Minas Gerais, no período de 2010 a 2016. Nossos resultados apontam para uma resposta positiva e estatisticamente significante, no curto prazo, advindo de choques do microcrédito rural sobre o IFDM, no qual nos primeiros períodos (aproximadamente 1 ano), os repasses do Agroamigo parecem expandir o bem-estar social nos municípios analisados.

Palavras-chave
Agroamigo; Microcrédito; IFDM; Nordeste


1. Introdução

Ao longo do tempo, podemos observar a crescente utilização do microcrédito como ferramenta de política pública no que concerne o desenvolvimento econômico das parcelas mais carentes da sociedade. Tais programas partem do pressuposto que os pobres possuem capacidade empreendedora e que esses empréstimos de pequenos montantes de dinheiro podem lhe ajudar a fomentar atividades produtivas capazes de aumentar seus níveis de renda e, consequentemente, melhorar sua condição socioeconômica (Castillo, 2008Castillo, Alberto David Martínez (2008): “El microcrédito como instrumento para el alivio de la pobreza: Ventajas y limitaciones,” Cuadernos de Desarrollo Rural, 5 (61), 93–110. [2]; Santiago, 2014Santiago, Eduardo Girão (2014): Microcrédito, emancipação empreendedora e combate à pobreza: Controvérsias e outros caminhos, IDT/ USP. [2])

Castillo (2008)Castillo, Alberto David Martínez (2008): “El microcrédito como instrumento para el alivio de la pobreza: Ventajas y limitaciones,” Cuadernos de Desarrollo Rural, 5 (61), 93–110. [2], destaca o fato dessas políticas estarem se popularizando e ganhando grande aceitação por organismos internacionais e que, no geral, são políticas voltadas para as regiões menos desenvolvidas, pois concedem crédito aos investimentos considerados pelo sistema financeiro tradicional, de maior risco e menor retorno, logo, dessa forma, ajudam a promover um desenvolvimento mais equitativo entre as regiões do país.

Dessa forma, o microcrédito surge com uma função complementar do ponto de vista econômico e social, que ultrapassa o objetivo de desenvolver as microempresas. Portanto, torna-se fundamental que os resultados desse tipo de política sejam constantemente acompanhados e avaliados.

O estudo em tela trata especificamente do Agroamigo, o maior programa de microfinanças rurais da América do Sul. Criado em 2005 pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o Agroamigo abrange os nove estados do Nordeste e o norte dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e tem como objetivo a melhoria do perfil social e econômico das famílias do campo, através da redução da inadimplência, ampliação do número de beneficiários e tornando o processo de concessão de crédito mais eficiente.

Ademais, como forma de representar o desenvolvimento, faz-se o uso do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal. Criado em 2008, pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, o indicador acompanha o desenvolvimento socioeconômico dos mais de cinco mil municípios brasileiros com base em variáveis essenciais à sociedade e agregado em três grandes áreas: Emprego, educação e saúde.

O objetivo principal do trabalho é analisar a causalidade entre os repasses do Agroamigo, que seria a nossa variável de microcrédito, o IFDM e o PIB per capita. Para isso, a estratégia econométrica adotada consiste na estimação do Vetor Autorregressivo para Dados em Painel (PVAR) e na análise da causalidade de Granger. Adicionalmente, fazse uso da análise das Funções de Impulso Resposta, que podem elucidar como uma variável responde a um aumento da inovação na outra variável ao longo de vários períodos. Para isso, faremos uso de uma base de dados formada por 1.626 municípios do Nordeste e norte de Minas Gerais e que contempla o período de 2010 a 2016.

Assim, analisa-se se os valores defasados do microcrédito estão causando, no sentido de Granger, os valores contemporâneos do IFDM e da taxa de crescimento do PIB per capita, ou seja, se o Agroamigo tem contribuído para a geração do desenvolvimento socioeconômico mediante a concessão do microcrédito aos agricultores familiares.

Para o alcance do objetivo supracitado, o trabalho foi organizado como segue. A Seção 2 apresenta a metodologia empregada. A Seção 3 apresenta a base de dados utilizada. Na Seção 4 faz-se uma discussão dos resultados. Finalmente, a Seção 5 contém as considerações finais do trabalho.

2. Metodologia

2.1 Panel Vector Autoregression (PVAR)

A estratégia econométrica utilizada no presente estudo é a desenvolvida por Abrigo e Love (2016)Abrigo, Michael R. M. e Inessa Love (2016): “Estimation of Panel Vector Autoregression in Stata,” The Stata Journal: Promoting Communications on Statistics and Stata, 16 (3), 778–804. [3], que se baseia no trabalho de Holtz-Eakin et al. (1988)Holtz-Eakin, Douglas, Whitney Newey, e Harvey S. Rosen (1988): “Estimating vector autoregressions with panel data,” Econometrica, 56 (6), 1371. [3], e pode ser apresentado como um Panel Vector Autoregression (PVAR).

O modelo PVAR possui a mesma estrutura do tradicional Vector Autoregressive Models (VAR), ao assumir que todas as variáveis são consideradas endógenas e interdependentes, e inclui a dimensão de cross section (Canova e Ciccarelli, 2013Canova, Fabio e Matteo Ciccarelli (2013): “Panel Vector Autoregressive Models: A survey,” in VAR Models in Macroeconomics – New Developments and Applications: Essays in Honor of Christopher A. Sims, ed. por Thomas B. Fomby, Lutz Kilian, e Anthony Murphy, Bingley, UK: Emerald Group Publishing, vol. 32, 205–246. [3]). Logo, o modelo PVAR com efeitos fixos é representado pelo sistema de equações lineares a seguir:

com i ∈ {1,2,... ,N} e t ∈ {1,2,...,Ti}.

Onde Yit é um vetor de variáveis dependentes (1 × k), Xit é um vetor de variáveis exógenas (1 × l), e ui e eit são vetores (1 × k) de efeitos fixos e do erro idiossincrático, respectivamente. As matrizes A1,A2,...,A(p_1),Ap(k × k) e a matriz B (l × k) são parâmetros a serem estimados. Acrescentamos, também, que os erros são não serialmente correlacionados e seguem as seguintes características: E(eit) = 0,E(eliteit) = ∑, e E(eliteis) = 0, para todo t > s.

Para evitar a obtenção de coeficientes enviesados em função da correlação entre os efeitos fixos e os regressores, utiliza-se o procedimento de Helmert, seguindo Love e Zicchino (2006)Love, Inessa e Lea Zicchino (2006): “Financial development and dynamic investment behavior: Evidence from panel VAR,” The Quarterly Review of Economics and Finance, 46 (2), 190–210. [3]. Tal procedimento preserva a ortogonalidade entre as variáveis transformadas e os regressores defasados, permitindo usar os regressores defasados como instrumentos e estimar a equação em (1) pelo método de momentos generalizados (GMM), proposto por Arellano e Bover (1995)Arellano, Manuel e Olympia Bover (1995): “Another look at the instrumental variable estimation of error-components models,” Journal of Econometrics, 68 (1), 29–51. [3].

Como critério de adequação, o modelo PVAR precisa atender a condição de estabilidade, de forma que o modulo da matriz Ā deve ser menor que um. Isso permite que o PVAR seja invertível, bem como possuir um vetor de ordem infinita de média móvel (VMA), o que garante a interpretação das funções impulso-resposta e à decomposição da variância dos erros (Abrigo e Love, 2016Abrigo, Michael R. M. e Inessa Love (2016): “Estimation of Panel Vector Autoregression in Stata,” The Stata Journal: Promoting Communications on Statistics and Stata, 16 (3), 778–804. [3]).

As funções impulso-resposta (IR) ϕi são obtidas reescrevendo o modelo apresentado em (1) como um vetor média móvel, onde ϕi são parâmetros VMA:

ϕ i = { I k , i = 0 j = 1 i ϕ t j A j , i = 1 , 2 , , N

Por fim, temos a que a decomposição da variância dos erros pode ser expressa por:

Y i t + h E ( Y i t + h ) = i = 0 h 1 e 1 ( t + h 1 ) ϕ i ,

onde Y(it+h) é o vetor observado no tempo t + h e E (Yit+h) é o vetor de previsão no tempo t.

Com o objetivo de analisar a estrutura das séries utilizadas, vamos recorrer a utilização do teste de raiz unitária para Painel-VAR, conhecido como Teste de Raiz Unitária de Im-Pesaran-Shin (IPS), seguindo:

Δ y i t = ϕ i y i , t 1 + Z i t y i + e i t ,

cuja hipótese nula é que todos os painéis contêm raiz unitária, ou seja, H0: ϕi = 0 para todo i.

Na próxima etapa é feita a seleção do PVAR a partir da escolha da defasagem ótima, seguindo Andrews e Lu (2001)Andrews, Donald W. K. e Biao Lu (2001): “Consistent model and moment selection procedures for GMM estimation with application to dynamic panel data models,” Journal of Econometrics, 101 (1), 123–164. [4], que sugeriram o critério de seleção do modelo (MMSC), que se baseia na estatística J de Hansen (1982)Hansen, Lars Peter (1982): “Large sample properties of Generalized Method of Moments estimators,” Econometrica, 50 (4), 1029–1054. [4] que considera restrições sobreidentificadas, que é um método de seleção semelhante à critérios robustos na literatura, como o Critério de Informação de Akaike (AIC), Critério de Informação Bayesiano (BIC) e Critério de Informação de Hannan-Quinn (HQIC).

Por fim, com o objetivo de complementar o estudo, é aplicado o teste de Causalidade de Granger que é realizado a partir de um teste de restrição de Wald, aplicado aos parâmetros estimados Ait e Bit pelo modelo na equação (1).

(1) Y i t = Y i t 1 A 1 + Y i t 2 A 2 + + Y i t p + 1 + A p 1 + Y i t p A p + X i t B + u i + e i ,

Sem perda de generalidade, eliminamos as variáveis exógenas em nossa notação e nos concentramos na estrutura autorregressiva do painel VAR em (1). Lütkepohl (2005)Lütkepohl, Helmut (2005): New Introduction to Multiple Time Series Analysis, Berlin Heidelberg: Springer-Verlag GmbH. [4] e Hamilton (1994)Hamilton, James D. (1994): Time Series Analysis, Princeton, N.J: Princeton University Press. [4] mostram que um modelo VAR é estável se todos os módulos da matriz A forem estritamente menores que um, onde tal matriz é formada por

A ¯ = { A 1 A 2 A p 1 A p I k O k O k O k O k I k O k O k O k O k I k O k

Quando falamos de estabilidade, nos referimos ao fato do painel VAR ser invertível e ter uma representação de vetor de média móvel infinita, o que nos fornece interpretação para as funções de impulso-resposta estimadas (IRFs) e decomposições da variância do erro de previsão (FEVDs). Ademais, os intervalos de confiança IRF podem ser derivados analiticamente com base na distribuição assintótica dos parâmetros VAR do painel e na matriz de variância-covariância do erro de equação cruzada.

3. Base de dados

Nesta seção é apresentada a base de dados utilizada no trabalho, assim como uma análise descritiva das variáveis contidas nela. Os dados tiveram como fonte informações cedidas pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Firjan.

Com base nessas informações, criou-se um painel anual contendo informações de 1.626 municípios localizados dentro da área de atuação do BNB, entre o período de 2010 e 2016. Os valores foram corrigidos monetariamente pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) para o ano de 2016. O Quadro 1 apresenta a descrição das variáveis utilizadas neste trabalho, assim como suas respectivas fontes.

Quadro 1
Descrição das variáveis da base de dados

Os dados relacionados ao desenvolvimento socioeconômico municipal foram extraídos da base de dados da Firjan, em que é calculado anualmente o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), que consolida em um único número aspectos de renda e emprego, educação e saúde dos municípios. Os PIBs per capita municipais foram extraídos do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), na seção do Produto Interno Bruto dos municípios. Por fim, os repasses do Agroamigo foram disponibilizados pelo BNB, o que permitiu identificar os montantes totais repassados aos municípios por ano.

3.1 Estatística descritiva das variáveis

A Tabela 1 apresenta o resumo das estatísticas descritivas das variáveis contidas na base de dados do presente estudo. O IFDM médio dos municípios foi de 0,5778, indicando um desenvolvimento socioeconômico regular durante o período analisado.

Tabela 1
Estatística descritiva das variáveis contidas na base de dados – 2010 a 2016

O município com o melhor índice foi São Gonçalo do Amarante (0,8482), no ano de 2015, seguido de Sobral (0,8385), ambos localizados no estado do Ceará. Em contrapartida, o município de Pilão Arcado, localizado no estado da Bahia, registrou o menor índice dentre os demais no ano de 2010.

Observando o PIB per capita, verificou-se que a média no período foi de R$ 9,93 mil e a mediana de R$ 7,9 mil. É interessante observar que o coeficiente de variação para o indicador foi de 85,66%, inferindo-se que existe certa heterogeneidade na dinâmica econômico dos municípios pertencentes a base de dados. O município com o maior indicador foi Cairu (R$ 222,3 mil), localizado na Bahia, no ano de 2012. Em contraste, Novo Triunfo apresentou o menor indicador (R$ 3,19 mil) no ano 2016. Em relação aos repasses do Agroamigo, observa-se que a média dos desembolsos nos municípios foi de R$ 843,5 mil e a mediana registrada foi de R$ 580,1 mil no período de 2010 a 2016.

O município de Araripina, localizado em Pernambuco, apresentou a maior quantia de crédito recebida dentre os demais municípios (R$ 10,3 milhões) em 2014. O coeficiente de variação do Agroamigo mostrou-se o maior dentre as demais variáveis, o que é justificado pela forte expansão do programa observado a partir do ano de 2010, em que passou a atender 90% dos municípios localizados na área de atuação do BNB.

Como pode ser visto na Tabela 2, um ano após a implementação do programa, em 2005, o Agroamigo já atendia 45,5% dos municípios nordestinos. A forte expansão do programa é registrada até 2010, quando atinge a marca de 1.806 municípios atendidos, cerca de 90,8% do total municípios na região. Nos anos subsequentes a 2010, o programa passa a atender, em média, cerca de 94,5% de municípios por ano, expandido os repasses direcionados a esses municípios.

Tabela 2
Cobertura do Programa Agroamigo em termos da quantidade de municípios atendidos por ano, de 2006 a 2016

Pelo fato de 2010 ser considerado o ano de consolidação do programa, em que se verificou expressiva cobertura, no presente trabalho efetuou-se a análise econométrica a partir do ano de 2010 e finalizada em 20161 1 O recorte do período da base finaliza em 2016 por conta da disponibilidade de dados do IFDM, findo neste ano. , como pode ser visto na seção a seguir.

4. Resultados

Estimação PVAR. Antes da estimação do modelo, precisamos decidir o número de defasagens (lags) que utilizaremos. Embora não exista uma regra simples para a escolha ótima, iremos nos basear em um dos critérios formais mais utilizados, o Critério de Informação Bayesiano Modificado (MBIC), que se baseia na minimização de uma funçãoobjetivo. Com base no MBIC, o modelo PVAR de segunda ordem (duas defasagens) é preferido (ver Apêndice A), visto que tem o menor valor (-37.1).

Ademais, frequentemente, em estudos de séries temporais, a presença de raiz unitária na série pode levar a resultados equivocados, como regressões espúrias. Portanto, também foi realizado uma verificação sobre a estacionariedade da série através do teste de Im-Pesaran-Shin (IPS). Pelo teste IPS, temos que todas as séries são estacionárias. Logo, suas características estatísticas (média, variância, autocorrelação etc.) são constantes ao longo do tempo.

Tabela 3 Estimação PVAR
Coeficiente d.p. Z IC (95%)
TC_PIBpc (log) grpib pc
L1. -0,392*** 0,037 -10,360 -0,466 -0,317
L2. -0,215*** 0,026 -8,190 -0,266 -0,163
Logifdm
L1. 1,106*** 0,120 9,180 0,870 1,342
L2. 0,105* 0,060 1,750 -0,012 0,223
Logcred
L1. -0,093*** 0,009 -10,010 -0,112 -0,075
L2. -0,054*** 0,006 -8,250 -0,067 -0,041
IFDM (log) grpib pc
L1. -0,035 0,009 -3,630 -0,054 -0,016
L2. 0,045 0,009 4,650 -0,026 0,065
Logifdm
L1. 0,151*** 0,059 2,560 0,356 0,267
L2. -0,004 0,028 -0,160 -0,060 0,051
Logcred
L1. 0,013*** 0,004 3,360 0,005 0,021
L2. 0,011*** 0,002 4,750 0,006 0,016
Crédito (log) grpib pc
L1. 0,086 0,056 1,530 -0,024 0,196
L2. -0,146** 0,060 -2,420 -0,264 -0,027
Logifdm
L1. 2,418*** 0,340 7,110 1,751 3,084
L2. 0,734*** 0,161 4,540 0,417 1,051
Logcred
L1. 0,202*** 0,028 7,200 0,147 0,258
L2. 0,195*** 0,019 10,290 0,158 0,233
  • Nota: n = 4.878. painéis = 1.626. ***, ** e * indica que a hipótese nula é rejeitada ao nível de significância de 1%, 5% e 10% respectivamente.
  • Ao verificamos a relação causal entre o microcrédito, desenvolvimento e crescimento econômico, utilizarmos o teste de causalidade de Granger (1969)Granger, C. W. J. (1969): “Investigating Causal Relations by Econometric Models and Cross-spectral Methods,” Econometrica, 37 (3), 424–438. [7]. Nosso objetivo é encontrar uma precedência temporal estatisticamente significativa entre as variáveis estudadas, ou seja, analisar o sentido causal entre as variáveis, estipulando que uma determinada variável "Granger-causa"uma outra se valores defasados da primeira ajudam a prever o valor presente da segunda. A principal vantagem de utilizar tal causalidade nos dados em painel é o maior número de observações e o ganho de graus de liberdade, aumentando a eficiência dos parâmetros estimados.

    Pelos nossos resultados, podemos rejeitar a hipótese nula de que a taxa de crescimento ou o microcrédito não Granger-causa o IFDM ao nível de 1% de significância. Ou seja, podemos inferir que, tanto os valores defasados do microcrédito quanto os valores defasados da taxa de crescimento, ajudam a prever o valor presente do IFDM. Ademais, encontramos uma relação bicausal entre as variáveis utilizadas, logo, a mesma análise supracitada pode ser realizada para as demais relações de causalidade de Granger.

    Tabela 4 Causalidade de Granger
    Equação Excluída Χ2
    Taxa de Crescimento do PIB per capita IFDM 85,26***
    Agroamigo 174,46***
    Modelo 275,66***
    IFDM Taxa de Crescimento do PIB per capita 49,71***
    Agroamigo 28,76***
    Modelo 98,82***
    Agroamigo Taxa de Crescimento do PIB per capita 12,43***
    IFDM 53,29***
    Modelo 90,93***
  • Nota. H0: Variável excluída não causa, no sentido de Granger, a variável da equação. Ha: Variável excluída causa, no sentido de Granger, a variável da equação.
  • Outra análise relevante a se fazer acontece quando a matriz de variância-covariância não é diagonal, ou seja, caso certos choques tenham relação com outros choques pela covariação contemporânea, torna-se necessário a ortogonalização dos erros (independência) através da decomposição da matriz de covariância, a conhecida decomposição de Choleski. Os resultados da decomposição da variância, assim como dos outros testes, encontram-se no Apêndice A.

    Almejando aumentar a confiabilidade das estimativas do modelo, foi realizado o teste gráfico de estabilidade (Apêndice A). Nele podemos observar que todas as raízes do polinômio se encontram dentro do círculo unitário, logo, o modelo é estável e o PVAR é invertível e possui representação de média móvel de um vetor de ordem infinita, fornecendo interpretação às funções impulso-resposta.

    Por fim, na Figura 1 podemos observar as respostas ao impulso de um choque dos repasses concedidos pelo Agroamigo sobre a taxa de crescimento do PIB per capita e sobre o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, obtidos através da estimação do PVAR. A análise realizada em desvio padrões, através da IRF, indica que um choque positivo no microcrédito do Agroamigo desencadeia uma resposta também positiva, porém extremamente suave sobre o crescimento econômico no curto prazo.

    Figura 1
    Função Impulso Resposta (Microcrédito; IFDM; Taxa de crescimento do PIBper

    Também em acordo com a literatura específica, ao analisarmos o desenvolvimento municipal, representado pelo IFDM, conseguimos ver uma resposta positiva, no curto prazo, advindo de choques do microcrédito rural. Assim, nos primeiros períodos (aproximadamente 1 ano), os repasses do Agroamigo parecem influenciar positivamente o IFDM, porém após esse período, o efeito perde força e retorna ao equilíbrio inicial.

    No geral, a literatura corrobora sobre as relações de bicausalidade entre microcrédito e crescimento econômico, entretanto, quando a causalidade parte do microcrédito para o PIB per capita, essa relação estaria mais associada aos serviços que podem ser desencadeados pela concessão do microcrédito, do que propriamente a sua qualidade (volume, spread ou prazo). Os resultados encontrados, quanto a direção e magnitude de impacto, se mostram consistentes com os encontrados na literatura. Ademais, o impacto pouco relevante, ou ainda inexistente, se dá em virtude da disparidade de magnitudes entre PIB e os valores do microcrédito.

    Também em acordo com a literatura específica, ao analisarmos o desenvolvimento municipal, representado pelo IFDM, conseguimos ver uma resposta positiva, no curto prazo, advindo de choques do microcrédito rural. Assim, nos primeiros períodos (aproximadamente 1 ano), os repasses do Agroamigo parecem influenciar positivamente o IFDM, porém após esse período, o efeito perde força e retorna ao equilíbrio inicial.

    5. Considerações finais

    Como dito, o Programa de Microfinança Rural do Banco do Nordeste tem por objetivo a melhoria do perfil social e econômico dos agricultores familiares. Ou seja, diferentemente da lógica das políticas assistencialistas, o Agroamigo visa estimular a inserção dos seus clientes no processo produtivo (empoderamento, aprendizado e autonomia), além de viabilizar alternativas concretas de geração de emprego e renda para os seus beneficiários (Caçador, 2014Caçador, Sávio Bertochi (2014): “Impactos socioeconômicos do microcrédito: O caso do Nossocrédito no Espírito Santo,” Revista de Administração Pública, 48, 1475–1502. [9, 10]).

    O estudo se deu pela estimação de um modelo de Vetor Autorregressivo para Dados em Painel (PVAR), o que nos permite analisar as interrelações entre múltiplas variáveis a partir de um conjunto de restrições de identificação, o que possibilita a estimação do efeito de um “choque” em uma variável sobre as demais. Assim, o objetivo principal do trabalho é analisar a causalidade no sentido de Granger, entre os repasses do Agroamigo, que seria a nossa variável de microcrédito, o IFDM, representando um indicador de desenvolvimento socioeconômico, e a taxa de crescimento do PIB per capita, para o período que corresponde de 2010 a 2016, a nível municipal.

    Os resultados encontrados convergem com a literatura específica (Caçador, 2014Caçador, Sávio Bertochi (2014): “Impactos socioeconômicos do microcrédito: O caso do Nossocrédito no Espírito Santo,” Revista de Administração Pública, 48, 1475–1502. [9, 10]; Vasconcelos e Junior, 2022Vasconcelos, Lindson Douglas de Sousa e Luis de Sousa Lima Junior (2022): “O microcrédito no Brasil e o seu papel no desenvolvimento dos pequenos negócios,” Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, 8 (1), 14. [10]). Embora o impacto do microcrédito se apresente de forma marginal, ele se mostra estatisticamente significante e positivo quanto a seu impacto sobre o Índice de Desenvolvimento Municipal, o que nos faz inferir que há uma expansão do bem-estar nas localidades analisadas e, por definição do próprio índice, nos seus componentes, que contemplam a geração de emprego formal local, os indicadores educacionais e de saúde, e a geração e distribuição de renda.

    Por fim, há uma preocupação com a mudança de foco quanto as políticas de fomento, onde o foco estaria cada vez maior na eficiência financeira, deixando a busca pelo impacto social em segundo plano. Logo, mostra-se relevante, e necessário, a investigação acerca da eficiência socioeconômica desses tipos de programas.

    Apêndice A Figuras e tabelas adicionais

    Figura A.1
    Condição de estabilidade

    Tabela A.1 Seleção do número de defasagens do modelo a ser estimado
    Lag CD J MQIC MBIC MAIC
    1 1 3,48 64,36 -26,97 118,67
    2 1 1,21 23,89 -37,18 59,91
    3 1 1,00×10-4 -3,16 -33,69 14,85
  • Nota: MBIC é o Critério de Informação Bayesiano Modificado; MAIC é o Critério de Informação Akaike Modificado; MQIC é o Critério de Informação de Hannan-Quinn Modificado; CD é o Coeficiente de Determinação geral; J é a Estatísticas J de Hansen.
  • Tabela A.2 Análise de decomposição da variância
    Variável resposta Horizonte de previsão Variável de Impulso
    Concessão do agroamigo Taxa de Crescimento do PIB Per Capita IFDM
    log(cred) 0 0,00 0,00 0,00
    1 1,00 0,00 0,00
    2 9,21×10-1 3,95×10-3 7,50×10-2
    3 8,94×10-1 5,84×10-3 1,00×10-1
    4 8,88×10-1 7,77×10-3 1,04×10-1
    5 8,83×10-1 8,03×10-3 1,09×10-1
    6 8,80×10-1 8,00×10-3 1,12×10-1
    7 8,80×10-1 8,05×10-3 1,12×10-1
    8 8,79×10-1 8,09×10-3 1,13×10-1
    9 8,79×10-1 8,08×10-3 1,13×10-1
    10 8,79×10-1 8,08×10-3 1,13×10-1
    Grpib_pc 0 0,00 0,00 0,00
    1 2,50×10-5 1,00 0,00
    2 4,88×10-2 8,27×10-1 1,25×10-1
    3 5,14×10-2 8,13×10-1 1,36×10-1
    4 5,07×10-2 8,07×10-1 1,42×10-1
    5 5,33×10-2 8,03×10-1 1,44×10-1
    6 5,37×10-2 8,02×10-1 1,44×10-1
    7 5,36×10-2 8,02×10-1 1,45×10-1
    8 5,37×10-2 8,01×10-1 1,45×10-1
    9 5,37×10-2 8,01×10-1 1,45×10-1
    10 5,37×10-2 8,01×10-1 1,45×10-1
    log(ifdm) 0 0,00 0,00 0,00
    1 5,04×10-3 1,75×10-2 9,77×10-1
    2 1,93×10-2 2,21×10-2 9,59×10-1
    3 4,24×10-2 4,17×10-2 9,16×10-1
    4 4,42×10-2 4,11×10-2 9,15×10-1
    5 4,54×10-2 4,20×10-2 9,13×10-1
    6 4,72×10-2 4,27×10-2 9,10×10-1
    7 4,76×10-2 4,26×10-2 9,10×10-1
    8 4,77×10-2 4,27×10-2 9,10×10-1
    9 4,78×10-2 4,27×10-2 9,09×10-1
    10 4,79×10-2 4,27×10-2 9,09×10-1
    Tabela A.3 Teste de raiz unitária de Im-Pesaran-Shin
    Estatística p-valor
    Crédito t-bar -2,14
    t-tilde-bar -1,39
    Z-t-tilde-bar -11,94 0,00
    IFDM t-bar -2,02
    t-tilde-bar -1,37
    Z-t-tilde-bar -10,62 0,00
    Tc_PIBper t-bar -2,61
    t-tilde-bar -1,51
    Z-t-tilde-bar -22,22 0,00
  • Nota. H0: Todos os painéis possuem raiz unitária. Ha: Algum painel é estacionário
    • 1
      O recorte do período da base finaliza em 2016 por conta da disponibilidade de dados do IFDM, findo neste ano.
    • Classificação JEL. C59, O12, R58.

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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2023
    • Data do Fascículo
      2023
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