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UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE HISTÓRIA DA ENFERMAGEM

1. INTRODUÇÃO

A carência de docentes para algumas disciplinas, em determinados períodos, é um fato comum a quase todas as Escolas de Enfermagem do país.

Entre as alternativas, para a solução do problema, é habitual que outras docentes recebam a incumbência de ministrar o referido programa, mesmo que não apresentem na ocasião, o preparo ideal.

Vivenciamos a situação acima descrita, em 1975, ao ministrarmos o programa de História de Enfermagem e Obstetrícia para o curso de graduação.

Apesar de termos considerado como uma oportunidade de maior desenvolvimento pessoal, fizemos, mentalmente, as seguintes perguntas:

- o que representaria para os alunos partilhar um programa, com um professor cujo preparo poderia não ser o desejável?

- o que poderíamos planejar para compensar as possíveis falhas de um docente "improvisado" para aquela disciplina?

- o que poderia ser inovado para despertar o interesse e a atenção dos alunos para os valores contidos na aprendizagem de História?

No artigo "The Instructor of History of Nursing", (3DUNBAR, V. M. - The Instructor of History of Nursing. Nursing Outlook 10(5) : 307-310, may, 1962.), Dunbar pergunta: "porque muitos dos instrutores apresentam preparação pouco adequada para os seus cursos de História da Enfermagem"? E ainda complementa: "o que se espera deles"?

Como resposta a estas perguntas procuramos definir o problema, selecionar as hipóteses alternativas e, através de tomadas de decisões, estabelecer o plano de trabalho da docente.

A suposta falta de interesse dos alunos na disciplina, tendo como hipótese explicativa a deficiência da docente quanto ao domínio do conteúdo, foi solucionado, por nós, através de um completo levantamento bibliográfico e o estudo intenso e específico que a disciplina exige.

Outra hipótese para a reduzida motivação poderia ser o fato de que os alunos consideram irrelevantes os conteúdos tratados. A hipótese de solução foi selecionar e estabelecer estratégias que garantissem uma aprendizagem efetiva.

Como estratégias consideramos o conjunto de procedimentos, técnicas e métodos que visam engajar o aluno em situações capazes de estimular a aprendizagem.

A necessidade de inovar, através de procedimentos e recursos foi a idéia básica visando intensificar nos alunos a motivação necessária para uma autêntica aprendizagem.

Tentar renovar no ensino de qualquer disciplina implica mudanças e, ainda que se tenha apoio em princípios pedagógicos e psicológicos, ocorre vacilação. Porém, como docentes, sabemos que é preciso experimentar, promover a inovação em técnicas de ensino, fazer aplicação em pequenas dimensões e controlar os resultados.

Um dos motivos que nos levou a esta apresentação é que os trabalhos escritos sobre o ensino de História da Enfermagem são poucos, conforme a pesquisa bibliográfica realizada.

Além do artigo de Glete de Alcântara, (1ALCANTARA, G. - O Ensino de 1:tica e História da Enfermagem. R.B.Enf., 19 (4) : 393-402, agosto, 1966.) escrito em 1966, obtivemos cópia de um trabalho publicado, numa revista japonesa, (5KOYAMA - Nurslng study at the high school nurslng courses. Teaching methods in History of Nursing and their evaluation. Jpn. J. Nurses Educ., 15(8):520-5, a.ug., 1974.) sobre o ensino de História da Enfermagem, na Escola de Osaka.

Tentamos reunir, neste artigo, algumas das inovações vivenciadas no Curso de História da Enfermagem, ministrado em 1975, na EEUSP.

Não é nossa pretensão termos realizado o ideal, porém abrimos para debate o contido neste trabalho. Esperamos o diálogo, críticas e sugestões.

2. ESTRATÉGIAS DESENVOLVIDAS

2.1 Considerações Iniciais:

Neste trabalho vamos nos referir apenas a parte de História da Enfermagem e Obstetrícia apesar do conteúdo do programa incluir também aspectos de Legislação, parte esta que foi ministrada por outra docente.

A carga horária de 75 horas foi utilizada da seguinte forma: 30 horas/aula para História e 15 horas/aula para Legislação, com créditos-aula 3 (três) e crédito-trabalho 1 (um).

O número médio de alunos por turma foi de 22 e ministramos o programa para 3 turmas, separadamente, com 3 horas semanais consecutivas, para cada turma.

O programa será, neste trabalho, focalizado apenas quanto às estratégias utilizadas visto que os objetivos e conteúdo já haviam sido determinados pela docente que nos antecedeu.

Não só os objetivos como também a seleção do que seria ensinado não mereceria, naquela oportunidade, maiores estudos ou tentativas de modificação; já havia sido selecionado o que era mais relevante e mais significativo do conteúdo.

Assim, tentamos responder à questão:

- Como agir para que os objetivos fossem alcançados? Para que a aprendizagem fosse efetiva?

Os objetivos são como sugestões. É através deles e pela atividade desempenhada que eles se tornam reais e para isto é necessário que as oportunidades sejam proporcionadas aos alunos.

As aulas, tipo preleção, foram em número reduzido e deixamos de lado a forma de ensino anteriormente utilizada, qual seja: ensino individualizado através de um Roteiro de Estudo.

As técnicas a empregar seriam baseadas principalmente nas atividades de grupo visando uma aprendizagem ativa e socializada. Ativa pelo fato de que se tentaria provocar o envolvimento e a participação do educando. Socializada, pois cada aluno, através da inter-relação, tentaria se integrar com o colega, grupo e escola.

2.2 Parte Introdutória do Programa:

Na primeira aula não foi feita apresentação individual pois os elementos dos grupos já eram conhecidos.

Partimos de um princípio básico: os alunos deveriam sentir e expressar a necessidade do aprendizado dessa disciplina.

A tática escolhida para isto constou de apresentação de breves palavras levantando a questão da necessidade do estudo de História da Enfermagem. Procuramos mostrar que não é só pela inclusão da disciplina no currículo que se obtém os resultados desejados. É necessário que os alunos sintam as razões daquele estudo. Para isto, a classe dividiu-se em grupos naturais (no máximo 6 alunos em cada grupo) durante 20 minutos, para discussão: "Razões do estudo da História da Enfermagem e Obstetrícia".

Foi distribuído um resumo datilografado com o título: "Porque estudamos História da Enfermagem"? O resumo, (anexo I) constituído de trechos do livro: "A Short History of Nursing" e algumas anotações de Glete de Alcântara, lido pelos alunos, forneceu material para a discussão dos grupos. A seguir, um representante de cada grupo colocou na lousa as razões encontradas para o estudo de História da Enfermagem.

Após essa manifestação da "conscientização" da classe da necessidade do aprendizado da disciplina, aplicamos, em grupo um pré-teste (anexo II), com questões específicas do conteúdo da disciplina.

A correção do pré-teste, feita pelos próprios grupos, naquele mesmo dia, trouxe grandes surpresas e veio despertar a necessidade de reforçar para a classe as razões do estudo da disciplina.

Com esta tática pretendia-se que os grupos, e cada aluno "visualizasse" o que realmente já conhecia de História da Medicina, da Enfermagem e da Obstetrícia.

Do total de 50 questões, distribuídas por 11 grupos, obtivemos apenas 26% de acerto.

O mesmo teste apresentado, no final do programa, para os mesmos grupos trouxe como resultado 76% de acerto do total de questões.

As surpresas como já dissemos, foram comentadas pela classe quo estranhou, por exemplo, não ter sido acertado por nenhum grupo: "que o campo de saúde pública foi a principal finalidade da preparação dos enfermeiros da Escola de Enfermagem Ana Néri, quando de sua fundação" (teste n.º 49).

Algumas das questões sobre Obstetrícia (testes n.º 6, 32, 33, 40 e 41), obtiveram um mínimo de respostas corretas.

Após o levantamento pela classe da necessidade do aprendizado da disciplina e da avaliação do pré-teste, através de uma preleção rápida e de projeção de transparências, foi feita a apresentação do conteúdo do programa, formas de avaliação e bibliografia indicada, (anexo III).

O conteúdo do programa, englobando os aspectos de História e Legislação da Enfermagem e da Obstetrícia foi apresentado em seis unidades:

I - Assistência ao doente e assistência obstétrica na Era Pré-Cristã;

II - Assistência ao doente e assistência obstétrica na Idade Média. Ensino Medieval;

III - Primórdios do ensino de Enfermagem e Obstetrícia: escolas européias para formação de parteiras e enfermeiras;

IV - Início da enfermagem moderna: papel de Florence Nightingale;

V - Enfermagem e Obstetrícia no Brasil. Legislação do ensino e exercício profissional;

VI - Entidades que congregam profissionais de enfermagem e de obstetrícia.

2.3 Apresentação de vultos históricos: "Quem é quem"

Quando se fala em ensinar História surge imediatamente a idéia de nomes e datas.

Evidentemente, os nomes de determinadas figuras históricas nada significam independentes dos fatos e da época em que foram vivenciados.

Para muitos, aprender História pode representar a simples memorização de fatos ,nomes e datas. É necessário que os alunos vejam um conjunto de fenômenos que os ajude a refletir e a fazer opções conscientes diante de tais fatos.

Como afirma Bandura "o fenômeno da aprendizagem pode resultar também de experiências na base de substituição ou suplementação através da observação do comportamento de outras pessoas e de suas conseqüências". (6KRAMER, M. - O conceito de "modelo" como estratégia de ensino. R.B.Enf., 7(2):225-241, set., 1973.)

No ensino de História da Enfermagem é necessário que a estratégia de "modelos" seja utilizada quando da apresentação, em especial, de vultos da nossa profissão.

Para isto foi planejado um procedimento inovador: os vultos da História da Enfermagem, Obstetrícia e Medicina seriam apresentados, verbalmente, para a classe, pelos próprios alunos.

A estratégia de ensino pela imitação tornar-se-ia mais efetiva pois essas figuras seriam conhecidas e admiradas pelos alunos, pela apresentação dos próprios colegas.

Assim, os minutos iniciais de cada aula eram destinados à apresentação de dados sobre vultos históricos e, esta parte da aula recebeu o título: "Quem é quem".

Os alunos, por sorteio, deveriam apresentar o "Quem é quem" após consulta a livros, revistas e enciclopédias e mesmo através de curriculum vitae de enfermeiras contemporâneas.

Cada figura apresentada estava relacionada com o assunto a ser discutido naquele dia. Poderíamos exemplificar que, entre outros, escolheu-se:

- Assistência ao doente na Grécia - Hipócrates;

- Assistência ao doente na era pré-cristã - Celso;

- Primórdios do ensino de enfermagem - São Vicente de Paula, Pastor Fliedner;

- História da Obstetrícia - Madame Durocher;

- Enfermagem no Brasil - Glete de Alcântara;

Mesmo o currículo de enfermeiros em atuação foram escolhidos pelos alunos para serem apresentados à classe como Maria Rosa S. Pinheiro, Wanda de Aguiar Horta, e Madre Domineuc.

A apresentação de cada vulto histórico incluía necessariamente; nome, local e época, atividades desenvolvidas, contribuição para a História e outros dados considerados relevantes. Sugeria-se também opinião pessoal da apresentadora sobre o vulto focalizado e o valor que o estudo pode representar.

Os dados sobre Florence Nightingale, pela importância e significado como marco de referência da Enfermagem Moderna, foram focalizados pela docente, em aula expositiva, com apresentação de recursos visuais específicos.

Apesar de sabermos que nem todos os objetivos podem ser operacionalmente medidos, as manifestações dos alunos durante a tática de "Quem é quem", possibilita aventarmos a hipótese que, foram oferecidas oportunidades para que os objetivos da área afetiva fossem alcançados, juntamente com os conhecimentos.

2.4 Unidades do Programa

O currículo de graduação das Escolas de Enfermagem brasileiras, comparado com escolas de outros países, é falho no que se refere aos aspectos de cultura geral (2______. Novas Tendências n a Educação da Enfermagem. R.B.Em,., 17 (5): 335-345, out., 1974.). Esta lacuna poderá ser sanada, em parte, pelo conteúdo da disciplina História da Enfermagem e Obstetrícia. É necessário ainda utilizar métodos que desenvolvam no estudante a curiosidade intelectual e espírito de crítica.

Conforme pode ser observado, nem sempre os aspectos históricos da Medicina, Enfermagem e Obstetrícia, nas diferentes épocas, despertam nos jovens o interesse desejável.

Por esta razão, procurou-se dar aos alunos o controle da aprendizagem, através de estratégias diversificadas, visando dar ao educando autonomia e participação responsável no processo ensinar-aprender.

Para as várias unidades do programa o número de aulas expositivas foi reduzido, ao mínimo, dando-se ênfase ao estudo em grupo pois permite maior participação ativa do aluno.

O material bibliográfico selecionado e resumido era, em cada aula, distribuído aos alunos para leitura e discussão em grupo. Procurava-se, através de orientação, obter a participação de cada elemento e, após discussão, cada grupo redigia respostas às perguntas formuladas, pela docente, sobre o assunto.

No ensino de História da Enfermagem, através de sua experiência, na Escola de Osaka, Koyama (5KOYAMA - Nurslng study at the high school nurslng courses. Teaching methods in History of Nursing and their evaluation. Jpn. J. Nurses Educ., 15(8):520-5, a.ug., 1974.) também, concluiu que o estudo em grupo, com a colaboração de todos os participantes, permite que os alunos obtenham melhores resultados nos estudos.

Os aspectos de História da Enfermagem e Obstetrícia no Brasil constituíram o ponto alto do programa: não só para que os alunos melhor sentissem a responsabilidade como futuros profissionais do país, como também para entender os fatos e suas repercussões.

Como afirma Alcântara (1ALCANTARA, G. - O Ensino de 1:tica e História da Enfermagem. R.B.Enf., 19 (4) : 393-402, agosto, 1966.) os problemas atuais da profissão "somente serão compreendidos mediante uma perspectiva histórica; no passado são encontradas as explicações do presente.

A avaliação dessa Unidade foi desenvolvida através de um trabalho escrito, individual, à escolha do aluno, sobre qualquer aspecto da Enfermagem ou Obstetrícia no Brasil.

A liberdade de escolha para o tema possibilitou-nos observar que uma parte dos alunos (mais de 50% da classe), optou por trabalhos sobre os aspectos do início da Enfermagem ou da Obstetrícia no Brasil. Entre os demais, pudemos observar escolha de temas como: "Associação Brasileira de Enfermagem", "Revista Brasileira de Enfermagem", "As enfermeiras inativas", "A enfermagem psiquiátrica", e outros.

Foi estabelecido, pela docente apenas a data de entrega do trabalho, o número mínimo de palavras exigido e a obrigatoriedade de constar considerações pessoais do aluno sobre o fato ou aspecto focalizado, em relação à enfermagem no presente.

O trabalho escrito permitiu avaliar os alunos quanto a redação, correção gramatical e bibliografia consultada. Possibilitou ainda, observar os alunos quanto às tendências para a escolha do aspecto histórico focalizado e, pelas opiniões expressas, constatamos muito dos valores e interesses em formação.

O regimento interno da Escola estabelece que cada disciplina deve apresentar notas correspondentes à avaliação dos alunos. Neste programa, as notas foram referentes ao trabalho escrito individual, aos trabalhos de grupo e a uma prova escrita.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O planejamento e a execução foram completados pela avaliação do programa.

Os alunos verbalizaram, após cada tática e avaliaram, por escrito, no final do programa, principalmente as estratégias utilizadas no ensino da disciplina: a tentativa de inovar foi satisfatória.

Os procedimentos empregados tiveram a efetividade desejada devido a diversos fatores, entre os quais, temos: o tamanho dos grupos, o número de horas semanais consecutivas e a suficiente amplitude da sala de aula, fatores estes que permitem técnicas de grupos.

Se alguma recomendação pudesse resultar do presente trabalho seria de que, o ensino de História da Enfermagem e Obstetrícia seja realizado de tal forma que permita desenvolver nos alunos a curiosidade intelectual, o interesse e a atenção para os valores contidos na disciplina. E, além dos conhecimentos específicos, promova o desenvolvimento de atitudes e valores sócio-profissionais.

  • SECAF, V. - Uma experiência no ensino de história da enfermagem. Rev. Bras. Enf.; DF, 30:76-81, 1977.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA

  • 1
    ALCANTARA, G. - O Ensino de 1:tica e História da Enfermagem. R.B.Enf., 19 (4) : 393-402, agosto, 1966.
  • 2
    ______. Novas Tendências n a Educação da Enfermagem. R.B.Em,., 17 (5): 335-345, out., 1974.
  • 3
    DUNBAR, V. M. - The Instructor of History of Nursing. Nursing Outlook 10(5) : 307-310, may, 1962.
  • 4
    GASMAN, L. - Reflexões em tomo do ensino e da. História. Curriculum, 7 (14) : 20-28. 2.0 Trimestre, 1968.
  • 5
    KOYAMA - Nurslng study at the high school nurslng courses. Teaching methods in History of Nursing and their evaluation. Jpn. J. Nurses Educ., 15(8):520-5, a.ug., 1974.
  • 6
    KRAMER, M. - O conceito de "modelo" como estratégia de ensino. R.B.Enf., 7(2):225-241, set., 1973.
  • 7
    MARQUES, J. C. - Os caminhos do Professor (Incerteza, Inovação, desempenhos). Porto Alegre, Globo, U. Fed. Rio G. do Sul, 1975.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1977
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