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Assistência humanizada à mulher no parto: uma proposta de resgate de sua singularidade

RESENHA

Assistência humanizada à mulher no parto: uma proposta de resgate de sua singularidade

Humanized assistance to women during delivery: a proposal to ransom its singularity

Asistencia humanizada a la mujer en el parto: una propuesta de rescate de su singularidad

Anna Maria Hecker Luz

Enfermeira. Doutora em Educação. Docente da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Resenha da publicação intitulada - Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher, editado pelo Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Área Técnica da Mulher em Brasília, no ano de 2001.

O texto propõe mudanças na postura tradicional de assistência de saúde à mulher - na gestação, no parto e no puerpério - considerando esses processos: predominantemente biológicos, com ênfase na doença, nas técnicas intervencionistas e na prática de rotinas.

Ao se abordar a saúde reprodutiva, no caso da mulher, ressalta-se o acréscimo de outra questão complexa - as relações de gênero. Em oposição à definição de identidade sexual baseada no fator eminentemente biológico, em que as características anatômicas e hormonais imutáveis, definem homem e mulher, a identidade de gênero é socialmente construída no tempo, espaço e lugar, criando estereótipos de papéis diferenciados, vinculadas às relações de poder e de interesse das sociedades - determinando o que é próprio para homens e para mulheres.

Nesse contexto, as mulheres - exaltadas pela maternidade - são culpabilizadas pelos problemas relacionados à saúde materno infantil existentes. Assim, a assistência de saúde associada à institucionalização do parto, objetiva o desenvolvimento de recém-nascidos saudáveis e a redução das taxas de mortalidade infantil. Essa assistência, portanto, privilegia a mulher na esfera do ciclo grávido-puerperal sem que essa política de assistência se preocupe com os benefícios diretos para as mulheres. Observa-se, hoje, que a quase totalidade das iniciativas relacionadas à saúde das mulheres se caracterizam por manipular seus corpos e suas vidas, com objetivos outros que não seu bem-estar, expropiando da mulher sua autodeterminação. As elevadas taxas de mortalidade materna e perinatal, o uso abusivo de cesariana e a alta prevalência de mulheres sem o acesso garantido a métodos anticoncepcionais, são exemplos claros dessas distorções. A situação se agrava, evidenciada, principalmente, pelo poder da medicina em transformar eventos fisiológicos em doenças - a medicalização do corpo feminino - é uma poderosa fonte da ideologia sexista da nossa cultura.

Observa-se, no mundo todo, a crescente tendência à contestação de desenvolvimento das sociedades baseado no modelo político autoritário, na luta pela afirmação da liberdade e da democracia e no fortalecimento de uma corrente ecológica. É sob a ótica desse movimento de transformação que ocorre a nova reflexão sobre a saúde da mulher. Pensar sobre a mulher e sua saúde é pensar uma nova sociedade - com o eixo central focado na qualidade de vida do ser humano.

A publicação do Ministério da Saúde, aqui sintetizada, aborda os aspectos da assistência humanizada ao parto, dividida em 21 capítulos, que incluem: direitos reprodutivos, saúde materna e perinatal; preparo da mulher para o parto; avaliação do tipo de parto; assistência à mulher e o controle da dor no trabalho de parto; assistência à mulher no parto normal, fórcipe e cesárea; anestesia em obstetrícia; assistência à mulher no parto de gestação de alto risco e na indução do parto; assistência imediata ao recém-nascido; aleitamento materno; assistência à mulher com abortamento e à portadora do HIV; assistência à mulher no puerpério; concluindo com evidências científicas sobre as práticas utilizadas no parto.

Nos capítulos iniciais tem-se a visão da proposta de humanização para o parto, que se baseia nos direitos reprodutivos e segue na análise da atenção institucionalizada ao parto realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e da implantação de um conjunto de ações, através de portarias ministeriais para a melhoria da assistência obstétrica.

Nesse sentido, a inclusão na Tabela do Sistema de Informações Hospitalares do SUS, para o procedimento "parto normal sem distócia realizado por enfermeiro obstétrico" reconhece e oficializa, a assistência prestada por essa categoria profissional, no contexto da humanização do parto.

Ao longo dos capítulos, os conteúdos são desenvolvidos com a finalidade de apontar estratégicas para o alcance de práticas de saúde que reduzam a distância entre o conhecimento científico e tecnológico, com uma visão humanística, na promoção da saúde.

Essas práticas, entretanto, por si só não garantem a assistência humanizada ao parto. Há necessidade de modificações profundas na qualidade da assistência ao parto nas maternidades brasileiras: processo que inclui desde a adequação da estrutura física e de equipamentos dos hospitais - para que a mulher possa ter um acompanhante no trabalho de parto e para procedimentos de alívio da dor até a mudança de postura, tanto dos profissionais de saúde quanto das gestantes.

Acima de tudo, para a execução da proposta do Ministério da Saúde, é necessário uma mudança de atitudes, inicialmente dos dirigentes institucionais, seguida dos profissionais de saúde, revendo conceitos, deixando de lado preconceitos, para favorecer um acolhimento completo, técnico e humano à mulher.

Apesar da proposta atual do Ministério não se encontrar no patamar desejado de implantação, observa-se que velhos paradigmas da assistência ao parto institucionalizado são questionados, proporcionando um repensar de novas formas, menos autoritárias - tornando o parto um procedimento mais seguro e menos doloroso e, principalmente, respeitando os desejos e direitos das mulheres.

Recebido em 22/04/2002

Aprovado em 26/06/2002

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2014
  • Data do Fascículo
    Fev 2002
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