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Currículos de enfermagem do Brasil e as diretrizes: novas perspectivas

Currículos de enfermería de Brasil y las directrices: nuevas perspectivas

Nursing curricula in Brazil and their guidelines: new perspectives

Resumos

Este recorte bibliográfico objetivou realizar uma retrospectiva dos currículos existentes para o curso de graduação em enfermagem, desde a sua primeira escola, Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, do Rio de Janeiro, em 1890 até a Resolução CNE/CES 3/2001, documento que estabelece o novo currículo de enfermagem em nosso país. Percebi que as mudanças de currículos foram obrigatórias e agora observo mais participação dos enfermeiros e mais interesse coletivo deles, que estão engajados em formar futuros enfermeiros mais humanistas, reflexivos e críticos.

currículo; enfermagem; educação; história da enfermagem


Este recorte bibliográfico tuvo como objetivo realizar una retrospectiva de los currículos que existían en los cursos de graduación de enfermería desde la primera escuela, "Escola Profesional de Enfermeros y Enfermeras de Rio de Janeiro", en 1890, hasta la Resolución CNE/CES de 03/2001, cuyo texto establece el nuevo currículo de enfermería en nuestro País.Se nota que los cambios de currículos fueron obligatorios e ahora se observa más interés colectivo y más participación de los enfermeros, quienes están comprometidos en formar futuros enfermeros más humanistas, reflexivos y críticos.

currículo; enfermería; educación; historia de enfermería


This bibliographic clipping is aimed at presenting the history of current undergraduate nursing curricula, starting with the first school that came into existence in Brazil - "Escola de Enfermeiros e enfermeiras do Rio de Janeiro", in 1890, until the Administrative Act CNE/CES, from March/2001, a document that established a new curriculum for nursing education in our country. I have noticed that the changes in the curricula were obligatory, and now I notice that participation of nurses and a stronger collective interest has evolved, and they seem to be engaged in educating more humanized, reflexive, and critical nurses for the future.

curriculum; nursing; education; nursing history


CURRÍCULOS DE ENFERMAGEM - HISTÓRIA

Currículos de enfermagem do Brasil e as diretrizes - novas perspectivas

Nursing curricula in Brazil and their guidelines - new perspectives

Currículos de enfermería de Brasil y las directrices - nuevas perspectivas

Silvana Sidney Costa Santos

Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora da Faculdade de Enfermagem N.Sa. das Graças (FENSG). Universidade de Pernambuco (UPE). Líder do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa sobre o Idoso (GIEPI), FENSG - UPE - CNPq, E-mail: silvanasidney@terra.com.br

RESUMO

Este recorte bibliográfico objetivou realizar uma retrospectiva dos currículos existentes para o curso de graduação em enfermagem, desde a sua primeira escola, Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, do Rio de Janeiro, em 1890 até a Resolução CNE/CES 3/2001, documento que estabelece o novo currículo de enfermagem em nosso país. Percebi que as mudanças de currículos foram obrigatórias e agora observo mais participação dos enfermeiros e mais interesse coletivo deles, que estão engajados em formar futuros enfermeiros mais humanistas, reflexivos e críticos.

Descritores: currículo; enfermagem; educação; história da enfermagem

ABSTRACT

This bibliographic clipping is aimed at presenting the history of current undergraduate nursing curricula, starting with the first school that came into existence in Brazil - "Escola de Enfermeiros e enfermeiras do Rio de Janeiro", in 1890, until the Administrative Act CNE/CES, from March/2001, a document that established a new curriculum for nursing education in our country. I have noticed that the changes in the curricula were obligatory, and now I notice that participation of nurses and a stronger collective interest has evolved, and they seem to be engaged in educating more humanized, reflexive, and critical nurses for the future.

Descriptors: curriculum; nursing; education; nursing history

RESUMEN

Este recorte bibliográfico tuvo como objetivo realizar una retrospectiva de los currículos que existían en los cursos de graduación de enfermería desde la primera escuela, "Escola Profesional de Enfermeros y Enfermeras de Rio de Janeiro", en 1890, hasta la Resolución CNE/CES de 03/2001, cuyo texto establece el nuevo currículo de enfermería en nuestro País.Se nota que los cambios de currículos fueron obligatorios e ahora se observa más interés colectivo y más participación de los enfermeros, quienes están comprometidos en formar futuros enfermeros más humanistas, reflexivos y críticos.

Descriptores: currículo; enfermería; educación; historia de enfermería

1 Introdução

Um elemento muito importante na discussão de questões curriculares é o fato de que as atividades curriculares, tanto as teóricas quanto as práticas, não sejam isoladas das lutas econômicas, políticas e ideológicas da sociedade mais ampla. Os contextos sociais, econômicos e políticos do Brasil e da região onde o currículo será desenvolvido necessitam ser discutidos e considerados neste currículo, e aqui estou fazendo referência ao Projeto Pedagógico _ aquele documento construído e vivido pelos autores envolvidos com o processo de ensino e aprendizagem, ou seja, com o processo educativo de uma determinada instituição.

O que se percebe também é que o currículo peca quantitativa e qualitativamente, se apresentado mínimo e fragmentado, não oferecendo, por meio de suas matérias a visão do todo, do curso e do conhecimento uno, nem favorecendo a comunicação e o diálogo entre os saberes, pois as matérias, com seus programas e conteúdos, não se integram ou complementam, dificultando a perspectiva de conjunto e de globalização e desfavorecendo a aprendizagem. Por conta de problemas como estes, fica parecendo que a escola ainda não definiu o seu importante papel no contexto histórico, social e político. Esta conquista de identidade da escola é possível acontecer através de um processo gradativo, que ocorre de dentro para fora, em que as possibilidades individuais e grupais sejam colocadas à frente das circunstâncias limitadoras e impostas; porém, é preciso também que os seres humanos envolvidos neste processo queiram construí-la, cultivando-se, melhorando-se e aprendendo a cada dia(1).

O objetivo deste recorte bibliográfico foi realizar uma retrospectiva dos currículos existentes para o curso de graduação em enfermagem, desde a sua primeira escola, Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, do Rio de Janeiro, em 1890 até a Resolução CNE/CES 3/2001, documento que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Enfermagem no Brasil.

2 Os currículos de enfermagem no Brasil: de 1890 à proposta das diretrizes

A formação na enfermagem, no Brasil, iniciou-se com a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras em 1890, pelo Decreto n.º 791, de 27 de setembro de 1890(2), criada por médicos à luz do modelo francês, não tendo ainda a concepção de enfermagem moderna, já estabelecida na Europa e Estados Unidos e por conta disto até hoje se discuti se esta foi a primeira escola de enfermagem do país. Atualmente é a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, no Rio de Janeiro.

Com essa escola, os médicos pretendiam atender à necessidade de formar profissionais de enfermagem no hospício, referência ao Hospital Nacional de Alienados, devido à saída das irmãs de caridade. Pretendiam ainda formar enfermeiros e enfermeiras em escola controlada por médicos, dando continuidade à institucionalização do poder médico como elemento central da assistência de saúde, já garantida pela regulamentação oficial do ensino de medicina(3).

O currículo da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, apresentado no citado Decreto n.º 791, incluía:

[...] noções práticas de propedêutica clínica; noções gerais de anatomia; fisiologia; higiene hospitalar; curativos; pequena cirurgia; cuidados especiais a certas categorias de enfermos e aplicações balneoterápicas ou tratamento através de banhos; administração interna e escrituração do serviço sanitário e econômico das enfermarias(2:26).

Em de 10 de novembro de 1922 foi criada a Escola de Enfermeiras, pelo Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), por meio do Decreto n.º 15.799/22, passando a funcionar em 1923, numa casa alugada, próxima ao hospital, e que servia também de residência das alunas. Esse curso visava a fornecer instrução teórica e prática, simultaneamente, com duração de dois anos e quatro meses, tempo este que precisou ser estendido, para ser possível ministrar as matérias estabelecidas. Atualmente é a Escola de Enfermagem Anna Nery, da UFRJ.

Após realizar uma visita aos Estados Unidos, em 1921 e ter se entusiasmado com o trabalho profissional de enfermagem daquele país, já estruturado nos padrões nightingalianos, o Dr. Carlos Chagas, à frente do DNSP, achou oportuno adequá-lo ao Brasil, "acreditando ser este o profissional da área de saúde capaz de atender as necessidades urgentes de sanitarismo e de saúde pública"(3:129).

O currículo da Escola de Enfermeiras do DNSP, estabelecido pelo Decreto n.º 16.300/23, de 31 de dezembro de 1923, era composto de uma parte geral, com dezesseis matérias e de uma parte especializada, com oito matérias, assim apresentadas:

Parte geral: princípios e métodos da arte de enfermeira; bases históricas, éticas e sociais da arte de enfermeira; anatomia e fisiologia; higiene individual; administração hospitalar; terapêutica farmacológica e matéria médica; métodos gráficos na arte de enfermeira; física e química aplicada; patologia elementar; parasitologia e microbiologia; cozinha e nutrição; área de enfermeira; higiene e saúde pública; radiografia; campo de ação da enfermeira _ problemas sociais e profissionais. Parte especializada: serviço de saúde pública; serviço administrativo hospitalar; serviços de dispensários; serviços de laboratórios; serviços de sala de operações; serviço privado; serviço pediátrico(2:65-6).

Percebe-se que nestas duas escolas são apresentados modelos de currículos mínimos obrigatórios, que surgiram para atender questões sociais (cuidar dos doentes mentais, substituir as irmãs de caridades nos hospitais, manter a formação dos enfermeiros sob jugo dos médicos) e/ou políticas (minimizar os problemas de saúde pública, visando as necessidades econômicas do país - funcionamento dos portos e facilitação das exportações). Outro ponto a ser refletido diz respeito aos modelos dos currículos estabelecidos terem seguido modelos de outros países: primeiro da França e depois dos Estados Unidos.

Em 5 de agosto de 1949, surgiu Lei n.º 775/49 que uniformizou o ensino de enfermagem no Brasil, apresentando o curso de enfermagem, com 36 meses, e o curso de auxiliar em enfermagem, com 18 meses. Então, o Decreto n.º 27.426/49, de 14 de novembro de 1949, direcionou o currículo para a formação do enfermeiro, distribuindo as matérias em três séries:

A primeira com técnica de enfermagem; higiene individual; anatomia e fisiologia; química biológica; microbiologia e parasitologia; psicologia, nutrição e dietética; história da enfermagem; saneamento; patologia geral; enfermagem e clínica médica; enfermagem e clínica cirúrgica; farmacologia e terapêutica; dietoterapia. A segunda, com técnicas de sala de operações; enfermagem e doenças transmissíveis e tropicais; enfermagem e tisiologia; enfermagem e doenças dermatológicas, sifiligráficas e venéreas; enfermagem e clínica ortopédica, fisioterápica e massagem; enfermagem e clínica neurológica e psiquiátrica; enfermagem e socorros de urgência; enfermagem e clínica urológica e ginecológica; sociologia; ética. A terceira, com enfermagem e clínica otorrinolaringológica e oftalmológica; enfermagem e clínica obstétrica e puericultura neonatal; enfermagem e clínica pediátrica, compreendendo dietética infantil; enfermagem de saúde pública; ética II; serviço social. Os estágios eram realizados em: clínica médica geral, clínica cirúrgica geral, clínica obstétrica e neonatal, clínica pediátrica, cozinha geral e dietética, serviços urbanos e rurais de saúde pública(2:162-3).

Como este modelo seguia as orientações do currículo guide americano, era obrigatório que fosse oferecida residências às alunas, o que se tornou tradição na enfermagem brasileira até o advento da reforma universitária, ocorrida em 1972(4).

Percebe-se ainda, neste modelo e no anterior a este, uma formação profissional direcionada a um grupo de elite, pois as enfermeiras eram mulheres que pertenciam às camadas sociais mais privilegiadas. O modelo era "articulado ideologicamente com os interesses da classe dominante, dócil e servil aos médicos e ao Estado"(3:137), seguindo, no ensino de enfermagem, o que preconizada Taylor e incorporando a prioridade do desempenho de técnicas e parcelamento do processo de trabalho.

A partir de 1950, com o incremento das indústrias voltadas para o complexo médico, o aumento dos laboratórios de medicamentos e outros empreendimentos tais como crescimento da população previdenciária; as questões de saúde pública começam a perder a sua importância e a atenção médica hospitalar, individualizada torna-se o foco da prestação de serviços, forçando uma mudança na formação do enfermeiro. É então, reformulado o currículo de enfermagem pelo Parecer n.º 271/62, de 19 de outubro de 1962, que estabeleceu um curso geral e duas alternativas para especialização. Para o curso geral, o currículo era dado em três anos. As duas especializações eram ministradas em mais um ano, cada uma, após aqueles três anos do curso geral e assim apresentava:

O curso geral foi formado por: fundamentos de enfermagem; enfermagem médica; enfermagem cirúrgica; enfermagem psiquiátrica; enfermagem obstétrica e ginecológica; enfermagem pediátrica; ética e história da enfermagem; administração. As especializações objetivavam formar o enfermeiro de saúde pública, que devia cursar: higiene, saneamento, bioestatística, epidemiologia, enfermagem de saúde pública; e formar a enfermeira obstétrica, que cursava: gravidez, parto e puerpério normais; gravidez, parto e puerpério patológicos; assistência pré-natal, enfermagem obstétrica(2:252).

No currículo de 1962, suprimem-se as disciplinas básicas, tais como: anatomia, fisiologia ("propondo-se englobá-las em fundamentos de enfermagem") e as disciplinas de cultura geral, como a sociologia ("Tal matéria não consta, como obrigatória, no curso de medicina. Como exigi-la no de enfermagem?")(2:250) e suprime-se ainda a enfermagem de saúde pública.

Neste currículo verifica-se uma carga horária de 2.430 horas para o curso geral e 3.240 horas com a especialização, obrigando a computar só 10% das horas fixadas para o curso como estágios. Tal situação, incomodou várias educadoras de enfermagem, na época, as quais empreenderam muitas críticas e esforços para mudanças, que viriam a acontecer na Reforma Universitária (Lei n. º 5.540/68), quando o modelo compacto de matérias e disciplinas foi substituído(4).

Na década de 70 aconteceu a Reforma Universitária. O Parecer n.º 163/72, aprovado em 27 de janeiro de 1972, e a Resolução n.º 4, de 25 de fevereiro do mesmo ano, confirmam a Reforma Universitária na Enfermagem, estabelecida pelo MEC, cujo currículo passa a compreender três partes:

pré-profissional, incluídas biologia; ciências morfológicas; ciências fisiológicas; patologia; ciências do comportamento; introdução à saúde pública. Tronco profissional comum: introdução à enfermagem; enfermagem médico-cirúrgica; enfermagem materno-infantil; enfermagem psiquiátrica; enfermagem em doenças transmissíveis; exercício da enfermagem; didática aplicada à enfermagem; administração aplicada à enfermagem. As três habilitações: enfermagem médico-cirúrgica; enfermagem obstétrica; ou enfermagem de saúde pública(2:722-3).

As características diferenciadas desse modelo curricular são a obrigatoriedade da prática desportiva e do Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB), a oportunização de o aluno poder receber a licenciatura em enfermagem e a exigência de carga horária não inferior a um terço das partes profissionais para estágios do curso, o que significou uma conquista para a formação profissional(5). A carga horária mínima desse currículo era de 2.500 horas, a ser desenvolvida em no mínimo três anos, mais 500 horas para cada habilitação, ou 600 horas para a licenciatura em enfermagem, esta última estabelecida pela Portaria 13/69(5).

Na década de 1970, eclodiram diversos movimentos políticos e sociais, fazendo com que se passasse a repensar o processo saúde-doença. Dentre esses movimentos inclui-se a Conferência de Alma Ata, ocorrida em 1978, sob a direção da OMS, tendo como meta Saúde para todos no ano 2000, passando a considerar a saúde como resultante do desenvolvimento sócio-econômico e político das nações e garantindo a participação popular nas grandes discussões sobre saúde.

Na enfermagem brasileira inicia-se a introdução das teorias de enfermagem, vindas de outros países, como uma tentativa de construção de um corpo de conhecimentos específicos da profissão e uma enfermeira brasileira apresenta a Teoria das Necessidades Humanas Básicas - Wanda de Aguiar Horta, tal teoria direcionada a sistematizar o cuidado de enfermagem. Porém, estas teorias eram apoiadas em "fundamentação teórica para a operacionalização do cuidado, não levando em consideração o terreno concreto do exercício profissional"(5:110), formado não só por enfermeiros, mas por auxiliares e atendentes. Assim, a sistematização proposta pelas teóricas da enfermagem, por meio do processo de enfermagem, torna-se um

[...] instrumento muito mais de exercício de acadêmico-pedagógico que metodologia operacional de práticas concretas de assistência, na formação das enfermeiras, reforçando o distanciamento do ensino e da prática nos serviços assistenciais(5:110).

Situação que vem se modificando atualmente, tornando esta sistematização mais apropriada às necessidades locais.

Na década de 80 outros movimentos mexeram com a formação dos enfermeiros, dentre eles: a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, a aprovação da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8080/90), já no início da década de 80, incluindo a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ainda na década de 80 a Enfermagem brasileira intensificou o número de cursos de graduação e de pós-graduação no país. Com os cursos de pós-graduação começaram a surgir às pesquisas, que levaram os enfermeiros a repensar e criticar os modelos formadores dos profissionais de enfermagem, à luz de referenciais teórico-metodológicos críticos e despertando outros enfermeiros a perceberem a Enfermagem uma prática socialmente determinada e determinante, que não tinha mais condições de continuar às margens de um movimento transformador vigente. Nesse mesmo período foi aprovada a Lei n. º 7.498/86 e o Decreto n. 94.406/87, que regulamentam o exercício da profissão - depois de quase dez anos de intensa luta. Todos esses movimentos conduziram à nova percepção de formação dos profissionais de enfermagem e, portanto, a uma necessidade de rever-se o currículo.

A Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), depois de realizar várias oficinas e seminários estaduais, regionais e nacionais, juntamente com outras entidades da classe e escolas de enfermagem do país, e após um longo período de processo de ação e reflexão voltado à formulação dos currículos, apresentou e discutiu de forma participativa uma proposta curricular que foi encaminhada ao MEC, sendo aprovada, através da Portaria nº 1.721, de 15 de dezembro de 1994. Porém, nesta Portaria verificaram-se algumas alterações importantes, como por exemplos a não inclusão das disciplinas educativas e a ausência da assistência ao idoso, o que direcionou alguns enfermeiros a entenderem equivocadamente que os conteúdos relacionados ao processo de envelhecimento, idoso e velhice fossem vistos na Saúde do Adulto.

Importante ressaltar que no documento Proposta Preliminar de Currículo Mínimo para os Cursos de Graduação em Enfermagem, elaborado por representantes da Comissão de Especialistas de Enfermagem e da Comissão de Educação da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), que deu origem a Portaria nº 1.721/94, tendo como referência os resultados dos seminários regionais e nacionais sobre Ensino Superior de Enfermagem e Perfil e Competências do Enfermeiro e suas Implicações no Currículo de Enfermagem, o currículo de graduação de enfermagem apresenta seis áreas assim distribuídas: 1) fundamentação básica de enfermagem, 2) métodos e técnicas na enfermagem; 3) enfermagem na assistência à formação e nascimento do ser humano; 4) enfermagem na assistência à saúde da criança e do adolescente; 5) enfermagem na assistência ao adulto e ao idoso e aqui ficou registrado: "pretende-se que o aluno adquira conhecimentos científicos necessários ao desenvolvimento da assistência integral ao ser humano adulto e idoso nos diversos níveis de atenção"(6:9); 6) enfermagem e administração.

Com a aprovação pelo MEC da Portaria nº 1.721/94 algumas modificações foram realizadas apresentando as seguintes matérias e disciplinas:

Bases Biológicas e Sociais da Enfermagem, com 25% da carga horária total do curso, formada pelas Ciências biológicas: comportando a morfologia; fisiologia; patologia; biologia; Ciências humanas: antropologia filosófica; sociologia; psicologia aplicada à saúde. Fundamentos de Enfermagem, com 25%: incluindo os conteúdos técnicos, metodológicos e os meios e instrumentos de trabalho individual e coletivo, comportando: história da enfermagem; exercício da enfermagem; epidemiologia; bioestatística; saúde ambiental; semiologia e semiotécnica de enfermagem; metodologia da pesquisa. Assistência de Enfermagem, com 35%: incluindo os conteúdos teórico-práticos, que compõem a assistência de enfermagem individual e coletivamente voltada à criança, adolescente e adulto, em situações: clínicas; cirúrgicas; psiquiátricas; gineco-obstétricas; saúde coletiva. Administração em Enfermagem, com 15%: nessa área incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de administração do processo de trabalho e da assistência de enfermagem, priorizando hospitais gerais e especializados, de médio porte, ambulatórios e rede básica de serviços de saúde(7:73-4).

Esta proposta tem uma carga horária total de 3.500 horas e o estágio curricular supervisionado deve durar, no mínimo, dois semestres. Quanto ao tempo total do curso, apresenta-se com no mínimo quatro anos (ou oito semestres letivos) e no máximo seis anos (doze semestres letivos).

Ela trouxe algumas insatisfações sérias aos enfermeiros, principalmente pela falta das disciplinas educativas, desconsiderando assim a função educativa destes profissionais, o que direcionou as escolas de enfermagem a contemplá-las, mesmo que de forma parcial, no currículo pleno. Outra amarra que amedrontou os enfermeiros foi o estabelecimento dos percentuais das áreas que compõem o novo currículo, que "configuram a lógica do controle sobre conteúdos e formas, limitando a formação do perfil profissional generalista, bem como as vocações das escolas, sem considerar as características institucionais e geopolíticas nas quais se inserem"(5:122).

Em 1996, a regulamentação da LDB, nº 9.394/96, em seu artigo 53, atribui ao MEC a competência de fixar os currículos dos seus cursos e programas, através das Comissões de Especialistas do Ensino de Graduação, estabelecendo as Diretrizes Curriculares Nacionais. Desta forma, a Comissão de Especialistas de Enfermagem (CEEn), inserida na Secretaria do Ensino Superior (SESu), do Departamento de Política de Ensino Superior (DEPES), no Ministério da Educação, elaborou um modelo de Enquadramento das Propostas de Diretrizes Curriculares, que caminhou em descompasso com as discussões realizadas nas organizações de ensino, nas entidades de classe e defendidas pela ABEn(8).

No final da década de 90, com a mudança na equipe que integra a CEEE do Ministério, surgiu uma outra proposta curricular para os cursos de graduação em enfermagem, que corroborou os princípios curriculares elaborados pela ABEn e dos relatórios surgidos dos Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem no Brasil (SENADEn), importante acrescentar que estes Seminários surgiram a partir da preocupação da ABEn em fortalecer o processo formativo dos profissionais da enfermagem, tornando-se os novos fóruns de discussão acerca do ensino de enfermagem de nível médio, de graduação e de pós-graduação. Tais fóruns objetivam analisar, criticamente, temáticas referentes à formação do enfermeiro, buscando elaborar diretrizes e estratégias delineadoras da política de educação em enfermagem no país.

Esta nova proposta direcionou-se à elaboração de um Projeto Pedagógico que contemplasse as dimensões necessárias à formação do enfermeiro, pautada em: competências e habilidades, conteúdos essenciais e indicadores de avaliação, tornando-se, após modificações estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação - Câmara de Educação Superior, a Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem - DCN(9), que apontam para uma preocupação mais integrada da formação do enfermeiro, com perfil generalista, humano, crítico e reflexivo, tendo como base o rigor científico.

As DCN objetivam dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: atenção à saúde, enfatizando que a responsabilidade desta atenção não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; tomada de decisões; comunicação, cabendo ao futuro enfermeiro o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação; liderança; administração e gerenciamento, preparando-se os futuros profissionais para a aptidão quanto a saber tomar iniciativa; educação permanente, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação por meio de redes nacionais e internacionais.

Nas Diretrizes os conteúdos devem contemplar as Ciências Biológicas e da Saúde; as Ciências Humanas e Sociais; as Ciências da Enfermagem: Fundamentos de Enfermagem, Assistência de Enfermagem, Administração de Enfermagem, Ensino de Enfermagem. Foram abolidos os percentuais estabelecidos na Portaria nº 1.721/94. A organização do curso será definida pelo seu colegiado, que pode ter como modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular.

Tal como na Portaria nº 1.721/94, as Diretrizes orientam que nos últimos dois semestres do curso de graduação em enfermagem realizem-se os estágios curriculares, com carga horária total de pelo menos 20% do total do curso.

Uma inovação das Diretrizes é a introdução das atividades complementares, com no mínimo de 200 horas para todo o curso, sendo consideradas: disciplinas extracurriculares; disciplinas extracurriculares, pertencentes a outros cursos da IES ou de outra, em áreas afins; projetos de pesquisa ou iniciação científica, orientados por docente da faculdade; programas de extensão, sob orientação de professor da faculdade; cursos de extensão na área de interesse dos cursos ou de atualização cultural ou científica; monitoria no curso; eventos diversos; presença em defesas de monografias, dissertações ou teses do curso; cursos de idiomas; cursos na área da computação e da informática; participação em atividades extracurriculares de assistência ou assessoria a populações carentes ou de baixa renda, diretamente ou por intermédio de associações, sindicatos, ONG's, mediante convênio com a IES; estágios extracurriculares; participação em programas de voluntariado; visitas orientadas e outras atividades que a coordenação do curso achar necessária incluir.

3 Considerações Finais

São muitas, as tendências e principalmente as perspectivas vislumbradas pelas Diretrizes e uma delas estas claras em seu Art. 10: "as Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o currículo do curso de graduação em Enfermagem para um perfil acadêmico e profissional do egresso"(9), considerando-se ainda que a implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao curso de graduação em Enfermagem que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento.

Data de recebimento: 22/08/2003

Data de aprovação: 28/08/2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2003

Histórico

  • Aceito
    28 Ago 2003
  • Recebido
    22 Ago 2003
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