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Enfermeiros de hospitais de ensino: contribuição ao debate

PALESTRAS

Enfermeiros de hospitais de ensino - contribuição ao debate

Maria Ivete Ribeiro de Oliveira

Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia

O Encontro Nacional de Enfermeiros de Hospitais de Ensino inscreve-se, hoje, no calendário científico da enfermagem brasileira como um evento dos mais importantes.

Isto se deve, certamente, ao crescente interesse pelo debate sobre o papel dessas instituições, no amplo contexto do sistema de prestação de serviços de saúde no país. Por outro lado, ninguém ignora o estado de crise a que chegou a maioria dos hospitais universitários, muitos dos quais obrigados a cessar, temporariamente, suas atividades ou a diminui-las sensivelmente, em virtude da mais absoluta falta de recursos financeiros para manter o seu funcionamento, a custos cada vez mais crescentes.

Tudo isto indica não apenas a falta de prioridade de políticas governamentais que fortaleçam o desenvolvimento social e, dentro destas, do setor saúde e da educação, mas também, a necessidade de que sejam feitas profundas reformulações na própria filosofia da educação e formação de profissionais de saúde e do papel dos hospitais de ensino como núcleo principal do aprendizado das práticas de atendimento à saúde.

Assim, as discussões que este Encontro, certamente, ensejará sobre os problemas mais atinentes à enfermagem nos hospitais de ensino, deve partir, sem dúvida, do exame das finalidades dessas instituições, das dificuldades que ora vivenciam e das tendências para integrá-las como recurso altamente especializado, no atendimento à saúde às comunidades em que estão inseridos.

Prehminarmente é importante lembrar as origens dessas instituições. Durante a primeira metade deste século, o progresso da medicina, na área biológica, junto com a prática desenvolvida nos estabelecimentos de ensino mais destacados, deu origem à crença, quase universal, de que o hospital é o lugar ideal para o aprendizado das práticas de saúde. Nessas instituições de maiores recursos e prestígio se consolidou a utilização do chamado "hospital de ensino" ou "hospital universitário". No Brasil, esses estabelecimentos foram criados a partir dos anos 40. Seguindo o exemplo do Hospital de Clínicas de São Paulo, da Faculdade de Medicina da USP, o ideal para as Faculdades de Medicina era poder deixar as Santas Casas de Misericórdia e desenvolver seus programas num Hospital de Clínicas, grande e bem equipado, um centro de referência nacional ou regional, especializado no tratamento de enfermidades mais raras e mais complicadas, devendo para isto contar com recursos avançados de diagnóstico e tratamento, inevitavelmente de alto custo e complexidade. Esse modelo de instituição vinculou-se* neste país, ao sistema educacional e, na maioria das vezes, divorciado das necessidades de saúde das comunidades, criando um círculo vicioso, no qual, o sistema educacional se encontra, principalmente, dirigido para satisfazer as exigências do próprio funcionamento dessa complexa instituição. Idealizado portanto, para servir às finalidades do ensino e da pesquisa clínica, os hospitais de clínicas organizaram-se, principalmente, para satisfazer a esses dois objetivos. A seleção de pacientes, números de leitos da instituição, sua distribuição e agrupamento fortaleciam esse desiderato. Por isto mesmo, esses hospitais adquiriram uma estrutura muito especial, com centros de poder administrativo e especializado. Este, concentrado nos professores catedráticos e, depois, nos chefes de Departamento, ou de Serviços chegam ou chegavam a manter unidades com organização própria e, por vezes, independentes e financeiramente autônomas. Isto acarreta ou, acarretava, uma série de conflitos na organização, sempre mediadas pelo Conselho Deliberativo do Hospital.

Ao ensejo da reforma universitária, ocorrida ao final dos anos 60, com a reestruturação das universidades, mostrou-se oportuno rever a situação dessas instituições. Na Universidade Federal da Bahia, por exemplo, constituiu-se uma comissão especial para estudar o Hospital das Clínicas. Em diferentes Universidades do país, idênticas providências foram tomadas.

De imediato ficaram evidenciadas as dificuldades para manutenção dessas instituições altamente especializadas mas distanciadas do sistema de prestação dos serviços de saúde da comunidade.

A limitação de recursos financeiros, até então provenientes exclusivamente do MEC - para sustentar tão complexa instituição a custos cada vez mais crescentes -, mostrava, claramente, a inviabilidade de manter-se o esquema organizacional que dera origem a esses estabelecimentos.

Buscou-se, em algumas instâncias, transformá-los em Fundações com autonomia administrativa e orçamentária financeira, inclusive para atendimento à clientela particular. Noutros casos, as soluções foram mais modestas. Mantido o vínculo com as Faculdades de Medicina, buscou-se o estabelecimento de convênios com a Previdência Social. Tentou-se, em outras situações, concomitante à diversificação da captação de recursos de outras fontes além do MEC, encontrar novos modelos organizacionais, já agora, levando-se em conta as finalidades não apenas do ensino e da pesquisa, mas da assistência. Assim, a seleção de pacientes e seu agrupamento deveria obedecer às necessidades do ensino, bem como da assistência. Tentou-se, em algumas dessas instituições, o Sistema de Cuidado Progressivo. Abriu-se oportunidade para a participação de outras unidades de ensino, além da medicina, no órgão deliberativo do hospital. Tais medidas, porém, não se mostraram suficientes para permitir a manutenção dos ideais de organização dos anos 40. Como principal pressão para mudanças dos objetivos desses hospitais e de sua própria reformulação, está o crescimento do alunado, não apenas do curso de graduação em Medicina, mas os de Enfermagem, Nutrição, além das residências médicas e dos cursos de pós-graduação. T^dos pressionando por mais espaço e ampüação das facilidades do hospital.

Por outro lado, as limitacões de recursos financeiros vêm tornando inviável a tão desejada ampliação de suas instalações, agora para servir também como recurso de maior complexidade de um sistema hierarquizado de saúde.

Essencialmente centrado em doenças e nas ações, que visam, sobretudo, o diagnóstico e tratamento de enfermidades agudas e complicadas, ou para o tratamento hospitalar de pacientes que requerem um cuidado especializado, como cirurgias de grande porte ou de terapia intensiva, os hospitais de ensino, neste país, vivem uma fase de transição na redefinição de seus papéis. É crescente a crença de que, dessa complexa e custosa instituição, devem ser excluídos o tratamento de doenças crônicas, as cirurgias de menor porte ou tratamentos que poderiam ser, perfeitamente, efetuados em unidades mais simples e mesmo nos ambulatórios, consultórios ou até a domicílio. Tal limitação também se reflete na utilização desse ambiente para o aprendizado de práticas médicas básicas ou de enfermagem que podem, perfeitamente, ocorrer, com maior proveito, para os alunos, em ambientes menos sofisticados. Muitos educadores e planejadores da saúde acreditam mesmo que a permanência de alunos de cursos de graduação, das várias profissões de saúde - sobretudo de Medicina e Enfermagem, deverá ser uma medida excepcional. Esses hospitais devem servir, principalmente, aos alunos da pós-graduação ou dos últimos anos da graduação. Assim, ao considerar como correto tal posicionamento, carecerá, também, de fundamento a prática tradicional de estabelecer critérios de utilização dos recursos hospitalares mínimos sobre a base de relação entre o número de leitos e de alunos. FERREIRA1 acredita que a única forma de definir-se o tamanho adequado de um hospital é determinar a demanda concreta dos serviços de saúde. Sem dúvidas, é necessário ressaltar a preocupação pela manutenção do padrão de assistência, sempre tomando como referência o desenvolvimento científico e tecnológico. Assim, importa, também, que tais instituições desenvolvam a especialização, realizem investigações clínicas, formem pessoal docente e sirvam também de apoio técnico para outras unidades da rede primária, ou mesmo secundária, que também participam da docência universitária.

Seguramente, tais mudanças não se processarão como um passe de mágica. Há resistências a vencer, sobretudo dos docentes que, pelo prestígio da instituição ou pela comodidade de seus serviços, preferem concentrar suas atividades didáticas nesses ambientes, pela forte tradição que esses hospitais exercem. Doutra parte, a tão desejada integração com outros serviços de saúde da comunidade ainda não se tem mostrado satisfatória.

Mas, enquanto o debate continua sobre a crise ou a fase em transição desses hospitais, inclusive quanto à sua absorção pelo Ministério da Saúde, cumpre, de nossa parte, examinar, dentro dessa imensa gama de problemas, aqueles atinentes à prática da enfermagem de um modo geral e dos enfermeiros, em particular.

Preliminarmente, é bom lembrar ter sido nos ambientes dos hospitais de clínicas e por influência destes que nasceram as escolas universitárias de Enfermagem.

Por estímulos desses núcleos de "excelência clínica", criaram-se, em diferentes pontos do país as Escolas e Serviços de Enfermagem. As escolas foram criadas como unidades anexas às Faculdades de Medicina. Os Serviços de Enfermagem foram organizados como serviços anexos auxiliares, com a finalidade precípua de manter alto padrão de atendimento e, sobretudo, para "ajudar aos médicos em seus trabalhos e pesquisas". Tal organização, porém, não se deu de modo uniforme. Em algumas situações, providenciou-se peia separação das organizações de ensino e do serviço, cada qual com seu grupo distinto; o de professores que utilizavam os serviços, mas sem compromisso com a assistência e. de outro lado, o dos enfermeiros e pessoal auxiliar, distanciado do ensino e mais comprometido com os objetivos do serviço. Subordinados ao diretor administrativo e/ou tutelados pelos poderosos chefes de clínicas, o distanciamento desses dois grupos, professores e enfermeiros, tem dado origem ao enfraquecimento dos objetivos mais amplos da assistência de enfermagem.

Em outras situações, os dois grupos de enfermeiros e encarregados do ensino e da assistência, na verdade eram constituídos por um único contingente de pessoas - os fundadores da escola e encarregados de organizar os serviços de enfermagem do hospital-escola.

Numa e noutra situação, as dificuldades se acentuavam com a crescente diminuição do tempo dos professores de enfermagem nas atividades de assistência e da participação dos enfermeiros nas atividades docentes.

O 1º Seminário sobre "Integração ensino e serviço de enfermagem em hospitais universitários", levado a efeito na cidade do Salvador, sob o patrocínio da Universidade Federal da Bahia e da Organização Pan .Americana de Saúde, ocorrido em outubro de 1968, examinou detidamente a questão. O Relatório publicado, contendo recomendações dirigidas às Escolas de Enfermagem, aos docentes e aos Serviços de Enfermagem, mostrava claramente a preocupação com a necessidade de fortalecimento desses dois grupos de docentes e enfermeiros como condição essencial para assegurar-se a integração das atividades do ensino e da assistência (SEMINÁRIO...2).

O estudo de uma revisão desse documento talvez fosse útil um melhor entendimento dos problemas que hoje agravam a tão desejada integração do ensino e da assistência de enfermagem.

Sem dúvida, espera-se, também, que a prática da enfermagem nesses hospitais possa servir de modelo para outras unidades da comunidade. Aí devem estar concentrados os melhores recursos materiais e humanos não só da prática médica mas da enfermagem também. Por isto mesmo, é responsabilidade nossa, e só nossa, de examinar que providências devem ser tomadas para que isto ocorra; que problemas a dificultam; que somatória de esforços deverá ser feita.

Nessas complexas unidades, importa que a enfermagem possa ser exercida à altura das exigências de um hospital que a comunidde espera seja do mais alto nível.

Este Encontro, certamente, propiciará o exame dessas várias questões e suas recomendações ensejarão, por certo, a adoção de medidas que possam contribuir para o continuado aprimoramento de nosso trabalho, dentro de uma visão crítica, mas consciente de nosso compromisso ético e social, como profissionais a serviço das comunidades em que estamos inseridos.

Congratulo-me com os organizadores deste Encontro e agradeço, desvanecida, o convite que me foi formulado para participar da abertura de seus trabalhos.

  • 1. FERREIRA. José Roberto. Misión del hospital e la luz: de las nuevas tendencias de la educación médica. Educ. Med. y Salud, 10 (2): 140-51, 1976.
  • 2
    SEMINÁRIO SOBRE INTEGRAÇÃO DE ENSINO E SERVIÇOS DE ENFERMAGEM EM HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS . 1, Salvador, out. 1968. Salvador, UFBA/OPAS. 1969.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1985
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