Acessibilidade / Reportar erro

ENSINO DE ENFERMAGEM EM DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS - EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO

1. INTRODUÇÃO:

O ensino, de modo geral, proporciorna às docentes possibilidades de experiências didáticas que deveriam ser divulgadas.

No ensino de enfermagem são relativamente escassas as experiências que envolvem integração entre programas de disciplinas.

VALENTE, em uma tentativa de integração entre Enfermagem Médica e de Saúde Pública no curso de graduação em Enfermagem, considera o hospital como centro de irradiação de educação sanitária e afirma que para o futuro profissional compreender as necessidades do indivíduo dentro do contexto família-comunidade é essencial que os programas das especialidades de enfermagem integrem aspectos preventivos.

Uma das disciplinas em que tal integração favorecerá grandemente a aprendizagem discente é a de Enfermagem em Doenças Transmissíveis. Nessa especialidade, a orientação do paciente contagioso, de sua família e dos membros da comunidade sobre medidas gerais de promoção da saúde e de profilaxia de doenças, é a atividade prioritária da enfermeira.

No Brasil, é ainda elevada a incidência de doenças transmissíveis apesar dos múltiplos recursos para sua prevenção. Persistem muitos preconceitos acerca dessas doenças e a comunidade tende a rejeitar os pacientes contagiosos e egressos de Unidades de Isolamento, fatos estes que exigem que a enfermeira dê a devida ênfase à função educativa.

CUNHA diz que uma das mais sérias conseqüências sociais da doença transmissível é a rejeição pela sociedade, e que é necessária a orientação do público sobre o assunto e melhor preparo dos profissionais para atuação nessa área.

KAMIYAMA e NAKAZAWA citam que muitos dos doentes contagiosos interpretam a sua própria doença como “uma das piores” e “aquelas que todos temem” e que notam nos membros da comunidade “temor e preocupação referente ao contágio”. As autoras julgam que esses fatos se devem à falta de esclarecimentos acerca do assunto, não so por parte do paciente como também de sua família e da comunidade.

AMATO NETO diz que uma das medidas mais importantes na profilaxia de doenças transmissíveis é a educação para a saúde.

PIOVESAN, referindo-se à campanha de erradicação da varíola declara que há muitos conhecimentos populares errôneos, além da ignorância do público, mesmo em relação às doenças preveníveis por imunizações, o que torna indispensável a orientação sobre medidas de protilaxia dessas doenças. Acrescenta ainda que de nada adianta oferecer vacinas se não houver orientação adequada da comunidade para recebê-la.

Essa importância e a necessidade da ação educativa da enfermeira no atendimento do paciente contagioso, leva a disciplina Enfermagem em Doenças Transmissíveis a incluir entre os objetivos principais do programa, capacitar o aluno a orientar pacientes, familiares e grupos da comunidade sobre doenças transmissíveis e meios de profilaxia.

Para consecução desse objetivo é indispensável a visão do paciente como um todo somato-psíquico, lesado por agente biológico agressor, indivíduo pertencente a uma família e a uma comunidade, além da seleção de experiências de aprendizagem que possam ser vividas pelos alunos no campo de estágio.

Uma dessas experiências é a atividade educativa junto a pacientes e familiares, cabendo à docente da disciplina Enfermagem em Doenças Transmissíveis mobilizar os recursos da escola e da comunidade a fim de capacitar o futuro profissional a executar com eficácia a atividade de orientação para saúde.

Para isto são requisitos fundamentais, a existência de um campo de prática e o conhecimento, pelos alunos, da especialidade e das estratégias didáticas mais adequadas à educação para saúde.

Na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, com intuito de proporcionar aos estudantes conhecimentos e habilidades no desenvolvimento das atividades educativas e após analise dos recursos disponíveis, as docentes de Enfermagem em Doenças Transmissíveis e Didática Aplicada à Enfermagem, decidiram estabelecer a integração de seus programas.

Foram selecionadas como experiências educativas a serem desenvolvidas pelos alunos no campo, entrevistas com pacientes e familiares para levantamento das informações julgadas necessárias acerca das doenças transmissíveis e do isolamento e palestras a pacientes e familiares sobre prevenção dessas doenças.

2 - EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO:

Segundo HEIDGERKEN “ensino integrado é a fusão organizada de conhecimentos de várias ciências tendo coma tema central um princípio unificador. A essência do processo é constituído pela selação e planejamento das experiências que deverão ser oferecidas aos alunos, levando-os à integração da aprendizagem”.

Esse tipo de ensino proporciona aos alunos a percepção do paciente como um todo com suas necessidades globais dentro do contexto família-comunidade. Como vimos, tal percepção é de extrema importância no ensino de enfermagem, mormente na área de Doenças Transmissíveis que são entidades mórbidas com profundas implicações psicológica e sociais como já foi exposto anteriormente.

Este trabalho tem por objetivo relatar a experiência de integração entre as disciplinas Enfermagem em Doenças Transmissíveis e Didática Aplicada à Enfermagem, no ensino das atividades educativas desenvolvidas pelos alunos.

Um aos fatores desencadeante da integração entre as disciplinas em questão foi além das vantagens dessa forma de ensino em Doenças Transmissíveis, a inclusão da disciplina Didática Aplicada à Enfermagem no elenco das disciplinas do Currículo Mínimo (PARECER n.° 163/72 - CFE).

À essa disciplina passou a pertencer o ensino das técnicas didáticas até então a cargo da disciplina Enfermagem de Saúde Pública como: entrevistas, palestras, aulas, demonstrações, discussão em grupo, etc.

Pelo mesmo Parecer a disciplina até então denominada Moléstias Infecciosas passou a figurar como Enfermagem em Doenças Transmissíveis, portanto muito mais abrangente, incluindo além das moléstias infecto-contagiosas, outras doenças transmissíveis. Além dessa ampliação do programa outra modificação foi a programação sistematizada das atividades educativas sobre aspectos de saúde, desenvolvidas pelo aluno, junto a pacientes e familiares no campo de estágio.

Inicialmente as duas disciplinas mantiveram contatos devidos para testar a viabilidade da integração desejada, a quai foi efetivada por etapas.

Na primeira etapa foram desenvolvidas atividades esporádicas integradas, em que os alunos encarregados de ministrar aulas sobre atualização das técnicas de isolamento a funcionários do hospital campo de estágio, eram encaminhados à docente de Didática para receber orientação sobre o plano de aula.

Tendo sido satisfatória essa tentativa preliminar, foi iniciada, em 1974, a integração formal dos dois programas nc que se refere a palestras a pacientes e familiares e entrevistas com os mesmos.

Levando-se em consideração que um dos comportamentos esperados dos alunos ao término da disciplina Enfermagem em Doenças Transmissíveis é que sejam capazes de orientar pacientes, familiares e grupos comunitários sobre a profilaxia das doenças transmissíveis, foram selecionadas experiências discentes de educação para a saúde exequiveis por eles e que atendessem as necessidades tanto dos pacientes quanto dos familiares.

MARQUES estabelece que para determinar os objetivos o professor deve basear-se “na análise dos interesses, atividades, deficiências e habilidades dos alunos, na especificação das competências exigidas na profissão que eles vão exercer, no equacionamento das possibilidades e recursos da escola e da comunidade onde se desenvolve o ensino”.

TYLER refere que além dos objetivos, ao elaborar um programa deve-se decidir sobre as experiências de aprendizagem a serem oferecidas aos alunos, considerando-se estas como tudo aquilo que é proporcionado com o fim de promover a integração entre o aluno e o ambiente.

Um planejamento de ensino deve incluir portanto em sua previsão alguns pontos essenciais tais como: objetivos, caracterização da clientela, recursos disponíVeis e situações de aprendizagem a serem oferecidas aos discentes.

Em nosso caso específico o objetivo foi estabelecido em função da grande importância do papel educativo do enfermeiro na área de Doenças Transmissíveis, a possibilidade de integração com a disciplina Didática Aplicada à Enfermagem, aplicabilidade no campo de estágio e a extrema carência demonstrada pelos pacientes e seus familiares quanto a informação, sobre prevenção de doenças transmissíveis e medidas gerais de promoção da saúde.

Das atividades programadas foram selecionadas como prioritárias as palestrais aos pacientes e familiares as quais são planejadas com antecedência sob orientação das docentes das duas disciplinas integradas.

Coube a docente da especialidade, além de ministrar os conhecimentos específicos sobre Doenças Transmissíveis, orientar quanto ao conteúdo da palestra, supervisionar e avaliar essa atividade educativa. A professora da disciplina Didática Aplicada à Enfermagem, por sua vez, responsabilizou-se pela assessoria relativa ao plano de aula.

As palestras a familiares de pacientes internados, inicialmente desenvolvidos independentemente das atividades do Hospital, foram em 1975 integrados ao programa educativo estabelecido pela equipe multiprofissional de Saúde Pública da qual fazem parte também as docentes de Enfermagem em Doenças Transmissíveis.

Para que as palestras possam fornecer informações julgadas necessárias pelos pacientes e familiares são realizadas entrevistas com a clientela para sondagem das necessidades cognitivas mais sentidas por eles (SILVEIRA) e ao final, os dados são tabulados por um grupo de estudantes para que sirvam de subsídios no preparo das aulas.

Essas aulas ou palestras a familiares são ministradas em geral por dois estudantes a classes de aproximadamente vinte pessoas. Um dos alunos aborda sobre a doença e o outro expõe as medidas de profilaxia. A divisão no entanto, não é estanque, visto que essas atividades são realizadas mais em forma de discussão com o público.

Os dois alunos por outro lado, contam com o auxílio de outros dois ou quatro colegas que ajudam na seleção dos familiares e no registro das palestras em cartão específico, participando ainda na discussão final.

O público participa ativamente, demonstra muito interesse fazendo observações e relatando vivências pessoais. A comunicação é informal e o resultado de aprendizagem é muito positivo, Os ouvintes respondem a quase todas as perguntas formuladas sobre o assunta abordado.

Após a palestra, a avaliação é feita pelos próprios alunos com ou sem a participação dos docentes, segundo diretrizes pré-estabelecidas.

Já, as palestras a pacientes são desenvolvidas de modo a atender as necessidades cognitivas, com a docente e a enfermeira da clínica, abrangendo os cuidados das vinte e quatros horas.

Quando numa enfermaria existem muitos pacientes com necessidades semelhantes em relação à orientação à saúde, são programadas palestras a todos pacientes desse ambiente.

O entrosamento mantido entre as duas disciplinas em questão tem sido suficiente para assegurar nível satisfatório a essas atividades educativas dos alunos junto aos pacientes e familiares.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A reflexão sobre as atividades desenvolvidas, tendo em vista o objetivo de capactiar o aluno a desenvolver a tarefa de ensinar, junto a pacientes, familiares e grupos da comunidade, nos leva a inferir que as experiências didáticas selecionadas pelas duas disciplinas, bem como a integração entre seus programas tem sido satisfatória, levando ao aprendizado efetivo do aluno.

TYLER refere que o aluno “aprende o que ele faz, tendo assim grande importância todas as experiências práticas que possamos proporcionar a ele”.

Em se tratando de educação para a saúde VALENTE declara que essa deve ser desenvolvida no campo de estágio pois somente assim se efetiva a verdadeira aprendizagem.

Essas afirmações parecem ter sido válidas para o ensino integrado em foco, pois os estudantes se motivaram imensamente a ponto de fundar a “Liga Profilática de Doenças Transmissíveis”, através do Centro Acadêmico da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Esta atua a partir de fevereiro de 1977, no hospital campo de estágio da disciplina Enfermagem em Doenças Transmissíveis.

Nossa observação de 1974 até o momento permite afirmar que pelas avaliações realizadas, os alunos, através das palestras aos pacientes e familiares, adquirem maior segurança tanto na área cognitiva quanto na conativa da disciplina Enfermagem em Doenças Transmissíveis.

  • KAMIY AMA, Y. e colaboradoras - Ensino de enfermagem em doenças transmissíveis - experiência de integração. Rev. Bras. Enf.; DF, 31 : 55-59, 1978.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  • 1
    AMATO NETO, V. - Profilaxia de Doenças Transmissíveis: aula inaugural do Curso sobre Temas Atuais em Doenças Transmissíveis. São Paulo, ABEn SP, 1977.
  • 2
    CUNHA, M. L. M. - Causas e conseqüências sociais das Doenças Transmissíveis. Postila de Treinamento de Funcionários do Hospital Emilio Ribas. São Paulo, 1977.
  • 3
    HEIDGERKEN, L. E. - Ensenãnza enlas escuelas de enfermería. 3.a ed. México, Interamericana, 1966.
  • 4
    KAMIYAMA, Y. e NAKAZAWA, C. K.- Percepção do paciente contagioso sobre sua doença e o isolamento: um estudo prelimnar. Enf. Novas Dimens., 1 (6): 354-9, 1976.
  • 5
    KAMIYAMA, Y.; DELMUTTI, E. S.; SECAF, V.; ROCHA, M. T.; MATTOS, O.; MARTINS, C. B. G. - Educação para saúde - experiência de integração Hospital-Escola de Enfermagem. Enf. Novas Dimens., no prelo.
  • 6
    MARQUES, J. C. - A aula como processo. Um programa de auto ensino. Porto Alegre, Globo, 1973.
  • 7
    SILVEIRA, G. C. X. - A importância das informações no paciente recém hospitalizado. Tese de Livre Docência a ser apresentada à EEUFBA.
  • 8
    TYLER, R. W. - Basic principies of curriculum and instruction: Sylabus for Education 305. Chicago, University of Chicago, 1964.
  • 9
    VALENTE, M. A. - Uma experiência na integração de Enfermagem Médica e Enfermagem de Saúde Pública. Rev. Esc. Enf. USP, 3 (2): 67-87, 1960.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 1978
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br