Acessibilidade / Reportar erro

Descartando favorecimento político a beneficiários de programas habitacionais: Uma aplicação de Regressão em Descontinuidade

Resumo

Apoiadores de partidos vencedores em eleições locais foram mais beneficiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida? Desde 2009, levantaram-se suspeitas sobre falta de transparência na seleção dos beneficiários pelas prefeituras e favorecimento de grupos políticos na fila de espera por habitações. Usando um modelo de Regressão em Descontinuidade (RD) na margem de vitória de eleições majoritárias municipais, este artigo investiga se membros de partidos e doadores de campanha são beneficiados pelo programa habitacional com mais frequência quando apoiam candidatos locais vencedores. Os resultados sugerem que esse tipo de favorecimento político não ocorreu de forma sistemática no âmbito desse programa.

Palavras-chave
Economia política; Moradia popular; Favorecimento político

1. Introdução

Ao longo das últimas duas décadas, programas habitacionais voltaram a fazer parte do conjunto de políticas públicas fomentadoras do desenvolvimento econômico. Diversos países – incluindo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Angola, Argentina, Colômbia, Etiópia e México – lançaram políticas que subsidiam o acesso à moradia (Buckley et al., 2016Buckley, Robert M., Achilles Kallergis, e Laura Wainer (2016): “The emergence of large-scale housing programs: Beyond a public finance perspective,” Habitat International, 54, 199–209. [1])1 1 Os autores identificam 16 países em desenvolvimento com programas habitacionais de larga escala. . Implementando diferentes modelos, todos esses programas partem do diagnóstico comum de que há um alto déficit habitacional nesses países. Estima-se, por exemplo, que uma em cada três pessoas vivendo em cidades de países em desenvolvimento morem em favelas (UN Human Settlements Programme, 2016UN Human Settlements Programme (2016): World Cities Report 2016, United Nations. [1]).

No Brasil, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi lançado em 2009 e operou desde então em duas frentes principais: crédito para empresas de construção civil com projetos de moradia popular e subsídio direto para indivíduos elegíveis. Entre 2009 e 2016, aproximadamente 4,4 milhões de moradias foram construídas a um investimento de cerca de R$ 290 bilhões.

Há ampla literatura sobre os efeitos de programas de habitação. Dentre seus efeitos diretos, há resultados positivos como a melhora nas condições de habitação e acessibilidade para beneficiários, além da redução de custos da moradia (Currie e Yelowitz, 2000Currie, Janet e Aaron Yelowitz (2000): “Are public housing projects good for kids?” Journal of Public Economics, 75 (1), 99–124. [2]; Wood et al., 2008Wood, Michelle, Jennifer Turnham, e Gregory Mills (2008): “Housing Affordability and Family Well-Being: Results from the Housing Voucher Evaluation,” Housing Policy Debate - HOUS POLICY DEBATE, 19, 367–412. [2]; Jacob e Ludwig, 2012Jacob, Brian A. e Jens Ludwig (2012): “The Effects of Housing Assistance on Labor Supply: Evidence from a Voucher Lottery,” American Economic Review, 102 (1), 272–304. [2]). Dentre efeitos indiretos, Jacob e Ludwig (2012)Jacob, Brian A. e Jens Ludwig (2012): “The Effects of Housing Assistance on Labor Supply: Evidence from a Voucher Lottery,” American Economic Review, 102 (1), 272–304. [2] estimaram que vouchers de habitação reduziram em 4% a probabilidade de se estar empregado. Um dos estudos mais famosos nessa área, de Chetty et al. (2016)Chetty, Raj, Nathaniel Hendren, e Lawrence F. Katz (2016): “The Effects of Exposure to Better Neighborhoods on Children: New Evidence from the Moving to Opportunity Experiment,” American Economic Review, 106 (4), 855–902. [2], analisou efeitos do programa Moving to Opportunity, que sorteou a mudança de famílias de bairros com alta pobreza para bairros de baixa pobreza. Seus resultados mostram que crianças beneficiadas têm um ganho de 30% em sua renda, além de maior probabilidade de fazer faculdade, quando comparadas a crianças que permaneceram em bairros pobres.

No contexto brasileiro, alguns trabalhos estudaram o PMCMV, dentre os quais se destaca o de Biderman et al. (2019)Biderman, Ciro, Frederico Ramos, e Martha Hiromoto (2019): “The Brazilian Housing Program Minha Casa Minha Vida: Effect on Urban Sprawl,” Working Paper WP18CB2, Lincoln Institute of Land Policy. [2, 4]. Este extenso relatório sobre o programa analisa tanto aspectos qualitativos quanto quantitativos de seu desenho e de sua execução. Os autores ressaltam o cuidado dos formuladores de política quanto à incontestabilidade dos títulos de propriedade e à boa qualidade dos padrões construtivos. Contrastam isto, todavia, com a falta de mecanismos para garantir construções mais próximas dos centros urbanos e, também, servidas adequadamente por infraestrutura. Como exemplo, demonstram que o programa não melhorou significativamente o acesso a água e piorou o acesso a esgotamento. Ademais, o PMCMV contribuiu para o “espraiamento” urbano2 2 Isto ocorre quando cidades se expandem com baixa densidade nas periferias, frequentemente deixando vazios urbanos entre bairros. ao incentivar construções em terrenos periféricos.

Pouco se sabe, no entanto, sobre os aspectos políticos da execução de programas habitacionais. Em particular, não há ainda estudo sobre a possibilidade de favorecimento político por meio da distribuição de casas do PMCMV. Embora o programa tenha instruções para a realização de sorteios das casas, não há, efetivamente, fiscalização sistemática para garantir que estes sejam feitos de fato, ou que sejam feitos de forma transparente. Por este motivo, ao longo da duração do programa, surgiram denúncias do Ministério Público Federal (MPF) e da mídia sobre irregularidades na seleção de beneficiários3 3 Como exemplo, esta recomendação do MPF (MPF, 2016). ou favorecimento de membros de partidos4 4 Como no caso apontado por Ferraz e Zanchetta (2013) . Este artigo procura cobrir essa lacuna, propondo uma medida quantitativa de conexão política dos beneficiários e testando se há favorecimento na distribuição de casas operada pelas prefeituras.

À semelhança de Barbosa e Ferreira (2019)Barbosa, Klenio e Fernando V Ferreira (2019): “Occupy Government: Democracy and the Dynamics of Personnel Decisions and Public Finances,” Working Paper 25501, National Bureau of Economic Research. [2, 3, 11] e Brollo et al. (2017)Brollo, Fernanda, Pedro Forquesato, e Juan Gozzi (2017): “To the Victor Belongs the Spoils? Party Membership and Public Sector Employment in Brazil,” SSRN Electronic Journal. [2, 3, 12], que estudam favorecimento de membros de partidos em cargos públicos, usamos um estimador de Regressão em Descontinuidade para verificar se apoiadores de partidos que venceram eleições municipais estão sobrerrepresentados dentre os beneficiários do PMCMV. De modo a fazer uma análise abrangente, testamos, também, algumas heterogeneidades, separando os apoiadores entre membros de partidos e doadores de campanha (Colonnelli et al., 2018Colonnelli, E, Prem Mounu, e E Teso (2018): “Patronage and Selection in Public Sector Organizations,” Documentos de Trabajo 016723, Universidad del Rosario. [3, 11]); e separando os beneficiários entre as linhas de financiamento do PMCMV. Comparamos também os efeitos de vitória da coligação sobre apoiadores associados ao partido do líder de chapa e sobre apoiadores associados a todos os partidos da coligação.

Em todos os testes, não encontramos evidências que corroborem a hipótese de favorecimento político no programa. Embora os resultados nulos não permitam que descartemos completamente a existência desse favorecimento, nossas análises sugerem que apoio político explícito não beneficia alguns inscritos no PMCMV em detrimento de outros.

Propomos duas explicações para a ausência de favorecimento sistemático, apesar das denúncias do MPF e da mídia. Em primeiro lugar, após receberem suas casas, beneficiários não correm risco de perdê-las se, eventualmente, deixarem de apoiar o prefeito que os beneficiou. Isto difere nosso contexto daqueles de Barbosa e Ferreira (2019)Barbosa, Klenio e Fernando V Ferreira (2019): “Occupy Government: Democracy and the Dynamics of Personnel Decisions and Public Finances,” Working Paper 25501, National Bureau of Economic Research. [2, 3, 11], Colonnelli et al. (2018)Colonnelli, E, Prem Mounu, e E Teso (2018): “Patronage and Selection in Public Sector Organizations,” Documentos de Trabajo 016723, Universidad del Rosario. [3, 11] e Brollo et al. (2017)Brollo, Fernanda, Pedro Forquesato, e Juan Gozzi (2017): “To the Victor Belongs the Spoils? Party Membership and Public Sector Employment in Brazil,” SSRN Electronic Journal. [2, 3, 12], pois, nestes casos, funcionários públicos não-concursados estão à mercê da punição de seus padrinhos políticos. Em segundo lugar, apoio político explícito não é a única contrapartida possível para favorecimento no programa. Por exemplo, prefeitos poderiam favorecer amigos e familiares, diretos ou indiretos, no momento da seleção — algo que não é capturado pelas medidas de participação política.

O resto do artigo se organiza da seguinte forma: na Seção 2, explicamos o contexto institucional do Programa Minha Casa Minha Vida e sua relação com a política municipal no Brasil. Na Seção 3, apresentamos e descrevemos como conectamos os dados de beneficiários do PMCMV, membros de partidos, doadores de campanha e eleições municipais. Na Seção 4, apresentamos nossa estratégia empírica de Regressão em Descontinuidade. A Seção 5 mostra os principais resultados e a Seção 6 apresenta nossas conclusões.

2. Contexto Institucional

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi inaugurado em 2009 tanto para enfrentar o déficit habitacional brasileiro quanto para reaquecer a economia após a crise financeira de 2008. Entre 2009 e 2016, o programa construiu cerca de 4.4 milhões de habitações e foi o primeiro grande esforço federal de produção habitacional desde 19865 5 Entre 1964 e 1986, o Banco Nacional de Habitação (BNH) financiou a construção de 4,3 milhões de unidades habitacionais para famílias de baixa e média renda (Bonduki, 2019). .

O PMCMV foi exclusivamente direcionado à compra e venda de imóveis, deixando de lado, portanto, o mercado de aluguéis; e foi dividido em três faixas de renda. A Faixa 1 recebeu o maior volume de subsídios do governo federal, pois se destinava a pessoas com pouquíssimos recursos. Aproximadamente, 1.7 milhão de unidades foram construídas para famílias dessa faixa, para as quais o subsídio poderia chegar a 90% do valor do imóvel. O restante das unidades foi destinado às Faixas 2 e 3, com subsídios substancialmente menores, porém ainda com acesso a crédito mais barato para o financiamento.

A Faixa 1 também se diferencia das outras na maneira como políticos, construtoras e beneficiários do programa se relacionam. Nessa faixa, as construtoras têm, tipicamente, o papel de buscar o operador financeiro do programa – a Caixa Econômica Federal (CEF) – e apresentar projetos de habitação popular. Os candidatos ao benefício, por sua vez, esperam ser alocados aos empreendimentos de acordo com critérios de escolha definidos por cada prefeitura. Os municípios, por sua vez, escolhem se querem participar do programa, bem como se concederão desoneração fiscal ou doarão terrenos às construtoras. Este mecanismo confere ao poder local um grau de liberdade relativamente amplo para influenciar os resultados do programa (Biderman et al., 2019Biderman, Ciro, Frederico Ramos, e Martha Hiromoto (2019): “The Brazilian Housing Program Minha Casa Minha Vida: Effect on Urban Sprawl,” Working Paper WP18CB2, Lincoln Institute of Land Policy. [2, 4]). Alternativamente, nas Faixas 2 e 3, políticos e empreiteiras têm papéis bastante reduzidos, e por isso focaremos exclusivamente na Faixa 1 neste estudo6 6 Nas Faixas 2 e 3, os beneficiários podem escolher, praticamente, qualquer imóvel que se enquadre nos limites de valores estabelecidos e solicitar subsídio junto à CEF. Neste caso, portanto, prefeituras têm pouco poder de barganha na alocação de benefícios. .

A princípio, prefeitos deveriam cadastrar e selecionar beneficiários de forma transparente e imparcial, havendo, inclusive, orientação para que se realizem sorteios no caso em que a demanda por habitações do PMCMV supere a oferta7 7 Como exemplo, citam-se algumas das portarias editadas pelo Ministério das Cidades: Portaria 140 de 05/04/2010; Portaria 610 de 26/12/2011; Portaria 595 de 18/12/2013. . No entanto, nem sempre o procedimento de seleção é realizado na forma como foi idealizado, abrindo espaço para que prefeitos e seus aliados políticos possam, por exemplo, distribuir casas a grupos ou indivíduos com quem tenham proximidade, como membros de partido, apoiadores, parentes ou amigos. Ademais, há algumas exceções à regra para realização de sorteios que poderiam ser usadas de forma imprópria8 8 Há, por exemplo, um critério de priorização para moradores em áreas de risco, que por sua vez depende de um mapeamento preciso dessas áreas que nem sempre é executado pelas prefeituras. .

Evidentemente, o uso de conexões políticas como critério distorce o objetivo original do programa, pois não necessariamente corrige falhas no mercado de crédito e habitação que impedem os mais pobres de obter acesso a moradias. Nesse caso, os recursos são destinados a quem investiu mais em relações diretas com o poder local.

Neste estudo, um indivíduo tem conexão com políticos locais se ele apoia algum partido, e consideramos que isto pode se dar de duas formas: (i) o indivíduo pode estar filiado a algum partido político; (ii) o indivíduo pode doar dinheiro diretamente à campanha de algum prefeito. Dado que nenhum desses tipos de apoio é amplamente difundido9 9 Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, apenas 11% dos eleitores registrados eram filiados a partidos políticos em 2012. Além disso, doações de pessoas físicas representaram 26% do total de recursos recebidos pelos candidatos a prefeito em suas campanhas. , espera-se que o ato de apoiar partidos ajude a estabelecer vínculos com políticos locais, seja por meio da participação na rotina dos comitês e diretórios, seja porque candidatos demonstrem gratidão aos doadores de suas campanhas ou, ainda, seja porque houve convites explícitos de políticos a esses apoiadores. Estes vínculos, por sua vez, são o canal pelo qual pode ser operado o favorecimento em programas habitacionais. Ou seja, reconhecendo o comprometimento de alguns indivíduos com seus partidos, prefeitos podem usar de sua discricionariedade na escolha de beneficiários como contrapartida.

3. Bases de Dados e Estatísticas Descritivas

3.1 Beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida.

A lista de beneficiários do PMCMV foi obtida junto à CEF para todos os indivíduos enquadrados na Faixa 1. Os dados incluem nome, Cadastro de Pessoa Física (CPF), data de assinatura do contrato, renda mensal declarada, tipo de financiamento, entre outros. Neste estudo, focamos no financiamento feito via Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), pois este é o que possui a estrutura de incentivos descrita anteriormente, em que prefeituras alocam candidatos a casas previamente construídas. Nas outras modalidades, “Rural” e “Fundo de Desenvolvimento Social” (FDS), indivíduos e entidades propõem projetos diretamente à CEF.

A Figura 1 mostra a alocação de beneficiários ao longo do tempo e entre cada tipo de financiamento.

Figura 1
Número de beneficiários da Faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida entre 2009 e 2016 (em milhares). O ano em que o beneficiário é computado é definido a partir da data de assinatura da obtenção de propriedade.

Devido à demora natural entre o começo do programa em 2009, quando são feitas as primeiras contratações, e a entrega das primeiras unidades10 10 A CEF estipula um prazo de conclusão da obra que varia entre 12 e 24 meses a partir da assinatura do contrato com a construtora. , há poucos beneficiários nos dois primeiros anos. Assim, mais de 85% dos contratos assinados por novos beneficiários se concentra no ciclo eleitoral municipal compreendido entre 2012 e 2016.

3.2 Dados Eleitorais.

Os microdados das eleições municipais de 2008 e 2012 estão disponíveis no Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As informações estão no nível do candidato, contendo seus respectivos partidos, coligações, número de votos obtidos e características demográficas. A Tabela A.1 apresenta algumas estatísticas descritivas desses dados, já agregados por município e eleição. Após retirar da base de dados candidatos que tiveram sua chapa impugnada e eleições que foram anuladas, temos um painel balanceado de 5.545 municípios e seus respectivos resultados eleitorais em 2008 e 2012. A Tabela A.1 no Apêndice resume esses dados.

3.3 Dados de Apoiadores.

Além dos dados de resultados eleitorais, o TSE disponibiliza informações sobre membros filiados a partidos políticos e doadores individuais de campanha nas eleições municipais.

A plataforma FiliaWeb registra dados de filiação duas vezes ao ano (abril e outubro), que são enviados pelos próprios partidos. Para cada partido, é possível identificar o título de eleitor de seus membros, nome completo, município de registro e data de filiação e eventual data de cancelamento do registro. A partir desses dados, é possível identificar todos os indivíduos filiados a partidos políticos por município e ano.

Em relação ao financiamento de campanha, todos os candidatos são obrigados a prestar contas detalhadas de todas as contribuições recebidas. Os dados contêm, para cada doação, o nome completo do doador, seu CPF, e o candidato, comitê ou diretório para o qual foi feita a doação. A partir desses dados, identificam-se 490.991 indivíduos que fizeram contribuições às campanhas eleitorais de 2008 e 2012. A Tabela A.2 no Apêndice apresenta estatísticas descritivas para esses dois tipos de apoiadores.

3.4 Base Final e Descritivas.

Tendo em mãos as informações sobre beneficiários, apoiadores e eleições municipais, procedemos à junção dessas bases. Como a base de filiados não possui o CPF dos membros, o primeiro desafio é juntar estes aos beneficiários. Para isso, usamos o nome completo dos indivíduos e fazemos a união das bases por município, de modo a reduzir o número de homônimos para cada nome11 11 Dentro da base de beneficiários, aproximadamente 0.7% dos indivíduos possuem os mesmos nome e município de residência simultaneamente. Removemos essas observações duplicadas aleatoriamente. Na base de filiados, a frequência de homônimos em um mesmo município é de 1.9%. Ao executar a junção das bases, atribuímos beneficiários aleatoriamente a um desses homônimos e excluímos as duplicatas restantes. .

A junção dessas bases no período compreendido entre 2008 e 2016 nos dá 100470,00 pares de beneficiário-filiação distribuídos entre partidos de acordo com a Figura 2. Dentre esses pares identificados, há 94216,00 beneficiários únicos12 12 Dentre os quais 75043,00 foram beneficiados via financiamento do FAR . Parte dos indivíduos, portanto, trocou de partido durante o período observado. Neste estudo, usamos apenas o partido ao qual o beneficiário pertencia no momento em que recebeu a casa.

Figura 2
Número de beneficiários da Faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida entre 2009 e 2016, por partido e modalidade de financiamento.

Além dos dados de filiação partidária, rastreamos doadores de campanha nas eleições municipais de 2008 e 2012. Esta tarefa é significativamente mais simples, pois temos o CPF tanto de doadores quanto de beneficiários. Ao conectarmos ambas as bases, observamos que 1382,00 beneficiários do MCMV doaram a campanhas eleitorais municipais nos anos de 2008 e 2012, dentre os quais 998 receberam o benefício via FAR. Além disso, do total de beneficiários-doadores, apenas 384 estavam filiados a algum partido político no momento em que receberam suas casas.

A distribuição desses beneficiários-doadores de acordo com os partidos é similar àquela de beneficiários-filiados. Para mais detalhes, verifique a Figura A.1 no Apêndice.

4. Estratégia Empírica

Nesta seção, discutimos a estratégia empírica utilizada em nossa análise e apresentamos nosso estimador do efeito de se estar conectado politicamente com a coligação vencedora sobre o acesso a moradias populares do PMCMV. Como discutimos na Seção 2, prefeitos são responsáveis por definir o critério de seleção de beneficiários do PMCMV em seus respectivos municípios. Tal responsabilidade abre um possível canal para favorecimento de apoiadores. Em particular, o critério de seleção pode ser definido de tal forma que filiados aos partidos da coligação do prefeito e financiadores individuais de campanha sejam favorecidos na obtenção de unidades habitacionais.

Para uma determinada eleição num município, o experimento ideal para nosso problema seria que tivéssemos uma espécie de sorteio de conexões políticas entre os indivíduos. Nesse caso, para termos uma estimativa crível, bastaria acompanhar o acesso a moradias do PMCMV de indivíduos conectados à coligação vencedora antes e depois das eleições municipais. Como a escolha de qual coligação apoiar numa eleição não é aleatória, definimos um grupo contrafactual de apoiadores para cada eleição, acompanhando o acesso a moradias do PMCMV de apoiadores da coligação perdedora. Desta forma, é possível nos aproximarmos do experimento ideal comparando o acesso a moradias do PMCMV de apoiadores da coligação vencedora (grupo de tratamento) com o acesso de apoiadores da coligação perdedora (grupo de controle).

A definição de qual partido vencerá a eleição tampouco é aleatória. É de se imaginar que o partido vencedor tenha apoiadores mais ativos e que sejam mais engajados, inclusive na busca por programas de moradia popular. Para lidar com esse problema, focamos em eleições em que a margem de vitória seja suficientemente pequena, de forma que a definição do conjunto de apoiadores conectados com o prefeito seja aleatória.

Para formalizar tal relação, suponha que um partido político p lance candidato a prefeito no município m em 2012 e receba um percentual de votos igual a νpm na eleição. Seja dpm uma variável que indica quando o candidato do partido p recebeu a maior parte dos votos no município m, isto é dpm=1{vpm>vpm}pp e, portanto, ganhou a eleição. Sendo ypm uma variável de interesse associada aos beneficiários do PMCMV que são apoiadores da coligação do partido p13 13 Por exemplo, o total de beneficiários filiados aos partidos da coligação ou o número de unidades que foram distribuídas a esses filiados. , podemos escrever ypm como:

O coeficiente τ representa o efeito de o partido p ganhar as eleições no município m e epm representa os demais determinantes da variável de interesse ypm. Estimar τ através de uma simples regressão linear, entretanto, produziria estimativas enviesadas, pois E[εpmdpm]014 14 Por exemplo, indivíduos filiados a partidos políticos podem ser mais engajados nos diferentes programas governamentais disponíveis. Ademais, a eleição do prefeito por um partido está correlacionada com a quantidade de filiados ao mesmo partido na cidade. . Uma estratégia para lidar com esse tipo de viés é estimar a equação para eleições decididas por uma margem pequena de votos, de forma que a definição do vencedor seja quase aleatória e se aproxime de um experimento natural (Lee, 2008Lee, David S. (2008): “Randomized experiments from non-random selection in U.S. House elections,” Journal of Econometrics, 142 (2), 675–697, the regression discontinuity design: Theory and applications. [8]).

A Regressão em Descontinuidade (RD) nos permite obter estimativas críveis do efeito que o partido vencedor tem sobre o benefício obtido por seus apoiadores. Ao comparar a variável de interesse entre o partido que quase perdeu a eleição (grupo de tratamento) e o partido que quase venceu (grupo de controle), obtemos o efeito causal da eleição do prefeito sobre o favorecimento de apoiadores.

Assumindo que E[εpm|vpm] é contínuo, conseguimos obter valores aproximados dessa esperança condicional para cada vpm utilizando polinômios flexíveis de ordem g, Fgpm). Sob tal hipótese, reescrevemos a equação (1) como:

(1) y p m = d p m τ + ε p m

em que εpm é assintoticamente não correlacionado com νpm. O próximo passo para aproveitarmos as diferentes fontes de variação de nossos dados é adicionar à equação (2) uma dimensão t, que admite a existência de mais de um ciclo eleitoral:

(2) y p m = d p m τ + F g ( v p m ) + ε p m

Estimamos τ consistentemente sob a especificação (3) utilizando algoritmo de Calonico-Cattaneo-Titiunik (CCT) para definição de banda ótima (optimal bandwidth), com base em Calonico et al. (2014)Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocio Titiunik (2014): “Robust Nonparametric Confidence Intervals for Regression-Discontinuity Designs,” Econometrica, 82 (6), 2295–2326. [9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20].

5. Resultados

5.1 Validade das Hipóteses do Modelo.

O modelo de RD que utilizamos para estimar o efeito causal de uma coligação ganhar a eleição municipal sobre o número de beneficiários apoiadores depende de duas condições para que seja válido. Primeiro, é preciso garantir que não há manipulação das eleições. Em outras palavras, é preciso que, em eleições acirradas, ambas as coligações tenham iguais chances de ganhar. Uma forma de investigar a existência de manipulação é checar a densidade de observações em ambos os lados da descontinuidade (McCrary, 2008McCrary, Justin (2008): “Manipulation of the running variable in the regression discontinuity design: A density test,” Journal of Econometrics, 142 (2), 698–714. [9]). Em nosso caso, essa condição é satisfeita trivialmente, uma vez que sempre há, para cada município, uma coligação vencedora e uma perdedora. De fato, a densidade é simétrica, como pode ser visualizado na Figura 3.

Figura 3
Distribuição das margens de vitória. A figura apresenta um teste visual de manipulação de regra, baseado em McCrary (2008)McCrary, Justin (2008): “Manipulation of the running variable in the regression discontinuity design: A density test,” Journal of Econometrics, 142 (2), 698–714. [9].

A segunda condição necessária é que características das coligações não mudem abruptamente na descontinuidade. Para investigar a validade dessa hipótese, estimamos o coeficiente τ da equação (3) para diferentes covariadas. Os resultados são apresentados na Tabela 1 e sugerem que as coligações são comparáveis.

Tabela 1
Covariadas no nível coligação-município-ciclo eleitoral de 1º e 2º colocados em eleições de 2008 e 2012

(3) y p m t = d p m t τ + F g ( v p m t ) + ε p m t

5.2 Resultados Principais.

A Tabela 2 contém as estimativas do efeito de ganhar a eleição sobre o acesso de apoiadores às moradias populares do PMCMV. A nossa base de dados contém, para cada município e mandato, duas observações, sendo uma para apoiadores dos partidos políticos da coligação vencedora e uma para apoiadores da coligação perdedora. A variável dependente é o número de apoiadores (membros filiados e doadores de campanha) de cada coligação que são beneficiários do PMCMV em algum ano entre 2009 e 2016. O cálculo do número de apoiadores é feito levando em conta somente os beneficiários que obtiveram acesso à moradia ao longo do mandato da coligação eleita15 15 A amostra em questão compreende o período de dois ciclos eleitorais e, portanto, dois mandatos: 2009-2012 e 2013-2016. .

Tabela 2
Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de apoiadores beneficiários do PMCMV

A Coluna (1) apresenta estimativas de MQO, baseadas na equação (1). A Coluna (2) mostra estimativas de RDD baseadas na equação (3), utilizando a amostra completa e um polinômio de 2º grau em ambos os lados da margem de vitória. As Colunas (3)-(6) mostram estimativas de RDD com polinômios de 1º grau, baseadas na equação (3), considerando diferentes bandwidths: banda ótima calculada a partir de Calonico et al. (2014)Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocio Titiunik (2014): “Robust Nonparametric Confidence Intervals for Regression-Discontinuity Designs,” Econometrica, 82 (6), 2295–2326. [9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20] (coluna 3), 10% (coluna 4), 5% (coluna 5), e 2,5% (coluna 6).

Os resultados da Tabela 2 sugerem que coligações vencedoras das eleições municipais não privilegiam seus apoiadores via acesso a moradias do PMCMV. Embora haja uma correlação positiva, na Coluna (1), entre vitória na eleição e acesso a moradias por parte de apoiadores, isto não se sustenta nas colunas seguintes. De fato, as estimativas causais de RDD não nos permitem afirmar que haja favorecimento político na distribuição de moradias. Em particular, em nossa especificação preferida apresentada na Coluna (3), a estimativa pontual é levemente negativa e não é estatisticamente significante.

A seguir, a Tabela 3 apresenta estimativas apenas para a amostra de apoiadores que obtiveram acesso à moradia via FAR. Embora esta seja a modalidade mais vulnerável ao favorecimento político, conforme mencionado na seção 3.1, não há evidências de que isto esteja acontecendo neste caso tampouco.

Tabela 3
Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de apoiadores beneficiários do PMCMV via FAR

Na Tabela 4, analisamos o efeito de vitória na eleição municipal sobre o número de beneficiários apenas para apoiadores do partido do candidato a prefeito. Espera-se que esta medida de conexão política seja mais forte do que a anterior, pois os apoiadores estariam ligados diretamente ao partido e não à coligação. Novamente, entretanto, a Tabela 4 sugere que não há favorecimento político na alocação de moradias do PMCMV.

Tabela 4
Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de apoiadores do partido do prefeito

O conjunto de resultados acima aponta que, de fato, coligações vencedoras das eleições municipais não privilegiam seus apoiadores via acesso a moradias do PMCMV. Independentemente da especificação utilizada e da definição do conjunto de apoiadores das coligações, os coeficientes são estatisticamente indistinguíveis de zero16 16 No Apêndice, a Figura B.1 mostra a versão gráfica dos resultados apresentados. .

Interpretamos a ausência de favorecimento político a apoiadores na alocação de moradias do PMCMV a partir de dois diagnósticos. Por um lado, diferentemente de um emprego na burocracia municipal (Barbosa e Ferreira, 2019Barbosa, Klenio e Fernando V Ferreira (2019): “Occupy Government: Democracy and the Dynamics of Personnel Decisions and Public Finances,” Working Paper 25501, National Bureau of Economic Research. [2, 3, 11]; Colonnelli et al., 2018Colonnelli, E, Prem Mounu, e E Teso (2018): “Patronage and Selection in Public Sector Organizations,” Documentos de Trabajo 016723, Universidad del Rosario. [3, 11]; Brollo et al., 2017Brollo, Fernanda, Pedro Forquesato, e Juan Gozzi (2017): “To the Victor Belongs the Spoils? Party Membership and Public Sector Employment in Brazil,” SSRN Electronic Journal. [2, 3, 12]), a moradia é um bem que, uma vez obtido pelo beneficiário, não pode ser tomado de volta trivialmente. De tal modo, políticos não conseguem exercer poder de barganha sobre apoiadores uma vez transferida a moradia à sua posse. De outro lado, a definição de “apoiador” utilizada aqui não é exaustiva e leva em conta apenas indivíduos filiados a partidos e doadores de campanha. Alternativamente, prefeitos poderiam favorecer, por exemplo, lideranças comunitárias locais, ou amigos e familiares no momento da seleção. Além disso, é possível que o favorecimento não seja um benefício imediato. Uma possibilidade é que o candidato seja priorizado no atendimento, mas ainda precise esperar o sorteio.

5.3 Heterogeneidade: membros filiados × doadores de campanha.

Nesta seção, analisamos se é possível notar diferenças em termos de favorecimento político quando separamos os apoiadores entre membros filiados a partidos da coligação e doadores de campanha.

A Tabela 5 apresenta estimativas de RDD com polinômios de 1º grau, baseadas na equação (3), utilizando banda ótima, calculada a partir de Calonico et al. (2014)Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocio Titiunik (2014): “Robust Nonparametric Confidence Intervals for Regression-Discontinuity Designs,” Econometrica, 82 (6), 2295–2326. [9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20]. As Colunas (1)-(3) apresentam estimativas para membros filiados, e as Colunas (4)-(6) apresentam estimativas para doadores de campanha. A Coluna (1) mostra os efeitos de ganhar a eleição municipal sobre o número de filiados a partidos da coligação. A Coluna (2) foca nos filiados que receberam acesso à moradia via FAR, ao passo que Coluna (3) analisa os efeitos apenas sobre o número de filiados ao partido do candidato a prefeito. As Coluna (4) a (6) se estruturam de forma análoga, porém utilizando o número de doadores como variável dependente.

Tabela 5
Heterogeneidade: efeitos de ganhar a eleição municipal sobre o número de filiados e doadores

Os resultados sugerem, à primeira vista, que, apesar de não haver efeito sobre membros filiados, parece haver favorecimento a doadores. Contudo, como pode ser visto nas Tabelas B.4, B.5, e B.6 no Apêndice, a significância das estimativas são sensíveis à escolha da bandwidth. Particularmente, os coeficientes são significantes apenas para amostras que permitem a margem de vitória definida entre [−10%,10%]. Ao diminuirmos a banda a intervalos menores, vemos que o efeito cai pela metade e deixa de ser significante. Portanto, não é possível concluir que haja favorecimento específico a filiados ou doadores.

5.4 Heterogeneidade no déficit habitacional.

Outra possível dimensão de heterogeneidade está nos diferentes níveis de escassez de moradias entre municípios. Como a seleção a critério do poder local ocorre predominantemente quando existem mais candidatos ao benefício do PMCMV do que moradias construídas, o favorecimento político de apoiadores pode ser mais relevante em municípios com maior déficit habitacional.

Nesta análise, usamos o déficit habitacional brasileiro oficial, calculado pela Fundação João Pinheiro com dados do Censo de 2010, e dividimos municípios entre aqueles com déficit habitacional acima da mediana – “Alto Déficit Habitacional” – e aqueles com déficit abaixo da mediana – “Baixo Déficit Habitacional”. Repetindo a estrutura da seção anterior, a Tabela 6 mostra que, em ambos os grupos, o efeito de vitória da coligação sobre o número de apoiadores beneficiados pelo PMCMV não é estatisticamente diferente de zero17 17 Nas Tabelas B.7 e B.8, são apresentados resultados adicionais que segmentam a amostra tanto entre municípios pobres e ricos quanto entre pequenos e grandes. .

Tabela 6
Heterogeneidade: efeito de ganhar a eleição em municípios com alto e baixo déficit habitacional

6. Conclusão

Neste artigo, procuramos investigar a hipótese de favorecimento político de candidatos ao benefício do Programa Minha Casa Minha Vida diretamente conectados ao poder local. Em particular, definimos tal conexão de acordo com o apoio político direto a candidatos - seja via filiação partidária, seja via doação individual a campanhas eleitorais - e testamos se apoiadores de partidos vencedores estão sobrerrepresentados dentre os beneficiários do programa.

Usando Regressões em Descontinuidade na margem de vitória dos partidos e coligações de eleições municipais, não encontramos evidência de que haja favorecimento político a apoiadores diretos. A ausência de efeitos estatisticamente significantes se repete, também, quando analisamos filiados e doadores isoladamente, ou quando separamos municípios de acordo com seu déficit habitacional em 2010.

Dentre as possíveis razões para encontrar tais resultados nulos, estão a possibilidade de prefeitos favorecerem aliados indiretos, como amigos e familiares, que não tenham vínculo facilmente detectável com partidos; ou a dificuldade de tomar de volta casas de beneficiários uma vez concedidas, o que reduz substancialmente o poder de barganha do prefeito. Ademais, é possível que a realização de seleção de candidatos mais transparente seja mais frequente exatamente em municípios com alta competição eleitoral e, portanto, com eleições mais acirradas. Isto pode se dar justamente porque partidos perdedores em eleições muito competitivas ainda podem manter relativa força nas assembleias municipais, monitorando os vencedores mais de perto e garantindo que não usem o PMCMV em seu favor. Neste caso, o uso de regressões em descontinuidade na margem de vitória não poderia elicitar o efeito de favorecimento político.

Finalmente, a ausência de efeitos pode ser, simplesmente, fruto de uma política pública bem desenhada para evitar favorecimento político, ou minimizá-lo a casos isolados. Esta é, certamente, uma hipótese mais reconfortante, embora nossos resultados não sejam evidência suficiente em seu favor.

Em todo caso, este artigo contribui para a literatura de programas habitacionais na medida em que propõe um método para testar a existência de favorecimento político nesse contexto. Esperamos, com isto, incentivar pesquisas futuras neste sentido, que são de especial relevância em face dos vultosos investimentos que tais programas costumam demandar e de seus retornos difíceis de se mensurar.

Apêndice A Estatísticas descritivas adicionais

Tabela A.1
Estatísticas descritivas dos dados eleitorais
Tabela A.2
Estatísticas descritivas dos apoiadores

Apêndice B Resultados adicionais

Nas Tabelas B.7 e B.8 são apresentados resultados adicionais segmentando os municípios da amostra entre pobres/ricos e pequenos/grandes respectivamente. Ao utilizar esses recortes, é possível notar que municípios pequenos ou pobres apresentam estimativas pontuais positivas, enquanto municípios grandes ou ricos mantêm estimativas pontuais negativas. Isso poderia sugerir que em cidades pequenas ou pobres há um espaço maior para o favorecimento através de programas de habitação popular como contrapartida a pequenas doações de campanha ou mesmo proximidade com a elite política local vencedora das eleições. Contudo, nenhum dos coeficientes reportados apresenta significância estatística, e portanto não é possível rejeitar a hipótese de não favorecimento político dos beneficiários.

Figura A.1
Número de beneficiários da Faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida entre 2009 e 2016, por partido ao qual doaram e modalidade de financiamento. A figura apresenta a distribuição de beneficiários do PMCMV que doaram a campanhas de candidatos a prefeito nas eleições de 2008 e 2012.

Tabela B.1 Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de filiados beneficiários do PMCMV
Número de filiados à coligação que são beneficiários
MQO Polinômio de 2º Grau CCT 10% 5% 2,5%
(1) (2) (3) (4) (5) (6)
Coligação eleita 2,14*** −1,22 −0,83 −1,61 −2,24 −1,93
(0,59) (1,14) (1,66) (2,25) (3,48) (4,41)
Observações 7394 7394 4900 3582 1894 924
Bandwidth 15,70 10,00 5,00 2,50
  • Nota. Essa tabela analisa o efeito da coligação vencer uma eleição municipal sobre o número de filiados da coligação que são beneficiários do PMCMV. A Coluna (1) mostra estimativas de MQO, baseadas na equação (1). A Coluna (2) mostra estimativas de RDD baseadas na equação (3), utilizando um polinômio de 2º grau em ambos os lados da margem de vitória e amostra completa. As Colunas (3)-(6) mostram estimativas de RDD com polinômios de 1º grau, baseadas na equação (3), considerando diferentes bandwidths: banda ótima, calculada a partir de Calonico et al. (2014)Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocio Titiunik (2014): “Robust Nonparametric Confidence Intervals for Regression-Discontinuity Designs,” Econometrica, 82 (6), 2295–2326. [9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20] (coluna 3), 5% (coluna 4), e 2,5% (coluna 5). Todas as estimativas de RDD utilizam kernel triangular. Erros-padrão estão entre parênteses e são agrupados no nível do município (clustered standard errors).* Significante a 10%;** significante a 5%;*** significante a 1%.
  • Figura B.1
    Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de apoiadores beneficiários do PMCMV. A figura apresenta resultados da regressão descontínua, com as respectivas variáveis dependentes associadas ao primeiro e segundo colocados nas eleições municipais de 2008 e 2012: (B.1a) o número total de apoiadores das coligações que são beneficiários do PMCMV, (B.1b) número de apoiadores das coligações são beneficiários do PMCMV via FAR, e (B.1c) o número total de apoiadores dos partidos dos candidatos que são beneficiários do PMCMV. O eixo horizontal representa a margem de vitória em que a eleição foi definida. Em cada regressão, um polinômio de segundo grau é estimado em cada lado da descontinuidade. Cada ponto representa a média local do bin. O número de bins é definido de forma ótima com base em Calonico et al. (2015)Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocío Titiunik (2015): “Optimal Data-Driven Regression Discontinuity Plots,” Journal of the American Statistical Association, 110 (512), 1753–1769. [17].

    Tabela B.2 Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de filiados beneficiários do PMCMV via FAR
    Número de filiados da coligação que são beneficiários via FAR
    MQO Polinômio de 2º Grau CCT 10% 5% 2,5%
    (1) (2) (3) (4) (5) (6)
    Coligação eleita 1,81*** −1,13 −0,81 −1,59 −2,05 −1,88
    (0,58) (1,11) (1,59) (2,17) (3,34) (4,23)
    Observações 7394 7394 4946 3582 1894 924
    Bandwidth 16,00 10,00 5,00 2,50
  • Nota. Essa tabela analisa o efeito da coligação vencer uma eleição municipal sobre o número de filiados da coligação que são beneficiários do PMCMV via FAR. A Coluna (1) mostra estimativas de MQO, baseadas na equação (1). A Coluna (2) mostra estimativas de RDD baseadas na equação (3), utilizando um polinômio de 2º grau em ambos os lados da margem de vitória e amostra completa. As Colunas (3)-(6) mostram estimativas de RDD com polinômios de 1º grau, baseadas na equação (3), considerando diferentes bandwidths: banda ótima, calculada a partir de Calonico et al. (2014)Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocio Titiunik (2014): “Robust Nonparametric Confidence Intervals for Regression-Discontinuity Designs,” Econometrica, 82 (6), 2295–2326. [9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20] (coluna 3), 5% (coluna 4), e 2,5% (coluna 5). Todas as estimativas de RDD utilizam kernel triangular. Erros-padrão estão entre parênteses e são agrupados no nível do município (clustered standard errors).* Significante a 10%;** significante a 5%;*** significante a 1%.
  • Tabela B.3 Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de filiados ao partido do prefeito eleito
    Número de filiados ao partido do prefeito que são beneficiários
    MQO Polinômio de 2º Grau CCT 10% 5% 2,5%
    (1) (2) (3) (4) (5) (6)
    Coligação eleita 0,44* −0,10 −0,86 −1,16 −1,46 −1,17
    (0,25) (0,41) (0,76) (0,86) (1,23) (1,46)
    Observações 7394 7394 4116 3582 1894 924
    Bandwidth 12,10 10,00 5,00 2,50
  • Nota. Essa tabela analisa o efeito da coligação vencer uma eleição municipal sobre o número de filiados ao partido do candidato a prefeito que são beneficiários do PMCMV. A Coluna (1) mostra estimativas de MQO, baseadas na equação (1). A Coluna (2) mostra estimativas de RDD baseadas na equação (3), utilizando um polinômio de 2º grau em ambos os lados da margem de vitória e amostra completa. As Colunas (3)-(6) mostram estimativas de RDD com polinômios de 1º grau, baseadas na equação (3), considerando diferentes bandwidths: banda ótima, calculada a partir de Calonico et al. (2014)Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocio Titiunik (2014): “Robust Nonparametric Confidence Intervals for Regression-Discontinuity Designs,” Econometrica, 82 (6), 2295–2326. [9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20] (coluna 3), 5% (coluna 4), e 2,5% (coluna 5). Todas as estimativas de RDD utilizam kernel triangular. Erros-padrão estão entre parênteses e são agrupados no nível do município (clustered standard errors).* Significante a 10%;** significante a 5%;*** sign. a 1%.
  • Tabela B.4
    Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de doadores beneficiários do PMCMV
    Tabela B.5
    Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de doadores beneficiários do PMCMV via FAR
    Tabela B.6
    Efeito de ganhar a eleição municipal sobre o número de doadores ao partido do prefeito eleito
    Tabela B.7
    Heterogeneidade: efeito de ganhar a eleição em municípios pobres e ricos
    Tabela B.8
    Heterogeneidade: efeito de ganhar a eleição em municípios pequenos e grandes
    • 1
      Os autores identificam 16 países em desenvolvimento com programas habitacionais de larga escala.
    • 2
      Isto ocorre quando cidades se expandem com baixa densidade nas periferias, frequentemente deixando vazios urbanos entre bairros.
    • 3
      Como exemplo, esta recomendação do MPF (MPF, 2016MPF (2016): “Recomendação Número 021/2016 - PR/AC/5o Ofício - Inquérito Civil no 1.10.000.000340/2014-,” Rel. Técn., Ministério Público Federal, Brasil. [2]).
    • 4
      Como no caso apontado por Ferraz e Zanchetta (2013)Ferraz, Adriana e Diego Zanchetta (2013): “Militância vira critério para receber moradia do Minha Casa Minha Vida,” O Estado de São Paulo. [2]
    • 5
      Entre 1964 e 1986, o Banco Nacional de Habitação (BNH) financiou a construção de 4,3 milhões de unidades habitacionais para famílias de baixa e média renda (Bonduki, 2019Bonduki, Nabil (2019): “Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula,” arq.urb, (1), 70–104. [3]).
    • 6
      Nas Faixas 2 e 3, os beneficiários podem escolher, praticamente, qualquer imóvel que se enquadre nos limites de valores estabelecidos e solicitar subsídio junto à CEF. Neste caso, portanto, prefeituras têm pouco poder de barganha na alocação de benefícios.
    • 7
      Como exemplo, citam-se algumas das portarias editadas pelo Ministério das Cidades: Portaria 140 de 05/04/2010; Portaria 610 de 26/12/2011; Portaria 595 de 18/12/2013.
    • 8
      Há, por exemplo, um critério de priorização para moradores em áreas de risco, que por sua vez depende de um mapeamento preciso dessas áreas que nem sempre é executado pelas prefeituras.
    • 9
      Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, apenas 11% dos eleitores registrados eram filiados a partidos políticos em 2012. Além disso, doações de pessoas físicas representaram 26% do total de recursos recebidos pelos candidatos a prefeito em suas campanhas.
    • 10
      A CEF estipula um prazo de conclusão da obra que varia entre 12 e 24 meses a partir da assinatura do contrato com a construtora.
    • 11
      Dentro da base de beneficiários, aproximadamente 0.7% dos indivíduos possuem os mesmos nome e município de residência simultaneamente. Removemos essas observações duplicadas aleatoriamente. Na base de filiados, a frequência de homônimos em um mesmo município é de 1.9%. Ao executar a junção das bases, atribuímos beneficiários aleatoriamente a um desses homônimos e excluímos as duplicatas restantes.
    • 12
      Dentre os quais 75043,00 foram beneficiados via financiamento do FAR
    • 13
      Por exemplo, o total de beneficiários filiados aos partidos da coligação ou o número de unidades que foram distribuídas a esses filiados.
    • 14
      Por exemplo, indivíduos filiados a partidos políticos podem ser mais engajados nos diferentes programas governamentais disponíveis. Ademais, a eleição do prefeito por um partido está correlacionada com a quantidade de filiados ao mesmo partido na cidade.
    • 15
      A amostra em questão compreende o período de dois ciclos eleitorais e, portanto, dois mandatos: 2009-2012 e 2013-2016.
    • 16
      No Apêndice, a Figura B.1 mostra a versão gráfica dos resultados apresentados.
    • 17
      Nas Tabelas B.7 e B.8, são apresentados resultados adicionais que segmentam a amostra tanto entre municípios pobres e ricos quanto entre pequenos e grandes.
    • Classificação JEL. D72, H42, R38, O18, P10.
    • Agradecemos ao professor Fernando Ferreira e a seu grupo de orientandos pelos comentários e sugestões, bem como pela acolhida enquanto estivemos como alunos visitantes na Wharton School (UPenn). Agradecemos também aos professores Fabiana Rocha, da FEA-USP, e Sergio Firpo, do Insper, pela orientação durante o desenvolvimento deste projeto. Agradecemos o apoio financeiro da CAPES, da FAPESP (processos 2018/14183-3 e 2019/02389-9) e da FIPE. Todos os erros são de nossa responsabilidade..

    Referências Bibliográficas

    • Barbosa, Klenio e Fernando V Ferreira (2019): “Occupy Government: Democracy and the Dynamics of Personnel Decisions and Public Finances,” Working Paper 25501, National Bureau of Economic Research. [2, 3, 11]
    • Biderman, Ciro, Frederico Ramos, e Martha Hiromoto (2019): “The Brazilian Housing Program Minha Casa Minha Vida: Effect on Urban Sprawl,” Working Paper WP18CB2, Lincoln Institute of Land Policy. [2, 4]
    • Bonduki, Nabil (2019): “Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula,” arq.urb, (1), 70–104. [3]
    • Brollo, Fernanda, Pedro Forquesato, e Juan Gozzi (2017): “To the Victor Belongs the Spoils? Party Membership and Public Sector Employment in Brazil,” SSRN Electronic Journal [2, 3, 12]
    • Buckley, Robert M., Achilles Kallergis, e Laura Wainer (2016): “The emergence of large-scale housing programs: Beyond a public finance perspective,” Habitat International, 54, 199–209. [1]
    • Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocío Titiunik (2015): “Optimal Data-Driven Regression Discontinuity Plots,” Journal of the American Statistical Association, 110 (512), 1753–1769. [17]
    • Calonico, Sebastian, Matias D. Cattaneo, e Rocio Titiunik (2014): “Robust Nonparametric Confidence Intervals for Regression-Discontinuity Designs,” Econometrica, 82 (6), 2295–2326. [9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20]
    • Chetty, Raj, Nathaniel Hendren, e Lawrence F. Katz (2016): “The Effects of Exposure to Better Neighborhoods on Children: New Evidence from the Moving to Opportunity Experiment,” American Economic Review, 106 (4), 855–902. [2]
    • Colonnelli, E, Prem Mounu, e E Teso (2018): “Patronage and Selection in Public Sector Organizations,” Documentos de Trabajo 016723, Universidad del Rosario. [3, 11]
    • Currie, Janet e Aaron Yelowitz (2000): “Are public housing projects good for kids?Journal of Public Economics, 75 (1), 99–124. [2]
    • Ferraz, Adriana e Diego Zanchetta (2013): “Militância vira critério para receber moradia do Minha Casa Minha Vida,” O Estado de São Paulo [2]
    • Jacob, Brian A. e Jens Ludwig (2012): “The Effects of Housing Assistance on Labor Supply: Evidence from a Voucher Lottery,” American Economic Review, 102 (1), 272–304. [2]
    • Lee, David S. (2008): “Randomized experiments from non-random selection in U.S. House elections,” Journal of Econometrics, 142 (2), 675–697, the regression discontinuity design: Theory and applications. [8]
    • McCrary, Justin (2008): “Manipulation of the running variable in the regression discontinuity design: A density test,” Journal of Econometrics, 142 (2), 698–714. [9]
    • MPF (2016): “Recomendação Número 021/2016 - PR/AC/5o Ofício - Inquérito Civil no 1.10.000.000340/2014-,” Rel. Técn., Ministério Público Federal, Brasil. [2]
    • UN Human Settlements Programme (2016): World Cities Report 2016, United Nations. [1]
    • Wood, Michelle, Jennifer Turnham, e Gregory Mills (2008): “Housing Affordability and Family Well-Being: Results from the Housing Voucher Evaluation,” Housing Policy Debate - HOUS POLICY DEBATE, 19, 367–412. [2]

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2023
    • Data do Fascículo
      2023
    Fundação Getúlio Vargas Praia de Botafogo, 190 11º andar, 22253-900 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 3799-5831 , Fax: +55 21 2553-8821 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: rbe@fgv.br